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sábado, 16 de agosto de 2025

Consenso europeu sobre má absorção

Embora as síndromes de má absorção estejam associadas a diversas doenças gastrointestinais, até recentemente não havia consenso específico sobre esse tema. 

Para mudar esse cenário, dez sociedades científicas europeias, incluindo a ESPEN, publicaram o primeiro consenso europeu sobre má absorção, com orientações voltadas à definição, diagnóstico, triagem e suporte nutricional em diferentes contextos clínicos. 

Como é definida a má absorção?

A má absorção é uma síndrome complexa, com manifestações clínicas múltiplas, caracterizada pela passagem defeituosa de um (ou seja, má absorção seletiva) ou mais (ou seja, má absorção parcial ou global) nutrientes através da mucosa intestinal para a corrente sanguínea/linfática.

Há a necessidade de esclarecimento de definição entre os termos:
  • Má digestão: hidrólise defeituosa de nutrientes de grandes moléculas em componentes de pequenas moléculas absorvíveis.
  • Má absorção: capacidade prejudicada de absorver nutrientes através da mucosa intestinal para a corrente sanguínea ou vasos linfáticos.
  • Malassimalação: combinação entre má digestão e má absorção.
No contexto clínico, o uso do termo “má absorção” é considerado suficiente para descrever os quadros em que há prejuízo na assimilação dos nutrientes.


Os sintomas da má absorção serão determinados pelo tipo e quantidade de substratos malabsorvidos, pela deficiência dos nutrientes malabsorvidos, pela doença de base e pelas consequências do acúmulo do substrato malabsorvido no lúmen do trato gastrointestinal.

Os sintomas de má absorção causados pela deficiência de nutrientes incluem:
Já os sintomas de má absorção causados pelo excesso de substrato no intestino incluem:
Causas e fisiopatologia da má absorção

A má absorção pode ser congênita, como nos defeitos primários de proteínas transportadoras na mucosa intestinal, ou adquirida, como resultado de procedimentos cirúrgicos ou de diversas doenças que afetam o intestino delgado, o pâncreas, o fígado, o trato biliar e o estômago.

Os mecanismos fisiopatológicos que levam à má absorção são classificados em três grupos principais: 
  • Alterações pré mucosas – como falhas na solubilização de gorduras e vitaminas lipossolúveis;
  • Alterações mucosas – como doenças inflamatórias ou infecciosas que afetam diretamente a mucosa intestinal;
  • Alterações pós-mucosas – como distúrbios no transporte intracelular, linfático ou vascular dos nutrientes.
Além disso, funções fisiológicas como a liberação de nutrientes dos alimentos, mudanças químicas necessárias para absorção (como a redução do ferro de Fe³⁺ para Fe²⁺), motilidade intestinal, sensibilidade entérica e regulação hormonal também desempenham papéis fundamentais. 

Alterações nesses processos podem comprometer a absorção de nutrientes específicos e contribuir para a má absorção.

Triagem, avaliação nutricional e diagnóstico da má absorção

Não existe um único teste que diagnostique a má absorção universalmente, mas uma combinação de exames e uma abordagem sistemática ajudam a identificar as causas e as deficiências nutricionais associadas.

A suspeita de má absorção geralmente surge a partir do histórico clínico do paciente, exames físicos e resultados de testes laboratoriais de rotina. Além disso, a presença de doenças gastrointestinais, pancreáticas, hepáticas ou biliares deve levantar a suspeita do quadro.

Manifestações da má absorção para cada nutriente

A má absorção de macronutrientes pode levar à desnutrição calórico-proteica.

A má absorção isolada de carboidratos frequentemente leva a sintomas digestivos, como inchaço, flatulência, dor abdominal, náusea ou diarreia

Já a deficiência de micronutrientes (vitaminas e minerais) pode causar manifestações clínicas específicas:

  • Xeroftalmia, membranas mucosas secas, úlceras de córnea, visão noturna prejudicada
Vitamina B1 (Tiamina):
Vitamina B2 (Riboflavina):
Vitamina B3 (Niacina):
  • Pelagra, erupção cutânea, diarreia, demência
Vitamina B6 (Piridoxina):
  • Lesões cutâneas, alterações neuropsiquiátricas e hematológicas (anemia microcítica)
Vitamina B9 (Folato):
  • Anemia megaloblástica, pancitopenia, alterações neurológicas e gastrointestinais, infertilidade, anormalidades fetais
Vitamina B12 (Cobalamina):
  • Anemia megaloblástica, degeneração subaguda da medula espinhal, alterações neuropsiquiátricas, glossite, infertilidade
Vitamina C:
  • Escorbuto, cicatrização de feridas retardada, hematomas
Zinco:
  • Ageusia (perda de paladar), alopecia, erupção cutânea, deficiência imunológica, diarreia
Ferro:
  • Anemia, astenia, alterações do paladar, retardo de crescimento
Cobre:
  • Anemia hipocrômica, arritmia cardíaca, neutropenia, ataxia
Iodo:
  • Hipotireoidismo, bócio
Selênio:
  • Cardiomiopatia (doença de Keshan), hipotireoidismo

Testes de diagnóstico

A escolha dos exames depende dos dados clínicos, do histórico médico, cirúrgico e familiar. Abaixo, destacamos alguns testes-chave:
  • Testes de fezes: a quantificação de gordura fecal (esteatorreia) e a medição de elastase pcreática fecal são usados para avaliar a má absorção de gordura, especialmente em casos de insuficiência pancreática exócrina. 
  • Sorologia e endoscopia: para pacientes com suspeita de doença celíaca, a sorologia (anticorpos IgA anti-transglutaminase tecidual 2) é o primeiro passo. Em adultos, o diagnóstico é confirmado com biópsias intestinal por endoscopia.
  • Testes respiratórios: embora o consenso desencoraje o uso de testes respiratórios para diagnosticar a supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO), eles podem ser úteis para investigar a má absorção de carboidratos e gorduras.
O consenso sugere um algoritmo passo a passo para diagnosticar a má absorção, com testes de primeira e segunda linha para adultos e crianças.

Suporte nutricional na má absorção

Necessidade e tipo de suplementação nutricional: para pacientes com má absorção e desnutrição (ou em risco de desenvolvê-la), recomenda-se o aconselhamento dietético que pode incluir modificações na dieta (conteúdo de macronutrientes, distribuição de refeições, textura) e fortificação alimentar. 

Pacientes com má absorção frequentemente se beneficiam de uma dieta rica em proteínas e calorias, e com teor de gordura baixo a moderado, para minimizar a esteatorreia (excesso de gordura nas fezes).

Quando a alimentação convencional não é suficiente, a terapia nutricional se torna necessária, seja por meio de suplementos nutricionais orais, nutrição enteral, ou nutrição parenteral para insuficiência intestinal grave.

Manejo das deficiências de micronutrientes

Em caso de deficiência de vitaminas ou minerais, a suplementação de micronutrientes deve ser feita por via oral ou enteral, se segura e eficaz. Caso contrário, outras vias (intramuscular, sublingual, parenteral) podem ser consideradas.

  • Vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K): o monitoramento e a suplementação regular são cruciais em distúrbios associados à má absorção de gordura, como fibrose cística, insuficiência pancreática exócrina, doença hepática colestática e síndrome do intestino curto, além de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.
  • Vitamina B12: deve ser monitorada em todos os pacientes com absorção comprometida devido à deficiência de fator intrínseco (como após gastrectomia total, gastrite atrófica autoimune) ou doença ileal distal (como doença de Crohn ou ressecção ileal prévia). Formulações orais e sublinguais estão disponíveis, mas a administração intramuscular pode ser necessária em casos de gastrectomia total, ressecção ileal extensa ou doença absortiva persistente. 
  • Minerais (ferro, magnésio, selênio, zinco, cobre): o monitoramento e a suplementação são recomendados em casos de má absorção crônica. 

Outras estratégias nutricionais

Embora o uso de prebióticos para o tratamento direto da má absorção não seja amplamente suportado por dados suficientes, a suplementação de butirato tem demonstrado um possível efeito benéfico em pacientes com DII.

A terapia de reidratação oral (TRO) pode ser benéfica para pacientes com insuficiência intestinal aguda devido à síndrome do intestino curto, especialmente aqueles sem cólon. 

Também recomenda-se a separação de líquidos e sólidos, ingerindo líquidos em pequenos goles, distanciados das refeições, para reduzir o trânsito intestinal rápido.


No material completo, os autores discorrem sobre o diagnóstico para condições específicas, bem como o tratamento com medicamentos, dentre outros tópicos relevantes.