Os medicamentos de próxima geração para obesidade funcionarão de maneira diferente do Ozempic e do Wegovy, com o objetivo de proporcionar maior perda de peso com menos efeitos colaterais.
Para Kristian Cook, cada caixa de pizza que ele abria era mais uma porta fechada no caminho para superar a obesidade. “Eu tinha um desejo incontrolável por pizza”, diz ele. “Esse foi meu maior ponto fraco.”
Com 114 quilos e lidando diariamente com medicamentos para colesterol alto, hipertensão e gota, o neozelandês decidiu agir. No final de 2022, aos 46 anos, Cook ingressou em um ensaio clínico para testar a combinação do medicamento para perda de peso semaglutida — mais conhecido pelos nomes comerciais Ozempic ou Wegovy — com um medicamento experimental projetado para preservar a musculatura enquanto reduz a gordura.
A perda muscular é uma grande preocupação para pessoas que usam medicamentos antiobesidade como a semaglutida. Esses “agonistas do GLP-1” imitam um hormônio intestinal natural — o peptídeo semelhante ao glucagon 1 — para suprimir o apetite e regular o metabolismo. No entanto, a redução da ingestão calórica cria um déficit energético, que o corpo frequentemente compensa queimando músculo. O medicamento experimental que Cook recebeu, chamado bimagrumabe, parece contrariar essa perda muscular.
Esse é apenas um dos mais de 100 candidatos a medicamentos antiobesidade que estão em diferentes estágios de desenvolvimento. A próxima geração de medicamentos, que deve chegar às farmácias nos próximos anos, se assemelha aos já disponíveis no mercado. Mas, logo atrás, estão várias terapias sendo desenvolvidas especificamente para preservar a musculatura durante a perda de peso. Outras dezenas de medicamentos visam diferentes vias biológicas e podem redefinir o tratamento da obesidade nas próximas décadas.
“Estamos trabalhando para criar a próxima geração de soluções saudáveis para a perda de peso”, diz Philip Larsen, que teve um papel fundamental no desenvolvimento inicial dos medicamentos GLP-1 e atualmente é CEO da SixPeaks Bio, uma startup suíça focada na obesidade.
O avanço no desenvolvimento de medicamentos contra a obesidade foi impulsionado pelo enorme sucesso da semaglutida e de seu concorrente, a tirzepatida — vendida como Zepbound ou Mounjaro. Esses medicamentos abriram caminho para um mercado global que deve ultrapassar US$ 100 bilhões até o final da década.
Mas a semaglutida e a tirzepatida têm suas limitações. Elas exigem injeções semanais e frequentemente causam efeitos colaterais desagradáveis, como náuseas, vômitos e diarreia. A longo prazo, a perda de massa muscular e a tendência ao reganho de peso após a interrupção do tratamento também são desafios. Além disso, estima-se que os medicamentos não funcionem de forma satisfatória para 10% a 30% das pessoas que os utilizam.
As novas terapias buscam potencializar a perda de peso, melhorar a tolerabilidade, garantir efeitos duradouros e oferecer opções para um público mais amplo (veja ‘O que vem por aí nos medicamentos contra a obesidade’). “Vamos perceber que diferentes medicamentos funcionam melhor para diferentes grupos de pessoas”, diz Louis Aronne, especialista em obesidade da Weill Cornell Medicine, em Nova York, que presta consultoria para fabricantes de medicamentos
Caminhos diversos, mesmo objetivo
Semaglutida e tirzepatida costumam ser agrupadas sob o rótulo de medicamentos GLP-1, mas diferem em um aspecto crucial: a tirzepatida imita não apenas o GLP-1, mas também um hormônio complementar chamado polipeptídeo inibidor gástrico (GIP). Esse hormônio acelera ainda mais o metabolismo energético e influencia a forma como o corpo armazena e queima nutrientes. Acredita-se que essa ação dupla da tirzepatida contribua para seus resultados superiores na perda de peso.
Em um grande ensaio clínico comparativo, patrocinado pela fabricante da tirzepatida, Eli Lilly, em Indianápolis, Indiana, os participantes que tomaram tirzepatida perderam, em média, 20% do peso corporal, superando a redução de 14% obtida com a semaglutida, produzida pela empresa farmacêutica Novo Nordisk, em Bagsværd, Dinamarca. “Acreditamos que exista um mecanismo homeostático, como um termostato, que determina um certo peso corporal e estimula a fome até que o alcancemos”, diz Dan Skovronsky, diretor científico da Eli Lilly. No entanto, segundo ele, medicamentos como a tirzepatida podem neutralizar esse mecanismo natural.
Inspiradas pelo sucesso da tirzepatida, muitas empresas estão desenvolvendo outros medicamentos que atuam nos receptores de GLP-1 e GIP. Pelo menos cinco terapias semelhantes à tirzepatida estão avançando nos ensaios clínicos, e a primeira deve chegar ao mercado até 2028. Pacientes e médicos “precisam de uma variedade de opções”, afirma Ron Renaud, CEO da Kailera Therapeutics, uma startup de biotecnologia em Waltham, Massachusetts, que tem uma terapia semelhante à tirzepatida em fase avançada de testes clínicos.
Além dos ativadores duplos, como a tirzepatida, há também candidatos a medicamentos, como o MariTide (produzido pela empresa biofarmacêutica Amgen, em Thousand Oaks, Califórnia), que bloqueiam o sinal do GIP enquanto ainda ativam o GLP-1. Pode parecer contraditório que ambas as abordagens funcionem, mas Jonathan Campbell, pesquisador de metabolismo da Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte, explica o metabolismo em termos de consumo de combustível de um veículo na estrada: pressionar forte o acelerador, como na ativação do GIP, queima energia de forma ineficiente, esgotando os recursos mais rápido do que podem ser repostos. Por outro lado, dirigir sem soltar completamente o freio de mão cria um atrito constante, semelhante ao bloqueio do GIP, forçando o sistema a trabalhar mais para manter a velocidade.
“Em termos de controle de peso, qualquer coisa que torne você menos eficiente será positiva”, diz Campbell, que recebe financiamento de pesquisa de empresas farmacêuticas. No entanto, ele alerta que as consequências mais amplas de cada estratégia ainda são incertas. Como o GIP também desempenha um papel na saúde óssea, há preocupações de que bloquear seu sinal possa afetar adversamente os ossos. Além disso, permanecem dúvidas sobre os efeitos a longo prazo da perda de peso drástica no corpo, incluindo impactos na musculatura, na flexibilidade metabólica e na saúde dos órgãos.
Embora medicamentos como semaglutida e tirzepatida tenham demonstrado reduzir o risco de AVC, infarto e outros problemas cardiovasculares, além de aliviar a apneia do sono e melhorar a função hepática, eles também têm sido associados a condições como artrite e pancreatite. Os riscos desconhecidos, especialmente em populações diversas e com uso prolongado, levam alguns médicos a preferirem soluções cirúrgicas já estabelecidas, como a cirurgia bariátrica.
No entanto, a incerteza não tem desmotivado as empresas farmacêuticas a explorar novos alvos hormonais. Entre eles estão outros hormônios derivados do intestino, como o peptídeo YY, conhecido por sua capacidade de aumentar a saciedade, e hormônios liberados pelo pâncreas, como o glucagon e a amilina, que poderiam complementar as terapias baseadas em GLP-1 ao aumentar o gasto energético, estabilizar os níveis de açúcar no sangue e suprimir ainda mais o apetite.
Trabalhando juntos
Muitas das estratégias em desenvolvimento visam múltiplas vias simultaneamente. A terapia combinada CagriSema, por exemplo, combina um análogo de ação prolongada da amilina com semaglutida. Segundo a Novo Nordisk, empresa responsável pelo medicamento, participantes de um ensaio clínico de fase III com duração de 68 semanas perderam, em média, quase 23% do peso corporal com essa abordagem.
Se os ensaios em andamento forem bem-sucedidos, o CagriSema, juntamente com agentes que combinam a atividade do GLP-1 e do glucagon — como o survodutide, da empresa farmacêutica Boehringer Ingelheim, na Alemanha —, poderá obter aprovação regulatória já em 2026 ou 2027. No entanto, seu impacto pode ser ofuscado por mais um concorrente. Nos testes de fase II, o retatrutide da Eli Lilly — apelidado de “triplo G” por sua capacidade de atingir os receptores de GLP-1, GIP e glucagon — proporcionou uma redução média de 24% do peso corporal após 48 semanas, estabelecendo um novo marco nos tratamentos contra a obesidade.
Carel le Roux, especialista em medicina metabólica da University College Dublin e consultor de várias empresas farmacêuticas, afirma que os achados sugerem que “quanto mais mecanismos adicionamos, maior é o benefício”. A ativação de múltiplas vias pode permitir o uso de doses menores, alcançando a mesma perda de peso com menos efeitos colaterais.
As empresas também estão explorando alternativas às injeções semanais, que podem ser difíceis de incorporar à rotina das pessoas e apresentam desafios na produção. Injeções mensais estão em desenvolvimento, mas os comprimidos de GLP-1 — liderados por um medicamento chamado orforglipron, da Eli Lilly — podem chegar primeiro ao mercado, possivelmente já no próximo ano. Em um estudo de fase II com duração de 36 semanas, os participantes que usaram a opção oral diária perderam até 15% do peso corporal.
Alvos menos conhecidos
Embora os hormônios intestinais continuem sendo a base do desenvolvimento de medicamentos para obesidade, o sequenciamento genético em larga escala tem sido uma fonte de inspiração para novos alvos. Em 2021, cientistas da empresa de biotecnologia Regeneron Pharmaceuticals, em Tarrytown, Nova York, lideraram uma análise do DNA de quase 650.000 indivíduos e descobriram uma variante genética rara associada a um baixo peso corporal. No ano seguinte, pesquisadores da Alnylam Pharmaceuticals, em Cambridge, Massachusetts, identificaram uma mutação em um gene chamado INHBE. Essa mutação está associada a uma menor relação cintura-quadril, uma medida que reflete uma distribuição de gordura mais saudável no corpo. Agora, empresas buscam desenvolver medicamentos que repliquem os benefícios metabólicos dessas variantes genéticas.
Antigos alvos também estão recebendo nova atenção. Um exemplo é o receptor canabinoide CB1, inicialmente investigado após a descoberta de seu papel na estimulação do apetite induzida pela maconha — o fenômeno conhecido como munchies. No final dos anos 2000, um medicamento desenvolvido para bloquear esse efeito chegou a ser comercializado na Europa como terapia para perda de peso. No entanto, a inibição dos receptores canabinoides no cérebro foi associada a um risco aumentado de depressão, ansiedade e pensamentos suicidas em algumas pessoas. O medicamento, chamado rimonabanto, foi retirado do mercado em menos de três anos, e empresas concorrentes abandonaram projetos semelhantes.
Mas George Kunos, neuroendocrinologista do Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Alcoolismo dos EUA, em Bethesda, Maryland, nunca desistiu da estratégia de bloqueio dos canabinoides. Há cerca de 15 anos, sua equipe e outros pesquisadores demonstraram em roedores que grande parte dos efeitos antiobesidade dos inibidores de CB1 vinha de vias metabólicas no fígado, músculos, pâncreas e outros órgãos fora do cérebro. Se um medicamento como o rimonabanto pudesse ser quimicamente modificado para impedir que atravessasse a barreira hematoencefálica, ele poderia proporcionar benefícios metabólicos sem os efeitos colaterais graves.
O laboratório de Kunos desenvolveu um bloqueador canabinoide de nova geração, agora chamado monlunabanto, que está sendo desenvolvido pela Novo Nordisk. No ano passado, resultados de ensaios clínicos de fase II indicaram que o monlunabanto ainda pode causar ansiedade, irritabilidade e distúrbios do sono. Mesmo assim, Kunos prevê que as farmacêuticas chegarão a uma dose que permita uma redução significativa do peso com níveis aceitáveis de efeitos colaterais.
Grande aposta
Uma variedade de outras abordagens terapêuticas está sendo explorada. Por exemplo, um agente que bloqueia a absorção de alimentos no intestino e outro que inibe uma enzima responsável pelo metabolismo das gorduras estão atualmente em ensaios clínicos de fase II. No entanto, as terapias voltadas para a musculatura, como o bimagrumabe, têm atraído o maior interesse da indústria, principalmente porque cerca de um terço da redução de peso em indivíduos que tomam semaglutida ou tirzepatida ocorre devido à perda de músculo, e não de gordura.
A diminuição da massa muscular levanta preocupações estéticas e pode comprometer a força, a mobilidade e a saúde fisiológica geral. Além disso, o músculo desempenha um papel crucial na regulação da glicose e no gasto energético. Por isso, a perda muscular representa “um grande obstáculo para a manutenção de uma perda de peso contínua e sustentável”, afirma Melanie Haines, endocrinologista do Massachusetts General Hospital, em Boston, que estuda o bimagrumabe.
Preservando músculos
Atualmente, pessoas que tomam medicamentos à base de GLP-1 são orientadas a consumir alimentos ricos em proteínas e praticar treinamento de resistência para preservar a massa muscular. No entanto, um medicamento direcionado ao sinalizador da miostatina — o principal regulador negativo do crescimento muscular — poderia oferecer uma solução mais prática e eficaz, diz Se-Jin Lee, biólogo muscular do The Jackson Laboratory for Genomic Medicine, em Farmington, Connecticut. Lee, que descobriu a miostatina na década de 1990, atua como consultor para diversas empresas farmacêuticas.
O medicamento experimental que Cook utilizou, bimagrumabe, atua exatamente dessa forma. Ele bloqueia um receptor através do qual a miostatina e proteínas relacionadas inibem o crescimento muscular e promovem a retenção de gordura. Após quase um ano de tratamento com a terapia combinada de bimagrumabe e semaglutida, Cook perdeu cerca de 18 kg de gordura e ganhou 1 kg de músculo. O principal efeito colateral, segundo ele, foram cãibras e espasmos esporádicos — na virilha, no ombro e até nos músculos na parte posterior da língua.
Agora que Cook não está mais em uso dos medicamentos, ele recuperou parte da gordura. No entanto, permanece mais de 10% abaixo de seu peso máximo, e sua massa muscular tem se mantido relativamente estável. “Para mim, foi uma experiência transformadora”, afirma.
O bimagrumabe foi inicialmente desenvolvido como um candidato para tratar a perda muscular relacionada à idade e outras condições que levam à redução da massa muscular. Ensaios clínicos mostraram que o medicamento aumentava a massa muscular sem apresentar problemas de segurança significativos. No entanto, ele não demonstrou superioridade em relação ao placebo em testes funcionais de força de preensão manual e capacidade de locomoção. Por esse motivo, a empresa farmacêutica Novartis, com sede em Basileia, Suíça, interrompeu o desenvolvimento do medicamento em 2017.
Ainda assim, dois executivos seniores da Novartis permaneceram confiantes no potencial do bimagrumabe, que demonstrou melhoria no controle da glicose no sangue e potencial para redução da gordura em pequenos ensaios clínicos com pessoas em risco de desenvolver ou que já tinham diabetes tipo 2. O medicamento era “muito potente e, na verdade, bastante seguro”, afirma Mark Fishman, ex-presidente de pesquisa biomédica da Novartis. Segundo ele, a equipe só precisava encontrar a indicação certa para usá-lo.
Atualmente na Universidade de Harvard, em Cambridge, Mark Fishman lidera o conselho consultivo científico da Aditum Bio, uma empresa de investimentos em Oakland, Califórnia, que ele cofundou com Joe Jimenez, ex-CEO da Novartis. Em 2021, a Aditum ajudou a lançar uma empresa focada em reposicionar o bimagrumabe como um tratamento para perda de peso. Essa startup foi posteriormente adquirida pela Eli Lilly, que ainda não divulgou os resultados do ensaio clínico com 500 participantes, do qual Cook fez parte.
Outras empresas estão seguindo o mesmo caminho, trazendo de volta terapias musculares que haviam sido arquivadas e explorando novos mecanismos para promover crescimento muscular e melhora do metabolismo. “Todo mundo quer tirar seus compostos de miostatina da prateleira para ver se podem ser reaproveitados no tratamento da obesidade”, diz Paul Titchenell, pesquisador de metabolismo molecular da Universidade da Pensilvânia Perelman School of Medicine, na Filadélfia.
Ainda há incertezas sobre o impacto da preservação muscular na manutenção do peso a longo prazo. Registros de saúde e dados de seguradoras nos EUA mostram que a maioria das pessoas que inicia tratamento com semaglutida ou tirzepatida para perda de peso interrompe o uso após um ou dois anos, levando a um efeito rebote — com a maior parte do peso recuperado sendo gordura.
Se esse ciclo se repetir algumas vezes, alternando entre uso e interrupção dos medicamentos, a perda cumulativa de massa muscular pode ter consequências duradouras. “Podemos estar criando uma geração de pessoas com sarcopenia”, alerta Carla Prado, pesquisadora em nutrição da Universidade de Alberta, no Canadá, referindo-se à condição caracterizada por perda progressiva de massa e força muscular.
No entanto, segundo Caterina Conte, especialista em obesidade da Universidade San Raffaele Roma, essa preocupação ainda não é respaldada por evidências científicas. (Prado e Conte publicaram artigos com opiniões opostas no ano passado, debatendo o papel da preservação muscular nos tratamentos para obesidade.)
Muitos defensores das terapias musculares reconhecem as incertezas. “Estamos avançando para um território ainda pouco estudado”, afirma Steven Heymsfield, especialista em obesidade do Pennington Biomedical Research Center, em Baton Rouge, Louisiana, que participou de ensaios clínicos com bimagrumabe e outros medicamentos para perda de peso. De qualquer forma, ele e outros especialistas acreditam que agentes voltados para o músculo devem se tornar parte de um arsenal diversificado para tratar a obesidade e suas comorbidades.
Boaz Hirshberg, vice-presidente sênior e chefe da unidade de desenvolvimento clínico de medicina interna da Regeneron, que também está desenvolvendo terapias musculares, ressalta que semaglutida e tirzepatida logo terão companhia. Com a chegada de novas opções, ele conclui: “Podemos finalmente começar a pensar em personalizar os tratamentos de acordo com as necessidades de cada paciente.”