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domingo, 14 de setembro de 2025

Saúde mental e doenças cardiovasculares (Consenso Europeu da Sociedade Europeia de Cardiologia)



A relação entre saúde mental e saúde cardiovascular é bidirecional, contínua e com impacto clínico mensurável. Depressão, ansiedade e TEPT elevam risco de DCV incidente e pioram desfechos em quem já tem doença estabelecida. 

O documento pede mudança cultural: integrar a saúde mental ao cuidado CV centrado na pessoa. Recomenda também avaliar risco CV de quem trata transtornos mentais, e rastrear sintomas mentais em quem está na cardiologia. 

É um Consenso Clínico da ESC, publicado no European Heart Journal em 2025 e endossado por sociedades de psiquiatria e psicologia. A diretriz não substitui julgamento clínico, mas orienta caminhos práticos. Sociedade Europeia de Cardiologia+3Sociedade Europeia de Cardiologia+3Oxford Academic+3

A fisiopatologia do “eixo mente-coração” envolve hiperatividade HHA, hiper-reatividade simpática e variabilidade autonômica reduzida. Somam-se inflamação de baixo grau, ativação plaquetária e disfunção endotelial, que facilitam aterogênese e arritmias. Dor, dispneia e limitação funcional alimentam ruminação e hipervigilância somática. 

Polifarmácia, interações e efeitos colaterais psiquiátricos ou cardiometabólicos aumentam a complexidade do cuidado. Adesão fragilizada, isolamento e barreiras de acesso pioram prognóstico. Por isso a ESC propõe integrar avaliação, prevenção e tratamento em fluxos coordenados.

No nível populacional, fatores psicossociais perigosos isolamento social, pressões financeiras, estresse no trabalho, desemprego e discriminação elevam risco de DCV. O Consenso orienta reconhecer e pesquisar ativamente tais fatores durante consultas, informar e encaminhar quando necessário, e advogar por mudanças sistêmicas. Em paralelo, indicadores de saúde mental positiva otimismo, felicidade, alta satisfação com a vida associam-se a um menor risco CV. Integrar promoção de bem-estar aos programas de prevenção é parte do escopo. Sociedade Europeia de Cardiologia

Em indivíduos sem DCV conhecida, depressão, ansiedade e TEPT estão associados a maior risco de desenvolver DCV. A recomendação prática é incorporar o rastreio desses transtornos à avaliação de risco cardiovascular. 

Assim, prevenção CV não deve se limitar a fatores “clássicos”, mas incluir estressores psicossociais e sintomas psiquiátricos. Isso ajuda a adaptar mensagens, intensificar intervenções de estilo de vida e, quando indicado, encaminhar para manejo especializado. Profissionais têm responsabilidade compartilhada de reconhecer, pesquisar e agir. Sociedade Europeia de Cardiologia

Nos portadores de DCV, condições de saúde mental são altamente prevalentes e clinicamente relevantes. O documento ressalta que depressão e ansiedade são frequentes, frequentemente subdiagnosticadas e associadas a maior mortalidade, reinternação e pior qualidade de vida. TEPT induzido por evento cardíaco também é significativo e vincula-se a piores desfechos. Estresse crônico e solidão devem ser pesquisados e motivar encaminhamento quando presentes. Em suma, avaliar e tratar saúde mental melhora adesão e pode influenciar desfechos duros. Sociedade Europeia de Cardiologia

Cuidadores informais também adoecem: sobrecarga, ansiedade, depressão e TEPT ocorrem e repercutem na trajetória do paciente. O Consenso orienta que fluxos assistenciais incluam triagem e suporte ao bem-estar de cuidadores. 

Avaliar demandas, educar sobre sinais de alerta e ofertar intervenções breves ou encaminhamento especializado pode reduzir estresse e melhorar a adesão do binômio paciente-cuidador. Essa abordagem sistêmica favorece mudanças sustentáveis de estilo de vida e o seguimento terapêutico. Sociedade Europeia de Cardiologia

Para operacionalizar a integração, a ESC propõe a “Psycho-Cardio Team”: equipe multidisciplinar que inclui cardiologia, enfermagem, psicologia e/ou psiquiatria. O objetivo é orientar triagem, apoio e manejo, garantindo continuidade com a Atenção Primária. Como guia prático, adotar os princípios ACTIVE: Acknowledge, Check, Tools, Implement, Venture, Evaluate. Eles ajudam a transformar o cuidado diário, tornando-o centrado na pessoa, com monitoramento de progresso em desfechos psicológicos e cardiovasculares. Sociedade Europeia de Cardiologia+2Sociedade Europeia de Cardiologia+2

Rastreamento

Rastreamento: “o quê, quando e com quais instrumentos?”. O Consenso sugere baixa barreira para triagem em cardiologia. Após novo diagnóstico CV, evento/procedimento, pelo menos uma vez no seguimento e sempre que o julgamento clínico indicar. Como porta de entrada, medidas de 2 itens (Whooley, PHQ-2, GAD-2) e, se positivas, instrumentos mais longos validados (PHQ-9, GAD-7). Essa rotina padroniza o reconhecimento precoce e orienta a intensidade do manejo. Sociedade Europeia de Cardiologia+1

Quanto ao desempenho dos instrumentos breves, a ESC sumariza propriedades psicométricas úteis à prática. Os dois itens de Whooley oferecem alta sensibilidade para depressão, enquanto PHQ-2 e GAD-2 também têm sensibilidade elevada, com especificidades moderadas. Em ambientes cardiológicos, prioriza-se não perder casos; por isso, a estratégia em dois passos é adequada: triagem sensível, seguida de escala diagnóstica/gravidade para confirmar e estratificar. Definir ferramenta padrão melhora reprodutibilidade e fluxo. Sociedade Europeia de Cardiologia

O manejo recomendado segue um modelo de “stepped care”, graduando intensidade segundo preferência, gravidade e recursos. Degraus podem ir de psicoeducação e autotratamento guiado até psicoterapias estruturadas e farmacoterapia, com revisões programadas e referência a especialistas quando necessário. A equipe define quem avalia, quando e como, pactua metas e acompanha sintomas e adesão. Evidência para reduzir MACE é limitada, mas há ganhos consistentes em depressão, ansiedade e qualidade de vida. Sociedade Europeia de Cardiologia+1

Intervenções não farmacológicas são pilares: psicoeducação, terapia cognitivo-comportamental, manejo do estresse (mindfulness, relaxamento), higiene do sono e prescrição social (arte, música, natureza). Na reabilitação cardíaca, exercício supervisionado melhora sintomas depressivos/ansiosos e bem-estar. Cessação do tabagismo exige combinação de farmacoterapia e suporte comportamental. Abordagens multimodais e iterativas, ancoradas na aliança terapêutica, aumentam aderência e manutenção de mudanças. 

Tratamento Farmacológico

Farmacoterapia: ISRS/IRSN são preferidos como primeira linha em depressão/ansiedade/TEPT em pacientes com DCV, balanceando riscos, interações e efeitos sobre ritmo e condução. Evitar tricíclicos quando possível, pelo potencial de prolongar QTc e efeitos anticolinérgicos. Benzodiazepínicos devem ser usados com cautela e por curto prazo, para evitar sedação, quedas e dependência. A decisão é individualizada, coordenada entre cardiologia e psiquiatria, com ECG quando houver risco de QTc. 

Transtorno mental grave (TMG) esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão maior recorrente grave implica risco CV substancialmente maior. O documento recomenda rastrear sistematicamente fatores de risco CV em todas as fases, avaliar risco antes de antipsicóticos e monitorar arritmias. Diferentes antipsicóticos variam na propensão a ganho ponderal, dislipidemia e hiperglicemia; alguns prolongam QTc, exigindo ECG antes e após início. A gestão requer vias assistenciais específicas e colaboração estreita. Sociedade Europeia de Cardiologia+1

O Consenso traz fluxos para TMG e arritmias: excluir causas médicas, tratar arritmias conforme diretrizes ESC, checar fatores pró-arrítmicos e monitorar QT se usar fármacos que o prolonguem. Em taquicardia sinusal persistente e sintomática, considerar betabloqueador; para FA, seguir profilaxia tromboembólica e controle de ritmo/frequência com cautela a interações. O foco é minimizar riscos iatrogênicos sem privar pacientes de tratamentos psiquiátricos eficazes. Sociedade Europeia de Cardiologia

Populações e situações específicas demandam personalização. Mulheres apresentam gatilhos de estresse mais ligados a SCA e maior prevalência de Takotsubo. Idosos e frágeis sofrem com multimorbidade, polifarmácia e maior risco de interações; recomenda-se avaliação geriátrica multidomínio e de-prescrição quando possível. Privação socioeconômica, migração/refúgio e cardio-oncologia trazem barreiras adicionais; intervenções comunitárias e de política pública são parte da solução. Sociedade Europeia de Cardiologia

Lacunas de evidência permanecem: falta definir protocolos ótimos de triagem (timing/frequência), algoritmos baseados em screening e custo-efetividade. Precisamos de ECRs para intervenções psicológicas e de atividade física em DCV + transtornos mentais, estratégias efetivas de mudança comportamental e modelos colaborativos escaláveis. Segurança/eficácia de antidepressivos e antipsicóticos em IC e cardio-oncologia merecem pesquisa, assim como recalibrar escores para TMG. Sociedade Europeia de Cardiologia

Implementação prática no consultório/serviço:

1) Adote ACTIVE como “checklist” de cultura e processo.
2) Institua triagem em dois passos (Whooley/PHQ-2/GAD-2 → PHQ-9/GAD-7 se positivo) após eventos CV, anualmente e sob suspeita clínica.
3) Estruture “stepped care” com psicoeducação, TCC, reabilitação cardíaca, cessação tabágica e, quando indicado, farmacoterapia compartilhada.
4) Mapeie e apoie cuidadores.
5) Formalize a Psycho-Cardio Team com papeis definidos e vias de referência.
6) Monitore desfechos psicológicos e CV. Sociedade Europeia de Cardiologia+1

Referências: Consenso Clínico ESC 2025 (EHJ, doi:10.1093/eurheartj/ehaf191), slides e Essential Messages oficiais, press-release da ESC