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domingo, 23 de junho de 2024

Lipedema - Conceito, diagnóstico, tratamento e como o nutrólogo pode te auxiliar?

 

Lipedema: muito além do hype

Que o tema está na moda, todo mundo sabe, o que não te contam é que pouco se sabe ainda, sobre o tratamento realmente eficaz para o Lipedema.

Mas o que é lipedema? Como diferenciar lipedema de obesidade? Como se faz o diagnóstico de lipedema? Quais os tratamentos disponíveis para o lipedema?

Essas são apenas algumas das perguntas que recebo diariamente no meu consultório e no direct do instagram: @drfredericolobo e @draesthefaniagalmeida Se você não nos segue, sugerimos que siga. Sempre postamos informações confiáveis sobre saúde e bem-estar. 

Antes de tudo, é preciso salientar que a doença não é nova, mas ganhou "fama" por conta de profissionais que querem vender soluções milagrosas. Se tem o esperto para vender solução, tem o bobo para comprá-la.

O lipedema (ou lipofilia membralis) é uma patologia inflamatória (de baixo grau) e crônica do sistema linfático e gorduroso. Nele há um acúmulo desproporcional de gordura, nas extremidades (membros, porém, especialmente nos membros inferiores). 

Além desse acúmulo de gordura, o paciente queixa-se de desconforto na região do acúmulo, como por exemplo sensação de peso nas pernas, inchaço, dor e hematomas que surgem facilmente.

Por ter uma característica inflamatória (quando a biópsia dessa gordura é vista pelo patologista), vários profissionais postularam que uma dieta antiinflamatória e uso de nutracêuticos (antiiflamatórios e antioxidantes) poderiam auxiliar no tratamento.

Prevalência e confusão no diagnóstico

Descrito pela primeira vez na medicina nos anos 1940 nos Estados Unidos, o lipedema afeta 1 a cada 10 mulheres, o que soma cerca de 5 milhões de brasileiras. Ou seja, é uma doença de alta prevalência, porém de baixo reconhecimento e diagnóstico, sendo frequentemente subdiagnosticado ou confundido com obesidade ginecoide, linfedema ou mesmo insuficiência venosa. No mundo todo, acredita-se que acometa mais de 10% das mulheres.

Por levar a alterações na silhueta corporal, o quadro é frequentemente rotulado de questão estética, o que não é, pois trata-se de uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Sua inclusão na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) passou a vigorar em janeiro de 2022:  EF02.2

Qual a fisiopatologia? Como surge?

Ainda não sabemos ao certo o mecanismo fisiopatológico do lipedema, porém, sabemos que há envolvimento de fatores hormonais e forte componente genético. Sendo mais comum em mulheres que em homens.

É comum o relato que o acúmulo iniciou na puberdade, após gravidez, uso de anticoncepcionais ou até mesmo após menopausa. Alguns pesquisadores correlacionam as alterações nos níveis de estrogênio e progesterona como gatilho para o desencadeamento. Esses hormônios estimulariam certos grupos de células de gordura a inflar de um modo anormal. Daí a condição ser praticamente exclusiva das mulheres. 
 
Sabe-se que além do acúmulo de gordura (hiperplasia e hipertrofia dos acipócitos), existe uma maior prevalência de substâncias (citocinas) pró-inflamatórias. Isso provavelmente leva a alteração nos capilares, tornando-os frágeis, o que pode facilitar o surgimento dos hematomas. A infiltração gordurosa acaba alterando os vasos linfáticos e com isso ocorre uma hiperpermeabilidade, levando a uma retenção de líquidos. Além disso ocorre uma privação de oxigênio o que ocasiona dor e posteriormente fibrose local, o que torna a doença progressiva. Também há uma redução da mobilidade do membro, o que perpetua o processo.

Diagnóstico 

Os critérios diagnósticos do lipedema, descritos por Wold et al. (1951) e modificados por Herbst, envolvem tendência a hematomas, aumento de volume dos membros simétrico e bilateral poupando pés e mãos e hipersensibilidade local.    É importante salientar, que diferente da obesidade, no lipedema a circunferência dos membros não reduz após a perda de peso.

Critérios clínicos para o diagnóstico de lipedema:
  • Distribuição DESPROPORCIONAL da gordura corporal. Ou seja, acumulando mais em membros superiores ou inferiores
  • Nenhuma ou limitada influência da perda de peso na distribuição da gordura nos membros
  • Hipertrofia dos adipócitos bilateral, simétrica e desproporcional nos membros
  • Poupa preservação das mãos e pés (fenômeno do manguito)
  • Envolvimento dos braços aproximadamente 30%
  • Sinal de Stemmer negativo
  • Sensação de peso e tensão nos membros afetados
  • Dor à pressão e ao toque nos membros
  • Edema sem depressões
  • Tendência acentuada para formação de hematomas
  • Piora dos sintomas ao longo do dia
  • Não é melhora da dor ou do desconforto com a elevação dos membros
  • Telangiectasias e marcas vasculares visíveis ao redor dos depósitos de gordura
  • Hipotermia da pele
Ao exame físico a paciente pode apresentar:
Parte proximal do membro inferior:
Distribuição desproporcional de gordura
Gordura cutânea circunferencialmente espessada
Parte distal do membro inferior: 
Espessamento proximal da gordura subcutânea
Espessamento distal da gordura subcutânea, acompanhado de peito do pé delgado (sinal do manguito)
Parte proximal do braço:
Gordura subcutânea significativamente espessada em comparação com a vizinhança
Parada repentina no cotovelo
Parte distal do braço: 
Gordura subcutânea espessada, acompanhada de dorso da mão delgado (sinal do manguito)

Alguns autores propuseram a criação de um questionário de rastreamento.

Doenças que podem coexistir com o Lipedema

Dentre as doenças associadas ao lipedema pode-se citar: linfedema, obesidade, doenças venosas,  doenças articulares e o Transtorno do espectro de hipermobilidade (hipermobilidade articular) ou TEh. 
Até 58% dos casos podem cursar com TEh Sendo muito comum em portadoras de Síndrome de Ehlers Danlos do tipo Hipermóvel. Essa coexistência reforça a contribuição de um distúrbio em tecido conectivo na fisiopatologia do lipedema. Para conhecer mais sobre a Síndrome de Ehlers Danlos (SEDh) clique aqui: https://www.ecologiamedica.net/2023/03/sindrome-de-ehlers-danlos.html

Classificação do lipedema e os estágios

Pode-se classificar o lipedema em 5 subtipos, a depender da distribuição de tecido adiposo: 
  • Tipo I (aumento da deposição em quadris e coxas), 
  • Tipo II (extensão até joelhos, principalmente em face interna), 
  • Tipo III (até tornozelo), t
  • Tipo IV (acometimento de membros superiores): 30% dos casos
  • Tipo V (apenas porção inferior das pernas é afetada). 

Também pode ser estratificado em 4 estágios considerando a gravidade: 
  • Estágio 1 (pequenos nódulos subcutâneos palpáveis sem alterações cutâneas), 
  • Estágio 2 (lipoesclerose nodular com irregularidades cutâneas), 
  • Estágio 3 (pele com textura irregular em aspecto “casca de laranja”  com macronodulações subcutâneas palpáveis),
  • Estágio 4 (lipolinfedema).  




E qual o tratamento?

Alguns médicos e nutricionistas alardeiam por aí que existem protocolos de dietas, suplementos e até tratamentos hormonais para o lipedema. Entretanto, até o presente momento, não há evidências científicas que recomendam um tratamento medicamentos ou suplementos específicos para a patologia.

Apesar de existir um componente inflamatório, não existe uma dieta do lipedema. 

As abordagens conservadoras (sem cirurgia), envolvem:
1) Controle do peso,
2) Alimentação saudável (nutricionalmente equilibrada, com boa ingestão de vegetais),
3) Medidas de alívio dos sintomas locais, 
4) Evitar os fatores que pioram como por exemplo o uso de pioglitazona e prevenir a progressão da doença.

Os grandes artigos mais recentes de revisão sobre o tema, os autores são unânimes em informar que não existe medicamentoso, suplemento específico para lipedema. 

Infelizmente, nem sempre a Medicina terá todas as respostas que precisamos para todas as doenças. Mas isso não significa que possamos inventar tratamentos e protocolos apenas para lucrar com o desespero alheio. Necessitamos de mais pesquisa na área. O que não precisamos é de profissionais que tentam lucrar em cima de uma patologia de difícil tratamento e que ainda não é bem elucidada.

Cirurgia redutora de lipedema é atualmente a  única técnica disponível para remover os tecidos anormais presentes no lipedema como: adipócitos, nódulos, matriz extra celular fibrótica e outros componentes não adipócitos. Ele também é o único  tratamento que reduz a progressão da doença e idealmente deve ser instituído antes das complicações do lipedema surgirem. Portanto, mais um motivo para tomar cuidado com terapias alternativas, sob risco de perder o momento ideal para o tratamento respaldado, que até hoje ainda é o tratamento cirúrgico.

Estratégias terapêuticas propagadas nas redes sociais
  • Antioxidantes com N-acetilcisteína (NAC), Zinco, Selênio, Resveratrol, Ácido alfa lipóico (endovenoso): Ainda sem evidência. Não é citado no Consenso Brasileiro de Lipedema.
  • Antiinflamatórios com o ômega 3, quercetina, pycnogenol, curcumina: Ainda sem evidência. Não é citado no Consenso Brasileiro de Lipedema.
  • Tratamento do intestino com Glutamina, Cúrcuma, prebióticos, probióticos e enzimas digestivas: Ainda sem evidência. A importância da microbiota é citada no Consenso Brasileiro de Lipedema, mas não indicam nada que faça suporte gastrintestinal. Além disso, sensibilidades alimentares e alterações nos hábitos intestinais podem indicar uma resposta inflamatória sistêmica que exacerba os sintomas. A ocorrência de alergias respiratórias e distúrbios do sono também é relatada com frequência e pode estar relacionada ao estado inflamatório crônico. A ingestão inadequada de água e fibras pode contribuir para as dificuldades intestinais e para o manejo geral da doença. Portanto, é essencial que os pacientes com lipedema mantenham uma dieta balanceada e atendam às recomendações diárias de ingestão de nutrientes para ajudar a mitigar esses efeitos.
  • Dieta mediterrânea: devido o padrão "antiinflamatório" há alguns estudos mostrando melhora nos quadros leves, reduzindo a dor, melhorando a mobilidade e o inchaço.  
  • Dieta cetogênica: melhora na composição corporal, relatos de caso evidenciando melhora da dor. Há alguns trabalhos com a VLCKD: Very low calorie ketogenic diet: Baixa evidência
  • Uso de vitamina D e B12: Ainda sem evidência, só repor nas deficiências e quando os níveis estiverem no limite inferior. De acordo com o Consenso Brasileiro de Lipedema, a vitamina D, um nutriente com múltiplas funções biológicas, incluindo a modulação do sistema imunológico e da inflamação, é frequentemente encontrada em níveis deficientes em mulheres com lipedema. Portanto, a monitorização e a suplementação adequadas são essenciais para garantir a saúde óssea e possivelmente influenciar positivamente a progressão do lipedema. A adequação dos níveis de vitamina D pode desempenhar um papel no alívio dos sintomas e na prevenção de complicações associadas à condição.
  • Aminas simpaticomiméticas como Venvanse e ritalina: teoricamente fariam contração de arteríolas levando a uma menor pressão intracapilar: sem evidência. Não é citado no Consenso Brasileiro de Lipedema.
  • Uso de hormônios como a gestrinona: Sem evidência de melhora e o tratamento hormonal pode agravar o quadro. De acordo com a Associação Brasileira de Lipedema não há evidências: https://lipedema.org.br/uso-da-gestrinona-no-tratamento-do-lipedema-uma-perspectiva-cautelosa/
  • Suplementos que teoricamente alterariam a composição corporal: quitosana, L-carnitina, Cromo, Efedrina, Sinefrina, Piruvato e Ácido linoleico conjugado: Ainda sem evidência
  • Terapias de compressão e abordagens fisioterapêuticas, como a terapia física descongestionante complexa (CTD), têm se mostrado eficazes na redução do desconforto e do edema, embora a variação individual na resposta ao tratamento seja comum.  De acordo com o  Consenso Brasileiro de Lipedema, a massagem manual se destaca como uma técnica valiosa, capaz de promover o alívio sintomático do inchaço e da dor. Essa abordagem terapêutica é fundamentada na melhoria da circulação e na estimulação do fluxo linfático, proporcionando benefícios tanto físicos quanto psicológicos aos pacientes. A CDT é um pilar fundamental no tratamento do lipedema, mesmo nas fases iniciais da doença. Composta por várias estratégias, como cuidados com a pele, massagem linfática manual, exercícios e compressão, a CDT pode proporcionar um controle significativo sobre a progressão do lipedema, ajudando a prevenir a acumulação de líquidos e o avanço do inchaço. 
  • Exercício físico: parte primordial do tratamento, desde que de baixo impacto, como exercícios aquáticos, caminhada e ioga, são recomendadas para a manutenção da mobilidade e o manejo do peso em pacientes com lipedema. Essas práticas oferecem o benefício adicional de serem gentis para as articulações, o que é especialmente importante em uma condição que pode causar dor e fragilidade articular. O fortalecimento muscular, particularmente dos músculos posteriores da coxa, demonstrou ser uma estratégia eficaz no manejo do lipedema, contribuindo para o alívio dos sintomas e para a melhoria da funcionalidade e qualidade de vida dos pacientes. A prática do autocuidado é um componente essencial no manejo do lipedema. Técnicas como a automassagem com escovas de cerdas macias, o uso de plataformas vibratórias e a aplicação regular de meias elásticas podem oferecer autonomia ao paciente e um controle adicional sobre os sintomas, reforçando as medidas de tratamento aplicadas pelos profissionais de saúde. 
  • Uso de meias de compressão: Com a progressão do lipedema, o uso de terapias de compressão, através de meias elásticas, pode se tornar desafiador devido à desproporção dos membros e ao desconforto potencial. Por isso, a personalização desses dispositivos é crucial para assegurar a eficácia do tratamento e o conforto do paciente, sobretudo durante episódios de inflamação acentuada. Alguns trabalhos mostram que as meias podem aliviar o quadro, reduzir a dor e melhorar a mobilidade. 
  • Controle do estresse: As práticas de gerenciamento do estresse, como mindfulness e técnicas de respiração, são reconhecidas por sua capacidade de melhorar o bem-estar geral. No contexto do lipedema, elas podem ter um papel valioso, não apenas aliviando o estresse psicológico, mas também mitigando a dor crônica e facilitando a adesão ao tratamento. 
  • Lipoaspiração tumescente: Tratamento com maior evidência, nos quadros moderados a graves. Feita por cirurgião plástico experiente. Promove melhora significativa da mobilidade, da dor e do inchaço. O Consenso Brasileiro de Lipedema afirma que a cirurgia, como uma opção de tratamento para o lipedema, não deve ser realizada de forma precipitada e é geralmente aconselhável explorar totalmente as opções de tratamento clínico por pelo menos 1 ano antes de considerar o procedimento. A compreensão da paciente sobre sua condição e a resposta ao tratamento clínico são essenciais para orientar essa decisão. Em casos de lipedema avançado, em que a mobilidade é significativamente afetada, a cirurgia pode ser considerada mais precocemente. 
Deixo aqui a excelente aula de uma grande amiga endocrinologista e nutróloga, Dra. Tatiana Abrão


Fontes:
Autores:
Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 RQE 11915 @drfredericolobo
Dra. Esthefânia Garcia de Almeida - Médica Endocrinologista, Nutróloga. CRM MG 65050 RQE 44779 e RQE 40100 @draesthefaniagalmeida