sexta-feira, 31 de março de 2017

Quero ser nutrólogo, como proceder?


Definitivamente a Nutrologia se tornou a especialidade "da moda". Isso vem acontecendo já tem cerca de 15 anos. Muitos querem se intitular Nutrólogos mas não querem pagar o preço para utilizar o título. Elaborei um e-book chamado Quero ser Nutrólogo, voltado para estudantes de Medicina e uma versão paga  médicos que querem seguir o caminho da Nutrologia. 

As dúvidas mais comuns:
1) Onde cursar Nutrologia?
2) Fazer residência de clínica médica e depois de Nutrologia OU partir para pós-graduação?
3) Quais as pós-graduações de Nutrologia do Brasil ? Você está ciente que nenhuma pós-graduação das tradicionais te dá direito a prestar a prova de título, somente as com carga horária de residência?
4) Quais os pré-requisitos para prestar a prova de título? Qual o grau de dificuldade da prova? Pq menos de 20% é aprovado na prova?
5) Como é o mercado da Nutrologia?
6) Quais os prós e contras da Nutrologia ?

Tenho um e-book específico sobre isso, chama: Quero ser Nutrólogo - Para acadêmicos de Medicina e médicos recém-formados. Para comprar acesse http://www.provadetitulodenutrologia.com.br/ 

Caso esteja querendo começar a estudar Nutrologia, eu te aconselho a comprar o meu e-book: Tô na Nutro e agora. Disponível em http://www.provadetitulodenutrologia.com.br/ 

Se você procura material preparatório para a prova de título, eu te aconselho o meu e-book: Metodologia de estudo para a prova de título. Disponíveis em http://www.provadetitulodenutrologia.com.br

Temos o curso de Nutrologia básica para acadêmicos de Medicina, com duração de 2 anos. 100% EAD, 100% gratuito. Mais de 100 horas de aula. https://movimentonutrologiabrasil.com.br/?page_id=44










Autor:
Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 115195
Face: Dr. Frederico Lobo
YouTube: Dr. Frederico Lobo


quinta-feira, 30 de março de 2017

Gases intestinais por Dr. Mauricio Bravim

Todos nós produzimos gases intestinais e eles precisam ser eliminados. A quantidade produzida varia de pessoa para pessoa e existe uma quantidade que podemos classificar como "normal", aquela que não causa desconforto ou não gera nenhum tipo de problema ao paciente.

Os gases que encontramos nos órgãos do sistema digestivo – esôfago, estômago, intestino delgado e grosso – chegam até eles de duas formas:


  1.  Quando engolimos ar (aerofagia); 
  2. Quando ingerimos alimentos que são fermentados pelas bactérias da microbiota intestinal. 


O que é aerofagia?

O ato de engolir ar é conhecido como aerofagia e é uma das principais causas do acúmulo de gases no estômago. É normal engolirmos certa quantidade de ar quando ingerimos alimentos. Os alimentos podem ser sólidos ou líquidos, principalmente quando comemos ou bebemos muito rápido, conversamos enquanto nos alimentamos, mascamos chicletes, fumamos e quando aparelhos ortodôntico ou dentaduras não estão devidamente encaixados na arcada dentária.

Eructar (arrotar) é uma das formas mais comuns de eliminar os gases estomacais. O gás que não é eliminado por meio do arroto vai para o intestino delgado onde é parcialmente absorvido. O restante se dirige para o intestino grosso para ser liberado na forma de flatus, por meio do reto.

Como os gases são produzidos no nosso organismo?

Os gases são produzidos quando o alimento é digerido naturalmente por bactérias que colonizam o intestino grosso. Essas bactérias atuam sobre carboidratos como açúcares, amido, celulose e fibras que podem ser encontradas em muitos alimentos.

Qual é a quantidade que produzimos desses gases?

A quantidade e tipo de gás produzido depende das bactérias que podem ser encontradas no intestino grosso. Há uma seleção exclusiva de bactérias para cada indivíduo. Um tipo de alimento pode servir como substrato para produção de gases em um certo indivíduo e em outro não.

Quais são os sintomas mais comuns provocados pelo excesso de gases?
Eructação, náuseas, borborigmo (ruídos pelo deslocamento dos gases), flatulência e inchaço abdominal.

Quais são os principais gases que produzimos?

Hidrogênio, metano, dióxido de carbono, oxigênio e nitrogênio.

Quais os alimentos que mais provocam gases?

A maioria dos alimentos que contém carboidratos. Gorduras e proteínas produzem poucos gases, mas algumas proteínas podem intensificar o seu odor.

Quais os carboidratos são responsáveis pela produção de gases?

●Rafinose – o feijão e a vagem contêm grande quantidade desse carboidrato. Ele está presente em menor quantidade no repolho, couve, brócolis, aspargos, outros vegetais e alguns grãos.

●Lactose – é o carboidrato encontrado no leite e em seus derivados – queijo, sorvete, iogurte e molhos para salada. Muitas pessoas, principalmente os afrodescendentes e asiáticos, produzem menos lactase, enzima responsável pela digestão da lactose. Quanto mais velha a pessoa, a produção de lactase em seu organismo diminui progressivamente.

●Frutose – esse carboidrato está presente diversas frutas, cebola, alcachofra e vários outros legumes. A frutose é também usada para adoçar refrescos e sucos de fruta.

●Sorbitol – esse carboidrato pode ser encontrado nas frutas (maçã, pera, pêssego, uva e ameixa). É também usado como adoçante artificial em doces e chicletes sem açúcar.

●Amidos - incluindo a batata, cereais, macarrão e trigo produzem gases. O arroz é um único alimento rico em amido que não favorece a produção de gases.

●Fibras - As fibras são ricas em carboidratos e não são digeridos pelo intestino delgado e isso faz com que cheguem ao cólon (intestino grosso) praticamente intactas. No cólon, bactérias fermentam estas fibras, provocando o aumento de gases.

Quais as diferenças entre fibra solúvel e insolúvel?

A fibra solúvel se dissolve em água e se transforma em uma espécie de gel. Ela pode ser encontrada no farelo da aveia, cevada, nozes, grãos como ervilha e na grande maioria das frutas.

Metilcelulose é uma fibra semissintética. Ela é solúvel e também forma um gel, porém não fermenta. O gel absorve líquido e adiciona volume (massa) às fezes.

Já a celulose é um exemplo de fibra insolúvel e pode ser encontrada em legumes, sementes e grãos, na raiz de alguns vegetais, farelo de trigo e milho.

Quais são os problemas causados pela ingestão inadequada de fibras?

A solubilidade e a fermentação de cada tipo de fibra influenciam em sua ação no nosso aparelho digestivo. Uma proporção adequada entre fibras solúveis e insolúveis pode diminuir os efeitos colaterais e ajudar no funcionamento intestinal. O aumento súbito da ingestão de fibras pode causar sintomas gastrointestinais. Esta ocorrência de sintomas varia de acordo com a quantidade ingerida de fibras, da microbiota intestinal do indivíduo e pelo tipo de fibra. Por isso, frente a necessidade de suplementos de fibras, o médico pode indicar diferentes tipos de produtos.

Qual é o tratamento mais indicado?

Para controlar o desconforto causado pelo excesso de gases é preciso que o paciente evite a aerofagia, mude sua dieta e tome medicamentos. O paciente também deve evitar carboidratos e vegetais que fermentam, como por exemplo, feijão, vagem, brócolis, repolho, couve e alguns açúcares como sorbitol que pode ser encontrado nos chicletes, em doces e alguns sucos industrializados. Aqueles que são intolerantes à lactose devem evitar leite e seus derivados ou utilizar a lactase.

O que acontece quando ingerimos bebidas com álcool?

O álcool pode alterar o odor dos gases produzidos.

Qual melhor abordagem para o controle dos gases intestinais?

Tente manter uma dieta saudável e identifique os alimentos que podem lhe causar sintomas por aumento da produção de gases ou que afete o odor dos gases. Testes respiratórios para intolerância à carboidratos ajudam na definição da dieta, evitando restrições desnecessárias. A dieta indicada é sempre individualizada, pois depende de quanto este ou aquele alimento interfere na produção de gases.

A presença de disbiose (alteração da microflora intestinal) pode ser diagnosticada também pelo teste respiratório e indicar o controle deste supercrescimento bacteriano no intestino delgado, quando houver algum distúrbio.

Atividade física facilita a eliminação de gases, evitando a retenção.

Existem medicamentos que podem ajudar a diminuir os sintomas. Enzimas que ajudam na digestão, como a lactase, quebra a lactose e permite o consumo de leite e seus derivados.

Dimeticona ajuda a romper bolhas de gás que estão no estômago e assim elas podem ser expelidas através da eructação. Este medicamento não atua nos gases intestinais.

Qual a ação da lactase (Lactosil®) sobre a lactose?

Se acrescentarmos a lactase(Lactosil®) ao leite antes de beber ou se a tomarmos imediatamente antes de comer, diminuiremos muito a possibilidade de sintomas desencadeados por estes produtos lácteos.

Qual o tratamento recomendado para pacientes com problemas crônicos?

Evitar chicletes, especialmente dietéticos, cigarro, comer devagar e checar com seu dentista próteses ou aparelhos mal ajustados.

Atenção!!

Principais alimentos mais interferem no aumento dos gases:

●Feijão e vagem;

●Vegetais (alcachofra, aspargos, brócolis, repolho, couve, couve-flor, pepino, pimentão, cebola, rabanete, aipo cenoura);

●Grãos, sementes e farelos de cereais devem ser consumidos de forma moderada;

●Bebidas com gás podem ser consumidas após ficaram abertas por horas para reduzir a quantidade de gás carbônico;

●Leite e seus derivados, exceto com o uso de lactase (Lactosil®);

●Alimentos que contém sorbitol, como alimentos dietéticos, doces e chicletes;

●Vinho e cerveja.

Quais alimentos principais responsáveis pela formação de odor?

Álcool, aspargos, feijão, vagem, repolho, couve, frango, café, pepino, ovo, peixe, alho, nozes, cebola, ameixa, rabanete e alimentos defumados.

Quais alimentos interferem menos na produção de gases?

Carne, aves, peixe, ovos, vegetais (alface, tomate, abobrinha, quiabo), algumas frutas (uva, cereja, banana, mamão), pão sem glúten e arroz.

Atenção!!

Cada organismo reage de maneira distinta em diferentes indivíduos, ou seja, não existe um padrão, mas seu médico pode ajudá-lo. Siga as orientações prescritas. O sucesso depende de você.

www.clinicacemad.com.br

segunda-feira, 27 de março de 2017

Posicionamento oficial da Associação Brasileira de Nutrologia sobre óleo de coco

Obtido a partir da polpa do coco fresco maduro (espécie Cocos nucifera L.), o óleo de coco é composto por ácidos graxos saturados (mais de 80%) e ácidos graxos insaturados (oléico e linoléico). Os ácidos graxos saturados caprílico, láurico e mirístico possuem entre 6 e 12 átomos de carbono e por isso são chamados de ácidos graxos de cadeia média. Os demais ácidos graxos saturados são capróico, cáprico, palmítico e esteárico. As gorduras láuricas, como o óleo de coco, são resistentes à oxidação não enzimática e, ao contrário de outros óleos e gorduras, apresentam temperatura de fusão baixa e bem definida. Em virtude de suas propriedades físicas e resistência à oxidação, o óleo de coco é muito empregado no preparo de gorduras especiais para confeitaria, sorvetes, margarinas e substitutos de manteiga de cacau [1, 2].

Considerando-se que o óleo de coco tem sido divulgado, especialmente na imprensa leiga, como integrante de uma dieta preventiva para doenças crônicas, como quadros neuro-degenerativos, obesidade e dislipidemia, bem como para outras funções tais como imunomodulação e tratamento antimicrobiano, a Associação Brasileira de Nutrologia considera que deve se posicionar sobre o assunto:

Quando o óleo de coco é comparado a óleos vegetais menos ricos em ácido graxo saturado, recente revisão mostrou que ele aumenta o colesterol total (particularmente o LDL-colesterol) o que contribui para um maior risco cardiovascular [3].

Tem sido reportado que o óleo de coco possui atividade antibacteriana, antifúngica, antiviral e imunomoduladora, porém tais estudos são predominantemente experimentais, notadamente in vitro, não havendo estudos clínicos demonstrando esse efeito. Assim, faltam ainda evidências suficientes para recomendar o óleo de coco como agente antimicrobiano ou imunomodulador [4].

Até o momento, não existem estudos clínicos que tenham abordado o efeito de óleo de coco na função cerebral de indivíduos saudáveis ou portadores de alteração cognitiva [5]. Enfatiza-se também que não existem evidências clínicas de que o óleo de coco possa proteger ou atenuar doenças neuro-degenerativas, como a doença de Alzheimer [6].

Um número muito pequeno de estudos, com resultados controversos, tem relatado os efeitos do óleo de coco sobre o peso corporal em seres humanos. Estudo observacional de populações de ilhas do Pacífico consumindo grandes quantidades de cocos revelou que os Tokelauanos, que consumiam quantidades mais elevadas de coco (63% de energia derivada do coco versus 34% na dieta de Pukapukan), eram mais pesados e tinham pregas de pele subescapulares maiores [7].

Em um ensaio controlado randomizado, 40 mulheres (20-40 anos) foram instruídas a consumir diariamente 30 mL de óleo de coco ou de soja (placebo) por 12 semanas. Os grupos também foram instruídos a caminhar por 50 minutos por dia e a seguir um padrão alimentar saudável, e ambos os grupos consumiram aproximadamente 10% menos calorias do que no início. Apenas o grupo de óleo de coco apresentou circunferência de cintura reduzida no final do estudo (redução de 1,4 cm) e uma tendência ao aumento de insulina circulante. Embora os autores tenham usado recordatório alimentar de 24 horas no início e no final do período de estudo, as quantidades exatas de óleo de coco consumido pelos indivíduos não foram precisadas [8]. Examinando pequena amostra (13 mulheres e 7 homens) com 24-51 anos e índice de massa corporal médio de 32,5 kg/m2, prévio estudo (sem grupo controle) mostrou que o consumo de óleo de coco virgem (30 mL/dia/4 semanas) foi associado a redução da circunferência da cintura (2,61 ± 2,17 cm) em indivíduos do sexo masculino [9]. Examinando o efeito na saciedade, pequeno estudo (n=18) mostrou que não existe efeito de uma refeição rica em ácidos graxos de óleo de coco sobre o apetite ou ingestão alimentar [10].

No geral, não existem evidências suficientes para concluir que o consumo de óleo de coco leva à redução de adiposidade.

Sendo assim, considerando-se inclusive a robusta associação entre consumo de ácidos graxos saturados e o risco de doenças cardiovasculares e a ausência de grandes estudos bem controlados relativos ao óleo de coco em humanos,

a ABRAN recomenda que:


  1. o óleo de coco não deve ser prescrito na prevenção ou no tratamento da obesidade;
  2. o óleo de coco não deve ser prescrito na prevenção ou no tratamento de doenças neuro-degenerativas;
  3. o óleo de coco não deve ser prescrito como nutriente antimicrobiano;
  4. o óleo de coco não deve ser prescrito como imunomodulador.

Associação Brasileira de Nutrologia

Referências:

[1] Martins JS, Santos JCO. Estudo comparativo das propriedades de óleo de coco obtido pelos processos industrial e artesanal. Blucher Chemistry Proceedings vol 3, 2015.

[2] Marina AM, Che Man YB, Nazimah SAH, Amin I. Chemical Properties of Virgin Coconut Oil. J Am Oil Chem Soc 86:301–7, 2009.

[3] Eyres L, Eyres MF, Chisholm A, Brown RC. Coconut oil consumption and cardiovascular risk factors in humans. Nutr Rev 74(4):267-80, 2016

[4] DebMandal M, Mandal S. Coconut (Cocos nucifera L.: Arecaceae): in health promotion and disease prevention. Asian Pac J Trop Med 4(3):241-7, 2011.

[5] Lockyer, S, Stanner S. Coconut oil–a nutty idea?. Nutrition Bulletin, 41(1), 42-54, 2016

[6] Fernando WMADB, Martins IJ, Goozee KG, Brennan CS, Jayasena V, Martins RN. The role of dietary coconut for the prevention and treatment of Alzheimer’s disease: potential mechanisms of action. Br J Nutr, 114(1), 1-14, 2015.

[7] Prior IA, Davidson F, Salmond CE, Czochanska Z. Cholesterol, coconuts, and diet on Polynesian atolls: a natural experiment: the Pukapuka and Tokelau island studies. Am J Clin Nutr, 34(8), 1552-61, 1981.

[8] Assunção ML, Ferreira HS, Santos EAF, Cabral Jr R, Florêncio MMT. Effects of dietary coconut oil on the biochemical and anthropometric profiles of women presenting abdominal obesity. Lipids, 44:593–601, 2009

[9] Liau KM, Lee YY, Chen CK, Rasool AHG. An open-label pilot study to assess the efficacy and safety of virgin coconut oil in reducing visceral adiposity. ISRN Pharmacology, doi:10.5402/2011/949686, 2011.

[10] Poppitt SD, Strik CM, MacGibbon AKH, McArdle BH, Budgett SC, McGill AT. Fatty acid chain length, postprandial satiety and food intake in lean men. Physiol Behav, 101:161–7, 2010.

Fonte: http://abran.org.br/sem-categoria/posicionamento-oficial-da-associacao-brasileira-de-nutrologia-respeito-da-prescricao-de-oleo-de-coco/

sábado, 11 de março de 2017

Orientação sobre sucos: dar ou não à criança? Por Dra. Kelly Marques

Uma palavra sobre os sucos:

Muitas mamães me perguntam em relação aos sucos: Dar ou não? A partir de que idade? Qual a quantidade? Fiz uma coletânea das recomendações de diretrizes nacionais e internacionais e artigos, tomei a liberdade de resumi-las aqui para vocês, e colocar as que considero mais relevantes e pertinentes. As referências estão ao final do post. Espero que ajude!

 Recomendações dos principais órgãos:

 Sociedade Brasileira de Pediatria – Brasil

  • Os sucos naturais devem ser evitados, mas se forem administrados que sejam dados no copo, de preferência após as refeições principais, e não em substituição a estas, em dose máxima de 100 mL/dia, com a finalidade de melhorar a absorção do ferro não heme presente nos alimentos como feijão e folhas verde-escuras.

 Academia Americana de Pediatria – EUA

  •  Sucos não oferecem benefícios nutricionais para crianças menores de 6 meses e não devem ser oferecidos para as mesmas. (Veja os posts sobre benefícios do aleitamento materno e introdução alimentar).
  • A fruta in natura deve ser oferecida em preferência ao suco. Sucos não oferecem nenhum benefício maior do que a fruta in natura para crianças maiores de 6 meses.
  • Suco de fruta 100% natural pode ser parte de uma dieta saudável quando consumido como parte de uma dieta balanceada. Sucos de fruta artificiais ou de “caixinha” não são equivalentes ao suco de fruta natural e não são recomendados.
  • Sucos não devem ser dados em mamadeiras, ou em recipientes de fácil transporte, de forma a estimular a sua ingesta ao longo do dia todo (o objetivo não é esse!)
  • Não oferecer sucos na hora de dormir.
  • Sucos não são apropriados para o tratamento de desidratação e diarreia.
  • Consumo excessivo de sucos pode estar associado com diarréia, flatulência, distensão abdominal e cárie dentária, além de subnutrição.
  • Sucos não pasteurizados podem conter bactérias (Escherichia coliSalmonella e Cryptosporidium), responsáveis por doenças.
  • A ingesta de suco deve ser limitada a 120 a 180ml por dia em crianças de 1 a 6 anos, e para crianças de 7 a 18 anos, de 200 a 350 ml, ou 2 copos por dia.
  • Em crianças consideradas malnutridas, com diarreia crônica, flatulência excessiva, dor abdominal e má digestão o pediatra deve avaliar a criança e determinar a quantidade de suco consumida.
  • cárie dentária pode estar diretamente relacionada com a quantidade de suco ingerida, sem os cuidados necessários.

 Health Canada – Canadá 

Não recomenda sucos no primeiro ano. Depois de 1 ano, orientam dar suco de forma limitada e não oferecer bebida adoçadas. Se a criança estiver com sede, ofereça água a ela.

 National Health and Medical Research Council – Austrália  

  • Sucos são desnecessários e não se recomenda para crianças menores de 1 ano de idade.
  • Bebidas adoçadas estão associadas com cáries dentárias.
  • Chás e outras bebidas não tem benefícios conhecidos para a criança e podem ser potencialmente perigosos.
 National Health Service (NHS) – Reino Unido
  •  Bebês abaixo de 6 meses não devem receber sucos de fruta.
  • Sucos de fruta diluídos (uma parte de suco para 10 partes de água) podem ser oferecidos à criança com as refeições após os 6 meses. Gente eu coloquei isso aqui, mas por favor, não entendam mal! Não é para dar suco diluído como forma de refeição ou porção de frutas, seria mais como uma “água com gostinho” com o objetivo de hidratar (quando for dar água pode ser dessa forma…).
  • Dica: dar água diluída com suco de fruta natural e frutas sempre in natura!
  • Sucos in natura podem ser dados após as refeições para reduzir o risco de cárie, em pequena quantidade.

 O problema do excesso de suco

  • Excesso de suco pode levar a anemia e malnutrição (com excesso de açúcares e falta de outros nutrientes, como proteínas, carboidratos e vitaminas). Nessa situação imagine aquele bebê que se adapta perfeitamente ao suco, e acaba ficando “preguiçoso” para mastigar e comer outro alimento sólido, substituindo suco pelas refeições do dia. Nesse caso, o bebê pode ter dificuldade de ganhar peso, e ter falta de vários nutrientes importantes.
  • O excesso de suco pode danificar o esmalte do dente, levando a cárie dentária, principalmente quando oferecida na mamadeira.
  • Excesso de suco pode provocar gases e diarréia.
  • O consumo de mais de 350ml de suco por dia está associado a baixa estatura e obesidade.
  • Sucos de fruta podem conter sorbitol e uma grande quantidade de frutose, que pode causar cólicas no bebê, pela produção de gases.
  • Os açúcares podem causar problemas futuros pois mais tardiamente as crianças tem dificuldade de reduzir o carboidrato da dieta, incluído esses açúcares.
  • Sucos têm alto índice glicêmico e crianças que ingerem grandes quantidades de suco tem risco de obesidade no futuro. É só pensarmos quantas laranjas precisamos para fazer 120ml de suco em média. Provavalmente 2 laranjas. E quantos bebês comeriam 2 laranjas inteiras assim, de uma vez?

 Minha opinião como pediatra…

Prefiro a fruta in natura. Porque? A fruta in natura proporciona uma experiência muito mais interessante da criança com o alimento, com diferentes sensações: cor, cheiro, paladar, textura. Os sucos perdem isso. Além disso, as fibras são perdidas no processo de produzir o suco, bem como as vitaminas.
O suco “enche” a criança, mas não necessariamente é mais nutritivo. A tendência ainda é usar mamadeira para dar o suco (apesar de o indicado serem os copinhos de transição ou mesmo copos adaptados para criança), o que pode levar ao desmame.
Enfim, ao invés de nos perguntarmos porque não dar o suco, a pergunta deveria ser: porque dá-los à criança? Existe alguma vantagem? Espero tê-los convencido…Ah! Nem preciso dizer que isso se refere aos sucos in natura ok? Os de caixinha nem pensar!

 Conclusões…

  •  A recomendação é que se dê suco para crianças acima de 1 ano, e ainda assim, numa quantidade limitada.
  • A ingesta de suco excessiva pode contribuir para o desmame, principalmente quando oferecida na mamadeira.
  • Quando oferecida na mamadeira, principalmente à noite, pode contribuir para o surgimento de cáries.
  • A água pode ser dada no copinho junto com suco natural diluído, como forma de hidratação e nunca como substituição da fruta in natura, na proporção de 1:10 (1 parte suco para 10 partes de água)
Tudo isso só sobre suco, quanta informação! Espero ter esclarecido bem esse assunto, que tem causado muita dúvida nas mamães.  Continuem mandando suas duvidas e experiências aqui no blog, obrigada pela participação de vocês!
Para seguir o blog e receber as novidades por email, basta clicar no botão “seguir” no site. Siga também no Facebook (ative o receber notificações, para receber aviso dos posts novos) e instagram (@pediatriadescomplicada).
 Um abraço,
 Dra. Kelly Oliveira
Referências bibliográficas:
The Use and Misuse of Fruit Juice in Pediatrics. Pediatrics 2001;107;1210. Committee on Nutrition. Disponível on-line em: http://pediatrics.aappublications.org/content/107/5/1210.full.html
photo credit: http://www.simplebites.net/wp-content/uploads/2012/09/Clara-peach.jpg

É Assim Que Se Aprende Endocrinologia! por Dr. Rafael Reinehr

Como se forma um endocrinologista?

Quando você vai ao Endocrinologista, e ele solicita alguns exames, estabelece um diagnóstico e lhe sugere um tratamento, por trás dele existem 10 anos de estudo e aperfeiçoamento (6 anos na Faculdade de Medicina, 2 anos na residência de Medicina Interna e 2 anos na residência de Endocrinologia e Metabologia). Somente os estágios de residência (4 anos), exigem cerca de 11.500 horas de dedicação entre atendimentos ambulatoriais, pacientes internados, realização de procedimentos, rounds de discussão de pacientes e casos clínicos, estudos e plantões, muitos plantões!

Além disso, é importante lembrar que  para fazer Medicina, é necessário um concurso público. Para fazer Medicina Interna, mais um concurso público, com funil bem mais apertado. E para fazer Endocrinologia ainda mais um concurso público, com pouquíssimas vagas, onde somente os melhores entram.

Somente quem realiza residência médica em Endocrinologia e Metabologia ou é aprovado em uma prova anual de proficiência em Endocrinologia que tem direito ao RQE – Registro de Especialista, um número que deve estar presente em toda e qualquer publicidade e carimbo do médico. Fique atento(a)!

E um “nutriendocrinologista”?

Enquanto isso, vemos proliferar pelo Brasil uma onda de “cursos de formação” de “nutriendocrinologistas”, especialistas em “modulação hormonal”, criadores de síndromes inexistentes como “fadiga adrenal” e “hipotireoidismo com hormônios normais”, que são claramente atraídos pela existência de um público que está sempre em busca de algo novo e que não tem, necessariamente, a criatividade suficiente para se defender de pessoas cuja maior preocupação é não a saúde das pessoas mas aquela do seu próprio bolso.

Estes cursos de formação, alguns deles “aprovados pelo MEC” (pois tem o número suficiente de doutores que o MEC exige, entre outros parâmetros), são criados para beneficiar em primeiro lugar aqueles que os ministram (já que são cobrados altos valores para garantir a participação) e muitas vezes são realizados à distância, com um encontro presencial mensal. Para entrar? Basta pagar. Nenhuma seleção pública.

No outro dia, vi uma postagem de uma profissional da saúde se vangloriando de ter concluído um destes cursos, realizado por um “proeminente” médico, conhecido por sua visão polêmica em assuntos como “óleo de côco”, colesterol, dieta do hCG, no qual ela havia realizado 360 horas e havia sido certificada como “nutriendocrinologista”, palavra que em verdade não significa NADA, pois não é área de atuação reconhecida nem pelo MEC, nem pelo CFM, nem pela SBEM nem por nenhuma entidade internacional médica ou de saúde.



Como ocorrem os desvios éticos?

O que acontece a seguir? O próximo passo é começar a alimentar seu blog e Instagram com conteúdos relacionados à Nutrição e Endocrinologia, exaltando a sua “pós-graduação realizada em tal instituto ou com Dr. X”. O leitor incauto não consegue facilmente discernir entre alguém que realmente conhece a fundo todos os meandros e implicações endocrinológicas e metodológicas (o Médico Endocrinologista) daquele formado em cursos de final de semana (o “nutriendocrinologista”). Como nos lembra o doutor em Psicologia Moral Jonathan Haidt, nosso cérebro tende a se afixar primariamente às aparências e depois busca justificativas racionais para aceitá-las, ao invés de primariamente buscar discernir com cuidado sobre aquilo que se apresenta perante aos nossos olhos.

Assim, fica um alerta: se você realmente se preocupa com a sua saúde, busque ir além da superficialidade da internet. Descubra se o médico com o qual você está se consultando realmente dedicou – e continua dedicando – boa parte da vida para bem cuidar de você.

Descubra se o médico é um especialista de verdade

Entre na página do Conselho de Medicina do seu Estado, coloque o nome do médico que você quer saber mais (ou o CRM dele) e descubra se ele tem registro de especialista – ou se ele está enganando você com falsas promessas.

Por exemplo, as páginas dos Conselhos Regionais de Medicina do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina são as seguintes:



Na figura abaixo:

“Isso é com que se parece aprender Endocrinologia”

“Assim a 17-alfa-hidroxilase age na progesterona que se torna 17-alfa-hidroxi-progesterona que pode ou receber a 21-hidroxilase para se tornar 11-desoxicortisol ou receber 17,20-liase para se tornar a androstenediona”

“Eu estou confuso”

“Oh, desculpe! É um pouco complicado no começo. Mas eu trouxe comigo este diagrama que vai ajudar!”



Uma excelente jornada em busca do seu médico de confiança!

Glossário:

RQE: O RQE nada mais é que o Registro de Qualificação de Especialista. Trata-se de uma certificação, criada pelo Conselho Federal de Medicina, que tem a função de deixar claro quando um profissional da saúde é especialista em alguma área. Após a criação do RQE, tornou-se vedado aos médicos a auto divulgação como especialista, ainda que tenham sido aprovados no Exame de Título de Especialista. O RQE é emitido pelo Conselho Regional de Medicina de cada Estado. Para os médicos, o RQE é essencial para transmitir aos pacientes mais segurança e credibilidade, pois através dele fica comprovada a sua capacidade de especialização em sua área, reconhecida pelo CRM. Para os pacientes: antes de se consultar com qualquer profissional de medicina que se denomine especialista, cheque se o mesmo possui RQE. Trata-se de uma maneira simples e eficaz de evitar fraudes e profissionais despreparados.

hCG: Gonadotrofina Coriônica Humana, utilizada sem embasamento científico adequado como auxiliar no processo de emagrecimento. Existem estudos demonstrando que seu uso pode ser deletério à saúde. Vide http://www.endocrino.org.br/media/uploads/PDFs/posicionamento_oficial_hcg_sbem_e_abeso.pdf

CFM: Conselho Federal de Medicina – Regulamenta o Exercício da Medicina no Brasil – http://portal.cfm.org.br

CRM: Conselho Regional de Medicina – todo Estado tem o seu, monitora e regulamenta a atividade dos médicos em nível estadual

MEC: Ministério da Educação e Cultura

SBEM: Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (http://endocrino.org.br) – Entidade Associativa que reúne médicos endocrinologistas de todo país, organiza eventos científicos e promove o esclarecimento da população quanto a assuntos relacionados à Endocrinologia e Metabologia e suas sub-especialidades.

domingo, 5 de março de 2017

“Ficou fácil culpar o glúten por todos os problemas do intestino”

Abaixo uma reportagem que a revista Saúde publicou. Há 5 anos venho falando a respeito disso. Desde 2012 percebi que vários dos pacientes que referiam ter sintomas quando ingeriam alimentos com glúten, não apresentavam reações ao consumir tabule (que leva trigo). Após esses anos, novos estudos sobre Sensibilidade Não-Celíaca ao Glúten (SNCG) foram surgindo e alguns autores começaram a postular que o problema talvez não seja o glúten em si.

A maioria dos pacientes que alegam ter SNCG referem sintomas geralmente quando ingerem farinha de trigo refinada, alguns com a integral. Isso nos leva a pensar que o problema possa estar durante o refino. Outro ponto interessante é: teoricamente a aveia não contém glúten, sendo que o glúten que pode ser encontrado nela, geralmente é por contaminação cruzada, já que ela é manipulada no mesmo maquinário em que o trigo. Na prática percebo que a grande maioria dos pacientes que referem ter SNCG nada apresentam quando ingerem aveia.

Vale a pena ler a reportagem. Acredito que novos estudos surgirão nesse área, na tentativa de eximir o glúten da fama de vilão.

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Dr. Frederico Lobo
Médico - CRM-GO 13192

“Ficou fácil culpar o glúten por todos os problemas do intestino”

Na terceira e última entrevista de nossa série sobre o glúten, conversamos com o gastroenterologista Peter Gibson, professor da Universidade Monash, na Austrália. O pesquisador ficou conhecido ao publicar os primeiros experimentos sobre a existência da sensibilidade não celíaca ao glúten, nos anos de 2011 e 2013. Na entrevista, ele fala sobre a possibilidade de o problema não ser provocado pela proteína, mas por outras substâncias presentes no trigo.

A reportagem de capa da edição de fevereiro da revista SAÚDE é justamente sobre a polêmica que envolve a proteína presente em grãos como o trigo, o centeio e a cevada. Ela está disponível nas bancas de todo o país e em versão digital para compra e download no iba, na App Store e no Google Play.

Plantas como o trigo sofreram modificações genéticas que podem impactar a saúde humana?

As mais diferentes variedades de trigo foram desenvolvidas para suportar condições extremas, como a seca, e ainda assim promover aumento da produção. Isso levou a mudanças na composição do grão, como maiores quantidades de carboidrato, já que essa vantagem é utilizada pela própria planta para crescer diante de situações nada favoráveis. Além disso, o trigo com mais glúten faz um pão melhor. Logo, espécies com teores elevados dessa proteína foram privilegiadas na agricultura. Não se sabe, porém, se essa característica tem algum efeito na saúde do ser humano. As melhorias no plantio do trigo trouxeram grandes benefícios ao mundo, uma vez que ele é uma das maiores fontes de energia e nutrientes que temos. Mais do que isso, essas modificações contribuíram para melhorar a saúde das pessoas, pois ajudaram a combater a desnutrição.

A sensibilidade não celíaca pode estar relacionada a outros elementos além do glúten?

O trigo tem uma série de componentes e muitos deles estão relacionados à indução de sintomas. Ficou muito fácil culpar o glúten por todos os problemas do intestino. Carboidratos de difícil absorção, também presentes no trigo, podem desencadear a síndrome do intestino irritável. Mas há pessoas que são sensíveis ao glúten ou a outras proteínas presentes no trigo. Sem contar que existe uma série de alergias relacionadas ao grão que também precisam ser consideradas.

Esse campo de pesquisa sobre a sensibilidade não celíaca ainda é muito recente? Ou já temos confirmações sobre seus mecanismos?

Nós estamos conduzindo quatro grandes estudos. Neles, recrutamos voluntários que responderam bem a uma dieta sem glúten e reintroduzimos a proteína na alimentação em metade do grupo. Nas quatro pesquisas, nós encontramos uma porção de indivíduos que desenvolveu sintomas por causa do glúten, mas, em outra parte, os incômodos não estavam relacionados ao componente em si. O que podemos concluir é que efeitos induzidos pelo glúten especificamente são bastante incomuns. Os trabalhos atuais levam a entender que cerca de 90% dos pacientes com alimentação sem glúten se sentem bem por outros motivos, e não pela exclusão da proteína em si.

Como diagnosticar a sensibilidade não celíaca?

A única maneira seria realizar estudos controlados, em que nem os voluntários, nem os cientistas, saibam quem está ingerindo a proteína e quem não está. Mesmo se tivéssemos essa possibilidade, os resultados são de difícil interpretação, especialmente quando a resposta do indivíduo está relacionada a um fator psicológico. Por enquanto, não sabemos como realizar o diagnóstico. Quando entendermos o mecanismo fisiológico do problema, nós conseguiremos detectar a sensibilidade com precisão.

As estatísticas dizem que 1% da população tem doença celíaca e 5% manifesta a sensibilidade não celíaca. Porém, um terço das pessoas diz querer retirar o glúten da rotina. Como interpretar esse conflito estatístico?

Nós ainda não sabemos quantas pessoas realmente têm a sensibilidade não celíaca. Conhecemos, porém, os 15% da população com síndrome do intestino irritável. Inclusive, uma grande proporção deles desenvolvem sintomas relacionados à ingestão de determinados alimentos, mas nunca procuraram o médico para saber o que está acontecendo. Reduzir a ingestão de trigo pode ajudar pelo menos 70% das pessoas que fazem parte deste grupo. Não por causa do glúten, mas porque eles deixarão de consumir um importante exemplar dos carboidratos de difícil digestão, conhecidos pela sigla FODMAPs.

Fonte: http://saude.abril.com.br/alimentacao/ficou-facil-culpar-o-gluten-por-todos-os-problemas-do-intestino/

Gordura interesterificada: a “nova” gordura das margarinas é segura?


No início deste século, evidências científicas incriminando a gordura trans foram se acumulando. A gordura trans é obtida através de um processo industrial chamado de hidrogenação. Os óleos vegetais são ricos em ácidos graxos insaturados. Isto quer dizer que dentro da cadeia carbônica destes ácidos graxos existem várias ligações duplas entre os carbonos (figura 1). 

Durante a hidrogenação são adicionadas moléculas de hidrogênio a cadeia carbônica do ácido graxo para transformar as ligações duplas em ligações simples (figura 2). Um efeito adverso desse processo é a hidrogenação parcial de algumas das duplas ligações e a “torção” da molécula, formando a famigerada gordura trans.

FIGURA 1. Exemplos de gordura insaturada.

FIGURA 2. Processo de hidrogenação.

Mas por que a indústria gostava tanto de usar a gordura hidrogenada? De uma maneira geral, quanto mais insaturada for uma gordura, maior a probabilidade dela ser líquida. E a indústria alimentícia prefere utilizar gorduras sólidas nos seus produtos, pois além de serem mais estáveis nas altas temperaturas atingidas durante a fritura, garantem consistência mais agradável e maior prazo de validade aos alimentos.
Com cada vez mais órgãos governamentais e entidades de classe se posicionando contra o uso da gordura trans, a indústria alimentícia começou a migrar para um “novo” método para solidificar os óleos vegetais: a interesterificação.
A interesterificação é usada desde a década de 1940. Na natureza, as gorduras se apresentam em “trios” de ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol: são os triglicerídeos (figura 3). Dependendo de qual ácido graxo está na posição 1, 2 ou 3 da molécula do triglicerídeo, suas propriedades físico-químicas podem ser diferentes. Na forma mais comum de interesterificação utilizada pela indústria alimentícia atualmente, conhecida como método enzimático, os ácidos graxos são seletivamente ou randomicamente trocados de posição na molécula do triglicerídeo para que um óleo líquido passe a ser sólido sem o inconveniente da formação da gordura trans. Mas essa manipulação química mantém a gordura própria para consumo? É algo saudável? Esta é uma questão de resposta um pouco complexa…

FIGURA 3. Molécula de triglicerídeos. À esquerda podemos identificar os 3 carbonos da molécula de glicerol.

Primeiramente, mesmo países que historicamente conseguem ter informação epidemiológica apropriada como os Estados Unidos têm dificuldade em calcular o consumo de gordura interesterificada de sua população. Um dos motivos é a rotulagem de muitos produtos ser pouco clara quanto ao tipo de gordura utilizada na sua fabricação. Além disso, no caso da gordura interesterificada, também é importante conhecer quais “gorduras bases” foram usadas na sua fabricação, bem como a descrição do processo, já que a simples descrição da proporção de gordura saturada e insaturada ou a origem ser vegetal ou animal não permite estimar o comportamento biológico dentro do organismo. De qualquer forma, estima-se que o consumo de gordura interesterificada fique entre 1,9 e 4,8% do total energético e suas principais fontes provavelmente são: batatinhas fritas e outros chips, bolachas e pães industrializados, pipocas, margarinas, congelados prontos para fritar (nuggets e empanados, por exemplo), maionese e sorvetes.

Como os dados de consumo populacional são apenas estimados, até o momento grande parte do que se sabe sobre o impacto do consumo das gorduras interesterificadas vem de estudos pequenos, muitos feitos em animais e de curta duração. 

Além disso, como a gordura interesterificada compreende diversas combinações de ácidos graxos dentro da molécula de triglicerídeo, os resultados destes estudos são extremamente heterogêneos. Outra falha importante destes estudos é não conseguir reproduzir as situações reais de consumo. Isto é, ninguém come gordura interesterificada pura e em níveis até 4 vezes acima do habitual. Mas é assim que alguns estudos tentam avaliar o impacto da gordura interesterificada na saúde…

De qualquer forma, alguns pontos relevantes já foram identificados. Por exemplo, o ácido graxo de está ligado na posição 2 da molécula de triglicerídeo parece ser importante, já que ele pode ser absorvido mais facilmente pelo organismo. Além disso, o comprimento das cadeias dos ácidos graxos que ficam nas posições 1 e 3, nas pontas da molécula, também parece ser importante, já que os saturados de cadeia longa podem ser pior absorvidos quando comparados aos saturados de cadeia média. Dependendo de qual ácido graxo é preferencialmente absorvido a resposta do organismo é diferente com diferentes níveis de triglicerídeos, colesterol, marcadores inflamatórios e mesmo de glicose e de insulina.

Em resumo, até o momento ainda não sabemos se a “substituta da gordura trans” é mais saudável que ela. Para que esta pergunta seja corretamente respondida, além de mais alguns anos de pesquisa, as regras de rotulagem dos produtos alimentícios industrializados precisaram ser revistas. Neste tipo de situação onde não sabemos o real efeito de algo, o princípio da prudência se impõe. 

Logo, além de dar preferência às fontes naturais saudáveis de gordura (azeite de oliva, por exemplo), o consumidor tem direito de ser bem informado para decidir o que é melhor para si.

Referência:

1- Mensink RP, Sanders TA, Baer DJ, Hayes KC, Howles PN, Marangoni A. The Increasing Use of Interesterified Lipids in the Food Supply and Their Effects on Health Parameters. Adv Nutr. 2016 Jul 15;7(4):719-29. 


Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

Papo sério: Os esteroides anabolizantes e o nosso "relógio suíço"


Desde os anos 70, os esteroides anabolizantes vêm sendo usados de forma abusiva por atletas, fisiculturistas e praticantes de atividade física. Os esteroides androgênicos anabólicos (ou anabolizantes) são hormônios representados pela testosterona e seus derivados, cujos efeitos de aumento de massa muscular e óssea e aumento da capacidade de proliferação celular são empregados em situações médicas muito restritas, como nos casos de desnutrição grave causada por câncer e AIDS. Essas substâncias hormonais também são empregadas para suprir as necessidades daqueles que as deixam de produzir, como nos casos de hipogonadismo e atraso puberal. Entretanto, o seu uso indiscriminado e crescente, sem indicação clínica, particularmente em adolescentes e adultos jovens, tem chamado a atenção das principais sociedades médicas mundo afora, principalmente aquelas ligadas a programas antidoping, que alertam sobre os riscos à saúde decorrente da exposição de terapias anabolizantes.

De fato, as propriedades “milagrosas” dos esteroides anabolizantes começaram a chamar a atenção a partir dos surpreendente ganho de força e massa muscular de atletas de alto nível, o que garantia um desempenho muito superior quando comparado com aqueles que não usavam. Não demorou muito para essas substâncias alcançarem as academias, as farmácias e alguns consultórios médicos.
Na chamada "medicina estética e antienvelhecimento", hormônios androgênicos esteroides, o hormônio da tireoide e o hormônio do crescimento  (GH), que normalmente são usados somente para reposição em situações de deficiência comprovada, são indicados precoce e erroneamente com intuito de retardar o envelhecimento, aumentar o metabolismo, aumentar a massa muscular, reduzir a gordura corporal, melhorar a textura da pele e a libido. Nesses casos, são usados hormônios sem a real necessidade e em doses muito acima do recomendado. Claro que isso faz mal para o organismo!
Termos como “bio-idêntico” ou “nano-hormônio” são usados inescrupulosamente para criar uma falsa ideia de pureza e segurança, o que obviamente não existe. Disparado, a testosterona e seus derivados (ex. oxandrolona, oximetolona, estanazolol, di-hidrotestosterona) são os líderes em uso justamente por suas fortes propriedades anabolizantes, sua facilidade de encontrar e o seu baixo custo.

Mas você sabe qual o efeito que o uso dessas substâncias terá no seu organismo?
Bem, nosso sistema endócrino é um "relógio suíço", onde tudo funciona da melhor maneira para nos manter em equilíbrio. Nossos hormônios, quando estamos saudáveis e sem doenças, são produzidos na quantidade exata das nossas necessidades, nem um gota a mais. Quando um homem usa um esteroide por estética, para aumento de massa muscular, esse sistema é inibido. Sim, porque o nosso sistema hormonal funciona assim: para tentar evitar o excesso deletério, as glândulas deixam de produzir aquele hormônio que está sendo administrado.

No caso do uso da testosterona, por exemplo, os testículos deixam de produzir a própria testosterona enquanto a pessoa estiver usando. Esse uso, geralmente em doses acima do que o corpo está habituado (para ter uma ideia: a dose de reposição para quem não produz testosterona é 1 injeção a cada 14 dias; em ciclos anabolizantes, tem gente usando 1 injeção ao dia!), cria um "falso ambiente hormonal", o que estimula forçadamente as células do corpo a proliferar e crescer de tamanho. Se eu tinha um massa muscular "x" produzindo "y" de testosterona, agora com "4y" de testosterona terei uma massa muscular "4x". Parece maravilhoso! Mas o problema é que isso só se mantém enquanto estivermos usando essas doses altas. Quando reduzimos ou interrompemos o uso, que geralmente é o que ocorre quando se termina o chamado ciclo, voltamos a ser o que éramos: "x"! E um "x" que agora não consegue produzir a sua própria testosterona, pois os testículos podem demorar para trabalhar de novo. Esse estado de não produção dos próprios hormônios nós chamamos de hipogonadismo. E é nesse período, conforme o tempo que foi usado e retirado o anabolizante, que o organismo sente muito a falta dos hormônios, gerando perda grande da muscular conquistada, cansaço intenso, fraqueza, humor deprimido, impotência e falta de libido.


Esse é um ponto crucial! O que a maioria faz:
1) se convence que é um efeito colateral do tratamento e mata no peito os sintomas;
2) busca atendimento médico para entender os sintomas e tratá-los;
3) volta a usar o anabolizante.

Na minha experiência de consultório, infelizmente a maciça maioria escolhe a opção 3. Voltam a usar e os sintomas imediatamente melhoram; voltam a ficar grandes e potentes, com libido lá em cima. E daí passa ser um ciclo atrás do outro, sempre com alguma alternativa indicada por um amigo ou médico para tentar evitar os efeitos da parada. “Ah, mas eu quero usar uma dose bem baixa, só para dar uma estimulada…” Não adianta, pois só vai ter os efeitos de supressão da testosterona sem ter o resultado de crescimento muscular.

Não importa se você compra na academia ou na farmácia sem receita ou se recebeu receita de um médico. Para ter o efeito anabolizante, você sempre terá que usar doses acima do necessário. Aliás, não se iluda se esse tipo de tratamento estiver sendo feito por um médico que garanta que é seguro. O ego de muitos médicos sempre supera (e muito) o bom senso. São pseudo-inovadores, sedutores, manipuladores, super-stars das redes sociais, revolucionários inconsequentes, messiânicos que se colocam acima da boa prática médica e das entidades médicas sérias, oferecendo tratamentos que não tem suporte de segurança pela boa literatura médica. Por favor, não se iluda!

Mas mesmo assim quer usar? Saiba então os efeitos adversos do uso dos esteroides anabolizantes: alterações dermatológicas (acne, lipodistrofia – atrofia da gordura, abscessos musculares, hematomas, calvície, estrias, excesso de pelos corporais), hematológicas (aumento do número dos glóbulos vermelhos, sangue mais viscoso), alterações sexuais (impotência, ginecomastia, atrofia testicular, infertilidade), osteo-musculares (hérnia de disco, lesões meniscais, rabdomiólise-dano muscular grave), hepáticas (hepatite, colestase, icterícia -amarelão, esteatose, nódulos, câncer de fígado), renais (insuficiência renal, glomerulonefrite), cardiovascular (redução do colesterol HDL, AVC, hipertensão arterial, aumento do volume do coração, insuficiência cardíaca, arritmia, infarto, morte súbita) e comportamentais (agressividade, comportamento imprudente e compulsivo, dependência, síndrome de abstinência, depressão, pensamentos suicidas, percepção alterada da forma corporal, maior consumo de álcool e outras drogas, transtornos alimentares tipo vigorexia, bulimia, anorexia, prática de sexo inseguro). Além disso, existem vários relatos de câncer associado ao uso de anabolizantes, como câncer de fígado, de pâncreas, miossarcoma, osteossarcoma, linfoma e leucemia.

Em mulheres, os efeitos hormonais são resultado da exposição do organismo a um hormônio caracteristicamente masculino e em quantidades muito altas. O resultado é que a testosterona passa a modificar o corpo feminino trazendo traços masculinos, que é o que chamamos de virilização (ou masculinização). Aumento exagerado da massa muscular, acne, redução anormal da gordura corporal, lipodistrofia, atrofia das mamas, excesso de pelos no rosto e no corpo, aumento do gogó, voz masculinizada, parada da menstruação, engrossamento da pele, aumento do clitóris e infertilidade. Além de todos os efeitos colaterais já citados.

A saúde não é brincadeira. Respeite o seu "relógio suíço". Não se exponha a tratamentos que podem trazer riscos desnecessários. E principalmente, não coloque a sua saúde nas mãos de inconsequentes, seja um amigo, o cara da academia ou da farmácia, o cara que traz da fronteira, um médico. Ninguém se responsabilizará por você se algo der errado.

Referências:
1 - Eberhard Nieschlag, Elena Vorona. Doping with anabolic androgenic steroids (AAS): Adverse effects on non-reproductive organs and functions. Rev Endocr Metab Disord 2015. DOI 10.1007/s11154-015-9320-5
2 - WADA worldwide antidoping network (www.wada.org).

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086
www.dreduardocamargo.com.br