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segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Estudo brasileiro mostra correlação entre agrotóxicos e Parkinson



 

Por que este tema importa agora?


A doença de Parkinson vem crescendo mundialmente e o Brasil acompanha essa tendência. Entre 1990 e 2019, a prevalência global aumentou de forma marcante, acendendo um alerta para fatores ambientais e ocupacionais. 

Em um país agrícola como o nosso, discutir agrotóxicos não é ideologia como alguns acreditam, é saúde pública e ciência, por mais que mexa com interesses de alguns grupos. Quando entendemos como a exposição ocorre e quem está mais vulnerável, ganhamos ferramentas para prevenir. Informação clara é o primeiro passo para proteger famílias e comunidades inteiras. E se você, leitor, me perguntar o que acho disso? Escrevo aqui desde 2010 sobre diversos temas em Medicina ambiental e sinceramente, não vejo perspectiva de melhora. Mas cabe a mim, como médico, trazer o tema para debate. 

O que um novo estudo brasileiro encontrou


Uma revisão sistemática inédita, publicada em abril nos Cadernos de Saúde Pública, analisou pesquisas feitas com brasileiros e encontrou associação entre exposição a agrotóxicos e ocorrência de Parkinson. Dos 12 estudos observacionais incluídos, 11 apontaram esse vínculo. A maior parte dos trabalhos avaliava trabalhadores rurais ou moradores de áreas não urbanas. O recado é direto: a associação aparece repetidas vezes em diferentes cenários do país. Isso reforça que precisamos agir, do campo à cidade.

Associação não é o mesmo que causa e isso também importa


Os autores lembram que associação não prova causalidade, especialmente quando a maioria dos estudos é de caso-controle, mais suscetíveis a vieses. Ainda assim, quando achados se repetem e dialogam com outras revisões e metanálises internacionais, o sinal de alerta fica mais forte. 

Pensemos da seguinte maneira: não estamos diante de “prova final”, mas de pistas convergentes. E, em saúde pública, pistas fortes já justificam cuidados e políticas de prevenção. Melhor prevenir hoje do que remediar amanhã.

Os agrotóxicos que mais aparecem nas pesquisas


Algumas substâncias surgem com frequência: paraquate, rotenona, manebe (um fungicida), organoclorados como o DDT (banido no Brasil desde 1985) e o glifosato. Entre elas, apenas o glifosato segue liberado no país; o paraquate foi suspenso definitivamente em 2020. Esses nomes não são detalhes técnicos: indicam rotas de exposição reais na vida de muita gente. Ao reconhecer quais compostos estão envolvidos, podemos qualificar a fiscalização, treinar melhor os trabalhadores e orientar a população com precisão.

O que a ciência já sabe sobre mecanismos


Por que certos agrotóxicos se associam ao Parkinson? Muitos atuam na “usina de energia” das células, as nossas mitocôndrias. Rotenona e paraquate, por exemplo, podem sabotar o funcionamento mitocondrial e aumentar o estresse oxidativo. 

Esse ambiente tóxico favorece a morte de neurônios dopaminérgicos da substância negra, região-chave na doença. Em termos simples: a célula fica sem fôlego e acumula “ferrugem” interna, perdendo função e, com o tempo, desaparecendo. O resultado aparece em tremor, rigidez e lentidão motora.

O que mostram os estudos com animais


Modelos animais expostos a algumas dessas substâncias desenvolvem sinais compatíveis com neurodegeneração e alterações típicas do Parkinson. Isso não prova causalidade em humanos, mas oferece um “como” plausível para o que observamos em populações expostas. Quando mecanismos biológicos, achados experimentais e dados observacionais caminham juntos, a hipótese ganha peso. E é esse conjunto que sustenta o chamado à precaução. Em saúde ambiental, coerência das evidências conta e muito.

Quem corre mais risco?


A associação fica mais forte em quem trabalha diretamente com manejo de agrotóxicos, mora em áreas rurais e tem menor acesso a informação e proteção adequada. Homens foram mais frequentemente citados como grupo de maior risco nos estudos brasileiros. 

Além disso, variações genéticas como nos genes PINK1 e GST podem potencializar o impacto da exposição. Traduzindo: há pessoas biologicamente mais suscetíveis, e isso se soma a contextos sociais e ocupacionais de maior contato. Vulnerabilidades se acumulam.

“Até três vezes” mais risco: entendendo esse número


Especialistas relatam que o risco de Parkinson pode aumentar em até três vezes em indivíduos com exposição ambiental, residencial ou ocupacional a agrotóxicos. “Até” não significa sempre — é um teto observado em alguns cenários. O ponto central é que o risco não é homogêneo: depende da substância, da intensidade e duração do contato, das práticas de proteção e da susceptibilidade individual. É por isso que medidas personalizadas de prevenção fazem diferença, do uso de EPI ao armazenamento seguro.

Impactos no diagnóstico e no tratamento


Pessoas com Parkinson e história de exposição a agrotóxicos tendem a apresentar forma mais tremulante e progressão um pouco mais rápida, demandando doses maiores de medicamentos. O tratamento segue princípios semelhantes ao do Parkinson sem exposição conhecida, mas o acompanhamento precisa ser ainda mais atento. Para famílias e cuidadores, reconhecer o elo com agrotóxicos ajuda a valorizar estratégias de reabilitação e suporte precoce. Informação melhora adesão, reduz estigma e orienta escolhas do dia a dia.

O Brasil precisa olhar para seus “pontos cegos”


A revisão brasileira expôs fragilidades no monitoramento: substâncias proibidas há anos ainda surgem em investigações, sugerindo mercado ilegal e armazenamento residual. Isso significa que parte da exposição escapa às estatísticas oficiais. Fortalecer a vigilância, qualificar a inspeção e dar transparência aos dados é proteger quem produz nossos alimentos. Sem esse passo, ficamos discutindo no escuro — e quem perde são trabalhadores, consumidores e o SUS, que arca com as consequências.

Proteção prática no campo


Para quem lida com agrotóxicos, EPI não é “opcional”: luvas, máscara adequada, óculos, botas e macacão impermeável reduzem muito a exposição. Misturas e diluições devem seguir rótulo e orientação técnica, longe de crianças e animais, em locais ventilados. Lavar as roupas de trabalho separadamente e jamais reutilizar embalagens para fins domésticos são hábitos que salvam vidas. Treinamento contínuo e descarte correto completam o ciclo de segurança. Pequenas rotinas, grande impacto.

Proteção prática na cidade


Consumidores também têm como reduzir risco: diversificar a dieta, priorizar alimentos da época, lavar frutas e verduras em água corrente, retirar cascas grossas quando possível e higienizar folhosas em solução segura. Dar preferência a produtores com boas práticas e, quando viável, a selos confiáveis, ajuda a diminuir a carga de resíduos. Mesmo medidas simples, somadas ao longo da vida, podem fazer diferença. Prevenção não é um ato único; é um conjunto de escolhas repetidas.

Políticas públicas que viram cuidado real


A ciência aponta caminhos: fiscalização efetiva, rastreabilidade, educação permanente no campo, assistência técnica e incentivo a práticas mais seguras. Programas de coleta de embalagens, auditorias independentes e metas de redução de risco elevam o padrão nacional. Também é essencial integrar vigilância ambiental e saúde do trabalhador, para que sinais de alerta não se percam. Quando o Estado coordena e a sociedade cobra, o agronegócio sustentável deixa de ser slogan e vira rotina.

Estilo de vida que protege o cérebro


Além de reduzir a exposição química, há escolhas que fortalecem o sistema nervoso: atividade física regular, sono de qualidade e uma alimentação com menos álcool, gorduras saturadas, laticínios em excesso e açúcar, e mais vegetais, frutas e gorduras polinsaturadas. Essas medidas não “curam” Parkinson, mas reduzem inflamação crônica de baixo grau, melhoram metabolismo e podem favorecer a saúde cerebral ao longo dos anos. Cuidar do cotidiano é investir em décadas de autonomia. Escrevi um texto interessante sobre Dieta MIND e nutrição cerebral: https://www.ecologiamedica.net/2025/08/dieta-mind-dieta-com-potencial-efeito.html

O paradoxo do prato saudável


Queremos comer “comida de verdade”, mas parte dessa comida chega com resíduos que preocupam. Esse paradoxo pede transparência nas cadeias produtivas e diálogo honesto entre produtores, pesquisadores, profissionais de saúde e consumidores. Ao mesmo tempo em que reforçamos hábitos saudáveis, precisamos garantir que o alimento não traga um risco oculto. Resolver esse impasse é tarefa coletiva — e começa quando cada um de nós reconhece o problema e participa da solução.

O próximo passo é seu e nosso


Se você trabalha no campo, atualize seu treinamento e reforce o uso de EPI. Se é consumidor, diversifique fontes, higienize bem e valorize boas práticas. Se é gestor ou profissional de saúde, transforme evidências em políticas e orientações claras. A associação entre agrotóxicos e Parkinson não é um detalhe acadêmico: é um alerta para repensarmos como produzimos, fiscalizamos e consumimos. Proteger nosso cérebro é proteger nosso futuro — e isso começa hoje.

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui. 

Bibliografia:

Estudo brasileiro traz evidências da associação entre agrotóxicos e a doença de Parkinson - Medscape - 6 de junho de 2025.

Santos JR, Mendes MC, Dallabrida KG et al. Pesticide exposure and the development of Parkinson disease: a systematic review of Brazilian studies. Cad Saude Publica 2025. doi: 10.1590/0102-311XEN011424.