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terça-feira, 26 de agosto de 2025

O lado sombrio do shape perfeito: anabolizantes e transtornos mentais


O fascínio pelo corpo perfeito


Os esteroides androgênicos anabolizantes (EAAs), usados cada vez mais em academias e na sciedade como um todo, representam um desafio crescente para os profissionais da saúde. A utilização está sendo "normalizada" e antes quem tinha vergonha de assumir que usava, tem se orgulhado e propagado aos quatro cantos. Influenciando pessoas a usarem e acharem segura a utilização. Embora o apelo do “shape perfeito” atraia muitos jovens, adultos e até idosos, os riscos ultrapassam os benefícios e invadem o campo mais delicado da atualidade: a saúde mental. O que há 15 anos era exceção no meu consultório, virou regra semanal. Ou seja, semanalmente atendo pacientes que viram suas vidas devastadas por uso de esteróides anabolizantes sem indicação, puramente por estética ou melhora de performance. Há anos aviso sobre o tema e agora temos um problema de saúde pública, segurança pública e que foi negligenciado nos últimos 10 anos. 

A ilusão dos ganhos rápidos


A busca por músculos hipertrofiados e definição acelerada muitas vezes obscurece os perigos reais. O problema é que, por trás dos ganhos rápidos de massa muscular, os anabolizantes desencadeiam uma série de alterações neuroquímicas que desestabilizam o equilíbrio psíquico do indivíduo. Será que vale a pena arriscar o equilíbrio emocional em troca de estética passageira? Ou você acha que a utilização será sustentável em longo prazo? Ou você acha que não precisará aumentar as doses a medida que o corpo envelhece? 

Alterações emocionais imediatas


Há uma relação bem estabelecida na literatura entre o uso de anabolizantes e alterações na saúde mental, incluindo o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos. Diversos estudos e consensos internacionais apontam que o uso de EAAs está associado a uma maior prevalência de sintomas depressivos, ansiedade, agressividade, alterações de humor, comportamento impulsivo, dependência e até quadros psicóticos.

Em homens, há evidências robustas de aumento significativo de sintomas de depressão e ansiedade entre usuários de EAAs em comparação com controles (indivíduos que não fazem uso), com correlação entre níveis hormonais alterados e gravidade dos sintomas psiquiátricos.

O risco de dependência de EAAs é relevante, com cerca de 30% dos usuários desenvolvendo critérios para dependência, e a interrupção abrupta pode precipitar quadros depressivos graves e risco de suicídio. Além disso, há aumento do uso de ansiolíticos, antidepressivos e antipsicóticos após o início do uso de EAAs, sugerindo impacto direto na morbidade psiquiátrica.

Em mulheres, o uso de AAS também está associado a elevação de múltiplos transtornos de personalidade (borderline, antissocial, sadista, depressivo, negativista, masoquista) e síndromes clínicas psiquiátricas, com alta proporção de usuárias apresentando múltiplos diagnósticos psiquiátricos simultâneos.

O uso de EAAs está ainda relacionado a comportamentos de risco, aumento de traços psicopáticos, agressividade e impulsividade, tanto em homens quanto em mulheres Além disso, há associação entre o uso de AAS e outros transtornos comportamentais, como transtornos de imagem corporal (ex.: dismorfia muscular) e maior risco para desenvolvimento de dependência de opioides.

O risco é maior em usuários crônicos, em doses elevadas e em indivíduos com vulnerabilidade psiquiátrica prévia. O acompanhamento multidisciplinar é recomendado para manejo desses pacientes.


A temida “roid rage”


Um dos riscos mais relatados é a chamada “roid rage”, caracterizada por explosões de raiva e agressividade. Esse fenômeno pode transformar comportamentos antes tranquilos em atitudes impulsivas, violentas e de difícil controle, prejudicando relações pessoais e profissionais. Quem se beneficiaria de músculos fortes, mas de uma mente em constante guerra? Seria interessante alguém viver em eterna reação de luta ou fuga? Isso é vida? 

Depressão pós-uso


Como já citado acima, a depressão pós-uso é uma consequência frequente. Quando o organismo reduz sua produção natural de testosterona após ciclos de anabolizantes, ocorre um vazio hormonal que impacta neurotransmissores ligados ao humor, levando a tristeza intensa, desesperança e risco aumentado de suicídio.

Dependência disfarçada


Outro ponto alarmante é o desenvolvimento de dependência. Muitos usuários não conseguem interromper o consumo, mesmo cientes dos riscos. O anabolizante cria uma relação de compulsão semelhante a outras drogas, sustentada tanto pela dependência física quanto psicológica. Como tratar algo que o próprio paciente ainda não reconhece como vício?



Ansiedade e insônia


A ansiedade também é uma companheira constante dos usuários. A elevação artificial dos níveis hormonais aumenta a excitabilidade cerebral, resultando em crises de pânico, insônia e preocupações obsessivas. Esses sintomas corroem a qualidade de vida e minam a saúde emocional. Esse aumento da ansiedade promove um aumento da pressão arterial, aumento da frequência cardíaca, aumento da sudorese. Ou seja, descarga adrenérgica que cronicamente pode prejudicar todo o sistema cardiovascular. 

Vigorexia e autoimagem


O transtorno dismórfico corporal, especialmente a “vigorexia”, é frequentemente observado em usuários. Nessa condição, o indivíduo nunca se vê suficientemente forte ou definido, criando um ciclo vicioso: quanto mais usa, mais insatisfeito se sente com sua aparência. Afinal, qual o verdadeiro ideal de beleza: o corpo perfeito ou a mente em paz?

Quadros psicóticos


Quadros psicóticos não são raros. Já foram descritos delírios persecutórios, alucinações e perda de contato com a realidade em indivíduos aparentemente saudáveis antes do uso. Isso demonstra a capacidade dos anabolizantes de alterar de forma dramática o funcionamento cerebral. Tive 2 casos emblemáticos que pacientes que desenvolveram psicose por uso de anabolizantes. Um prescrito por personal trainer e outro por um endocrinologista (sim, endocrinologista com Registro de qualificação de especialista = RQE). 



O mito da dose segura


Não se trata apenas de quem faz ciclos prolongados. Mesmo usuários ocasionais ou em doses consideradas “baixas” apresentam relatos de oscilações de humor, alterações de memória e dificuldades cognitivas. Isso reforça a ideia de que não existe uso seguro. Será que ainda há espaço para acreditar em “uso controlado”?

Déficits cognitivos


Entre os efeitos mais silenciosos estão os déficits cognitivos. A literatura aponta prejuízos em memória de trabalho, atenção e tomada de decisão. Esses impactos, muitas vezes irreversíveis, comprometem desempenho acadêmico, profissional e social. Se para o paciente portador de hipogonadismo (déficit real de testosterona) a reposição hormonal pode melhorar muito a cognição, performance cerebral, memória, capacidade de concentração, para quem utiliza desnecessariamente há um risco de aumento da ansiedade e com isso piora da capacidade de memorização, concentração e do desempenho cognitivo. 

Impulsividade, riscos e impacto nas relações interpessoais


A impulsividade exacerbada é outro traço comum. Usuários relatam maior propensão a comportamentos de risco, como direção imprudente, uso concomitante de drogas ilícitas e práticas sexuais desprotegidas. Tudo isso eleva o risco de acidentes e doenças. Quem realmente está no controle: o usuário ou a droga? 

É raro uma semana que os noticiários deixam de mostrar casos de violência doméstica, feminicídios ou mortes violentas que possuem relação do EAAs. Recentemente tivemos 2 casos emblemáticos, que mostram como anabolizantes podem alterar o cérebro masculino. Ou seja, é um problema de saúde pública, porém, negligenciado.

As consequências emocionais se estendem para além das relações interpessoais. Muitos usuários se tornam  inicialmente agressivos com familiares, amigos, gerando conflitos, separações e isolamento social. O ganho estético cobra um preço alto em vínculos humanos.  O impacto também se estende também ao ambiente de trabalho. Funcionários sob efeito de EAAs relatam maior irritabilidade, dificuldade de concentração e conflitos hierárquicos, comprometendo a produtividade e a estabilidade profissional. Há também um visível aumento da competitividade. 

Apesar de existirem estudos mostrando correlação entre criminalidade e EAAs, não existe evidência de que o uso de EAAs favorça mais violência no trânsito. O que discordo, já que a literatura médica demonstra uma associação significativa entre o uso de EAAs e comportamentos violentos, incluindo agressividade e envolvimento em crimes violentos, embora a direção causal dessa relação permaneça incerta e multifatorial.

Estudos e meta-análises indicam que usuários de EAAs apresentam maior propensão à violência interpessoal, com odds ratios elevados para envolvimento em crimes violentos mesmo após ajuste para fatores demográficos e uso concomitante de outras substâncias.



Alterações neuroquímicas


Do ponto de vista neurobiológico, os anabolizantes alteram a regulação de dopamina, serotonina e GABA. Essa disfunção na química cerebral explica a multiplicidade de efeitos psiquiátricos e a dificuldade de tratamento desses pacientes.


Suicídio e autodestruição


Há evidências científicas consistentes de que o uso de EAAs está associado a um aumento do risco de suicídio. Estudos populacionais e análises de coorte demonstram que usuários apresentam taxas significativamente mais altas de tentativas de suicídio e de suicídio consumado em comparação com não usuários.

Em uma grande amostra populacional de adolescentes, a prevalência de tentativas de suicídio entre usuários de EAAs foi de 30%, em contraste com 10% entre não usuários (ou seja 3 vezes mais), indicando uma associação robusta entre o uso de EAA e comportamento suicida. Pode parecer assustador? É a realidade. 

Em atletas de elite de esportes de força, grupo com alta suspeita de uso de EAAs, a mortalidade por suicídio foi de 2 a 4 vezes maior do que na população geral masculina, especialmente entre 30 e 50 anos.

Outro estudo de coorte com powerlifters competitivos suspeitos de uso crônico de EAA encontrou risco de morte 4,6 vezes maior do que controles, sendo o suicídio uma das principais causas de óbito prematuro.

Além disso, relatos de casos e estudos forenses documentam que sintomas depressivos graves, frequentemente associados à interrupção do uso de EAA, podem precipitar suicídio, mesmo em indivíduos sem histórico prévio de ideação suicida. O desenvolvimento de depressão após a suspensão dos EAA é um dos mecanismos plausíveis para esse aumento do risco, especialmente em usuários crônicos e dependentes.

Já estudos de base populacional com grandes bancos de dados também mostram que o uso de testosterona, incluindo em doses terapêuticas, está associado a maior risco de depressão e tentativas de suicídio/autoagressão, com odds ratio de 1,52 para suicídio/autoagressão em relação a não usuários, mesmo após ajuste para fatores de confusão.

Portanto, o conjunto da literatura médica aponta que o uso de EAA, especialmente em doses suprafisiológicas e por períodos prolongados, está associado a aumento significativo do risco de suicídio, tanto por mecanismos diretos (alterações neuropsiquiátricas induzidas pelos EAAs) quanto indiretos (depressão pós-suspensão, impulsividade, agravamento de conflitos interpessoais)


Autoestima em ruínas


A baixa autoestima é um dos efeitos mais paradoxais do uso de EAAs. Em teoria, alcançar um corpo definido, com baixíssimo percentual de gordura e elevada massa muscular, deveria gerar satisfação. No entanto, a realidade mostra o contrário: muitos usuários relatam insatisfação constante e dificuldade em reconhecer seus próprios resultados. O olhar no espelho nunca parece suficiente, alimentando uma busca interminável por melhorias.

Esse fenômeno está intimamente ligado à distorção da autoimagem, em que o indivíduo passa a enxergar defeitos onde não existem. A pressão social e a comparação com padrões irreais, muitas vezes amplificados pelas redes sociais, aumentam ainda mais essa sensação de inadequação. O corpo que deveria ser motivo de orgulho transforma-se em fonte de insegurança e ansiedade. Surge, assim, uma dependência emocional da aprovação alheia.

A vergonha também se manifesta de maneira intensa. Muitos usuários sentem necessidade de justificar constantemente suas escolhas, escondendo o uso de anabolizantes ou temendo ser julgados pela forma como alcançaram seus resultados. Isso gera conflitos internos, já que a aparência é construída para receber admiração, mas vem acompanhada de um sentimento de culpa silenciosa. A identidade do indivíduo passa a ser definida mais pelo físico do que por suas qualidades pessoais.

Por fim, a necessidade de aprovação externa torna-se um combustível perigoso. Curtidas em fotos, elogios superficiais e comentários sobre o corpo passam a ditar o valor pessoal do usuário. Essa dependência social fragiliza ainda mais a autoestima, criando um ciclo vicioso em que nenhum resultado é suficiente. O corpo pode atingir a excelência estética, mas a mente permanece aprisionada pela insegurança e pelo vazio emocional.



Falta de acompanhamento médico


É importante destacar que a maior parte dos usuários não procura acompanhamento médico especializado. O acesso à substância é feito de forma clandestina, sem prescrição, aumentando a vulnerabilidade e reduzindo as chances de detecção precoce dos efeitos adversos. Aí muitos me pergutam: será que o uso com médico é seguro? Dá para minimizar os riscos? 

A ilusão de “acompanhamento seguro” com médicos é perigosa. Mesmo sob supervisão, não existe dose sem risco para a mente e nem para o coração. A neuropsiquiatria demonstra que qualquer exposição a níveis hormonais suprafisiológicos pode desencadear sintomas psiquiátricos. Prova disso é que o Conselho Federal de Medicina em 2023 publicou a Resolução CFM nº 2.333/2023. Essa norma foi publicada em 30 de março de 2023 e de acordo com o texto da Resolução: Fica vedado ao médico prescrever terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes com a finalidade de ganho de massa muscular ou melhoramento do desempenho esportivo, seja para atletas amadores ou profissionais, assim como em tratamentos com finalidade estética 

A justificativa da necessidade de se publicar uma resolução sobre o tema, deriva da inexistência de estudos clínicos randomizados de boa qualidade que comprovem a segurança ou a efetividade dessas terapias acima dos níveis fisiológicos, tanto em homens quanto em mulheres  Reforçando que não existe dose segura para quem não tem deficit, muito  menos existe acompanho seguro, mesmo sendo feito sob supervisão médica. 

Polifarmácia perigosa


Outro problema é a polifarmácia. Usuários frequentemente combinam anabolizantes com outras drogas como estimulantes, ansiolíticos ou álcool. Essa interação aumenta o risco de toxicidade, dependência cruzada e agravamento dos sintomas psiquiátricos.

Pressão esportiva


No ambiente esportivo, a pressão por performance amplifica o uso, Porém, a mesma substância que aparentemente melhora o rendimento pode destruir a motivação, a disciplina e o equilíbrio emocional que sustentam uma carreira de sucesso. Além, obviamente de ser considerado dopping na prática esportiva.

Redes sociais como gatilho


No campo estético, as redes sociais e influencers funcionam como combustível. A exposição a corpos artificialmente construídos gera comparação constante, insatisfação e adesão a substâncias sem avaliação crítica, reforçando um ciclo coletivo de adoecimento mental. Será que o padrão imposto pela internet vale a saúde de uma geração? Isso é agravado dependendo da faixa etária. Normalizar adolescentes utilizando EAAs para fins puramente estéticos deveria ser crime. 

Estigma e silêncio


O estigma também pesa. Muitos usuários evitam revelar o uso por medo de julgamento, o que dificulta o diagnóstico e o início de intervenções. Assim, os sintomas avançam silenciosamente até atingir estágios críticos.

Risco de transtorno bipolar


O risco de transtornos bipolares é outro fator de destaque. A literatura médica atual demonstra que existe correlação entre uso de EAAs para fins estéticos ou em doses suprafisiológicas o desenvolvimento ou agravamento de quadros de instabilidade do humor, incluindo sintomas compatíveis com transtorno bipolar, como mania, hipomania e depressão. 

Estudos clínicos e revisões sistemáticas indicam que doses suprafisiológicas de EAA podem precipitar episódios de hipomania ou mania em indivíduos sem histórico psiquiátrico prévio, caracterizados por humor eufórico ou irritável, aumento da autoconfiança, redução da necessidade de sono, hiperatividade e comportamento impulsivo ou agressivo.

Esses sintomas podem ser idiossincráticos, mas ocorrem com maior frequência em usuários que consomem doses elevadas (acima de 1000 mg/semana) ou múltiplos tipos de EAA simultaneamente. Porém, na prática já vi pacientes que abriram quadro de hipomania com doses fisiológicas, ou seja, dependerá do histórico psiquiátrico previo. Pacientes com história de Transtorno de ansiedade generalizada e/ou insônia, podem ter no EAAs um gatilho para abrir o quadro de transtorno afetivo bipolar. 

A descontinuação abrupta dos EAA está associada a episódios depressivos graves, o que pode contribuir para a ciclicidade do humor observada em transtornos bipolares. Estudos observacionais e transversais também mostram que usuários de EAA apresentam escores elevados em instrumentos de avaliação de hipomania, sugerindo maior risco para quadros ciclotímicos ou subclínicos de transtorno bipolar.

Portanto, o consenso atual é que o uso de esteroides anabolizantes pode induzir ou agravar sintomas compatíveis com transtorno bipolar, especialmente em indivíduos predispostos, e que o risco aumenta proporcionalmente à dose e à duração do uso. O acompanhamento psiquiátrico é recomendado para usuários de EAA, sobretudo aqueles com histórico de instabilidade do humor. Na minha prática, tem se tornado bem raro eu não ter que encaminhar para algum amigo psiquiatra, pacientes que fizeram uso de EAAs e tiveram agravamento de sintomas. 

Sexualidade exacerbada com posterior queda


A sexualidade também é impactada, sendo que o impacto dos EAAs sobre a libido é visto como bifásico,  dependente do momento do uso, do sexo do usuário e do padrão de consumo. 

Durante o ciclo, a maioria dos homens relata aumento da libido, frequentemente associado à elevação dos níveis de testosterona e à ocorrência de estados hipomaníacos, caracterizados por hiperatividade sexual e comportamento impulsivo. Isso pode levar a uma alta multiplicidade de parceiras (os), sexo sem proteção favorecendo Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), gravidez indesejada, exposição a chemsex. 

Chemsex é um termo utilizado para descrever a prática de relações sexuais sob o efeito de drogas psicoativas, geralmente de forma intencional, com o objetivo de prolongar a duração do ato, intensificar o prazer ou reduzir inibições. Esse comportamento é mais comum em determinados grupos sociais, especialmente entre homens que fazem sexo com homens (HSH), mas pode ocorrer em qualquer população. Tendo correlação também com uso de EAAs. 

Há uma associação robusta entre orientação sexual minoritária (por exemplo, homens gays, bissexuais e queer) e maior prevalência de uso de EAAs, especialmente entre adolescentes e adultos jovens. Estudos populacionais demonstram que adolescentes do sexo masculino que se identificam como minorias sexuais apresentam taxas significativamente mais altas de uso de EAAs em comparação com seus pares heterossexuais, possivelmente devido a fatores psicossociais como pressão estética, bullying, estigma, busca por maior muscularidade e questões relacionadas à imagem corporal.



Entre homens adultos gays, bissexuais e queer, o uso de EAAs está frequentemente relacionado à busca por um ideal corporal, à pressão social em ambientes específicos e à tentativa de compensar inseguranças ligadas à masculinidade.

Importante ressaltar que, embora o uso de EAAs seja mais prevalente em determinados grupos de orientação sexual, não há evidência de que o uso desses agentes cause ou modifique a orientação sexual do indivíduo. O fenômeno observado é de correlação epidemiológica entre orientação sexual minoritária e maior risco de uso de EAAs, e não de causalidade ou alteração da orientação sexual. 

Em mulheres, o aumento da libido também é comum durante o uso de EAAs, podendo ser acompanhado de outros efeitos androgenizantes, como hipertrofia clitoriana e alterações menstruais.

No entanto, após a suspensão dos EAA, observa-se frequentemente uma queda significativa da libido, atribuída à supressão do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal e ao desenvolvimento de hipogonadismo secundário, que pode se manifestar por disfunção sexual, infertilidade e diminuição do desejo sexual.

O estudo prospectivo HAARLEM demonstrou que 58% dos homens apresentaram diminuição da libido após o término do ciclo de EAA, efeito que tende a ser reversível, mas pode persistir por meses ou até mais de um ano em casos de uso prolongado.

Distorção da autoimagem


A distorção da autoimagem é alimentada pela dependência psicológica. O usuário passa a acreditar que sem os anabolizantes perderá seu valor, reforçando um vínculo de submissão à droga e enfraquecendo sua autonomia emocional.

Identificação precoce


Do ponto de vista preventivo, é fundamental que os profissionais de saúde estejam preparados para identificar sinais precoces. Alteração na velocidade da fala, no tom da fala, mudanças bruscas de humor, alterações de sono e relatos de ganho muscular acelerado devem acender um alerta clínico para os profissionais da saúde.  O diálogo com pacientes deve ser claro e objetivo. Mostrar que os riscos vão muito além do fígado, coração ou rins, e atingem profundamente a mente, pode ser a chave para sensibilizar e prevenir a utilização de EAAs. 

Além disso, campanhas educativas precisam ser feitas e sempre destacando que a promessa estética não compensa a perda emocional. Essa abordagem, baseada em evidências científicas, tem maior poder de persuasão do que discursos moralistas ou proibitivos. A saúde mental deve ser o foco central na abordagem clínica dos usuários. Tratar sintomas psiquiátricos precocemente, oferecer suporte psicológico e incentivar a cessação do uso são estratégias fundamentais para reduzir danos.

Equipe multidisciplinar

O trabalho multidisciplinar é indispensável. Médicos, psicólogos, nutricionistas e profissionais da educação física precisam atuar em conjunto para oferecer alternativas saudáveis de ganho estético e desempenho, sem recorrer a substâncias perigosas.

É preciso também desmistificar a ideia de que “todo mundo usa”. Pesquisas mostram que a maioria dos frequentadores de academias não recorre a anabolizantes, reforçando que o caminho saudável é possível e viável. Apesar da tentativa de normalização. 

Nós da área da saúde temos papel crucial como agentes de mudança social. Informar, acolher e orientar com clareza pode evitar que novos indivíduos caiam na armadilha dos EAAs para fins estéticos.

Ética e responsabilidade


Do ponto de vista ético, é inadmissível endossar ou prescrever tais substâncias para fins estéticos. O compromisso com a saúde integral deve prevalecer sobre pressões comerciais ou culturais por corpos idealizados. O Conselho que nos rege, como já dito acima, tem uma resolução proibindo. 

A destruição da mente


Em resumo, os anabolizantes não destroem apenas órgãos vitais, mas também a essência psíquica do ser humano. A aparência construída às custas de hormônios artificiais frequentemente vem acompanhada de um vazio emocional irreparável.

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 RQE 11915 - Texto escrito ao longo de vários meses, com a utilização da IA do OpenEvidence 


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