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sábado, 30 de agosto de 2025

A angústia ambiental está associada a problemas de saúde mental?

Crise ecológica e saúde mental: a ligação entre solastalgia e ansiedade ambiental

À medida que as crises ecológicas se intensificam no mundo, cresce também a preocupação com seus efeitos sobre a saúde mental. Pesquisadores de diversas áreas apontam que fenômenos como desmatamento, aquecimento global, poluição e perda da biodiversidade podem desencadear sentimentos de angústia e desespero coletivo.

Esse tipo de sofrimento psicológico ganhou um nome: solastalgia, termo que descreve a dor emocional causada pela percepção de degradação ambiental em lugares que antes traziam conforto e pertencimento. Ou seja, trata-se de uma nostalgia vivida no presente, ligada à perda do ambiente natural.

A crise climática não é apenas um problema físico, com secas, incêndios e inundações. Ela carrega um peso simbólico e psicológico profundo, capaz de gerar sintomas semelhantes aos de transtornos de ansiedade e depressão. Esse impacto ainda é pouco debatido em linguagem acessível ao público geral.

Estudos recentes mostram que a saúde mental da população é diretamente afetada por eventos climáticos extremos. Pessoas expostas a incêndios florestais, enchentes ou à seca prolongada apresentam níveis mais altos de estresse pós-traumático, depressão e até risco aumentado de suicídio.

Além dos impactos agudos, há também os estressores crônicos da crise ecológica. Insegurança alimentar, perda econômica, deslocamento forçado e ameaças à sobrevivência coletiva geram uma ansiedade contínua que se reflete em sintomas psicológicos. Nesse cenário, a solastalgia surge como uma categoria útil para compreender como a degradação ambiental afeta a psique humana. O termo foi criado pelo filósofo australiano Glenn Albrecht e une as palavras “solace” (consolo) e “nostalgia”. Ele descreve o sentimento de perda em relação ao lar e ao ambiente natural.

A solastalgia é frequentemente relatada por comunidades que vivem perto de minas a céu aberto, áreas de desmatamento ou regiões castigadas por eventos climáticos extremos. Nesses locais, o vínculo emocional com o território se rompe, trazendo sensação de desamparo. Do ponto de vista científico, escalas específicas foram desenvolvidas para medir esse fenômeno, como a Escala de Angústia Ambiental (EAA) e a Escala Breve de Solastalgia (EBS). Essas ferramentas permitem identificar o grau de sofrimento ambiental e sua correlação com transtornos mentais.

Uma revisão publicada em 2024 analisou estudos de países como Austrália, Alemanha, Peru e Estados Unidos. Os resultados mostraram uma associação estatisticamente significativa entre solastalgia e depressão, com coeficientes de correlação variando de 0,27 a 0,53.




Da mesma forma, a relação entre solastalgia e ansiedade também foi relevante. Pessoas vivendo em áreas de exploração mineral ou sob ameaça ambiental relataram níveis mais altos de medo, insegurança e sintomas ansiosos. Dois estudos destacaram ainda a ligação entre solastalgia e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), especialmente em populações afetadas por incêndios e secas prolongadas. Isso mostra como os impactos da crise climática podem ultrapassar a esfera física e atingir a saúde mental de forma severa.

A importância desses achados é enorme, já que coloca a saúde mental no centro da discussão sobre mudanças climáticas e saúde planetária. O sofrimento ambiental precisa ser reconhecido como parte da carga de doenças do nosso tempo. Além do impacto individual, a solastalgia tem um efeito coletivo. Comunidades inteiras podem desenvolver sentimentos de perda cultural, crise de identidade e desesperança em relação ao futuro, o que compromete o bem-estar social.

Outro ponto relevante é que a crise ecológica não afeta todos da mesma forma. Populações mais vulneráveis, como povos indígenas, comunidades ribeirinhas e moradores de áreas pobres, sentem de maneira mais intensa os impactos psicológicos da destruição ambiental. A insegurança alimentar, resultado direto da crise climática, aumenta o estresse diário e contribui para o agravamento de sintomas de depressão e ansiedade. Isso cria um ciclo onde a degradação ambiental e o sofrimento psicológico se reforçam mutuamente.

Os pesquisadores destacam que falar sobre ecoansiedade e solastalgia ajuda a legitimar os sentimentos da população. Muitas pessoas se sentem sozinhas ao vivenciar essa dor, mas compreender que se trata de uma resposta comum pode ser terapêutico. Estratégias de enfrentamento também são apontadas. Criar redes de apoio, fortalecer o senso comunitário e engajar-se em ações ambientais podem reduzir os impactos negativos da solastalgia sobre a saúde mental.

Além disso, políticas públicas precisam integrar saúde mental e meio ambiente. Profissionais da saúde devem ser preparados para reconhecer sintomas de ecoansiedade e solastalgia, oferecendo suporte psicológico adequado. A terapia cognitivo-comportamental e abordagens de psicologia comunitária têm mostrado bons resultados para pessoas que enfrentam sofrimento ambiental. O fortalecimento da resiliência individual e coletiva é fundamental.

Vale destacar também o papel da educação ambiental. Quando as pessoas compreendem as causas das mudanças climáticas e se sentem parte da solução, o senso de impotência diminui, ajudando a lidar melhor com a crise.

Outro aspecto importante é a prática de conexão com a natureza. Passar tempo em áreas verdes, cultivar plantas e valorizar o contato com o ambiente pode reduzir o estresse e melhorar a saúde mental em tempos de crise ecológica. A espiritualidade também aparece em muitos estudos como recurso de enfrentamento. A percepção de pertencimento a algo maior pode trazer conforto diante das incertezas ambientais. No campo científico, ainda há lacunas. Os autores da revisão ressaltam que a literatura é pequena e heterogênea. São necessários mais estudos para entender a fundo os mecanismos que ligam crise ecológica e saúde mental.

Apesar dessas limitações, já é possível afirmar que a solastalgia é um mediador central entre degradação ambiental e sofrimento psicológico. Reconhecer isso é o primeiro passo para agir em políticas de saúde. A crise ecológica representa não apenas um desafio físico, mas também um fenômeno emocional coletivo. Ignorar seus impactos na saúde mental significa negligenciar uma parte importante do problema.

Com o avanço das mudanças climáticas, espera-se que a prevalência de ecoansiedade e solastalgia aumente. Por isso, falar sobre o tema hoje é preparar o terreno para estratégias de prevenção e cuidado no futuro.

A mensagem final é clara: cuidar do planeta é também cuidar da nossa saúde mental. Ao proteger os ecossistemas, protegemos não apenas a biodiversidade, mas também o equilíbrio psicológico das gerações atuais e futuras. Esse conhecimento é especialmente relevante para profissionais de saúde, educadores e gestores públicos. Todos têm um papel a desempenhar na integração da saúde mental às políticas ambientais.

É importante que o público leigo saiba que sentir ansiedade ou tristeza diante da crise climática não é exagero. Trata-se de uma resposta legítima e reconhecida cientificamente, chamada solastalgia. Assim, trazer esse tema ao debate ajuda a transformar dor em ação. Engajar-se em projetos de reflorestamento, consumo consciente e mobilização comunitária são formas práticas de reduzir a sensação de impotência. Por fim, a crise ecológica nos lembra de algo essencial: a saúde mental e a saúde do planeta estão interligadas. Cuidar de uma sem cuidar da outra é impossível. A busca por equilíbrio deve ser coletiva, integrando ciência, política e consciência individual.


Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE11915
Gostou do texto que postei e quer conhecer mais sobre o meu trabalho, clique aqui. 

domingo, 27 de março de 2022

Entidade filantrópica - Filhos de SR

Hoje divulgarei aqui, uma entidade filantrópica de Goiânia que auxilia pessoas em situação de rua e em insegurança alimentar. Para conhecerem o trabalho deles visitem: https://filhosdesr.blogspot.com/

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Como a insegurança alimentar tem afetado o sistema imunológico de mais de 10 milhões de brasileiros

Abaixo, uma entrevista que dei com meu amigo Pedro Dall Bello sobre efeitos da insegurança alimentar.

Como a insegurança alimentar tem afetado o sistema imunológico de mais de 10 milhões de brasileiros

Entre as principais sequelas provocadas pelo surgimento da pandemia do novo coronavírus, destaca-se o aumento do número de desempregados no Brasil. De acordo com dados divulgados em 27 de maio de 2021 pelo IBGE, a taxa de desemprego chegou à marca 14,7% da população, sendo o maior percentual desde 2012. Com isso, o acesso à alimentação básica tem sido restringido, fazendo o país voltar ao mapa da fome segundo classificação feita pela ONU, na qual mais de 5% da população encontra-se em situação de insegurança alimentar. 

Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha entre 11 e 12 de maio deste ano, contando com a participação de pouco mais de 2.000 pessoas de 146 municípios de diferentes regiões e classes sociais do Brasil, cerca de 41% dos entrevistados que receberam auxílio emergencial em 2021 dizem ter faltado comida em casa. 

O estudo revelou que nos casos de famílias com filhos de até 6 anos, 35% alegam que tiveram menos alimentos que o suficiente. Os dados ainda apontam que quando apenas um dos adultos do ambiente familiar está empregado, 29% não conseguem acesso à quantidade de comida necessária. 

É o caso da moradora do bairro Alvarenga, em São Bernardo, Amanda Reis, 30, que mora acompanhada dos três filhos pequenos e o marido, único adulto empregado da casa. Com dificuldade para se recolocar no mercado de trabalho e conseguir arcar com os custos do aluguel da casa, a desempregada comenta sobre a falta de alimentos. “Desde o fim do ano passado percebemos que acabaríamos passando fome, mesmo com o salário do meu marido e o auxílio emergencial.” 

A alternativa encontrada até o momento tem sido a busca por doações de cestas básicas. Especialmente com a redução do auxílio emergencial, que ao final de 2020 equivalia a R$ 600 e que suspenso desde o início deste ano, só retornou em abril, no valor de R$ 250, a família de Amanda passou a enfrentar a insegurança alimentar. “A solução foi pedir a ajuda da Central Única das Favelas, que tem uma sede em São Bernardo, onde a gente vai buscar as cestas básicas todo mês”, disse ela. 

Impactos da fome no sistema imunológico 

De acordo com o nutrólogo Pedro Dal Bello, a diminuição da oferta de nutrientes como proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais, pode gerar os mais variados sintomas. “Esses indivíduos podem sofrer forte impacto emocional e alterações orgânicas, que por vezes podem ser irreversíveis, como a deficiência em vitamina B12.”  

Entre os sintomas mais encontrados em casos clínicos de constatação de problemas causados por fome, o especialista destaca os efeitos gerados pela pobreza de ingestão de proteínas. “A pessoa tende a perder músculo e com isso apresentar cansaço, fraqueza, piora da imunidade, alterações em cabelos e unhas, palidez, turvação visual e palpitações.”  

Segundo Dal Bello, além dessas consequências, alimentos que são fontes de proteína também apresentam vitaminas e minerais, que trabalham em conjunto, sendo importantes para a manutenção do equilíbrio do corpo. 

Efeitos da insegurança alimentar em diferentes faixas etárias 

Para o nutrólogo Frederico Lobo, os riscos envolvendo a saúde de pacientes da faixa pediátrica, indivíduos com até 18 anos, se relacionam com a maior necessidade de nutrientes e a formação do organismo. “Quando há uma situação de insegurança alimentar ou até mesmo fome, com certeza isso repercutirá no crescimento do jovem e até mesmo na cognição.”  

Além disso, a exposição à pobreza nutricional pode facilitar que pessoas pertencentes a essa faixa etária desenvolvam doenças crônicas não degenerativas na fase adulta. Entre os problemas mais comuns gerados por essa situação, estão a diabetes e a hipertensão arterial. 

Outro grupo de indivíduos bastante fragilizado quando se encontram em situação de insegurança alimentar, são os que pertencem à faixa etária acima dos 65 anos, aponta o especialista. “Tendem a possuir um organismo com menos reservas de nutrientes e muitos já apresentam doenças associadas que podem por si só agravar a perda da massa muscular.”  

A exemplo do impacto de doenças preexistentes no organismo de pessoas idosas, até mesmo o uso de alguns medicamentos pode favorecer a perda nutricional. “O tratamento da diabetes tipo 2, por exemplo, conta com a Metformina, que contribui para a redução dos níveis de vitamina B12”, alerta o nutrólogo. 

De acordo com Lobo, no caso dos adultos, apesar dos riscos oferecidos à saúde pela alimentação inadequada, não há a mesma gravidade dos problemas que são gerados pela fome em crianças e idosos. 

Melhores opções de alimentos para doação 

Ambos os especialistas destacam que apesar da inacessibilidade às carnes, por conta da alta nos preços, é importante priorizar alimentos que são fontes de proteína e ferro durante a montagem de uma cesta básica. “Por não ser viável a compra de carne vermelha, que é rica em proteína e ferro, as leguminosas são uma boa alternativa, já que fornecem ambos, além de carboidratos e outros nutrientes.” 

Entre as opções sugeridas de leguminosas, estão feijão, soja, ervilha, lentilha e grão de bico. Além da ausência, em muitos casos, de alimentos ricos em proteínas citados anteriormente, o leite é outro elemento importante que acaba sendo deixado de lado quando as pessoas reúnem alimentos para doação, de acordo com os nutrólogos. 

Por fim, o erro mais comum na montagem de cestas básicas é o acréscimo exagerado de comidas com altas taxas de carboidrato refinado. “A maioria são ricos apenas em carboidratos e alguns fortificados com ferro e ácido fólico, porém, pobres em outros nutrientes como magnésio, zinco e fibras”, concluem os especialistas.