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sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Doenças psiquiátricas e tempo após cirurgia bariátrica impactam no reganho de peso

A compulsão alimentar – ingestão descontrolada de grande quantidade de alimentos, sem apetite e quase sem mastigar, seguida por um sentimento de culpa e angústia – foi o transtorno psicológico mais associado ao reganho de peso em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, como mostra uma pesquisa de doutorado do Instituto de Psicologia (IP) da USP realizada em um hospital privado na cidade de João Pessoa (Paraíba).

O estudo envolveu 121 pacientes entre 18 e 65 anos, submetidos à cirurgia bariátrica no Centro de Tratamento Médico e Obesidade do Hospital Samaritano, na capital paraibana. Mais de 90% deles voltaram a engordar depois do procedimento cirúrgico, sendo que 16% apresentaram transtorno de compulsão alimentar leve e 6%, a forma grave. A coleta de dados foi obtida de forma on-line entre 2020 e 2022. A pesquisa ainda contou com uma revisão da literatura científica sobre o tema a partir de bases de dados nacionais e internacionais.

“A cirurgia bariátrica é considerada padrão ouro para o tratamento da obesidade mórbida, mas a recidiva de peso observada em alguns pacientes é preocupante sob o aspecto do desfecho em relação ao controle metabólico e nutricional”, explica ao Jornal da USP a autora do estudo, a enfermeira especialista no pós-cirúrgico de obesos mórbidos, Jogilmira Macedo Silva Mendes.

A obesidade é classificada de acordo com o Índice de Massa Corporal (IMC), calculado a partir da divisão do peso (em quilos) pela altura ao quadrado (em metros). Se o resultado for entre 25 e 29, a pessoa é considerada com sobrepeso; entre 30 e 34, é obesidade grau I; entre 35 e 39, é obesidade grau II; e igual ou superior a 40, é obesidade grau III. Os pacientes avaliados por Jogilmira Macedo haviam passado pelo procedimento cirúrgico há, pelo menos, três anos; sofriam de obesidade graus II e III (os tipos mais graves); e apresentavam reganho de peso de mais de 10% do valor perdido logo após a cirurgia.

O cálculo para o reganho de peso foi obtido por meio da diferença entre a maior perda alcançada pelo paciente após a cirurgia (denominado nadir) e o peso que ele voltou a ter (a recidiva). “É o momento ‘lua-de-mel’ pós-bariátrica, que corresponde a um período de mais ou menos 18 meses após a realização do procedimento cirúrgico, quando a pessoa perde mais peso, está mais motivada e disposta a seguir as recomendações médicas e nutricionais. Passado esse momento, o apetite, que estava reduzido, volta a crescer; o peso se estabiliza e depois passa a aumentar”, diz.

A pesquisa

Para avaliar os pacientes, Jogilmira Macedo utilizou questionários contendo perguntas relacionadas aos dados sociodemográficos e clínicos dos pacientes e três escalas – a de Compulsão Alimentar Periódica (Ecap), para avaliar a compulsão alimentar; a Ehad, para medir o nível de ansiedade e a depressão; e a Audit, para medir o consumo e provável dependência de álcool.

A Ecap é composta de 16 itens que avaliam a gravidade da compulsão alimentar dos pacientes levando em conta as manifestações comportamentais e os sentimentos e cognições envolvidos num episódio de compulsão alimentar. A classificação é feita de acordo com a pontuação obtida, sendo indivíduos com pontuação menor ou igual a 17 considerados sem compulsão; com pontuação entre 18 e 26, com compulsão moderada; e aqueles com pontuação maior ou igual a 27, com compulsão grave.

Também foram feitos cálculos porcentuais com o excesso de peso (EP) antes da cirurgia, da perda de excesso de peso (PEP) e do reganho de peso (RP), cruzando os dados referentes ao três momentos distintos: o peso pré-operatório (até 30 dias antes da cirurgia), o peso nadir (menor peso atingido pós-cirurgia) e o peso recidiva (peso recuperado em relação ao nadir).

Resultados

Feitas as correlações entre comorbidades psíquicas e reganho de peso, Jogilmira Macedo relata que, embora os pacientes apresentassem níveis variados de transtornos psíquicos (como ansiedade, depressão e alcoolismo), o que apresentou uma maior associação ao reganho de peso foi o transtorno de compulsão alimentar. De acordo com a escala Ecap, 16% tiveram a forma mais leve desse transtorno e 6% a forma grave. O porcentual de pessoas que voltaram a engordar após a cirurgia bariátrica (cálculo feito entre o menor peso atingido pelo paciente depois da cirurgia e a recidiva) foi de 92,4%.

A pesquisadora reforça a importância de um acompanhamento médico multidisciplinar dos pacientes antes, durante e após a cirurgia bariátrica, o que, em sua opinião, garantiria melhores resultados do procedimento.

“A cirurgia bariátrica controla a obesidade, mas não trata da dinâmica psíquica que leva a pessoa a usar a comida como mediadora para lidar com os seus conflitos. O corpo foi cuidado, mas as questões emocionais que levaram ao comportamento alimentar disfuncional podem persistir”, diz.

Tempo pós-cirúrgico e impacto na manutenção do peso
Para Leorides Severo Duarte Guerra, psicóloga e pós-doutoranda da Faculdade de Medicina (FMUSP), os transtornos psiquiátricos são comuns em pacientes com obesidade grave e podem afetar os resultados de perda de peso após a cirurgia bariátrica. No entanto, ela diz que a relação de longo prazo entre transtornos psiquiátricos e mudanças de peso ainda não está clara.

Em uma pesquisa que fez com 189 pacientes do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP, a psicóloga investigou essa associação ao longo de um período de oito anos (2011 a 2019). Segundo a pesquisadora, neste estudo, o aumento de peso após a cirurgia não ficou associado à presença dos transtornos psiquiátricos. “Observamos que os transtornos psiquiátricos – incluindo depressão e compulsão alimentar – tiveram uma tendência a aumentar após a cirurgia bariátrica, porém, o tempo decorrido pós-cirúrgico teve maior impacto na manutenção do peso do que os transtornos psiquiátricos. O aumento de peso ocorreu ao longo do tempo, independentemente dos transtornos psiquiátricos”, relata.

A pesquisa com os pacientes do HC foi orientada pelo professor Wang Yana Pang, médico psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital da Clínicas da FMUSP, e supervisão do professor Francisco Lotufo Neto, do Instituto de Psicologia.

Comorbidades psiquiátricas

Sobre o resultado do estudo realizado com pacientes no hospital na Paraíba, a psicóloga diz que, apesar da compulsão alimentar ser frequente entre pacientes com reganho de peso, ela não responde sozinha pelo problema porque os transtornos psiquiátricos são comórbidos.

“A compulsão alimentar é uma condição complexa e multifatorial e pode incluir diversos fatores, como emocionais, biológicos, ambientais, sociais, padrões alimentares disfuncionais e dietas restritivas. Cada indivíduo pode ter uma combinação única de causas subjacentes à sua compulsão alimentar”, diz.

“O acompanhamento de longo prazo e o suporte são cruciais para otimizar os resultados de perda de peso e tratar as comorbidades psiquiátricas em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica”, reforça.

A tese de doutorado Aspectos psicológicos associados ao reganho e excesso de peso tardios em pessoas submetidas a cirurgia bariátrica teve orientação do professor Francisco Lotufo Neto, do Instituto de Psicologia da USP, e foi defendida em julho deste ano. Um artigo de revisão foi publicado na Research Society and Development. Outro artigo, sobre perfil clínico de pacientes bariátricos, foi submetido à revista ABCD Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva.

domingo, 28 de maio de 2023

[Conteúdo exclusivo para Médicos e Nutricionistas ] - Guia Brasileiro de Nutrição em Cirurgia Bariátrica e Metabólica

A cirurgia bariátrica (CB) tem se mostrado uma opção de tratamento eficaz para promover a perda de peso a curto prazo, além de controlar e reverter diversas doenças, o que justifica a necessidade de ter um guia brasileiro para tal condição.

Nos últimos anos, observou-se no Brasil um aumento de quase 85% no número de procedimentos e, com isso, a necessidade de condutas nutricionais adequadas para garantir o sucesso da cirurgia também cresceu.

Para suprir a lacuna de recomendações específicas para a nossa população, foram elaboradas diretrizes que abordam os critérios estabelecidos para a realização da cirurgia bariátrica, bem como as novas indicações sugeridas pela Associação Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e pela Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade.

Foram incluídas recomendações para auxiliar na prática clínica individualizada dos nutricionistas brasileiros, no manejo nutricional de pacientes bariátricos, incluindo tratamento nutricional pré e pós-operatório, suplementação nutricional, hipoglicemia e hiperinsulinemia reativa, recorrência de obesidade, microbiota e doenças inflamatórias intestinais.

Recomendações nutricionais para pacientes submetidos a cirurgia bariátrica

A diretriz elenca uma série de recomendações que envolve tanto técnicas não-cirúrgicas e mais simples, como o balão intragástrico, como as técnicas cirúrgicas convencionais, incluindo fatores de indicação, métodos a serem considerados na avaliação nutricional e as principais recomendações no tratamento pré e pós cirúrgico.

Avaliação e diagnóstico nutricional

A avaliação nutricional deve ser realizada em todas as fases do tratamento e é fundamental conhecer o histórico do paciente, seus hábitos, tratamentos anteriores, presença de comorbidades, presença de transtornos alimentares, alergias, padrões alimentares e investigar o histórico familiar (obesidade ou outras condições crônicas).

Alguns aspectos devem ser levados em consideração:
  • Classificação de peso corporal: eutrófico/IMC normal (IMC 25 kg/m²), obesidade grau I (IMC 30 kg/m²) e obesidade grave (IMC ≥ 50 kg/m²).
  • Peso adequado: definido por meio da dedução do peso adequado (IMC 25 kg/m² × Altura² ou IMC 30 kg/m² × Altura²) com relação ao peso atual.
  • Circunferência da cintura: parâmetro para avaliar o risco de doenças cardiovasculares, com limitações devido à adiposidade na região (recomenda-se medir a circunferência considerando a maior protuberância, preferencialmente na altura do umbigo).
  • Circunferência da panturrilha: método para estimar a massa muscular e diagnosticar a sarcopenia do envelhecimento e obesidade sarcopênica, podendo ser afetada pelo excesso de gordura subcutânea ou acúmulo de fluidos (deve ser usada na ausência de edema).





Orientações nutricionais após a introdução de uma dieta sólida:
  • Introduzir gradativamente os alimentos sólidos;
  • Priorizar a mastigação;
  • Ingerir alimentos sempre cozidos (evitando alimentos crus);
  • Limitar a ingestão de pães e massas (aderem ao balão e podem causar halitose);
  • Ingerir ½ copo de água 30 minutos antes e após as refeições;
  • Evitar deitar-se após as refeições (aguardar pelo menos 2 horas);
  • Exercitar-se por 15 a 30 minutos diariamente (caminhadas e exercícios leves).

10 passos para uma manutenção de peso bem-sucedida:
  • Continuar o acompanhamento nutricional mensalmente ou a cada dois meses para manter a perda de peso (por seis meses);
  • Seguir as recomendações nutricionais (perda de peso insuficiente está associado à não adesão às recomendações e não cumprimento das orientações dietéticas);
  • Comer 3 refeições e 2 pequenos “lanches inteligentes” ao longo do dia;
  • Comer devagar e mastigar bem a comida;
  • Evitar alimentos ricos em açúcar e carboidratos simples e limitar o consumo de álcool 1-2 bebidas/semana;
  • A ingestão de líquidos deve ser de 8 a 10 copos de água/dia;
  • Ingerir proteínas de alto valor biológico em todas as refeições;
  • Monitorar o peso uma vez por semana;
  • Praticar exercícios físicos regularmente (pelo menos 3 vezes por semana), atingindo o objetivo de 10.000 passos/dia;
  • Evitar: lanches entre as refeições, se alimentar pouco antes de dormir, alimentos processados (batata frita, barra de cereais e biscoitos, pois a maioria desses alimentos contém ingredientes que estimulam o apetite e são ricos em sódio, gordura e carboidratos).

Para uma adequação alimentar completa, deve-se seguir os modelos My Plate e DASH, que recomendam refeições menores e ricas em proteínas, grãos integrais, vegetais, frutas e alimentos fontes de ômega 3, excluindo doces.

  • Proteína: entre 60 e 120g/dia, ou 1,5g/kg/dia de peso ideal para adultos, podendo ser maior em alguns casos (manutenção da massa magra).
  • Água: ingestão mínima de 1,5L de água por dia.
  • Carboidratos: no pós-operatório deve iniciar com 50g e aumentar gradativamente.
  • Fibras: pelo menos cinco porções/dia de frutas e vegetais frescos (400g), incluindo prebióticos.
  • Lipídios: 20 a 35%.
  • Comportamentos alimentares: mastigação adequada, alimentação consciente, saciedade, evitar líquidos durante as refeições e limitar o consumo de açúcares simples, bebidas gaseificadas e álcool.
Por que ter Guia Brasileiro de Nutrição em Cirurgia Bariátrica e Metabólica?

O Nutritotal conversou com a nutricionista Carina Rossoni, Doutora em Ciências da Saúde e uma das autoras desse guia para entender a sua importância para os profissionais brasileiros. Veja o que o ela nos disse sobre as cirurgias bariátricas e metabólicas no Brasil.

Carina, qual o perfil dos pacientes que buscam a cirurgia bariátrica no Brasil?

Perfil dos pacientes submetidos ou que têm acesso ao tratamento cirúrgico da obesidade no Brasil, são mulheres, jovens e homens com superobesidade, ambos que apresentam comorbidades associadas de forma elevada, tais como hipertensão arterial, diabetes, esteatose hepática, dislipidemia, síndrome metabólica, síndrome de apneia obstrutiva do sono, osteoartropatias, síndrome de ovários policísticos e demais.  Que realizaram inúmeros tratamentos para a redução do peso, com acompanhamento, por meio de dietas hipocalóricas e medicamentos, sem resposta considerando o quadro clínico de indicação para a cirurgia bariátrica e metabólica: IMC ≥ 35kg/m2 com comorbidades, ou IMC ≥ 40kg/m2.

Cabe destacar que, há 7 anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM), aprovou o tratamento cirúrgico do diabetes tipo 2, com critérios para a falha de tratamento e obesidade leve com IMC entre 30kg/m2 e 34,9kg/m2. Logo no ano passado, 7% de todas as cirurgias bariátricas e metabólicas realizadas no Brasil, 21.875 mil pessoas portadoras de DM2 foram beneficiadas (SBCBM, 2023).

Logo este perfil, amplia-se a medida que pessoas mais doentes, metabolicamente falando, possuem indicação de tratamento cirúrgico, com uma obesidade grau I.

Quanto o nutricionista é procurado para fazer uma carta de indicação para cirurgia, o que ele deve considerar?

Ele deve conhecer: história/curso das doenças (obesidade e/ou diabetes), tratamentos previamente realizados, história familiar, doenças associadas, aspectos sociais, econômicos e emocionais, rede de apoio, atividade laboral, prática de atividade física. E claro, avaliação nutricional formal e sistematizada: antropométrica, bioquímica, dietética, (padrão/comportamento alimentar) composição corporal, exame físico.  Conhecer o contexto, assim como estudar e muito sobre a obesidade/doenças metabólicas, os critérios de indicação de tratamentos.

Já a emissão do laudo nutricional para a cirurgia: além de constar as informações descritas acima, a descrição da evolução do tratamento nutricional no pré-operatório.

Qual é a importância de ter um guia nacional sobre o tema?

Nortear a prática clínica dos nutricionistas que atuam na área do tratamento da obesidade, em todas as esferas de atendimento em nutrição no Brasil, baseada em evidências científicas nacionais e internacionais, a fim de promover qualidade e segurança no tratamento das pessoas que vivem com esta doença tão grave e estigmatizada. Cabe destacar que neste guia além de estar adequado aos novos critérios, atualizados, de indicação  para a cirurgia bariátrica e metabólica, contempla: sistematização do tratamento nutricional a qual abrange desde a pré-admissão, pré-operatório e o pós operatório (adolescente, adulto, idoso, gestante e vegetarianismo), suplementação nutricional,  hipoglicemia e hiperinsulinemia reativa; recorrência da obesidade e o manejo nutricional nas doenças inflamatórias intestinais e microbiota.

Pensando na prática clínica, o que você considera essencial para que nutricionistas atendam esse público da melhor forma possível, pensando em proporcionar saúde e qualidade de vida a longo prazo?

Ter conhecimento sobre a doença obesidade, doença metabólica, sobre o que é! Compreender os aspectos fisiológicos do trauma, pois precisamos lembrar sempre que o nosso paciente é um paciente cirúrgico. Estar em constante atualização e aperfeiçoamento sobre a obesidade e o diabetes. Avaliação, diagnóstico e a intervenção nutricional nas doenças metabólicas.

Somente a partir do conhecimento (baseado em evidências) permite-se:

– Acolher este público, uma vez que são pessoas que vivem com doenças complexas (obesidade e diabetes) estigmatizadas, de difícil controle e redicivantes.

– Iniciar o processo de educação alimentar, e não reeducação, de acordo com a realidade de cada um e do que a CBM exige:  desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis e sustentáveis, associados aos bons hábitos de vida (atividade físicas) para a manutenção da remissão das doenças metabólicas a longo prazo.