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terça-feira, 31 de março de 2015

A nutrição e sua importância nos primeiro 1.000 dias de vida da criança - Dra. Christiane Araujo Chaves Leite

Os primeiros 1.000 dias entre a gravidez e o segundo ano de vida oferecem uma janela de oportunidade única para proporcionar à criança um futuro mais saudável e próspero. O correto manejo nutricional durante os primeiros 1.000 dias pode ter um profundo impacto no crescimento e na aprendizagem, oferecendo também chances para melhora do padrão de vida social e para a construção de uma sociedade mais saudável, a longo prazo, e estável.

Ainda hoje a desnutrição lidera as causas de morte de crianças mais jovens em vários locais do mundo. Para lactentes e crianças abaixo de 2 anos, as consequências da desnutrição são particularmente graves, quase sempre irreversíveis, com repercussões na idade adulta.
Durante a gravidez, a desnutrição pode ter um péssimo impacto no crescimento saudável do feto e no desenvolvimento da criança. Bebês que se desnutrem durante a vida intrauterina têm um maior risco de morrer na infância e são mais propensos a enfrentar, ao longo da vida, déficits cognitivos e físicos e problemas crônicos de saúde.

Para crianças menores de 2 anos, a desnutrição pode ser devastadora, repercutindo sobre o sistema imunológico e susceptibilizando-as a morrer de doenças comuns como pneumonia, diarreia e malária.
Lactentes nascidos de baixo peso (BP) têm piores resultados quanto ao desenvolvimento neurológico (habilidades cognitivas, de memória, visuais e média de quociente de inteligência [QI]) quando comparados com aqueles nascidos com peso adequado para a idade gestacional. O período perinatal é de alta necessidade energética e de micronutrientes, e qualquer processo, como nascimento prematuro, nutrição inadequada ou insuficiência placentária, que interrompa o fluxo de nutrientes para o feto pode resultar em bebês com BP ao nascimento. Portanto, parece lógico que ao menos parte dos déficits cognitivos possa ser explicada por privação nutricional.

Os nutrientes comumente deficientes em lactentes de BP incluem proteína e energia e micronutrientes como ferro, zinco e ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (LC-PUFAs).
Estratégias para melhorar o desenvolvimento neurológico de crianças nascidas de BP são importantes, e muitas intervenções tiveram foco na abordagem nutricional aplicada durante o período após o nascimento. O acúmulo expressivo, no cérebro, dos LC-PUFAs (ácido docosa-hexaenoico [DHA] e ácido araquidônico [ARA]) ocorre principalmente no último trimestre de gestação e nos primeiros meses de vida.

A maioria das fórmulas para prematuros tem sido suplementada com LC-PUFAs desde o princípio dos anos 2000. De maior relevância clínica há dois ensaios recentes com doses de DHA que refletem a taxa estimada de acúmulo na vida intrauterina. Esses ensaios também incluíram lactentes alimentados com leite materno. Ambos descreveram progressos no desenvolvimento neurológico.
Pelas revisões recentes da literatura e das recomendações de expertos acerca da adição de LC-PUFAs às fórmulas infantis, conclui-se que as evidências atuais respaldam a suplementação de DHA e ARA nessas fórmulas, em especial nas destinadas a prematuros.

Estudo prospectivo, randomizado, duplo-cego, placebo-controlado e de intervenção (suplementação de leite humano com DHA e ARA), com seguimento até os 20 meses de idade, não resultou em diferença no índice de desenvolvimento mental de Bayley (MDI). No entanto, identificou melhora significante na atenção sustentada em atividades lúdicas livres.

Recém-nascidos de BP apresentam déficits cognitivos documentados em comparação com aqueles nascidos a termo e com peso normal ao nascimento. Poucos estudos demonstraram o impacto da privação nutricional nesse desfecho, muito provavelmente porque envolveram amostras pequenas ou apresentaram problemas metodológicos, limitando a possibilidade de extrair conclusões robustas. Estudos maiores e ensaios de intervenção mais bem desenhados, com seguimento a longo prazo do desenvolvimento neurológico e suas repercussões, são necessários para determinar a utilidade dos suplementos nutricionais e o tempo de sua administração a recém-nascidos de baixo peso.

Veja mais detalhes em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/m/pubmed/20624152/.

Artigo de referência: Attention among very low birth weight infants following early supplementation with docosahexaenoic and arachidonic acid. Westerberg AC, Schei R, Henriksen C, Smith L, Veierød MB, Drevon CA, Iversen PO. Acta Paediatr. 2011 Jan;100(1):47-52

sábado, 15 de novembro de 2014

A Estratégia FODMAP Contra os Gases por Dr. Leandro Minozzo



O problema é sério e está espalhado por aí de uma maneira impressionante. Não chega a ser uma questão de vida ou morte, mas incomoda, e muito. Refiro-me aos gases – quase sempre acompanhados de inchaço abdominal, borborigmos (aqueles sons embaraçosos vindos da barriga) e desconforto, que pode ser dor do tipo cólica. Quem apresenta esse quadro, sabe do que estou falando, e de como a vida poderia ser bem melhor sem esses sintomas.

No consultório, quando recebo os pacientes com os exames, corro logo ver o resultado do teste de intolerância à lactose. Em outros casos, vou direto para os anticorpos ou resultado da biópsia de duodeno quando suspeito da doença celíaca. Não que eu queira que os pacientes tenham essas duas condições, só que o que fazer quando todos esses exames vêm com resultados negativos? O que fazer com os gases? O que resta investigar? Será então a síndrome do cólon irritável, logo devo entrar com medicações para aliviar a dor e parar por ai? Indicar dieta com fibras, pouco álcool, pouca cafeína e gordura além de prescrever probióticos?  O artigo no qual me lanço trata justamente sobre esses casos e nele abordarei uma conduta para reduzir ou acabar com os gases e inchaço: a estratégia FODMAP.

Curiosamente, um achado comum nesses pacientes é a restrição que possuem a determinados alimentos, sendo os principais deles o feijão, o brócolis, o pimentão e a lentilha. Eles relatam que quase imediatamente ao consumi-los, apresentam os sintomas digestivos do começo do texto. Logo, fica evidente que essas pessoas não conseguem digeri-los adequadamente, sofrendo efeitos de sua fermentação dentro dos intestinos. Acredito que essa foi a pista inicial para pesquisadores australianos, em especial Sue Shepherd, debruçarem-se sobre a composição de determinados alimentos e tentar identificar quais causam sintomas. O nome da abordagem – FODMAP – é um acrônimo para um conjunto de carboidratos osmóticos que podem ser de difícil digestão para algumas pessoas (“fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols”) – veja a tabela abaixo com uma lista resumida.





Quem sofre com os gases não necessariamente apresenta intolerância a todos os carboidratos FODMAP, podendo, em grande parte dos casos, ter dificuldade com um ou dois tipos. É comum, no entanto, a intolerância combinada à lactose e à frutose, assim como ocorre com quando da doença celíaca, quando muitos pacientes não toleram o glúten e a lactose simultaneamente– mais de 30% dos celíacos também não consegue digerir a lactose.

Outro detalhe importante, em especial para colegas médicos e nutricionistas, é que alguns desses carboidratos, como as fructanas e a rafinose são digeridos por bactérias da flora intestinal e, caso ela não se encontre em equilíbrio – condição chamada de disbiose –, os sintomas prevalecerão sempre. A flora intestinal é alvo frequente de pesquisas envolvendo não só aspectos digestivos, mas relacionados ao sistema imunológico e obesidade. A prescrição de probióticos e prebióticos é crescente e encontra espaço em casos de distensão, diarreia e constipação. Por último, colegas, como essas queixas guardam relação com o sobrepeso e obesidade, preparem-se para trata-las no dia-a-dia, pois elas serão cada vez mais frequentes!

Voltando aos FODMAP’s, agora falando sobre a frutose, há problemas tanto na sua quantidade quanto na relação à de glicose: mesmo alimentos não tão ricos em frutose podem causar sintomas quando a relação está aumentada (maior que um) – é o caso da manga, por exemplo, que apresenta 3 gramas de frutose por 100g (o que não tão elevado), porém a relação frutose/glicose é de 3,1.

Para muitos leitores, acredito que essa questão FODMAP soe como uma novidade, porém, há pesquisas que a embasam cientificamente há pelo menos 15 anos e, com as recentes publicações em revistas indexadas de nutrição e gastroenterologia, o assunto ganha relevância.  Os resultados do benefício de uma dieta com baixo FODMAP são, com o perdão do exagero da palavra, extraordinários em pacientes com a síndrome do cólon irritável – até 74% de redução nos sintomas.  Ressaltando que essa síndrome é  uma condição de prevalência significante – mais de 10% da população adulta – e ainda carece de recomendações nutricionais específicas, ficando o tratamento focado na redução dos sintomas, nem sempre às causas.  Nela, acredita-se que o paciente acometido tenha a percepção da distensão intestinal alterada, ou seja, tolera menos o excesso de gazes, que no caso, pode ser causado pela intolerância aos carboidratos fermentáveis da lista. Em dissertação defendida em 2013, na USP, o feijão foi indicado como um dos alimentos que mais deflagrou crises em pacientes com a síndrome do cólon irritável.

E como seria a estratégia FODMAP? Nela, retiram-se da dieta todos os alimentos contidos numa grande lista. É claro, outra grande lista de alimentos permitidos também é oferecida! Orienta-se o paciente a seguir com a dieta de baixo FODMAP por 4 a 6 semanas, logo, “desafios alimentares” são feitos com a introdução dos mesmos por grupos e em baixa quantidade. Inicia-se por frutose, lactose, sorbitol e manitol. Após, continua-se com fructanas e GOS (rafinose). Deve-se tentar aumentar as quantidades de cada grupo até a tolerância máxima, isso porque como você pode constatar na tabela, a maioria dos alimentos ricos em FODMAP é muito saudável, apresentando efeitos benéficos também para a digestão – pelo efeito prebióticos e quantidade de fibras.

Existem outras condições que ainda estão sendo estudadas e que estão relacionadas aos sintomas, como a intolerância ao glúten na ausência da doença celíaca e a dificuldade na digestão de algumas substâncias como a cafeína. Quanto à condição de intolerância ao glúten na ausência de testes confirmatórios para a doença celíaca, há grande possibilidade da intolerância de base ser exclusiva ao trigo – não ao glúten!  Impressiono-me com a quantidade de estudos nessa área e a “fermentação” do tema nutrição e saúde intestinal na medicina. Existem pistas, porém ainda muitas incertezas e desconfianças.

Trazendo para o campo das soluções, além da identificação e retirada dos carboidratos que causam os gases, alguns recursos terapêuticos podem ajudar. No caso dos GOS (rafinose), há a opção de beta-galactosidade no mercado brasileiro (Digeliv, do Laboratório Apsen) – até há pouco tempo era necessário adquirir nos Estados Unidos (Beano). Há também uma infinidade de probióticos nas prateleiras de farmácias e supermercados, que podem ser bastante úteis.

No próximo artigo falarei um pouco mais sobre o papel do nutrólogo no diagnóstico desse tipo de intolerância e os recursos disponíveis. Lembrando sempre que ninguém deve começar uma dieta restritiva ou tratamento por conta própria. Procure sempre um profissional para orientá-lo.

Bom, espero ter dado esperanças para os leitores que sofrem diariamente com os gases, inchaço e cólicas, ah! e com os borborigmos. Quem sabe, com essas informações, algum leitor até se aventure a encarar uma boa feijoada sem medo.

Abraços,

Leandro Minozzo – Médico Nutrólogo



Bibliografia

  1. Gibson PR, Shepherd SJ. Evidence-based dietary management of functional gastrointestinal symptoms: The FODMAP approach. J Gastroenterol Hepatol. 2010 Feb;25(2):252-8.

  2. Fedewa A, Rao SS. Dietary Fructose Intolerance, Fructan Intolerance and FODMAPs. Curr Gastroenterol Rep. 2014 Jan;16(1):370.

  3. Halmos EP, Power VA, Shepherd SJ, Gibson PR, Muir JG. A Diet Low in FODMAPs Reduces Symptoms of Irritable Bowel Syndrome. Gastroenterology. 2014 Jan;146(1):67-75.e5.

  4. Mearin F1, Peña E2, Balboa A3. Importance of diet in irritable bowel syndrome. Gastroenterol Hepatol. 2014 Feb 27.

  5. Biesiekierski JR., ET AL. No effects of gluten in patients with self-reported non-celiac gluten sensitivity after dietary reduction of fermentable, poorly absorbed, short-chain carbohydrates. Gastroenterology. 2013 Aug;145(2):320-8.e1-3




Fonte: http://www.leandrominozzo.com.br/blog/?p=688