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sexta-feira, 23 de maio de 2025

Nova resolução de cirurgia bariátrica (2025)

Essa semana foi publicada no D.O.U a nova resolução sobre Cirurgia Bariátrica no Brasil (CFM nº 2.429/25). 

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou em 20/05/2025 uma nova resolução que atualiza os critérios para a realização da cirurgia bariátrica e metabólica, unificando normas anteriores (Resoluções 2.131/2015 e 2.172/2017) e incorporando evidências científicas recentes.

Principais Mudanças e Critérios Atualizados

Elegibilidade de IMC:
Mantido: IMC > 40 independente das comorbidades
IMC 35-40 com doenças associadas que melhoram com a perda de peso
Novo critério: IMC entre 30-35 pode ser elegível se houver doenças como:
Diabetes tipo 2 (DM2)
Doença renal precoce em pacientes com DM2
Doença arterial coronariana grave com lesão em órgão alvo
Doenças com indicação de transplante
Doença do refluxo grave com indicação de cirurgia
Osteoatrose grave
Apneia do sono grave
Esteatose hepática com fibrose

Idade mínima:
Agora adolescentes a partir de 14 anos podem realizar o procedimento em casos de obesidade grave (IMC>40), com avaliação multidisciplinar e autorização dos responsáveis.
Jovens entre 16 e 18 anos seguem os mesmos critérios de adultos.

Remoção de restrições:
Deixam de existir limites rígidos de idade e tempo de diagnóstico para pacientes com diabetes tipo 2.

Infraestrutura Hospitalar Obrigatória

A cirurgia deve ser feita em hospitais de grande porte com:
UTI e plantão 24h.
Estrutura física e equipe capacitada, especialmente para pacientes com IMC > 60.

Tipos de Cirurgias reconhecidas pelo CFM:
Primárias altamente recomendadas:
Bypass gástrico em Y de Roux
Sleeve gástrico (gastrectomia vertical)

Alternativas (principalmente revisionais)
Duodenal switch
Bypass com anastomose única
Sleeve + anastomose duodenal-ileal
Sleeve + bipartição intestinal 

Não recomendadas: Banda gástrica ajustável e cirurgia de Scopinaro. Ambas tem alta taxa de complicações. 

Procedimentos endoscópicos reconhecidos: Balão intragástrico e gastroplastia endoscópica.

Preferência por técnicas minimamente invasivas.

Dados e Impacto no Brasil

Entre 2020 e 2024: 291 mil cirurgias realizadas, 10 mil delas de forma particular.

Apenas 98 hospitais no país realizam o procedimento; 4 estados não oferecem pelo SUS.

Obesidade afeta 34,66% da população, sendo 4,63% com obesidade grau III (IMC > 40).

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo (CRM-GO 13192, RQE 11915)







terça-feira, 28 de maio de 2024

Cirurgia bariátrica: fazer ou não, eis a questão?


Dúvida super comum no meu dia-a-dia. Quem segue o meu blog/instagram/site sabe que coordeno um ambulatório de Nutrologia no SUS. Comecei em Janeiro de 2015, ou seja, quase 10 anos atendendo um grande volume de pacientes. E me orgulho muito disso, afinal o SUS é a melhor escola para quem quer realmente aprender a ser um bom médico. 

Um bom médico se faz com 5 pilares:
1) Conhecimento técnico-científico
2) Vivência: experiência atendendo
3) Escuta ativa
4) Atendimento humanizado
5) Anseio por ver o paciente melhorando ou amenizando a sua dor

A vivência é algo crucial na Nutrologia, pois, crescemos principalmente diante dos desafios, dos encontros com os pacientes enfermos. Desde 2018 estou contabilizando a quantidade de pacientes que atendi e que indiquei cirurgia bariátrica ou foram operados por indicação de outros profissionais. Só a título de curiosidade, somente a partir de 2022 que a prefeitura municipal de Aparecida de Goiânia passou a realizar  cirurgias bariátricas nos munícipes. Antes os pacientes faziam no Hospital Geral de Goiânia (HGG) ou por plano de saúde/particular. 

Contabilizei 948 pacientes submetidos a cirurgia bariátrica e que atendi desde 2018. Apesar de realizarmos apenas a Sleeve em nosso hospital (HMAP) a maioria dos pacientes foram submetidos ao Bypass em Y de Roux, ou seja, operaram no HGG ou por plano de saúde/particular. Depois, procuram o ambulatório de Nutrologia.

Mas por que estou contando essa questão epidemiológica? Simplesmente para mostrar que o que irei escrever abaixo não é fruto de vozes da minha cabeça. São constatações ao longo desses quase 10 anos. Ou seja, será que realmente vale a pena fazer cirurgia bariátrica?


Antes de tudo é preciso entender, quem é o paciente candidato à cirurgia bariátrica.

De acordo com Ministério da Saúde e  com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estão aptas à cirurgia bariátrica:
  • Pessoas com IMC acima de 40 – com ou sem doenças associadas (comorbidades), com falha no tratamento clínico após 2 anos. 
  • Pessoas com IMC maior que 35, com alguma comorbidade – pressão alta, diabetes, gordura no fígado, refluxo gastroesofágico, problemas articulares. E com falha no tratamento clínico após 2 anos. 
Tratamento clínico compreende-se: dieta, exercício físico e uso de medicação antiobesidade. 

Ok, o paciente está apto, e aí, eu indico ou não? Depende.



Tanto no consultório particular quanto no SUS, sou bem realista e exponho a eficácia do tratamento não cirúrgico da obesidade.

Dependendo do grau da obesidade, dificilmente alguns pacientes conseguirão emagrecer somente com dieta e exercício físico. Isso corrobora com os grandes estudos epidemiológicos e vejo se confirmando na prática clínica após quase 10 anos à frente do ambulatório, além dos 14 anos de consultório. Quando passamos a tratar com medicamentos, a taxa de sucesso já melhora consideravelmente, em especial com as novas drogas para tratamento da obesidade (análogos de GLP-1)

Mas e quem já tentou de tudo: dieta, exercício, múltiplas medicações e mesmo assim não teve resultado? Deve operar? Mais uma vez depende e aqui começa o nosso papo. 

Ao longo desses anos vi pessoas sem opção, ou seja, ou operavam ou morriam decorrente das complicações da obesidade. Também vi pessoas que sequer tinham tentado tratamento medicamentoso e preferiram operar. Resultados: bom para alguns, péssimo para outros.

Eu vi, ouvi, acolhi, prescrevi:
  • Pacientes que antes da cirurgia não faziam dieta, nem atividade física, não usaram medicação e acreditaram que a cirurgia faria milagre. Resultado: grande perda de peso, com posterior reganho e hoje precisam fazer dieta continuamente, atividade física e alguns utilizar medicação. 
  • Paciente que já tinha tentado dieta e atividade física, uso de medicação. Fez cirurgia, depositou toda confiança na cirurgia. Foi submetido à cirurgia. Teve perda de peso considerada ruim e continua tendo que fazer dieta, atividade física e usando medicação. 
  • Paciente que tinha indicação formal para a cirurgia, teve grande perda de peso, não recuperou o peso, mas começou a apresentar complicações decorrentes da cirurgia. Está magro(a) mas buscando tratamento para as complicações disabsortivas. 
  • Paciente previamente com transtornos psiquiátricos, que "burlaram" o acompanhamento com psicólogo e psiquiatra, recebendo autorização dos mesmos. Operaram, tiveram perda de peso, reganharam o peso, parcialmente ou totalmente, hoje cursam com transtornos psiquiátricos mais severos, que necessitam de medicação que favorece ganho de peso.
  • Pacientes que tinham indicação, operaram, tiveram perda ponderal significativa, aceitaram que teriam que fazer atividade física, dieta, policiamento por toda a vida e acompanhamento dos nutrientes. Com sucesso terapêutico.
  • Paciente que foi submetido a Sleeve (apenas redução do tamanho do estômago = gastroplastica vertical), não teve perda ponderal significativa, não fez dieta corretamente e nem praticou atividade física. O cirurgião indicou o bypass. Fez o bypass e teve perda de peso importante, mas com reganho posterior. 

Ou seja, já vi de tudo, mas a pergunta que não quer calar: "Mas você Dr. Frederico indica a cirurgia?". 

Depende. Depende do histórico do paciente e isso inclui:
  • Hábitos dietéticos: as preferências alimentares desse paciente, o padrão alimentar (hiperfágico, compulsivo, beliscador, comer emocional), capacidade de seguir restrições alimentares. 
  • Atividade física e exercício físico que esse paciente fez ao longo da vida. Se conseguirá praticar após a cirurgia. 
  • Antecedentes psiquiátricos: se tem alguma doença psiquiátrica de base. A história psiquiátrica familiar. Se já necessitou fazer uso de psicofármacos ou se faz uso. Esse paciente faz acompanhamento psicoterápico? Como ele lidará com o novo corpo? E se ele não alcançar o corpo idealizado, como reagirá? E se mesmo após a mudança corporal ele perceber que terá que continuar fazendo dieta, exercício e tomando medicação antiobesidade, qual será a reação dele?
  • As comorbidades que esse paciente apresenta. Já que algumas ortopédicas podem dificultar a prática de exercício, o que favorecerá uma grande perda de massa muscular e com isso piora das alterações ortopédicas. Ou arritmias mais severas que impossibilitam exercícios que elevam muito a frequência cardíaca. 
  • Suporte familiar: a pessoa terá auxílio de alguém no pós-operatório imediato e para reforçar a necessidade de acompanhamento periódico?
  • Poder aquisitivo: aqui é um ponto importante e muito negligenciado principalmente no SUS. Muitas equipes não informam a média de gastos que esse paciente terá. Tenho uma tabela que mostro o custo médio dos polivitamínicos e poliminerais que esse indivíduo terá que usar por toda a vida. Bons produtos não são baratos. E o pior, na maioria das vezes o paciente terá que usar não só o polivitamínico, mas também dose adicional de cálcio, vitamina D, B12 (via oral ou sublingual ou injetável), ferro endovenoso. As vezes suplementos proteicos. As vezes enzimas digestivas.


A vida é feita de escolhas e a vida do médico também. Mas cabe ao médico quando indicar algo, levar em conta todas essas variáveis. E por que falo isso? Por que já indiquei cirurgia e alguns pacientes se arrependeram.

Obviamente eles não me culpam, afinal a escolha é do paciente. Agi dentro da Medicina baseada em evidência. Nesses casos é risco-benefício. Paciente de quase 200Kg que se não fizesse a cirurgia provavelmente viveria menos, teria algum evento cardiovascular (infarto, AVC). 

Assim como contraindiquei a cirurgia por já conhecer o paciente de longa data, acompanhei a falha no tratamento clínico, mas insisti no tratamento medicamentoso. O paciente não quis mais e pediu o laudo para o Endócrino. Operou e hoje faz acompanhamento comigo, tendo que tratar os déficits nutrológicos, ouvir a cada 3 meses eu falando sobre importância do exercício, do controle dietético e alguns utilizando medicação. 

Ou seja, a cirurgia bariátrica salva vidas (de alguns) quando bem indicada. Porém, quando a indicação não é cautelosa, quando aspectos psiquiátricos/dietéticos são negligenciados, podemos no deparar com verdadeiros desastres e culminar na seguinte frase: "Essa cirurgia acabou com minha vida" ou " se arrependimento matasse".

Portanto, se você está aventando a cirurgia, seja cauteloso, procure um bom cirurgião e saiba que:
  • A parte mais importante do tratamento é aceitar que a obesidade é uma doença. Doença esta que é crônica, recidivante, INCURÁVEL, com forte componente genético e de causa multifatorial. Aceite que é uma doença e que suas ações determinam o sucesso do tratamento.
  • Você pode estar magro após a cirurgia, bem magro, seu corpo ainda terá as células de gordura (adipócitos). A vigilância deverá ser eterna. 
  • A cirurgia bariátrica não é a cura para obesidade e muito menos o último tratamento disponível. É uma modalidade terapêutica, comprovadamente eficaz de acordo com centenas de estudos, porém, é apenas o início de uma nova jornada. Se o paciente terá sucesso terapêutico ou não, dependerá de alguns fatores: aceitação da doença, mudança de mentalidade, prática regular de exercício físico, aumento da atividade física, dieta, psicoterapia.
  • Dieta será por toda vida, se você comer alimentos ricos em sacarose ou em gordura, você conhecerá uma sensação terrível, o famoso Dumping. Pelo menos nos primeiros 5 anos a minha recomendação é que você mantenha acompanhamento com um bom nutricionista com experiência na área. 
  • Exercício físic preferencialmente 300 minutos por semana, no mínimo 150 minutos. Por toda a vida. Comece logo quando o cirurgião liberar. Qual a mais indicada: musculação. "Ah mas eu odeio", vai ter que deixar de odiar. A musculação será o que evitará que você perca muita massa muscular durante o processo de emagrecimento e que ajudará a evitar que você reganhe o peso perdido. Lembre-se: Ad eternum.
  • A dieta deverá ser mais proteica. É super comum pós-bariátricos rejeitarem proteínas, principalmente animal. Então, lembre-se, proteína dietética é um dos determinantes do sucesso da cirurgia. Constatação de prática clínica ao longo desses anos. 
  • Dependendo da técnica utilizada: sleeve ou bypass você poderá ter maior ou menor déficits nutricionais. O sleeve é uma cirurgia restritiva, corta o estômago e com isso a absorção de ferro, B12 caem. Já o bypass além de cortar o estômago, o cirurgião faz um desvio, ou seja, ligando o novo estômago, lá embaixo, no jejuno. Ou seja, fica sem absorver uma série de nutrientes no intestino delgado e no começo do jejum, como por exemplo: Vitamina B1, B9, B12, Cálcio, Ferro, Vitamina D. Ou seja, pelo menos duas vezes ao ano terá que fazer um check-up nutrológico básico para saber como estão os nutrientes. 
  • Se o componente emocional foi crucial no surgimento da obesidade, não é porque emagreceu que ele deixará de existir. Então, faça psicoterapia por toda a vida. 
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 / CRM-SC 32949 - RQE 22416