Lipedema: muito além do hype
Que o tema está na moda, todo mundo sabe, o que não te contam é que pouco se sabe ainda, sobre o tratamento realmente eficaz para o Lipedema.
Mas o que é lipedema? Como diferenciar lipedema de obesidade? Como se faz o diagnóstico de lipedema? Quais os tratamentos disponíveis para o lipedema?
Essas são apenas algumas das perguntas que recebo diariamente no meu consultório e no direct do instagram: @drfredericolobo e @draesthefaniagalmeida Se você não nos segue, sugerimos que siga. Sempre postamos informações confiáveis sobre saúde e bem-estar.
Antes de tudo, é preciso salientar que a doença não é nova, mas ganhou "fama" por conta de profissionais que querem vender soluções milagrosas. Se tem o esperto para vender solução, tem o bobo para comprá-la.
O lipedema (ou lipofilia membralis) é uma patologia inflamatória (de baixo grau) e crônica do sistema linfático e gorduroso. Nele há um acúmulo desproporcional de gordura, nas extremidades (membros, porém, especialmente nos membros inferiores).
Além desse acúmulo de gordura, o paciente queixa-se de desconforto na região do acúmulo, como por exemplo sensação de peso nas pernas, inchaço, dor e hematomas que surgem facilmente.
Por ter uma característica inflamatória (quando a biópsia dessa gordura é vista pelo patologista), vários profissionais postularam que uma dieta antiinflamatória e uso de nutracêuticos (antiiflamatórios e antioxidantes) poderiam auxiliar no tratamento.
Prevalência e confusão no diagnóstico
Descrito pela primeira vez na medicina nos anos 1940 nos Estados Unidos, o lipedema afeta 1 a cada 10 mulheres, o que soma cerca de 5 milhões de brasileiras. Ou seja, é uma doença de alta prevalência, porém de baixo reconhecimento e diagnóstico, sendo frequentemente subdiagnosticado ou confundido com obesidade ginecoide, linfedema ou mesmo insuficiência venosa. No mundo todo, acredita-se que acometa mais de 10% das mulheres.
Por levar a alterações na silhueta corporal, o quadro é frequentemente rotulado de questão estética, o que não é, pois trata-se de uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Sua inclusão na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) passou a vigorar em janeiro de 2022: EF02.2
Qual a fisiopatologia? Como surge?
Ainda não sabemos ao certo o mecanismo fisiopatológico do lipedema, porém, sabemos que há envolvimento de fatores hormonais e forte componente genético. Sendo mais comum em mulheres que em homens.
É comum o relato que o acúmulo iniciou na puberdade, após gravidez, uso de anticoncepcionais ou até mesmo após menopausa. Alguns pesquisadores correlacionam as alterações nos níveis de estrogênio e progesterona como gatilho para o desencadeamento. Esses hormônios estimulariam certos grupos de células de gordura a inflar de um modo anormal. Daí a condição ser praticamente exclusiva das mulheres.
Sabe-se que além do acúmulo de gordura (hiperplasia e hipertrofia dos acipócitos), existe uma maior prevalência de substâncias (citocinas) pró-inflamatórias. Isso provavelmente leva a alteração nos capilares, tornando-os frágeis, o que pode facilitar o surgimento dos hematomas. A infiltração gordurosa acaba alterando os vasos linfáticos e com isso ocorre uma hiperpermeabilidade, levando a uma retenção de líquidos. Além disso ocorre uma privação de oxigênio o que ocasiona dor e posteriormente fibrose local, o que torna a doença progressiva. Também há uma redução da mobilidade do membro, o que perpetua o processo.
Diagnóstico
Os critérios diagnósticos do lipedema, descritos por Wold et al. (1951) e modificados por Herbst, envolvem tendência a hematomas, aumento de volume dos membros simétrico e bilateral poupando pés e mãos e hipersensibilidade local. É importante salientar, que diferente da obesidade, no lipedema a circunferência dos membros não reduz após a perda de peso.
Critérios clínicos para o diagnóstico de lipedema:
- Distribuição DESPROPORCIONAL da gordura corporal. Ou seja, acumulando mais em membros superiores ou inferiores
- Nenhuma ou limitada influência da perda de peso na distribuição da gordura nos membros
- Hipertrofia dos adipócitos bilateral, simétrica e desproporcional nos membros
- Poupa preservação das mãos e pés (fenômeno do manguito)
- Envolvimento dos braços aproximadamente 30%
- Sinal de Stemmer negativo
- Sensação de peso e tensão nos membros afetados
- Dor à pressão e ao toque nos membros
- Edema sem depressões
- Tendência acentuada para formação de hematomas
- Piora dos sintomas ao longo do dia
- Não é melhora da dor ou do desconforto com a elevação dos membros
- Telangiectasias e marcas vasculares visíveis ao redor dos depósitos de gordura
- Hipotermia da pele
Ao exame físico a paciente pode apresentar:
Parte proximal do membro inferior:
Distribuição desproporcional de gordura
Gordura cutânea circunferencialmente espessada
Parte distal do membro inferior:
Espessamento proximal da gordura subcutânea
Espessamento distal da gordura subcutânea, acompanhado de peito do pé delgado (sinal do manguito)
Parte proximal do braço:
Gordura subcutânea significativamente espessada em comparação com a vizinhança
Parada repentina no cotovelo
Parte distal do braço:
Gordura subcutânea espessada, acompanhada de dorso da mão delgado (sinal do manguito)
Alguns autores propuseram a criação de um questionário de rastreamento.
Doenças que podem coexistir com o Lipedema
Dentre as doenças associadas ao lipedema pode-se citar: linfedema, obesidade, doenças venosas, doenças articulares e o Transtorno do espectro de hipermobilidade (hipermobilidade articular) ou TEh.
Até 58% dos casos podem cursar com TEh Sendo muito comum em portadoras de Síndrome de Ehlers Danlos do tipo Hipermóvel. Essa coexistência reforça a contribuição de um distúrbio em tecido conectivo na fisiopatologia do lipedema. Para conhecer mais sobre a Síndrome de Ehlers Danlos (SEDh) clique aqui: https://www.ecologiamedica.net/2023/03/sindrome-de-ehlers-danlos.html
Classificação do lipedema e os estágios
Pode-se classificar o lipedema em 5 subtipos, a depender da distribuição de tecido adiposo:
- Tipo I (aumento da deposição em quadris e coxas),
- Tipo II (extensão até joelhos, principalmente em face interna),
- Tipo III (até tornozelo), t
- Tipo IV (acometimento de membros superiores): 30% dos casos
- Tipo V (apenas porção inferior das pernas é afetada).
- Estágio 1 (pequenos nódulos subcutâneos palpáveis sem alterações cutâneas),
- Estágio 2 (lipoesclerose nodular com irregularidades cutâneas),
- Estágio 3 (pele com textura irregular em aspecto “casca de laranja” com macronodulações subcutâneas palpáveis),
- Estágio 4 (lipolinfedema).
E qual o tratamento?
Alguns médicos e nutricionistas alardeiam por aí que existem protocolos de dietas, suplementos e até tratamentos hormonais para o lipedema. Entretanto, até o presente momento, não há evidências científicas que recomendam um tratamento medicamentos ou suplementos específicos para a patologia.
Apesar de existir um componente inflamatório, não existe uma dieta do lipedema.
As abordagens conservadoras (sem cirurgia), envolvem:
1) Controle do peso,
2) Alimentação saudável (nutricionalmente equilibrada, com boa ingestão de vegetais),
3) Medidas de alívio dos sintomas locais,
2) Alimentação saudável (nutricionalmente equilibrada, com boa ingestão de vegetais),
3) Medidas de alívio dos sintomas locais,
4) Evitar os fatores que pioram como por exemplo o uso de pioglitazona e prevenir a progressão da doença.
Os grandes artigos mais recentes de revisão sobre o tema, os autores são unânimes em informar que não existe medicamentoso, suplemento ou dieta específica para lipedema.
Infelizmente, nem sempre a Medicina terá todas as respostas que precisamos para todas as doenças. Mas isso não significa que possamos inventar tratamentos e protocolos apenas para lucrar com o desespero alheio. Necessitamos de mais pesquisa na área. O que não precisamos é de profissionais que tentam lucrar em cima de uma patologia de difícil tratamento e que ainda não é bem elucidada.
Cirurgia redutora de lipedema é atualmente a única técnica disponível para remover os tecidos anormais presentes no lipedema como: adipócitos, nódulos, matriz extra celular fibrótica e outros componentes não adipócitos. Ele também é o único tratamento que reduz a progressão da doença e idealmente deve ser instituído antes das complicações do lipedema surgirem. Portanto, mais um motivo para tomar cuidado com terapias alternativas, sob risco de perder o momento ideal para o tratamento respaldado, que até hoje ainda é o tratamento cirúrgico.
Estratégias terapêuticas propagadas nas redes sociais
- Antioxidantes com N-acetilcisteína (NAC), Zinco, Selênio, Ácido alfa lipóico (endovenoso): Ainda sem evidência
- Antiinflamatórios com o ômega 3, quercetina, pycnogenol, curcumina: Ainda sem evidência
- Tratamento do intestino com Glutamina, Cúrcuma, prebióticos, probióticos e enzimas digestivas: Ainda sem evidência.
- Uso de vitamina D e B12: Ainda sem evidência, só repor nas deficiências e quando os níveis estiverem no limite inferior.
- Aminas simpaticomiméticas como Venvanse e ritalina: teoricamente fariam contração de arteríolas levando a uma menor pressão intracapilar: sem evidência.
- Uso de hormônios como a gestrinona: Sem evidência de melhora e o tratamento hormonal pode agravar o quadro.
- Dieta mediterrânea: devido o padrão "antiinflamatório" há alguns estudos mostrando melhora nos quadros leves, reduzindo a dor, melhorando a mobilidade e o inchaço.
- Dieta cetogênica: melhora na composição corporal, relatos de caso evidenciando melhora da dor. Há alguns trabalhos com a VLCKD: Very low calorie ketogenic diet: Baixa evidência
- Suplementos que teoricamente alterariam a composição corporal: quitosana, L-carnitina, Cromo, Efedrina, Sinefrina, Piruvato e Ácido linoleico conjugado: Ainda sem evidência
- Drenagem linfática: pode atenuar os sintomas, aliviar a dor e reduzir o inchaço.
- Uso de meias de compressão: pode aliviar o quadro, reduzir a dor e melhorar a mobilidade.
- Lipoaspiração tumescente: Tratamento com maior evidência, nos quadros moderados a graves. Feita por cirurgião plástico experiente. Promove melhora significativa da mobilidade, da dor e do inchaço.
Deixo aqui a excelente aula de uma grande amiga endocrinologista e nutróloga, Dra. Tatiana Abrão
Fontes:
- Di Renzo L, Cinelli G, Romano L, Zomparelli S, Lou De Santis G, Nocerino P, Bigioni G, Arsini L, Cenname G, Pujia A, Chiricolo G, De Lorenzo A. Potential Effects of a Modified Mediterranean Diet on Body Composition in Lipoedema. Nutrients. 2021 Jan 25;13(2):358. doi: 10.3390/nu13020358. PMID: 33504026; PMCID: PMC7911402. https://www.mdpi.com/2072-6643/13/2/358
- Aula da minha amiga Dra. Tatiana Abrão (Médica Nutróloga e Endocrinologista): https://www.youtube.com/watch?v=_eknmuqtIPQ
- Kruppa P, Georgiou I, Biermann N, Prantl L, Klein-Weigel P, Ghods M. Lipedema-Pathogenesis, Diagnosis, and Treatment Options. Dtsch Arztebl Int. 2020 Jun 1;117(22-23):396-403. doi: 10.3238/arztebl.2020.0396. PMID: 32762835; PMCID: PMC7465366. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7465366/pdf/Dtsch_Arztebl_Int-117_0396.pdf
- Keith L, Seo CA, Rowsemitt C, Pfeffer M, Wahi M, Staggs M, Dudek J, Gower B, Carmody M. Ketogenic diet as a potential intervention for lipedema. Med Hypotheses. 2021 Jan;146:110435. doi: 10.1016/j.mehy.2020.110435. Epub 2020 Nov 27. PMID: 33303304. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33303304/
- AMATO, ACM, et al. Criação de questionário e modelo de rastreamento de lipedema. J Vasc Bras. 2020;19: e20200114. https://doi.org/10.1590/1677-5449.200114
- Verde, L., Camajani, E., Annunziata, G. et al. Ketogenic Diet: A Nutritional Therapeutic Tool for Lipedema?. Curr Obes Rep 12, 529–543 (2023). https://doi.org/10.1007/s13679-023-00536-x
- CORREAT, et al. Lipedema e características relevantes: revisão de literatura. Brazilian Journal of Health Review, [S. l.], v. 6, n. 6, p. 30748–30761, 2023. DOI: 10.34119/bjhrv6n6-317. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/65402.
- Dra. Ximene Antunes (Médica Endocrinologista): https://www.instagram.com/p/C4d2USuuYoW/?img_index=1
- https://abeso.org.br/lipedema-a-gordura-fora-de-lugar/
- Cannataro, R.; Michelini, S.; Ricolfi, L.; Caroleo, M.C.; Gallelli, L.; De Sarro, G.; Onorato, A.; Cione, E. Management of Lipedema with Ketogenic Diet: 22-Month Follow-Up. Life 2021, 11, 1402. https://doi.org/10.3390/life11121402
- Bonetti G, Herbst KL, Dhuli K, Kiani AK, Michelini S, Michelini S, Ceccarini MR, Michelini S, Ricci M, Cestari M, Codini M, Beccari T, Bellinato F, Gisondi P, Bertelli M. Dietary supplements for lipedema. J Prev Med Hyg. 2022 Oct 17;63(2 Suppl 3):E169-E173. doi: 10.15167/2421-4248/jpmh2022.63.2S3.2758. PMID: 36479502; PMCID: PMC9710418. https://www.jpmh.org/index.php/jpmh/article/view/2758/1022
- Vyas A, Adnan G. Lipedema. [Updated 2023 Jan 30]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK573066/
Autores:
Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-SC 32949 RQE 22416 @drfredericolobo
Dra. Esthefânia Garcia de Almeida - Médica Endocrinologista e especialista em Clínica médica - CRM MG 65050 RQE 44779 e RQE 40100 @draesthefaniagalmeida