quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Posicionamento Sobre Lugol pela SBEM

O Departamento de Tireoide da SBEM divulgou um posicionamento referente ao uso do lugol pela população. De acordo com o documento, a utilização do iodo ou de suas soluções é importante para a síntese dos hormônios tireoidianos. No entanto, são necessários cuidados na ingestão diária desta substância, pois o excesso pode ser prejudicial à saúde.

Um dos pontos abordados no posicionamento trata-se da quantidade recomendada de ingestão diária de iodo pela Organização Mundial de Saúde (OMS), principalmente em gestantes e lactantes. Abaixo um trecho sobre a questão.

“Em regiões ou países onde a suplementação de iodo é recomendada, tal medida deve objetivar atingir os níveis diários recomendados pela OMS, ou seja, 100-150 µg/dia para a população geral e 250 µg/dia para gestantes e lactantes.

A solução de Lugol não deve ser prescrita com o objetivo de suplementar iodo em nenhuma situação. A solução de Lugol 5%, que é composta por iodeto de potássio (10%), iodo elementar inorgânico (5%) e água destilada, contem 2500 µg de iodo em cada gota, ou seja, mais que 10 vezes a recomendação da OMS.

As únicas situações clínicas onde seu uso é recomendado refere-se ao preparo pré-operatório de pacientes com hipertireoidismo por doença de Graves e à crise tireotóxica. No caso do preparo pré-operatório é prescrito por 10-15 dias anteriores à cirurgia com objetivo de gerar uma redução importante da vascularização glandular e minimizar complicações hemorrágicas peri-operatória. Na crise tireotóxica o objetivo é bloquear a produção hormonal em situação de urgência médica, sendo porém recomendável que anteriormente à administração do Lugol o paciente tenha recebido uma droga antitireoidiana (de preferência o Propiltiuracil) para não haver nenhum risco do efeito inverso, ou seja, piora do hipertireoidismo por sobrecarga de iodo (efeito Jod-Basedow).”

O posicionamento completo do Departamento de Tireoide pode ser acessado no link abaixo.
http://www.tireoide.org.br/media/uploads/pdfs/parecer_sobre_o_uso_do_iodo_e_de_solu%C3%A7%C3%B5es_contendo_iodo.pdf

Parecer Sobre o Uso do Iodo e de Soluções Contendo Iodo
Departamento de Tireoide da SBEM
Dra. Patricia de Fátima S. Teixeira - Médica Endocrinologista do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho, Professora de Pós-graduação em
Endocrinologia e Metabologia da Faculdade de Medicina da UFRJ e membro da
diretoria do Departamento de Tireoide da SBEM
Dra. Gisah Amaral de Carvalho – Professora Associada de Endocrinologia e
Metabologia da UFPR, chefe da Unidade de Tireoide do Hospital de Clínicas da
UFPR e membro da diretoria do Departamento de Tireoide da SBEM

O Iodo é importante para a síntese de hormônios tireoidianos e a sua deficiência é causa de bócio endêmico e déficits intelectuais importantes em crianças nascidas de mães sem o aporte adequado desse micronutriente. Em contrapartida, o excesso de iodo, a longo prazo, tem sido associado ao maior risco para desenvolvimento de tireoidites autoimunes, como por exemplo a Tireoidite de Hashimoto. As tireoidites autoimunes são as causas atuais mais comuns de hipo e hipertireoidismo. Nas últimas décadas o aumento do aporte de iodo à população também tem sido associado à maior incidência mundial de carcinoma papilífero de tireoide. Estudos demonstram associações entre excesso de iodo e mutações BRAF, que são comumente relacionadas ao carcinoma papilífero de tireoide, apesar de não haver comprovação de uma relação “causa-efeito”.

Além desses possíveis efeitos crônicos do excesso de iodo, sabe-se que sobrecargas de iodo a curto prazo podem causar hipertireoidismo pelo efeito JodBasedow ou bloqueio de secreção hormonal pelo efeito Wolff-Chaikoff, com consequente hipotireoidismo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a ingestão diária de iodo seja de 100 -150 µg/dia, para a população geral. Na gestação, por conta das maiores demandas à glândula tireoide, e das necessidades fetais, esse aporte deve ser de 250 µg/dia. Tais níveis (250 µg/dia) também são necessários para a lactante. Ressalta-se porém que o excesso de iodo também traz risco à saúde, e por isso a ingestão não ultrapasse 500 µg/dia.

Políticas de saúde pública, em diferentes países do mundo, que garantem o acréscimo de iodo no sal de cozinha, contribuem para a redução da prevalência de formas graves de deficiência de iodo em populações específicas.

No Brasil, em 1999, foi criada a Comissão Interinstitucional para a Prevenção e o Controle dos Distúrbios por Deficiência de Iodo (CIPCDDI). Segundo a Portaria Nº 520, de 06 de abril de 2005, a CIPCDDI objetiva fortalecer o acompanhamento e a avaliação do Programa Nacional de Prevenção e Controle dos Distúrbios por Deficiência de Iodo (Pró-iodo), com foco nas mesmas metas recomendadas pela OMS.

Pela OMS, o monitoramento dos PROGRAMAS DE IODAÇÃO DO SAL é muito importante para avaliar a eficácia dos mesmos. Tal monitoramento é regulado por quatro indicadores:
 Iodação do sal, objetivando atingir um consumo efetivo em mais de 90% dos domicílios;
 Excreção urinária de iodo: objetivando avaliar se a excreção urinária de iodo se mantém em níveis aceitáveis;
 Volume da tireoide: objetivando constatar a presença de volume normal em mais de 95% de crianças entre 6 a 12 anos; e níveis de TSH neonatal, que devem estar adequados em 97% da população de recém-nascidos (3 a 7 dias).

Desde 1982, a população brasileira recebe uma quantidade mínima de iodo no sal, por conta de avanços na legislação. Em contrapartida, sabe-se que a recomendação de consumo máximo diário de sal, pela OMS, é de menos de cinco gramas por pessoa. Porém, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo médio do brasileiro está em 12 gramas diários, valor que ultrapassa o dobro do recomendado. Por conta disso, uma determinação, publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Diário Oficial da União (DOU) de 25 de Abril de 2013, alterou a faixa de iodação do sal utilizado no Brasil. De acordo com a nova regra, a adição do iodo no sal de cozinha foi reduzida para 15 - 45 miligramas por quilo (mg/kg) de sal. O mesmo equivale a 150-450 mcg por cada 10 gramas de sal. Os produtos com menos iodo começaram a ser produzidos no Brasil aproximadamente 90 dias a partir dessa publicação. Anteriormente, a adição poderia variar entre 20 a 60 mg/kg. A nova faixa foi resultado de avaliação e monitoramentos realizados pela CIPCDDI, coordenada pelo Ministério da Saúde, e seguida de consulta pública.

Estudos que avaliaram o status iódico, e consequentemente a eficácia do programa de iodação nacional, entre 1985-2013, foram resumidos em uma metanálise publicada por Campos e cols em 2015. Dentre esses estudos, 13 avaliaram crianças escolares, 3 avaliaram gestantes, 3 recém nascidos e 4 estudaram indivíduos adultos. Dentre os estudos com escolares observou-se que 2 foram conduzidos antes de 1996, em diferentes cidades e estados brasileiros, e demonstraram níveis de insuficiência iódica em 30 e 33% da amostra. Posteriormente, um estudo conduzido em Minas Gerais (n=280) evidenciou que 67,4% das crianças em escolas públicas tinham insuficiência iódica, contra 7,8% entre aquelas em escolas particulares (Nimer e cols).

Em contrapartida, estudos conduzidos após a criação da CIPCDDI demonstram que o excesso é mais comum do que a falta de iodo nessa população infantil. Um desses estudos incluiu 1563 escolares de 8 estados nas 5 regiões brasileiras (Prettel e cols). Outros estudos incluíram aproximadamente 1000 escolares e foram conduzidos no Mato Grosso do Sul (Saab e cols) e em São Paulo (Duarte e cols; Carvalho e cols). Os únicos resultados discrepantes foram reportados por Macedo e cols, em 2012, demonstrando alta prevalência de insuficiência iódica em 475 crianças no estado de Minas Gerais, e por Pontes e cols na Paraíba, onde frequente consumo de alimentos bociogênicos foi detectado em inquérito alimentar. Estudos em adultos, na região de São Paulo e do Rio Grande do Sul não demonstraram insuficiência iódica, havendo inclusive demonstração de excesso iódico,  de acordo com os níveis de iodúria, no estudo conduzido em São Paulo, por Camargo e cols.

Em um dos estudos envolvendo 800 gestantes, referido na metanálise, e conduzido em São Paulo, por Barca e cols, evidenciou-se adequado status iódico. Porém mais recentemente, estudo conduzido em Ribeirão Preto, evidenciou que 57,1% das gestantes da região (n=109) apresentavam iodúria <150 19="" 2008.="" a="" apresentavam="" as="" cols="" concentra="" correla="" das="" demonstraram="" dica="" do="" e="" em="" entre="" es="" estudo="" gestantes="" grande="" hormonais="" houve="" i="" insufici="" iod="" n="" ncia="" no="" o="" p="" publicado="" que="" ria="" rio="" soares="" sul="" ug="">
Uma reanálise do status iódico em diferentes populações após a redução da concentração de iodo no sal ocorrida em 2013 é uma necessidade urgente. Em 2006, a American Thyroid Association (ATA) recomendou a suplementação de 150 μg/dia de iodo (em polivitamínicos ou iodeto de potássio) para toda gestante e lactante com o objetivo de se assegurar níveis de iodúria de 250 μg/ L. A partir de 2011, tal recomendação se estendeu para o período pré-conceptivo. Porém, até o presente momento não podemos estender tal recomendação para a população brasileira.

Ensaios clínicos que avaliaram o efeito da suplementação de iodo em gestantes demonstraram um aumento da iodúria, porém sem confirmação de uma relação direta dose-dependente, bem como não demonstraram impactos nos níveis de TSH e dos hormônios tireoidianos (20-24). Mais estudos  randomizados e controlados, com número expressivo de pacientes, são necessários para avaliar o impacto da suplementação de iodo em gestantes sobre a função tireoidiana, desfechos obstétricos e repercussões fetais. Tais considerações são especialmente importantes quando se considera insuficiências leves de iodo.

Em regiões ou países onde a suplementação de iodo é recomendada, tal medida deve objetivar atingir os níveis diários recomendados pela OMS, ou seja, 100-150 µg/dia, para a população geral e 250 µg/dia para gestantes e lactantes. A solução de Lugol não deve ser prescrita com o objetivo de suplementar iodo em nenhuma situação. A solução de Lugol 5%, que é composta por iodeto de potássio (10%), iodo elementar inorgânico (5%) e água destilada, contem 2500 µg de iodo em cada gota, ou seja, mais que 10 vezes a recomendação da OMS. As únicas situações clínicas onde seu uso é recomendado refere-se ao preparo pré-operatório de pacientes com hipertireoidismo por doença de Graves e à crise tireotóxica. No caso do preparo pré-operatório é prescrito por 10-15 dias anteriores à cirurgia com objetivo de gerar uma redução importante da vascularização glandular e minimizar complicações hemorrágicas peri-operatória. Na crise tireotóxica o objetivo é bloquear a produção hormonal em situação de urgência médica, sendo porém recomendável que anteriormente à administração do Lugol o paciente tenha recebido uma droga antitireoidiana (de preferência o Propiltiuracil) para não haver nenhum risco do efeito inverso, ou seja piora do hipertireoidismo por sobrecarga de iodo (efeito Jod-Basedow).

Por esses motivos, o Departamento de tireoide emite o seguinte parecer:
1 - É urgente a definição do status iódico na população brasileira, especialmente após a redução da concentração de iodo no sal em 2013.
2 - Tal necessidade é maior na população gestante onde há maiores necessidades de aporte ao iodo e onde o impacto da insuficiência iódica é altamente deletério.
3 - A insuficiência iódica traz malefícios à saúde humana, porém o excesso também está associado com complicações no funcionamento e desenvolvimento tireoidiano.
4 - Ainda não existem evidências suficientes para recomendação de reposição de iodo às gestantes brasileiras, como recomendado pela ATA, pela falta de definição do status iódico nas mesmas e pela falta de evidências de que a reposição trará benefícios em situações de insuficiência leve.
5 - A maioria dos suplementos vitamínicos oferecidos às gestantes contém pequenas quantidades de iodo que poderiam suplementar as necessidades das mesmas.
6 - Não se recomenda a prescrição de Lugol, que trata-se de solução contendo iodeto de potássio, com o objetivo de melhorar o funcionamento tireoidiano. A única recomendação para seu uso permanece no pré-operatório de pacientes com Doença de Graves, objetivando a redução da vascularização da glândula e consequentemente reduzindo sangramentos locais. Mesmo nessa situação, seu uso deve ser feito por curto período pelos riscos da sobrecarga do iodo sobre a glândula.
7 - Em áreas onde, sabidamente, há deficiência grave de iodo a suplementação de iodo deve ser oferecida a todas as gestantes, porém onde há uma insuficiência leve existem controvérsias quanto aos benefícios do início da suplementação depois de confirmada a gravidez .

REFERÊNCIAS:
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4- Guan H, Ji M, Bao R, Yu H, Wang Y, Hou P, et al. Association of high iodine intake with
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8-Markou K, Georgopoulos N, Kyriazopoulou V, Vagenakis AG. Iodine-Induced
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14- Campos RO, Barreto IS, Maia LRJ et al nutritional status in Brazil: a meta-analysis
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terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Uso de adoçantes e refrigerantes sem calorias, Por Prof. Dr. Bruno Halpern

Hoje vou comentar um pouco a respeito de uma visão científica clínica sobre o uso de adoçantes e refrigerantes sem calorias, outro tema que sempre causa muita controvérsia. Não pretendo esgotar o assunto, mas simplesmente fornecer uma visão mais clara sobre a questão, e uso como referência um artigo recém-publicado, que estará na caixa de comentários. Focarei em questões relacionados a peso, principalmente, embora muitas outras discussões sejam possíveis e meu foco principal será na importância de retirar refrigerantes normais de nossa dieta e se, portanto, nesse caso, a substituição por refrigerantes dietéticos seria uma opção possível e eficaz.

Muitos torcem o nariz para adoçantes, baseados em estudos que vez por outra saem na imprensa, dizendo que estão associados a ganho e não a perda de peso, causam diabetes, mudam a microbiota, etc.

1 - Devemos tomar cuidado com estudos epidemiológicos, que não atribuem causa e efeito. Ou seja, se o consumo de adoçantes é maior em obesos, isso não significa que adoçantes engordam; podem apenas significar que quem luta contra a balança tem mais chances de usar adoçantes.

2 - Com certeza aprendemos muito com estudos em animais, mecanísticos, que sugerem efeitos os mais variados dos adoçantes (eu mesmo já escrevi um texto sobre um artigo excelente publicado na Nature que mostra, em animais, uma mudança da flora bacteriana em uso de alguns adoçantes). Porém, para a clínica do dia-a-dia é fundamental que nos fiemos em estudos randomizados, com pessoas. Quase a totalidade desses estudos demonstra que, em pessoas que consomem refrigerante com freqüência, a troca de refrigerantes normais por refrigerantes sem calorias leva a perda de peso e melhora de alguns fatores metabólicos.

Mas não seria melhor evitar todos os refrigerantes? Se você não liga para eles, sim. Mas, para quem gosta muito, uma troca radical por água poderia levar a duas situações desagradáveis:

1- não aderir a troca e manter o consumo de refrigerantes normais.
2- ao invés dos refrigerantes, consumir mais doces por outras vias.

ATENÇÃO: não estou dizendo que tomar refrigerante diet é melhor que água! Apenas que, naqueles que já consomem muito refrigerante, uma troca radical tem menos chance de ser efetiva.

Ainda ouvimos que adoçantes engordam por uma série de motivos, a maioria deles baseados em estudos em ratos.

Os três argumentos mais freqüentes são
1- adoçantes atrapalham o funcionamento cerebral, pois o nosso corpo acredita que, quando sentimos o gosto doce, haverá um excesso de energia chegando - quando esse estímulo não chega, haveria uma busca por outras formas de alimento
2 - o consumo de alimentos com gosto doce nos fazem querer consumir mais e mais alimentos doces (como um vício)
3- ao consumir adoçantes conscientemente, corremos o risco de comer outros alimentos calóricos por acharmos que estamos saudáveis.

Os dois primeiros argumentos caem por terra com uma série de experimentos já realizados (inclusive, ao contrário do que diz o número 2, muitos se satisfazem com o gosto doce dos adoçantes e optam menos por alimentos com açúcar). O terceiro pode, de fato ocorrer, mas não é uma atribuição somente dos adoçantes, mas de todos os alimentos que são rotulados como saudáveis (ao achar que estão consumindo algo saudável, as pessoas tendem a consumir uma quantidade maior).

Devemos lembrar, porém, que os adoçantes são muito diferentes entre si, e pode sim haver diferenças entre eles em relação à sinalização metabólica e outras questões. É possível que estudos mostrem que há opções melhores ou piores, e que algum efeito negativo possa de fato exsistir. Lembro sempre que a Ciência é mutável, pois se não não seria ciência e sim dogma. Os maiores estudos sobre o assunto tem 40 meses de duração (pouco mais que três anos), portanto, preocupações sobre efeitos a muito longo prazo não podem ser respondidas por esses estudos.

Porém, qualquer preocupação sobre o que não sabemos sobre os adoçantes deve ser menor do que o de fato sabemos sobre o açúcar: o consumo em excesso engorda, leva a piora metabólica e aumenta o risco de diabetes e gordura hepática (e secundariamente, portanto, a maior risco de doenças cardiovasculares e câncer). Ou seja, não há nenhuma razão para continuar consumindo açúcar em excesso por medo dos efeitos deletérios dos adoçantes.

Eu concluiria dizendo que não há espaço hoje em dia para refrigerantes normais para pessoas com problemas metabólicos e dificuldade com o peso. Nesse sentido, para aqueles que costumam consumir com freqüência, a troca do refrigerante normal pelo diet faz sentido como opção para reduzir o número de calorias. Quase todos (ou todos) os estudos que avaliaram essa troca encontraram resultados positivos, por pelo menos 40 meses. O mesmo vale para consumo de açúcar com café, suco, etc. A troca por adoçantes é melhor do que continuar a consumir açúcar em excesso.

Fonte: https://www.facebook.com/DrBrunoHalpern/posts/1182101461920302

"Será que os diabéticos ainda precisam fazer lanches?".Por Prof.Dr. Bruno Halpern

"Será que os diabéticos ainda precisam fazer lanches?". Esse é o título de um bom artigo científico que motivou essa postagem.

Historicamente, pacientes com diabetes (tanto do tipo 1 como do tipo 2) aprenderam que deveriam se alimentar várias vezes por dia como estratégia para controlar seu açúcar. Isso vem sendo repetido década após década, mas, se pararmos para analisar, veremos que esse conselho não é mais que um grande mito, ao menos com os tratamentos mais modernos do diabetes.

Uma das razões dessa necessidade maior de lanches, no passado, era o fato de que as medicações disponíveis poderiam causar hipoglicemia e portanto comer freqüentemente seria uma estratégia para evitar esse risco. De fato, insulinas mais antigas apresentavam picos de ação menos previsíveis, assim como as sulfoniluréias mais antigas (uma classe de medicação ainda bastante usada, que faz com que nosso pâncreas aumente a produção de insulina independente de comermos ou não) poderiam causar hipoglicemia em indivíduos em jejum prolongado.

Outra razão apregoada seria que várias refeições ao dia facilitaria o controle do peso e evitaria grandes aumentos de glicemia.

Porém, felizmente, esquemas mais modernos de tratamento de diabéticos tipo 2 reduziram bastante o risco de hipoglicemia, mesmo naqueles em uso de sulfoniluréias ou insulina. No diabetes tipo 1, as insulinas mais modernas também ajudam a reduzir os riscos de hipoglicemia, por, ou não terem pico de ação no caso das insulinas lentas, ou ter um pico que coincida com o horário de alimentação, no caso das insulinas ultra-rápidas. Não apenas isso, mas caso um indivíduo com diabetes costume ter hipoglicemia quando em jejum prolongado, muito mais do que advogar a ele comer com mais freqüência, a melhor estratégia é mudar o tratamento de base para evitar esse sintoma! Isso é fundamental, pois é comum ver pacientes que comem antes de dormir por medo de hipoglicemia noturna, e não por fome, fazendo com que haja hiperglicemia de noite e uma tendência de ganho de peso que também é maléfica! Além disso, principalmente em diabéticos tipo 1, que não produzem insulina, muitos lanches significam mais doses de insulina!

Em relação à questão do peso e da glicemia, eu já discuti aquiem outras postagens como o "mito das 3/3 horas" não é baseado em nenhum estudo robusto (mesmo para não diabéticos) e, pelo contrário, um aumento do número de refeições tem um risco enorme em levar a um aumento do número de calorias. Nos diabéticos tipo 2 especificamente, há estudos que demonstram melhor controle glicêmico e de saciedade em indivíduos que fazem apenas 2 refeições ao dia, comparados com 6 refeições. Outros estudos demonstram que um bom café da manhã seguido de um bom almoço e um jantar leve também é uma opção melhor para os diabéticos do que comer diversos lanches ou fazer um jantar grande.Não apenas isso, mas o estudo mostrou que a qualidade de vida dos diabéticos que se alimentavam com menos freqüência melhorou, sugerindo que esse é um esquema possível e não sacrificante!

Sempre falo aqui sobre a individualização. Existem de fato perfis de pessoas que necessitam comer com mais freqüência, por diversas razões, mas não são perfis majoritários. Essa postagem serve para sempre questionarmos regras estritas e alertar que conselhos que às vezes são tão automáticos podem não ser os melhores em muitos casos! Mas deixo claro que mudanças importantes no perfil de alimentação, principalmente em quem está em uso de insulina, levam quase que inevitavelmente a necessidade de mudança do esquema de insulina (doses, horários) e demais medicações e portanto, devem ser feitas em comum acordo com os profissionais de saúde, e não por conta própria!

Artigo original: https://www.nature.com/articles/ejcn201546

Fonte: https://www.facebook.com/DrBrunoHalpern/posts/1183857735078008?pnref=story

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Por que o consumo de ferro é importante e em quais alimentos encontrá-lo

Excelente texto do meu amigo nutrólogo e médico do esporte Dr. Guilherme Giorelli:

 https://guilhermegiorelli.blogosfera.uol.com.br/2018/02/03/por-que-o-consumo-de-ferro-e-importante-e-em-quais-alimentos-encontra-lo/?cmpid=copiaecola