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terça-feira, 7 de junho de 2011

Causas não-clássicas de obesidade

Hoje foi noticiado no site da Associação Brasileira para Estudos da Obesidade e Síndrome Metabólica:

CBOSM: Disruptores endócrinos entre as causas da obesidade


Diante de um público que lotou o auditório para assistir ao simpósio dedicado às causas não clássicas da obesidade, no segundo dia do Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, com muitas pessoas de pé, o Dr. Mario José Abdalla Saad, professor e pesquisador da Unicamp, apresentou novos dados sobre o papel da flora bacteriana intestinal no organismo de quem apresenta obesidade.

- A flora intestinal do obeso é diferente comparada à do indivíduo com peso normal. Há uma concentração de bactérias, que se renovam constantemente, como os firmicutes – explicou. O Dr. Saad citou um estudo com ratos, durante o qual foi realizado um transplante de flora intestinal de animais obesos em magros, o que resultou em aumento de peso.

- Sabe-se pouco ainda sobre a flora intestinal, a qual sofre influências genética, ambiental e da alimentação. Não se sabe ainda se a pessoa é obesa por ter essa flora intestinal, ou se apresenta tal flora por ser obesa. O fato é que já existe um tipo de flora X identificada com a obesidade – explicou aos presentes.

Cálcio e Vitamina D

Em seguida, o Dr. Luiz Henrique Griz, professor da Universidade do Estado de Pernambuco, comentou estudos que mostram a associação entre deficiência de vitamina D e de cálcio no aumento do risco da obesidade. Algumas análises norte-americanas identificam o baixo consumo de cálcio com o risco maior de obesidade, citou.

- Justifica-se a realização de um estudo clínico randomizado, com controle de placebo, para comprovar melhor a relação entre baixa ingestão de cálcio e obesidade – conclui o endocrinologista.

Disruptores endócrinos

O Dr. Nelson Rassi, investigador do Centro de Pesquisas Clínicas em Endocrinologia do Hospital Geral de Goiânia (HGG), surpreendeu o público ao mostrar dados que comprovam o efeito de substâncias largamente utilizadas pela indústria - e presente em produtos como latas de leite em pó para bebês e mamadeiras - no desenvolvimento da obesidade.

- Além de fatores como genética, excesso alimentar e falta de atividade física, os disruptores endócrinos surgem como um novo e desafiante dado no estudo das causas da obesidade – afirmou.

O bisfenol, presente em produtos para crianças ou em latas de refrigerante, foi apontado em pesquisas como um fator relacionado ao aumento de gordura em ratas. Testes apontam a presença do aditivo na urina de 95% de crianças e adolescentes nos Estados Unidos, citou o Dr. Rassi. Já o ftalato, composto químico proibido recentemente na fabricação de brinquedos e relacionado ao aumento da resistência à insulina, ainda é encontrado em embalagens de perfumes, por exemplo.

- Análises mostram que os disruptores podem exercer forte influência em pequenas quantidades. Quanto mais jovem a pessoa, mais fortes os efeitos no organismo. Por isso, a exposição a esse tipo de composto químico deve ser muito controlada em crianças. Nossa legislação, infelizmente, é muito mansa sobre o assunto, e deixa muito a desejar – avaliou.

Fonte: http://www.abeso.org.br/pagina/350/congresso-da-abeso.shtml

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Guia dos Disruptores Endócrinos

Foi lançado durante o Congresso Brasileiro de Atualização em Endocrinologia e Metabologia de 2019, o Guia aos Disruptores Endócrinos em português. 

O guia consiste em uma iniciativa conjunta da Endocrine Society e o IPEN, que é uma rede global composta por 700 organizações não-governamentais. 

A apresentação do Guia foi feita na manhã desta quinta-feira, na conferência Global Health Impacts of Exposure do Tendcrine-Disrupting Chemicals, realizada pela Dra. Michele Andrea La Merril (USA), uma das autoras.

Para que o material fique disponível para todos os sócios, população e imprensa,  Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia liberou o arquivos em PDF para ser baixado gratuitamente: Guia dos Disruptores Endócrinos: https://www.endocrino.org.br/media/uploads/PDFs/ipen-intro-edc-v1_9h-pt-print.pdf

domingo, 7 de novembro de 2010

Bisfenol-A e a etiologia da obesidade

Demorou mas alguém no Brasil resolveu relacionar produtos tóxicos com a Globesidade (epidemia global de obesidade). O Blog da VP (Valéria Paschoal Consultoria em Nutrição Funcional), preparou um texto ótimo sobre o tema. A princípio tratam somente dos possíveis efeitos do Bisfenol-A (BPA) como por exemplo disrupção endócrina. Entretanto deixam claro que outros componentes tóxicos da indústria presente no ambiente e alimentos podem estar agindo como Disruptores endócrinos.
 Vale a pena ler o texto.

Boa semana para todos meus leitores

Dr. Frederico Lobo



Bifesnol A e a etiologia da obesidade

A obesidade é uma doença multifatorial caracterizada pelo Índice de Massa Corporal acima de 30kg/m2 com acúmulo excessivo de tecido adiposo. Está associada a diversas co-morbidades, como diabetes melitus tipo 2, dislipidemia, hipertensão arterial e remodelação cardíaca. A atual epidemia da obesidade é uma consequência da interação entre fatores genéticos, comportamentais e ambientais. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 49% da população apresenta sobrepeso, sendo 13% desses já obesos.

Enquanto muito já se discute sobre a epidemia global da obesidade, componentes tóxicos da indústria, presentes no ambiente e nos alimentos, apenas começaram a receber atenção.

Esses compostos interferem na função normal do sistema endócrino por afetar o equilíbrio de glândulas e hormônios que regulam funções vitais, como crescimento, resposta ao estresse, desenvolvimento sexual, reprodução, produção e utilização da insulina, e taxa metabólica. Por este motivos são denominados disruptores endócrinos.

Dados epidemiológicos recentes mostram que a exposição a essas substâncias, durante o desenvolvimento, está associada com sobrepeso ou obesidade na vida adulta. Os primeiros achados mostram que o início da epidemia da obesidade coincidiu com o aumento de químicos industriais no ambiente.

Dentre os disruptores endócrinos, o bisfenol A (BPA) destaca-se pelo fato de haver grande exposição a ele pelo homem. Trata-se de um monômero de plásticos policarbonatos e resinas epóxi, estando presente em alimentos enlatados, mamadeiras, embalagens de bebidas, filmes de polivinil, papéis, cartolinas e selantes dentários. Atualmente, a produção mundial de BPA excede 3 bilhões de kg/ano. Sua exposição ocorre pela dieta (contaminação de alimentos principalmente sob calor), contato com a pele e inalação de poeira doméstica. A presença de metabólitos em concentrações mensuráveis mostrou-se elevada em mais de 90% da população no mundo todo.

Foi mostrado, através de dados do National Health and Nutrition Survey (NHANES) 2003/04 que altas concentrações de BPA estavam associadas com diagnóstico de doenças cardiovasculares e diabetes, mas não com outras doenças, sugerindo especificidade. Sendo lipofílico, pode ser armazenado no tecido adiposo.

Uma vez que a obesidade torna-se epidêmica e que fatores ambientais estão fortemente ligados a esses dados, serão discutidos os possíveis efeitos do disruptor endócrino bisfenol A na etiologia da obesidade.

Bisfenol A, atividades hormonais e obesidade

O BPA é comumente descrito pela sua atividade estrogênica. Além de se ligar aos receptores nucleares de estrógeno alfa e beta, o monômero interage com uma série de outros receptores de estrógenos não clássicos, alguns com alta afinidade. Ele também atua como antagonista de receptor de andrógenos e interage com receptores de hormônios tireoidianos.

Os estudos em animais já conseguem traçar um caminho para o entendimento da relação do BPA com a obesidade. Doses muito baixas oferecidas a animais durante o desenvolvimento exercem alguns efeitos. Ratos e camundongos mostraram peso corporal aumentado quando expostos a baixas dosagens de BPA no período pré-natal e neonatal. Alguns resultados mostram que esse aumento no peso é relacionado ao gênero, ao passo que outros relatam efeitos em ambos os sexos. Essa diferença pode estar relacionada com o tempo de exposição e com a dose.

Além disso, ratos expostos ao BPA no pré-natal mostram aumento de hiperplasia intraductal (lesões pré-cancerígenas) que aparecem na vida adulta. Independentemente da raça de ratos utilizados, das vias, níveis e tempo de exposição, todos os estudos mostram suscetibilidade aumentada à neoplasia da glândula mamária manifestada na vida adulta. As neoplasias normalmente aparecem após completa maturação sexual, que pode ser devido ao efeito dos hormônios sexuais na proliferação e remodelação desses órgãos. Camundongos expostos a BPA durante a vida intrauterina e lactação, apresentaram aumento somente na velocidade do crescimento, sem relação com aumento de peso corporal.

Estudos in vitro com BPA fornecem evidências de seu papel no desenvolvimento da obesidade, podendo sugerir alvos específicos. O BPA faz com que as células 3T3-L1 (fibroblastos de camundongos que podem se diferenciar em adipócitos) aumentem sua taxa de diferenciação, e em combinação com a insulina, acelera a formação de adipócitos. Outros trabalhos in vitro mostram que baixas doses de BPA prejudicam a sinalização do cálcio nas células pancreáticas, atrapalham o funcionamento da célula beta e causam resistência à insulina. Baixas dosagens experimentais também podem inibir a síntese de adiponectina e estimular a liberação de adipocinas inflamatórias como interleucina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) do tecido adiposo humano, sugerindo seu papel na obesidade e síndrome metabólica.

Entretanto, estudos com humanos ainda são escassos e a amostragem utilizada é pequena. Um estudo com 296 italianos mostrou que a excreção diária de BPA associou-se com aumento de concentração sérica de testosterona total em homens. Porém, outro estudo analisou a relação entre hormônios tireoidianos e reprodutivos e concentração urinária de BPA em 167 homens em uma clínica de infertilidade. Observou-se relação inversa entre concentração de BPA e índices de testosterona livre, estradiol e hormônio tireoestimulante (TSH). Quando os níveis de hormônios androgênicos foram avaliados em mulheres eumenorreicas, mulheres com SOP e homens, observou-se diferenças entre os gêneros, possivelmente devido à diferença nos níveis de atividade da enzima relacionada ao androgênio. Ainda, demonstrou-se que concentrações sérias de BPA estavam associadas com aumento dos andrógenos, o que não ocorreu com níveis de estradiol, hormônios luteinizantes (LH) e folículo estimulante (FSH). Dados parecidos foram encontrados por Takeuchi e colaboradores, em trabalho feito com mulheres com e sem disfunção ovariana.

Diante do conteúdo exposto, pode-se concluir que ainda faltam informações precisas, esclarecendo a relação do bisfenol A na etiologia da obesidade, tanto na exposição pré-natal quanto na vida adulta. Estudos em humanos estão limitados a amostras pequenas e em sua maioria avaliam a excreção urinária de BPA em um único momento do dia. Como a eliminação deste composto acontece muito rapidamente no organismo, é necessária sua mensuração em diversos momentos do dia para estimar melhor a exposição. Também deve ser levada em consideração a porção que fica armazenada no tecido adiposo, uma vez que o BPA é lipofílico.

Entretanto, como esse composto desencadeia possíveis efeitos deletérios e nenhum benefício conhecido até o momento, medidas básicas no cotidiano podem ser tomadas a fim de evitar a exposição. Evitar consumo de alimentos e bebidas armazenados em embalagens plásticas, não conservar alimentos em recipientes plásticos e evitar utilização de filmes plásticos em contato direto com o alimento são medidas simples, que devem ser praticadas principalmente durante a gravidez.

FONTE: http://www.vponline.com.br/blog/?p=121

domingo, 20 de junho de 2021

Europa discute disruptores endócrinos

É um caso tão polêmico que agora está nas mãos do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso. Assim, sua conselheira científica, Anne Glover, deverá reunir nos próximos dias todos os cientistas envolvidos em uma grande controvérsia com importantes questões econômicas envolvidas: que posição os Estados-membros devem adotar em relação aos disruptores endócrinos?


Bruxelas deve decidir até o final do ano sobre as medidas destinadas a proteger os europeus dos efeitos dessas substâncias – plastificantes, cosméticos, pesticidas etc – que interferem no sistema hormonal, a exemplo do Bisfenol A, que será proibido definitivamente nas embalagens de alimentos na França em 2015.

A polêmica atingiu uma intensidade inédita nos últimos dias. Certos membros da comunidade científica acusam – veladamente – vários de seus pares de fazerem manobras a favor de interesses industriais, em detrimento da saúde pública.

"A ciência se tornou motivo de guerra"

A rixa começou neste verão com a publicação, em diversas revistas acadêmicas, de um artigo no qual dezoito toxicólogos (professores ou membros de órgãos públicos de pesquisa) criticavam as medidas em discussão em Bruxelas. Restritivas demais para muitas indústrias, estas seriam, segundo os autores, "precauções cientificamente infundadas". Os signatários, liderados pelo toxicólogo Daniel Dietrich (Universidade de Konstanz, Alemanha), contestam, por exemplo, que essas moléculas possam ter consequências nocivas em doses muito baixas.

No entanto, esses efeitos são o foco de inúmeras pesquisas científicas feitas nos últimos quinze anos e são reconhecidos por um relatório publicado conjuntamente em 2012 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Em especial, nos animais, a exposição in utero a algumas dessas moléculas em doses baixíssimas aumenta os riscos de ocorrência de determinadas patologias no decorrer da vida – câncer hormônio-dependente, obesidade, distúrbios neurocomportamentais etc.

O texto dos dezoito pesquisadores imediatamente provocou comoção. E uma suspeita considerável. "O problema das 'intenções dissimuladas' se acentuou, ao mesmo tempo em que aumentou a capacidade da ciência de influenciar na regulamentação dos poluentes e que a pesquisa acadêmica passou a depender cada vez mais do apoio financeiro da indústria", escreveram na revista "Environmental Health" Philippe Grandjean (Harvard Public School of Medicine, University of Southern Denmark) e David Ozonoff (Boston University), professores de saúde ambiental e responsáveis pela publicação. "A ciência se tornou motivo de uma guerra, com a maior parte de suas batalhas ocorrendo nos bastidores."

Nada menos que 18 contratos de consultoria entre 2007 e 2012

Na mesma edição da "Environmental Health", cerca de quarenta toxicólogos e endocrinologistas publicaram uma outra resposta cáustica, apontando que o texto de Daniel Dietrich e de seus coautores é produto de "uma vontade de influenciar nas decisões iminentes da Comissão Europeia". Uma centena de outros cientistas opinaram, em um editorial do último número da revista "Endocrinology", que o texto de Dietrich e de seus coautores "representa a ciência de maneira enganosa."

Acima de tudo, as réplicas dirigidas aos dezoito pesquisadores se indignam com o fato de que estes não divulgaram – como é de praxe nas revistas científicas – seus laços de interesse com as indústrias potencialmente afetadas por uma nova regulamentação. "É isso que fazem os 25 cientistas, dos quais faço parte, que redigiram em 2012 o relatório da OMS e do Pnuma", explica Ake Bergman (Universidade de Estocolmo). "É também o que fizeram todos os signatários – dos quais faço parte – da resposta enviada a Dietrich e seus coautores."

As ligações destes últimos com a indústria por fim vieram a público. No final de setembro, uma pesquisa da agência Environmental Health News (EHN) revelou que 17 dos 18 autores mantinham relações financeiras com "indústrias químicas, farmacêuticas, cosméticas, do tabaco, de pesticidas ou de biotecnologia."

Carta aberta à conselheira científica de Barroso

Alguns deles tiveram seus laboratórios financiados por empresas, outros receberam remunerações pessoais como consultores ou conselheiros científicos. O toxicólogo Wolfgang Dekant (Universidade de Würzburg, Alemanha), por exemplo, assinou, segundo informações reunidas pela EHN, nada menos que dezoito contratos de consultoria entre 2007 e 2012 com empresas cuja identidade ele não divulgou. E a lista não para por aí. Dietrich e seus coautores também estão na iniciativa de uma carta aberta a Anne Glover, assinada por cinquenta outros cientistas. De acordo com uma primeira análise efetuada pela EHN, pelo menos quarenta deles também têm ligações com indústrias.

"As estimativas mais recentes sugerem que quase mil moléculas poderiam ser disruptores endócrinos", explica Grandjean. "Logo, são vários os setores que podem ser implicados." O pesquisador, uma das referências em pesquisa em saúde ambiental, diz não estar surpreso com as colaborações de Dietrich e seus coautores com os meios industriais, mas se espanta com o fato de que "eles aparentemente não colaborem com ONGs ou associações de pacientes."

As zonas cinzentas também se estendem para dentro da Comissão

Dietrich não quis responder ao "Le Monde". Um dos coautores, Wolfgang Dekant, garante que não houve "nenhum envolvimento da indústria, formal ou informal", na iniciativa ou na redação do texto.

As zonas cinzentas se estendem também para dentro da Comissão. A deputada europeia Michèle Rivasi (Europe Ecologie-Les Verts), bem como outros parlamentares, vão endereçar nos próximos dias uma questão por escrito a José Manuel Barroso para exigir a publicação da declaração de interesses de Anne Glover, sua conselheira científica. Esses elementos por enquanto não foram comunicados no site da Comissão.

Em Bruxelas, afirma-se que somente os comissários são obrigados a redigir e tornar pública uma declaração de interesses. Foi explicado ao "Le Monde" que José Manuel Barroso havia escolhido Anne Glover após um "rigoroso processo de recrutamento".

sábado, 15 de novembro de 2014

Novembro Azul: Diabetes e Câncer de próstata

"Novembro azul. Agora é a vez dos homens. Outubro foi rosa. Outubro foi das mulheres. Outubro foi da prevenção do câncer de mama. Novembro é azul. Novembro é dos homens. Novembro é da prevenção do câncer de próstata. Mas, não é só o câncer de próstata. A saúde do homem vai muito além. A mulher começa a visitar o ginecologista assim que menstrua. O homem, somente após os 40 anos. O homem só descobre problemas de fertilidade se não conseguir engravidar a parceira. E hoje sabemos da verdadeira pandemia de sub- fertilidade entre homens jovens, devido a exposição ao bisfenol A e a outros disruptores endócrinos, que atrapalharam o desenvolvimento dos testículos.A produção de testosterona da nova geração também está muito mais baixa. E ninguém avisa. Tudo silenciado. Esta na hora de expormos a saúde do homem. Levar a sério. Desde o início da fase adulta. E não somente após os 40 anos. Chega de preconceitos. A hora é do homem."

O pequeno texto acima é do meu amigo @drflaviocadegiani (médico endocrinologista).

Resolvi repostá-lo pq ele aborda algo que pouco se fala: Saúde do homem. A maioria das campanhas para homem são focadas em Câncer de próstata, Diabetes e Hipertensão. Doenças que só surgem (geralmente) após os 40 anos.

Saúde do homem engloba muito mais que isso. Engloba preparar o terreno para uma terceira idade saudável. Engloba prevenção de infertilidade, tema negligenciado mas que nos próximos anos entrará em voga.

É raro um mês que não atendo algum homem (abaixo dos 40) com queixa de espermograma alterado. Inúmeros fatores podem estar influenciando, dentre eles o uso de celular, proximidade com os testículos, disruptores endócrinos (bisfenol, agrotóxicos, ftalatos, dioxinas, fitoestrógenos, poluentes orgânicos persistentes, chumbo, arsênico, mercúrio), dieta inadequada (zinco, vitamina E, vitamina A, coenzima q10).

sábado, 6 de junho de 2020

5 de Junho - Dia Mundial do Meio Ambiente - O que você fazer para minimizar impactos ambientais ?


Ontem, 5 de Junho foi comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente e na minha concepção, é impossível ter saúde se não se respeita o meio ambiente.

Somos seres integrados a um ecossistema e qualquer disrupção nessa simbiose pode levar a algum tipo de transtorno, como por exemplo:
  • Cronodisrupção.
  • Poluição do ar, solo, águas.
  • Poluição luminosa (excesso de luminosidade no período noturno).
  • Poluição sonora.
  • Ambientes não-biofilicos (pouco verde)
  • Pouco contato com a natureza.
  • Baixo conforto térmico.
Há 14 anos estudo a inter-relação entre saúde e meio ambiente (essa foi a razão de montar esse blog). Cada dia me convenço mais da força dessa simbiose e que não existe poluição, o que existe é envenenamento. Essa poluição a qual estamos sendo submetidos deveria ser considerada um problema de saúde pública mundial. Entretanto, é negligenciada até mesmo por nos médicos, afinal há poucos estudos sobre disrupção endócrina, carcinogênese oriunda de agrotóxicos e metais tóxicos...doenças neurodegenerativas e sua correlação com poluentes orgânicos persistentes (POPs) e metais tóxicos. Uma das poucas sociedades médicas que estudam esses efeitos é a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), com a campanha sobre Disruptores endócrinos. Além disso lançou um Guia dos Disruptores endócrinos. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) também tem um posicionamento acerca dos agrotóxicos e provável carcinogênese.


E o que podemos fazer para tentar minimizar esse impacto na nossa saúde?
  • Jogue lixo no lixo
  • Separe os lixos e recicle.
  • Ajude a educar e conscientizar próximas gerações.
  • Defenda o meio ambiente (todos os biomas em especial o cerrado, o berço das nossas águas).
  • Dê preferência por uma alimentação mais "limpa".
  • Compre de produtores locais e de preferência orgânicos.
  • Durma bem, afinal sono = qualidade de vida.
  • Não tenha muito tecido adiposo, a cascata que ele gera vai muito além de bioquímica.
  • Pratique atividade física pois ela é adjuvante no nosso processo de destoxificação.
  • Exponha-se ao sol.
  • Tenha contato com a natureza.
  • E lembre-se que tudo está integrado.

sábado, 5 de outubro de 2013

Europa discute o uso de substâncias que afetam o sistema hormonal

Publicado originalmente no Le Monde (5/10/2013)

É um caso tão polêmico que agora está nas mãos do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso. Assim, sua conselheira científica, Anne Glover, deverá reunir nos próximos dias todos os cientistas envolvidos em uma grande controvérsia com importantes questões econômicas envolvidas: que posição os Estados-membros devem adotar em relação aos disruptores endócrinos?

Bruxelas deve decidir até o final do ano sobre as medidas destinadas a proteger os europeus dos efeitos dessas substâncias – plastificantes, cosméticos, pesticidas etc – que interferem no sistema hormonal, a exemplo do Bisfenol A, que será proibido definitivamente nas embalagens de alimentos na França em 2015.

A polêmica atingiu uma intensidade inédita nos últimos dias. Certos membros da comunidade científica acusam – veladamente – vários de seus pares de fazerem manobras a favor de interesses industriais, em detrimento da saúde pública.

"A ciência se tornou motivo de guerra"

A rixa começou neste verão com a publicação, em diversas revistas acadêmicas, de um artigo no qual dezoito toxicólogos (professores ou membros de órgãos públicos de pesquisa) criticavam as medidas em discussão em Bruxelas. Restritivas demais para muitas indústrias, estas seriam, segundo os autores, "precauções cientificamente infundadas". Os signatários, liderados pelo toxicólogo Daniel Dietrich (Universidade de Konstanz, Alemanha), contestam, por exemplo, que essas moléculas possam ter consequências nocivas em doses muito baixas.

No entanto, esses efeitos são o foco de inúmeras pesquisas científicas feitas nos últimos quinze anos e são reconhecidos por um relatório publicado conjuntamente em 2012 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Em especial, nos animais, a exposição in utero a algumas dessas moléculas em doses baixíssimas aumenta os riscos de ocorrência de determinadas patologias no decorrer da vida – câncer hormônio-dependente, obesidade, distúrbios neurocomportamentais etc.

O texto dos dezoito pesquisadores imediatamente provocou comoção. E uma suspeita considerável. "O problema das 'intenções dissimuladas' se acentuou, ao mesmo tempo em que aumentou a capacidade da ciência de influenciar na regulamentação dos poluentes e que a pesquisa acadêmica passou a depender cada vez mais do apoio financeiro da indústria", escreveram na revista "Environmental Health" Philippe Grandjean (Harvard Public School of Medicine, University of Southern Denmark) e David Ozonoff (Boston University), professores de saúde ambiental e responsáveis pela publicação. "A ciência se tornou motivo de uma guerra, com a maior parte de suas batalhas ocorrendo nos bastidores."

Nada menos que 18 contratos de consultoria entre 2007 e 2012

Na mesma edição da "Environmental Health", cerca de quarenta toxicólogos e endocrinologistas publicaram uma outra resposta cáustica, apontando que o texto de Daniel Dietrich e de seus coautores é produto de "uma vontade de influenciar nas decisões iminentes da Comissão Europeia". Uma centena de outros cientistas opinaram, em um editorial do último número da revista "Endocrinology", que o texto de Dietrich e de seus coautores "representa a ciência de maneira enganosa."

Acima de tudo, as réplicas dirigidas aos dezoito pesquisadores se indignam com o fato de que estes não divulgaram – como é de praxe nas revistas científicas – seus laços de interesse com as indústrias potencialmente afetadas por uma nova regulamentação. "É isso que fazem os 25 cientistas, dos quais faço parte, que redigiram em 2012 o relatório da OMS e do Pnuma", explica Ake Bergman (Universidade de Estocolmo). "É também o que fizeram todos os signatários – dos quais faço parte – da resposta enviada a Dietrich e seus coautores."

As ligações destes últimos com a indústria por fim vieram a público. No final de setembro, uma pesquisa da agência Environmental Health News (EHN) revelou que 17 dos 18 autores mantinham relações financeiras com "indústrias químicas, farmacêuticas, cosméticas, do tabaco, de pesticidas ou de biotecnologia."

Carta aberta à conselheira científica de Barroso

Alguns deles tiveram seus laboratórios financiados por empresas, outros receberam remunerações pessoais como consultores ou conselheiros científicos. O toxicólogo Wolfgang Dekant (Universidade de Würzburg, Alemanha), por exemplo, assinou, segundo informações reunidas pela EHN, nada menos que dezoito contratos de consultoria entre 2007 e 2012 com empresas cuja identidade ele não divulgou. E a lista não para por aí. Dietrich e seus coautores também estão na iniciativa de uma carta aberta a Anne Glover, assinada por cinquenta outros cientistas. De acordo com uma primeira análise efetuada pela EHN, pelo menos quarenta deles também têm ligações com indústrias.

"As estimativas mais recentes sugerem que quase mil moléculas poderiam ser disruptores endócrinos", explica Grandjean. "Logo, são vários os setores que podem ser implicados." O pesquisador, uma das referências em pesquisa em saúde ambiental, diz não estar surpreso com as colaborações de Dietrich e seus coautores com os meios industriais, mas se espanta com o fato de que "eles aparentemente não colaborem com ONGs ou associações de pacientes."

As zonas cinzentas também se estendem para dentro da Comissão

Dietrich não quis responder ao "Le Monde". Um dos coautores, Wolfgang Dekant, garante que não houve "nenhum envolvimento da indústria, formal ou informal", na iniciativa ou na redação do texto.

As zonas cinzentas se estendem também para dentro da Comissão. A deputada europeia Michèle Rivasi (Europe Ecologie-Les Verts), bem como outros parlamentares, vão endereçar nos próximos dias uma questão por escrito a José Manuel Barroso para exigir a publicação da declaração de interesses de Anne Glover, sua conselheira científica. Esses elementos por enquanto não foram comunicados no site da Comissão.

Em Bruxelas, afirma-se que somente os comissários são obrigados a redigir e tornar pública uma declaração de interesses. Foi explicado ao "Le Monde" que José Manuel Barroso havia escolhido Anne Glover após um "rigoroso processo de recrutamento".

Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2013/10/05/europa-discute-o-uso-de-substancias-que-afetam-o-sistema-hormonal.htm

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Fórmula de soja - de heroína a vilã? Análise crítica ao artigo

ta análise tem por objetivo alertar os pediatras de que não é obrigatório aceitar como dogmas as recomendações de consensos elaborados por especialistas internacionais. O pediatra deve tomar suas decisões baseado em seus conhecimentos e habilidades (arte da Medicina) conjuntamente com as preferências e valores de seu pequeno paciente e familiares(2).

Da mesma forma, nossas argumentações não devem ser consideradas como um contraponto estigmático, mas, sim, um conjunto de observações fundamentadas em bom senso e na longa vivência clínica-acadêmica que possibilitaram a identificação da presença de dados incorretos citados no Comentário do Comitê de Nutrição.

A revisão criteriosa e minuciosa do texto do Comentário do Comitê de Nutrição revela que há interpretações distorcidas de alguns trabalhos indicados como fonte de informação, assim como falta de transparência nas múltiplas vezes em que os autores escrevem "...que na falta de dados suficientes..." eles decidem não recomendar o uso de fórmulas infantis à base de proteína isolada de soja (FIPIS). Esta conduta traduz uma polarização grupal na tomada de decisões pelo colegiado da ESPGHAN(1).

O pediatra deve levar em conta que esses consensos (guidelines ou diretrizes) são elaborados focando uma população e não um paciente individualmente, o que pode dificultar a aplicação destas recomendações ao seu paciente em particular(2).

Os autores do Comentário do Comitê de Nutrição iniciam o texto fazendo uma longa introdução e revisão da literatura e finalizam com sete conclusões herméticas, com força de lei absoluta, que serão logo adiante analisadas uma a uma.

É oportuno descrevermos um conciso histórico do uso da soja na alimentação infantil, frisando que as preparações de soja durante a primeira metade do século XX representavam as únicas opções de tratamento de crianças com alergia ao leite de vaca, o que possibilitou a cura de incontável número de pacientes. A soja era uma heroína. Ao adentrar o século XXI ela se tornou uma vilã.

O Anexo 1 mostra a linha do tempo que contempla as principais fases evolutivas do uso da soja como alimento infantil. Inicialmente usada na forma de grão; posteriormente, através de sucessivos processos de beneficiamento, foram obtidas diferentes apresentações, como as farinhas, os extratos, "os leites" e a proteína isolada da soja (PIS). Esta última passou a ser um constituinte das fórmulas infantis comercializadas de acordo com as recomendações da RDA (Recommended Dietary Allowances)(3) e posteriormente das DRIs (Dietary References Intakes)(4). Para atender a essas recomendações foi necessário acrescentar a estas fórmulas L-metionina, taurina, carnitina e ferro, além de uma mistura de óleos vegetais e diferentes carboidratos. Na linha de tempo foram incluídos os trabalhos pioneiros do emprego da soja no tratamento da alergia ao leite de vaca e algumas diretrizes da AAP (American Academy of Pediatrics) e da ESPGHAN, elaboradas com o objetivo de estabelecer consensos do uso da FIPIS em diferentes situações clínicas.

Inicialmente, causou-nos surpresa as recomendações do Comentário do Comitê de Nutrição da ESPGHAN(1) a respeito da proibição da FIPIS em lactentes com menos de seis meses de idade. Posteriormente, preocupamo-nos com a percepção que essa proibição estava sendo amplamente divulgada por inúmeras publicações pediátricas e folhetos promocionais das indústrias de alimentos, beneficiadas por esta recomendação. Para nós que passamos todos esses anos exercendo o ensino, a assistência e a pesquisa em Pediatria, é muito angustiante e frustrante assistir ao crescimento de uma incorreção dessa natureza. Alguém já disse "de tanto uma mentira ser repetida ela se transforma em verdade".

A seguir analisaremos cada uma das sete conclusões do Comitê de Nutrição da ESPGHAN a respeito das indicações das FIPIS em Pediatria.


Anexo 1 - Linha do tempo: o papel da soja na alimentação infantil.

Conclusão 1

Cows´ milk-based formulae should be preferred as first choice for feeding healthy infants that are not fully breast fed (Fórmulas à base de leite de vaca serão preferidas como primeira opção para a alimentação de crianças saudáveis com amamentação não suficiente).

Essa é uma conduta pediátrica universal e indiscutível.

Entretanto, os autores do Comentário do Comitê de Nutrição citam, textualmente, no item "Considerações éticas e religiosas": "...alguns pais (por exemplo, vegetarianos) procuram evitar fórmulas infantis baseadas em leite de vaca para seus filhos por motivos religiosos, filosóficos ou éticos. Fórmula infantil à base de soja é uma alternativa aceitável para essas famílias".

Questionamos, então, se para essas crianças todas as reações adversas da soja citadas no Comentário do Comitê de Nutrição não são aplicáveis? Por acaso os bebês de famílias vegetarianas apresentam fisiologia diferente das crianças de famílias onívoras?
Conclusão 2

Soy protein based formulae should only be used in specified circumstances because they may have nutritional disadvantages and contain high concentrations of phytate, aluminum, and phytooestrogens, the long term effects of which are unknown (As fórmulas à base de proteína da soja devem ser unicamente usadas em circunstâncias específicas porque elas podem ter desvantagens nutricionais e contêm altas concentrações de fitatos, alumínio e fitoestrógenos, dos quais os efeitos tardios são desconhecidos).

1) Desvantagens nutricionaisBR>Consideramos que esta conclusão é ambígua e falaciosa e merece ampla explanação. Os próprios autores do Comentário do Comitê de Nutrição dissertando sobre a adequação das FIPIS escrevem, em tradução literal: "...esses dados indicam que as FIPIS podem ser usadas na alimentação dos recém-nascidos de termo, mas não apresentam vantagem nutricional sobre as fórmulas à base de leite de vaca". Perguntamos se para esses autores ser igual ao leite de vaca não é uma condição suficiente para indicar seu uso?

Inúmeros trabalhos demonstram a eficácia das FIPIS sobre o crescimento infantil. Fomon e col.(5), em 1973, estudaram a ação dessas fórmulas em um grupo de crianças que evoluíram de maneira comparável ao grupo que recebeu fórmula à base de leite de vaca. Em 1999, Lasekan e col.(6), estudando 213 recém-nascidos alimentados com FIPIS durante o primeiro ano de vida, observaram que eles tiveram uma evolução pôndero-estatural normal, de acordo com o padrão NCHS, e as taxas séricas de albumina e hemoglobina evoluíram dentro de valores referenciais. Mendez e col.(7), analisando a densidade óssea, e Venkataraman e col.(8), os parâmetros séricos, como Ca, P, Mg, fosfatase alcalina, paratormônio e 1,25 OH-D3, encontraram valores comparáveis nas crianças dos grupos alimentados com FIPIS e leite de vaca. Trabalho realizado com prematuros extremos, alimentados com FIPIS ou com fórmula de leite de vaca adaptada para prematuro, mostrou que o grupo que recebeu soja teve um aumento de peso satisfatório, embora um pouco menor (11 g/kg/dia) do que o grupo com fórmula láctea adaptada (15,3 g/kg/dia)(9).

Um trabalho muito interessante e publicado recentemente pesquisou prospectivamente, durante um ano, o desenvolvimento mental de 391 crianças normais recrutadas entre a idade de um e dois meses. Foram distribuídas em três grupos, de acordo com o tipo de alimentação recebida: leite humano, fórmula láctea ou FIPIS. Nenhuma diferença foi encontrada entre os três grupos em relação a dados antropométricos, de desenvolvimento mental, psicomotor e de linguagem, que se enquadraram dentro dos valores referenciais utilizados. Observaram apenas uma leve vantagem do desenvolvimento cognitivo do grupo alimentado com leite humano, em relação aos outros dois grupos(10).

A análise dos dados anteriormente apresentados mostra que as FIPIS não apresentam desvantagens nutricionais, exceto para os recém-nascidos prematuros extremos.

2) Fitatos
Em relação ao fitato ou fosfato de inositol, é importante mencionar que ele pode apresentar-se no alimento nas formas de mono, di, tri, tetra, penta e hexafosfato de inositol, mas apenas as formas penta e hexa interferem na absorção dos minerais. Com o cozimento as formas penta e hexa perdem fosfato e se transformam em di ou trifosfato sem ação quelante. Desse modo, apenas a presença de fitato no alimento não traduz exatamente seus possíveis efeitos na redução da biodisponibilidade de minerais. Estudos de De Angelis(11,12) em modelos animais e em humanos voluntários, analisando a ação do fitato sobre a ação do ferro, mostraram que a redução da absorção foi muito pequena e sem repercussão clínica. Esses dados são corroborados pelo trabalho de Lasekan e col.(6), que registraram valores normais de hemoglobina nas crianças alimentadas com FIPIS durante o primeiro ano de vida.

3) Alumínio
Os autores do Comentário do Comitê de Nutrição consideram que o teor de alumínio nas FIPIS seria um fator negativo ao seu uso. Segundo a WHO (World Health Organization)(13), a ingestão diária de 1mg/kg de alumínio é considerada tolerável. Na prática, a ingestão de volumes habituais de FIPIS pelas crianças, fornece uma quantidade de alumínio menor do que 1 mg/kg/dia e, portanto, sem risco de intoxicação.

Em 1998, a Comissão de Nutrição da Academia Americana de Pediatria(14) considerou desfavorável o teor de alumínio das FIPIS, mas não tem a mesma opinião a respeito das fórmulas lácteas adaptadas para prematuro, que contêm altas concentrações de alumínio e alega que "...as vantagens nutricionais destas fórmulas lácteas adaptadas para prematuro superam os problemas de eventuais riscos em relação à alta concentração de alumínio destas fórmulas". Por que o alumínio seria mais tóxico nas FIPIS do que nas adaptadas para o prematuro?

A Tabela 1 relaciona os valores de alumínio do leite humano e de outras fórmulas(15).

O alumínio provém de muitas fontes ambientais: água de consumo, panelas, canos, várias formulações (desodorante, antiácido, solução de albumina, solução para nutrição parenteral). Um grupo de risco para intoxicação pelo alumínio é representado pelos pacientes renais crônicos e já foram descritos casos de encefalopatia dialítica nesses casos e intoxicação por alumínio em recém-nascido urêmico. No primeiro caso, a água da diálise foi a responsável e no segundo foi a fórmula láctea adaptada para prematuro. A FIPIS não foi usada nesses casos(15).




mcg: micrograma.
Fonte: American Academy of Pediatrics. Committee on Nutrition. Aluminium toxicity in infants and children. Pediatrics 1996; 97:413-6.

4) Nucleotídeos
Os autores do Comentário da Comissão de Nutrição não incluem nas conclusões finais nenhuma recomendação a respeito dos nucleotídeos, embora os tenham analisado no texto.

Os nucleotídeos são muito importantes no crescimento celular e em algumas reações metabólicas com uso de energia ou funcionando como mediador fisiológico em processos metabólicos, como, por exemplo, a reação cAMP cATP, que representa a maior fonte de energia celular. Os nucleotídeos são substâncias que podem ser sintetizadas pelo organismo e necessitam ser suplementadas em situações de maior demanda, como na fase de crescimento acelerado ou de reparação tecidual(16).

Em 2006 a Comissão Diretiva Europeia(17) propõe que se houver necessidade de adição de nucleotídeos nas fórmulas infantis, esta deverá obedecer à formulação do leite humano, que contém 72 mg/L. As fórmulas lácteas contêm de 8 a 72 mg/L e as FIPIS 310 mg/L, sem registro de que esta quantidade tenha interferido no desenvolvimento normal.

No texto, os autores do Comentário da Comissão de Nutrição finalizam o item a respeito dos nucleotídeos desencorajando a adição dos mesmos nas FIPIS, com a qual concordamos, pois não há essa necessidade.

5) Fitoestrógenos
Em relação às altas concentrações de fitoestrógenos nos derivados da soja, julgamos oportuno relembrar as características destes componentes.
Os fitoestrógenos estão presentes em grande número de plantas e, por apresentarem fraca atividade estrogênica, receberam o nome de fitoestrógenos. São encontrados em legumes e especialmente na soja e produtos derivados. Estes componentes, por um lado, apresentam benefícios à saúde e, por outro, podem agir como disruptores endócrinos.

Define-se como disruptor endócrino uma substância química semelhante a um hormônio que promove alterações no sistema endócrino, mimetizando hormônios, ligando-se a receptores hormonais ou ativando substâncias hormônio-dependentes. Os disruptores endócrinos estão amplamente distribuídos no ambiente e são de origem natural ou sintética(18).

Entre os fitoestrógenos se destacam as isoflavonas(19). A concentração de isoflavonas presente nos alimentos a base de soja é muito variável e depende de fatores como, por exemplo, a variedade do grão do cereal, do solo, do clima, da região de cultivo, condições de armazenamento e principalmente do tipo de processamento industrial utilizado no preparo do alimento. Por exemplo, a soja americana pode ter seu conteúdo de isoflavonas variando de 116 a 420 mg/100 g de grão de soja, dependendo da variedade e da safra(20).
A PIS, utilizada nas fórmulas infantis, é um produto altamente refinado, obtido da farinha de soja e apresenta teor de proteína maior ou igual a 90% e uma quantidade pouco variável de isoflavonas. As isoflavonas se apresentam sob a forma aproximada de doze isômeros, sendo os principais a genisteína e daidzeína. Os isômeros podem estar ligados a um açúcar formando um conjugado glicosídico(21).

Farmacocinética - No trato digestório os conjugados glicosídicos sofrem hidrólise em intestino delgado pelas glicosidases das bactérias intestinais e liberam as agliconas (daidzeína e genisteína) biologicamente ativas que apresentam estrutura química homóloga ao estradiol. Após absorção as agliconas passam pela circulação êntero-hepática e são prontamente conjugadas com ácido glicurônico no fígado. Uma parte das agliconas pode retornar ao intestino pela via biliar e ser excretada pelas fezes. Outra parte pode entrar na circulação sistêmica alcançando diferentes tecidos e posteriormente é eliminada na urina, de modo similar aos estrógenos endógenos(19,21). Um dos tecidos é o adiposo, no qual fica armazenada por um tempo longo, pois apresenta meia-vida maior que a dos estrógenos endógenos. Vários fatores podem modificar a biodisponibilidade dos fitoestrógenos ingeridos e seus efeitos biológicos. Uma dieta rica em carboidratos, responsáveis pelo aumento da fermentação, incrementa sua biodisponibilidade. Por outro lado, as doenças intestinais, as parasitoses e o uso de antibióticos reduzem a biodisponibilidade desses compostos(22).

Farmacodinâmica - As agliconas, disruptores endócrinos de origem natural, mostram afinidade pelos receptores estrogênicos e exercem outros efeitos não hormonais no maquinário celular.

Atualmente, as isoflavonas são classificadas como moduladores seletivos dos receptores de estrógenos (ER-alfa e ER-beta) e apresentam potência estrogênica muito inferior a do estradiol (1/500 a 1/1000 da atividade do 17-beta-estradiol). A daidzeína e a genisteína possuem maior afinidade pelo receptor ER-beta, podendo agir como agonistas estrogênicos quando os valores de estrógenos endógenos são baixos ou antagonistas, se as concentrações de estrógenos endógenos são altas(22). Apesar dos fitoestrógenos serem menos potentes que o estradiol, sua concentração pode ser de 13.000 a 22.000 vezes maior em crianças alimentadas exclusivamente com FIPIS, sendo suficiente para exercerem efeitos biológicos(23). Entretanto, não existem trabalhos clínicos que mostrem que essas concentrações elevadas se traduzem em qualquer tipo de expressão clínica.

Os autores do Comentário da Comissão de Nutrição atribuem a essa elevada concentração de fitoestrógenos a alta incidência de telarca precoce observada em Porto Rico, no período de 1978 a 1982, comparado com os anos anteriores; entretanto, menos de 20% das crianças receberam soja previamente(24).

A telarca precoce compreende o desenvolvimento isolado e não progressivo da mama (sem outros sinais de maturação sexual) antes dos oito anos de idade. Em geral esses casos são prevalentes em meninas e ocorrem nos primeiros dois anos de vida, em virtude da persistência de secreção de gonadotrofinas hipofisárias na infância e após os seis anos de idade, em consequência da antecipação da produção puberal ovariana de estrógenos e/ou aumento da sensibilidade dos receptores destes hormônios aos baixos níveis circulantes. Geralmente é uma condição autolimitada e na maioria das pacientes não evolui antes do início da puberdade. A exposição aos estrógenos exógenos pode explicar alguns casos de telarca precoce como, por exemplo, o uso de cremes contendo 17-beta-estradiol(25).

Retornando ao trabalho de Freni-Titulaer e col.(24), devemos considerar que o aparecimento da telarca precoce antes dos dois anos de idade foi relacionado com cistos ovarianos maternos, consumo de fórmulas de soja e de vários tipos de carnes possivelmente contaminadas por estrógenos. Freni-Titulaer e col.(24) concluem que vários fatores devem ter interferido no desenvolvimento da telarca precoce, pois 18% dos casos se relacionaram com cisto ovariano materno, menos de 20% estavam relacionados ao consumo de soja e 15% ao consumo de frango fresco. Esse trabalho chamou a atenção do Departamento de Saúde de Porto Rico, que decidiu criar um Registro de Desenvolvimento Precoce Sexual e Telarca Precoce com o objetivo de melhor caracterizar a incidência deste problema de saúde e tentar esclarecer aspectos epidemiológicos, clínicos e etiológicos. Observaram que, no período de 1984 a 1993, a incidência de telarca precoce em meninas de 6 a 24 meses de idade foi de 6 casos por 1.000 meninas nascidas vivas(26). Não existe um consenso em relação à incidência de telarca precoce nas diferentes partes do mundo, para se comparar com esses dados de Porto Rico. A incidência pode variar em diferentes áreas geográficas, de ano para ano. As causas de telarca precoce podem ser múltiplas e muitas vezes relacionadas a fatores ambientais. Cólon e col.(27), em Porto Rico, tentando identificar os fatores responsáveis pelo aparecimento da telarca precoce, levantaram a hipótese de que o ftalato poderia ser o responsável pelo seu desenvolvimento. Encontraram esse composto químico aumentado no soro de 68% das meninas com telarca precoce, enquanto no grupo-controle apenas uma criança apresentou esse produto aumentado.

O ftalato é uma substância utilizada como aditivo para deixar o plástico mais flexível e deste modo é usada na confecção de brinquedos infantis (por exemplo, mordedores) e equipos médicos (cateteres e bolsas de soro). Torna-se evidente que o uso de FIPIS não pode ser responsabilizado pelo desenvolvimento da telarca precoce, como sugerem os autores do Comentário da Comissão de Nutrição da ESPGHAN. Estes últimos autores também relatam possíveis efeitos tardios dos fitoestrógenos em mulheres adultas. Citam o trabalho de Strom e col.(28), realizado em mulheres que tinham sido alimentadas com soja nos primeiros anos de vida, com o objetivo de analisar problemas reprodutivos e ginecológicos. Os dados foram obtidos por contato telefônico e autorrelatos das entrevistadas e não foram encontradas queixas importantes em relação àqueles problemas. Sintetizando esses achados, pode-se concluir que a ação prejudicial dos fitoestrógenos da soja pode ser considerada um mito.

Conclusão 3

Indications for soy formulae include severe persistent lactose intolerance, galactosemia, religious, ethical, or other considerations that stipulate the avoidance of cows´ milk based formulae and treatment of some cases of cows´ milk protein allergy (As indicações para o uso das fórmulas de soja incluem: 1- intolerância persistente à lactose; 2- galactosemia; 3- razões religiosas; 4- razões éticas; 5- outras considerações que propõem evitar fórmulas baseadas em leite de vaca; 6- tratamento de alguns casos de alergia à proteína do leite de vaca).

Os autores do Comentário da Comissão de Nutrição citam com muita propriedade que as principais indicações do uso de FIPIS são a intolerância persistente à lactose e a galactosemia. Novamente reforçam as indicações das FIPIS por motivos religiosos e éticos, que já comentamos na Conclusão 1.

No texto os autores do Comentário da Comissão de Nutrição colocam em dúvida a vantagem do uso da FIPIS no manejo da gastroenterocolite aguda. Sugerem que nas crianças bem nutridas as fórmulas lácteas podem ser mantidas e nos casos mais graves, com desidratação, contraindicam as FIPIS, para não introduzir uma nova proteína indutora de sensibilização e preconizam o uso de fórmulas proteicas extensamente hidrolisadas ou fórmulas elementares.

Na nossa experiência, o uso de FIPIS nas crianças com gastroenterocolite aguda grave e diarreia persistente pode dar resultado satisfatório, pois apenas pequeno número de pacientes não tolera essas fórmulas. Devemos lembrar que essas fórmulas infantis são nutricionalmente adequadas à criança e apresentam baixo custo, portanto atendem às características da população brasileira. Vale lembrar também que os consensos médicos são instrumentos informativos e não tutelares e, como já comentamos no início desse texto, o paciente merece um tratamento individualizado e livre e não um tratamento globalizado e tutelado. Quantos de nós pediatras já tratamos com sucesso grande número de pacientes com diarreia persistente com uso dessas FIPIS(29)?

A indicação para o tratamento de "alguns casos de alergia à proteína do leite de vaca" é imprecisa, principalmente se levarmos em conta a dificuldade diagnóstica e a complexidade de classificação das doenças alérgicas, com suas diferentes apresentações gastroenterológicas, dermatológicas e respiratórias(30).

Conclusão 4

The Committee recommends that the use of therapeutic formulae based on extensively hydrolyzed proteins (or amino acid preparations if hydrolysates are not tolerated) should be preferred to that of soy protein formula in the treatment of cow´s milk protein allergy. Soy protein formula should not be used in infants with food allergy during the first 6 months of life. If soy protein formulae are considered for therapeutic use after the age of 6 months because of their lower cost and better acceptance, tolerance to soy protein should first be established by clinical challenge (O Comitê recomenda que o uso terapêutico de fórmulas baseadas em proteínas extensamente hidrolisadas (ou preparações com aminoácidos, se os hidrolisados não são tolerados) devem ser preferidas à fórmula de proteína de soja no tratamento da alergia à proteína do leite de vaca. A fórmula de proteína de soja não deve ser usada em crianças com alergia alimentar durante os primeiros 6 meses de vida. Se as fórmulas de proteína de soja são consideradas para uso terapêutico depois dos 6 meses de idade, pelo seu baixo custo e melhor aceitação, a tolerância à proteína da soja deve ser primeiro estabelecida por teste clínico de provocação).

A indicação como primeira opção para o tratamento dietético da alergia ao leite de vaca seriam os hidrolisados extensos ou fórmulas de aminoácidos; além de ser um preciosismo de primeiro mundo, é uma escolha de pouco valor e condicional, como bem definido no World Allergy Organization Diagnosis and Rationale for Action against Cow´s Milk Allergy (DRACMA) Guidelines de 2010(30). Nesse último documento os autores, após profunda análise dos trabalhos sobre eficácia dos diferentes tipos de fórmulas hipoalergênicas no tratamento da alergia ao leite de vaca, resumem suas conclusões parciais - "não identificamos nenhuma revisão sistemática estabelecendo os benefícios relativos do uso de fórmulas extensamente hidrolisadas e de aminoácidos comparadas com fórmulas de soja e de hidrolisado do arroz nas crianças com alergia ao leite de vaca". Mas, surpreendentemente, ao elaborar as recomendações, sugerem obsessivamente as fórmulas extensamente hidrolisadas ou as de aminoácidos, acrescentando ao final de cada recomendação que a mesma é condicional e de muito baixa qualidade de evidência. Chamam a atenção, também, para um problema importante que é a disponibilidade de recursos exigidos para concretizar uma estratégia assistencial, nacional e/ou regional, de atendimento dessas crianças com alergia ao leite de vaca, através do uso das fórmulas extensamente hidrolisadas ou de aminoácidos, sendo o Brasil um exemplo dessa situação.

Trabalhos de Zeiger e col.(31) e Klemola e col.(32) mostram que apenas 10% a 14% das crianças com alergia ao leite de vaca apresentam concomitância de alergia às FIPIS. Dessa forma, um número razoável de pacientes (90% e 84%) pode ser tolerante à soja. Por razões práticas, em nosso meio, vale tentar o uso da FIPIS nestes pacientes e observar diariamente e com rigor o grau de tolerância que os mesmos apresentam em relação à FIPIS. Esta poderá ser substituída, caso se observe intolerância. Esse procedimento equivale a uma prova de sobrecarga aberta.

O alto custo das fórmulas de hidrolisados extensos e de aminoácidos limita seu emprego inicial de maneira ampla e indiscriminada. Embora as instituições governamentais possam fornecer estas fórmulas sem custo, o processo operacional para sua obtenção é complexo, demorado e restritivo condicionando retardo do início do tratamento, principalmente em certas regiões urbanas periféricas e rurais.
Desta conclusão número 4 o item mais preocupante, por não apresentar suficiente embasamento científico, é a proibição do uso da FIPIS antes dos seis meses de idade.

Os autores do Comentário da Comissão de Nutrição afirmam que a FIPIS não deve ser prescrita durante os primeiros seis meses de vida, levando em consideração um trabalho de Klemola e col.(32). Estes autores acompanharam prospectivamente 170 crianças com alergia ao leite de vaca, principalmente com manifestações cutâneas e trataram um grupo de 80 pacientes com FIPIS e outro grupo de 90 com fórmula extensamente hidrolisada. Ficou demonstrado que 10% do primeiro grupo desenvolveu alergia à soja e 2% do segundo grupo, alergia à fórmula extensamente hidrolisada, o que mostrou que as crianças que tomam soja apresentam quatro vezes mais risco de desenvolverem reações imunoalérgicas. Dentre as crianças do grupo que recebeu FIPIS, 20 eram menores de seis meses e, destas, cinco (25%) apresentaram reação à soja. Das outras 60, com mais de seis meses de idade, apenas 3 (5%) se tornaram alérgicas à soja. Em face da pequena casuística de crianças menores de seis meses de idade, Klemola e col.(32) propõem cautela na indicação da FIPIS neste grupo etário. Nesta mesma linha de pesquisa, Zeiger e col.(31) estudando 93 crianças com alergia IgE mediada, de modo prospectivo, encontraram somente 14% de crianças com alergia ao leite de vaca concomitantemente ao de soja, sendo apenas 3% dos pacientes menores de seis meses.

Os autores do Comentário da Comissão de Nutrição, embora reconhecendo que o número de crianças estudadas nesses dois últimos trabalhos é pequeno, recomendam taxativamente que a FIPIS não seja indicada para pacientes alérgicos ao leite de vaca com idade inferior a seis meses, o que consideramos um absurdo.

Os autores do Comentário da Comissão de Nutrição, na exposição de motivos sobre a alergia ao leite de vaca citam uma recomendação da Academia Americana de Pediatria (AAP)(33) - "aquelas crianças com alergia IgE mediada podem beneficiar-se de uma fórmula de soja como tratamento inicial ou instituída após seis meses de idade, após o uso de uma fórmula hipoalergênica". Esta recomendação não é clara - o que significa tratamento inicial? Além disso, revendo criteriosamente este parecer da AAP, observa-se que esta assertiva se baseia em uma referência bibliográfica totalmente discordante do assunto em discussão (Bellioni-Businco et al. Allergenicity of goat´s milk in children with cow´s milk allergy)(34). Dessa forma, a recomendação de não oferecer obrigatoriamente fórmula de soja aos menores de seis meses de idade carece, no momento, de fundamento científico. A AAP não se apoia em estudo criterioso, analisando os efeitos do uso das FIPIS em lactentes com menos de seis meses de idade. Infelizmente, a proibição do uso de FIPIS em lactentes menores de seis meses foi aceita como dogma pelos colegiados pediátricos e tem sido amplamente divulgada pelas indústrias de alimentos infantis, através de seus folhetos publicitários.

Conclusão 5

Soy protein formulae have no role in the prevention of allergic diseases (As fórmulas de proteína de soja não atuam na prevenção das doenças alérgicas).

Os autores do Comentário da Comissão de Nutrição também ponderaram sobre o uso da FIPIS como medida preventiva no desenvolvimento de doença alérgica, naquelas crianças pertencentes a grupo de risco (família atópica) e como o assunto é controverso, acharam mais fácil concluir que não está indicado o uso de FIPIS na prevenção de alergia em crianças de alto risco. Levando-se em conta que o uso de FIPIS no lugar do leite de vaca irá retardar a sensibilização da criança atópica à proteína do leite de vaca, as manifestações da doença atópica serão postergadas e, portanto, seu emprego pode ser preconizado, desde que a criança fique sob supervisão rigorosa.

As intervenções preventivas eficientes no aparecimento de alergia em crianças de risco têm sido perseguidas pela maioria dos estudiosos, mas ainda não foram alcançadas. Os inúmeros trabalhos a respeito não esclarecem o que deve ser feito e a problemática permanece nebulosa. Esses estudos diferem muito entre si pela heterogeneidade das casuísticas, pelos deferentes desenhos da pesquisa e pelas metodologias diagnósticas utilizadas.

Uma linha de investigação mais consistente realizada por uma equipe italiana, por período aproximado de quatro anos, acompanhou dois grupos de recém-nascidos de alto risco. Programaram para ambos os grupos medidas dietéticas (leite materno exclusivo por seis meses; redução na dieta materna de leite de vaca e ovo) associadas às medidas de vigilância ambiental (controle de fumo, animais, poeira doméstica e controle rotineiro da saúde da criança por três anos). Quando fosse necessário complementar o leite materno, um grupo recebia FIPIS e o outro fórmula láctea. Os resultados finais foram: das 732 crianças acompanhadas, 17% apresentaram doença atópica. Destes 17%, 13% tinham recebido só leite materno; 10% só FIPIS; 15% leite materno e FIPIS e 34% leite de vaca. Observa-se que uma prevenção total da doença alérgica é difícil de ser obtida, mas a FIPIS esteve associada à menor prevalência da doença alérgica dentro das condições de controle ambiental do presente trabalho(35-37).

Dessa forma, o pediatra deverá analisar as características de cada paciente e decidir como estabelecer as medidas preventivas ou abdicar delas.

Conclusão 6

There is no evidence supporting the use of soy protein formulae for the prevention or management of infantile colic, regurgitation, or prolonged crying (Não há nenhuma evidência que apóie o uso das fórmulas de soja para a prevenção ou tratamento da cólica infantil, regurgitação ou choro prolongado).

Essas três condições clínicas são multifatoriais e de difícil diagnóstico diferencial, pois todas se traduzem por choro. Obviamente, o pediatra deverá identificar suas causas para o tratamento adequado.

Conclusão 7

Manufacturers should aim to reduce the concentrations of trypsin inhibitors, lecitins, goitrogenic substances, phytate, aluminum, and phytoestrogens in soy protein formulae (Os fabricantes devem ter por objetivo reduzir os inibidores de tripsina, lecitinas, substâncias que causam bócio, fitatos, alumínio e fitoestrógenos nas fórmulas de proteína de soja).

Anteriormente já discutimos o papel do fitato, alumínio e fitoestrógenos das FIPIS, faltando apenas comentar a interferência da FIPIS na função tireoidiana.

Considera-se que a soja pode afetar a função tireoidiana e interferir na absorção de hormônios tireoidianos naturais e sintéticos.

O primeiro relato referente à interação entre tratamento com hormônio da tireoide e soja em criança foi publicado em 1965, por Pinchera e col.(38). Estes autores descreveram o caso de uma criança com hipotireoidismo congênito que recebia 30 mg/dia de tireoide dessecada para manter-se estabilizada e após iniciar FIPIS, em substituição ao leite de vaca, foi necessário aumentar a medicação para permanecer em eutireoidismo. Posteriormente, Chorazy e col.(39) relataram concentrações séricas elevadas de hormônio tireoestimulante (TSH) em lactente hipotireoidiano alimentado com fórmula de soja desde o nascimento, em virtude de história familiar de alergia à proteína do leite de vaca.

Mais recentemente, esses dados foram confirmados através de um estudo retrospectivo que comparou 78 crianças com hipotireoidismo, 70 alimentadas com fórmula láctea e oito com fórmula de soja. Depois de quatro meses de tratamento com levotiroxina (LT4) os autores observaram que 17% das alimentadas com fórmula láctea e 62,4% daquelas alimentadas com fórmula de soja apresentaram TSH elevado, indicando que o grupo alimentado com soja não respondeu adequadamente ao tratamento(40).

Este último fato poderia ser explicado pela má absorção da droga, provavelmente pela ligação da tiroxina com um ou mais componentes da soja, sendo então eliminada pelas fezes(41). Dessa forma, a associação da perda fecal de tiroxina com a baixa concentração de iodo nos produtos derivados da soja predispõe a um estado de hipotireoidismo, razão pela qual atualmente as FIPIS são enriquecidas com iodo.

Do exposto se conclui que se deve evitar o uso de produtos de soja em pacientes com hipotireoidismo. Entretanto, nos indivíduos eutireoidianos e suficientes em iodo, o uso de alimentos de soja não vai afetar a função tireoidiana(41).

Embora a maioria dos autores concorde que o efeito negativo da soja sobre a tireoide resulta da má absorção do medicamento, outra linha de pesquisa enfoca outro mecanismo. Estudos in vitro mostram que as isoflavonas inibem a tireoperoxidade (TPO), principal enzima envolvida no procedimento de síntese dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina) da tireoide(41,42). Mas esta ação inibitória é cancelada pela adição de iodo ao meio da experimentação. O efeito bociogênico atribuído à soja, teoricamente, seria consequente a esse efeito das isoflavonas sobre a TPO em situação de carência de iodo. A repercussão clínica deste efeito da soja no Brasil é minimizada pela adição de iodo ao sal de consumo.

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Autores: 

Dorina Barbieri, Livre-docente pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Ceres Concilio Romaldini, Doutora em Medicina pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Publicado em: http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=5380

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Sobre milho transgênico, câncer e festinhas


A sisuda revista norte-americana Food and Chemical Toxicology, uma referência em toxicologia de alimentos, publicou nesta semana os resultados de um estudo ( http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0278691512005637 )  realizado pela equipe do francês Gilles-Éric Séralini, professor de biologia molecular na Universidade de Caen (França), que coloca em xeque a segurança dos alimentos transgênicos.

Os pesquisadores observaram, durante dois anos, 200 ratos alimentados com milho transgênico OGM NK603 e água contendo o herbicida Roundup, ambos produzidos pela empresa Monsanto, e mediram mais de cem parâmetros diferentes. Foi a primeira vez que uma equipe de pesquisa acompanhou efeitos de transgênicos por um período tão longo – algo bem diferente do que os estudos de três meses realizados pelos próprios fabricantes para atestar a inocuidade de seus produtos e obter autorização de comercialização por parte das agências reguladoras.

Os 200 ratos foram divididos em 10 grupos de 10 fêmeas e 10 machos cada. Seis dos grupos receberam diferentes doses (11% a 33%) do milho desenvolvido pela Monsanto para ser resistente ao herbicida Roundup. O milho oferecido a alguns dos grupos havia também sido pulverizado com Roundup no campo. Três outros grupos receberam água com diferentes doses de Roundup, sendo a menor delas compatível com a concentração do composto presente na água de torneira nos Estados Unidos, segundo os autores do trabalho. O grupo controle e natureba recebia água potável sem Roundup e comia milho não transgênico.

Todos os ratos expostos ao herbicida e/ou ao milho transgênico começaram a desenvolver pesadas patologias a partir do 13º mês da experiência e morreram mais cedo que os ratos do grupo controle. Nas fêmeas, apareceram tumores mamários em cadeia que chegavam a atingir 25% do peso corporal. Já nos machos, foram órgãos como fígado e rins que apresentaram anomalias facilmente notadas ou severas, cuja frequência foi 2 a 5 vezes maior que nos ratos submetidos ao regime natureba.

No 24º mês, ou seja, no fim da vida dos ratos, de 50% a 80% das fêmeas expostas ao milho transgênico apresentaram tumores, contra apenas 30% das fêmeas não expostas. Um ano de vida de um rato equivale a cerca de quarenta anos da vida de um humano. Portanto, é como se um estudo com 200 humanos tivesse sido realizado do nascimento aos 80 anos.

O problema é o ‘se’. Não há qualquer estudo dessa natureza e duração com humanos. A rigor, os ratos deveriam então ficar mais preocupados do que nós, certo? Há controvérsias. Afinal, se não há estudo controlado, independente e de longa duração que comprove a segurança dos transgênicos para os humanos, então somos todos ratos. Sem ofensa – digo ratos no sentido de ‘cobaias’. Já estamos consumindo alimentos transgênicos há algum tempo, e a rotulagem (ou não) e visibilidade (ou não) do logo na embalagem, indicando a presença de transgênicos no produto, foi e continua sendo objeto de cruentas batalhas judiciais.

Questionamentos

A revista Food and Chemical Toxicology é indexada em inúmeras bases de dados bibliográficos e os trabalhos ali publicados são previamente submetidos ao crivo de revisores anônimos, que são cientistas do ramo e declaram não ter conflito de interesses na questão ou relação próxima com os autores. Suponho que, nesse caso, devido à inevitável exposição midiática que o tema suscitaria (leia matérias publicadas no Le Monde, Le Nouvel Observateur, The New York Times e The Scientist), três a quatro revisores tenham sido requisitados.

Ok, a revista é séria e o estudo foi longo. Mas é um só e, como qualquer estudo, não é inquestionável. E os questionamentos chegaram em velocidade recorde: a linhagem de ratos utilizada seria mais suscetível a desenvolver tumores que as demais; a estatística teria deixado a desejar; não teriam sido medidos todos os parâmetros relevantes; se transgênicos fossem tão perigosos, os norte-americanos já deveriam todos ter caído fulminados; e por aí vai.

Outra questão é que deveria haver também uma clara relação entre as doses de Roundup consumidas e seus efeitos, o que não ocorreu, já que o estudo mostrou nesse caso que o fator determinante foi a exposição ou não ao herbicida e que as baixas doses provocavam efeitos semelhantes aos das altas doses. Os próprios autores concordam que essa relação entre dose e efeito é o que se espera de substâncias que são disruptores endócrinos, como sugerido pelo tipo de efeito observado no estudo.

Mas esse padrão esperado também não condiz com o aparecimento dos efeitos a partir da exposição isolada ao milho transgênico. Segundo os pesquisadores, a explicação para esse fato é que a construção genética dessa variedade patenteada de milho reduziria a produção de uma enzima responsável pela síntese de aminoácidos aromáticos que têm efeito protetor contra a cancerização.

Sigilo total

A história da pesquisa é digna de um filme de suspense e se desenrolou de forma tortuosa. As espigas do milho transgênico patenteado NK603 foram obtidas numa escola agrícola canadense em 2007 e exportadas para a França como sacos de juta. A preparação da comida dos ratos correu em total segredo e os próprios técnicos envolvidos nessa e em outras etapas do estudo não conheciam o verdadeiro objeto da pesquisa.

O projeto foi chamado de In vivo. Os e-mails trocados pelos pesquisadores entre si eram tão criptografados quanto os do Pentágono, não havia conversas telefônicas sobre a pesquisa e, para desviar a atenção, ainda anunciaram um estudo fajuto sobre tema correlato – assim como fazem os peões pantaneiros, que lançam um boi velho às piranhas enquanto o resto da manada cruza a água em segurança.

Os cuidados se justificavam pelo arsenal que a indústria da biotecnologia agrícola exibe para calar vozes dissonantes. Basta lembrar que o nosso Ministério da Agricultura(!) já processou o nosso Ministério da Saúde(!) para impedir que este realizasse testes toxicológicos com pesticidas proibidos na maioria dos países civilizados mas ainda em uso no Brasil.

O estudo francês também sofreu críticas por sua divulgação coincidir com o lançamento – previsto para 26/9 – do livro Todos cobaias, escrito pelo principal autor da pesquisa, e ainda de um filme de mesmo nome dirigido por Jean-Paul Jaud, que já havia realizado outro filme sobre o tema, Nossos filhos nos acusarão.

Bruce M. Chassy, professor emérito em ciência de alimentos na Universidade de Illinois (Estados Unidos), declarou por e-mail: “Isso não é uma inocente publicação científica, é um evento midiático bem planejado e espertamente orquestrado”.

É verdade, professor, não existem publicações inocentes, nem cientistas inocentes. A não ser, talvez, aqueles que creem que as indústrias nos contam tudo sobre seus produtos, não compram apoios científicos, políticos e midiáticos e não tentam calar os eventuais dissidentes, estejam onde estiverem. (Para apimentar esse debate, recomendo o imperdível livro O mundo segundo a Monsanto, de Marie-Monique Robin.)

O estudo da equipe do prof. Séralini custou a bagatela de 3 milhões de euros e foi financiado pela Fundação Charles-Léopold Mayer (Suíça), pela associação Ceres (que reúne notadamente as grandes redes francesas de varejo alimentar como Carrefour e Auchan – que interessante), pelo ministério francês de pesquisa e pelo Comitê de Pesquisa e de Informação Independentes sobre Engenharia Genética (Criigen), entidade francesa que milita contra as biotecnologias.

O estudo torpedeia uma verdade oficial: a segurança do milho e outros alimentos geneticamente modificados
Seja como for, o estudo é uma bomba de fragmentação política, científica, sanitária e industrial. Torpedeia uma verdade oficial: a segurança do milho e outros alimentos geneticamente modificados. E reacende desde já a briga entre os defensores e os detratores dos transgênicos, que doravante se dividirá nos períodos pré e pós estudo da equipe do prof. Séralini.

Em tempo: entrevistado pelo jornal Frances Le Monde, o prof. Séralini afirmou que, ao contrário do que ocorre com os dados brutos de estudos dos fabricantes, protegidos por conveniente segredo industrial, aqueles de sua pesquisa serão colocados à disposição da comunidade científica, dando assim a todos, incluindo os críticos do estudo, a oportunidade de analisá-los a seu bel prazer.

Não sei se o prof. Séralini é culpado de algo ou não, mas com certeza ele não é um inocente.

Talvez você esteja se perguntando: e as tais festinhas do título? São as viagens luxuosas, as recepções e os banquetes para os quais o prof. Séralini não era convidado. E continuará não sendo.

Autor: Jean Remy Davée Guimarães - Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/terra-em-transe/sobre-milho-transgenico-cancer-e-festinhas

domingo, 31 de julho de 2022

Probióticos para doenças psiquiátricas. Há espaço para a prescrição ?


Uma dúvida muito comum é sobre o real papel dos probióticos para os transtornos psiquiátricos, os chamados Psicobióticos.

Na última década, alguns trabalhos tem mostrado que pode existir uma diferença na microbiota de indivíduos saudáveis e dos pacientes portadores de depressão, transtornos de ansiedade de generalizada. Daí surgem extrapolações que a suplementação com probióticos, ou psicobióticos como alguns preferem denominar, pode ser benéfica na Psiquiatria nutricional.

Apesar de alguns estudos pequenos evidenciando melhora de sintomas ansiosos em pacientes que utilizaram algumas cepas específicas (Lactobacillus helveticus R0052 e Bifidobacterium longum R0175), ainda não temos evidências robustas para a prescriçãoMuitas pesquisas sobre os psicobióticos são baseadas em modelos de roedores, que usam induções de estresse e testes comportamentais para avaliar motivação, ansiedade e depressão.

Os estudos até o momento tentaram intervenções diferentes (baixa comparabilidade) e as meta-análises agrupam as diferentes cepas como se tivesse um mecanismo de ação único (o que não tem, já que cada cepa tem as suas particularidades). 

Até o presente momento há 10 meta-análises sobre o tema e apenas 4 mostraram resultados promissores com a intervenção nos pacientes com sintomas depressivos.

Em contrapartida alguns trabalhos sugerem que muitos transtornos mentais graves e a própria Síndrome do Intestino irritável sejam caracterizados por um excesso de abundância de lactobacillus

Na minha opinião, as pesquisas estão engatinhando e o eixo cérebro-intestino é uma área promissora no mundo da Psiquiatria nutricional, porém, mais ensaios clínicos randomizados duplo-cegos controlados por placebo são necessárias para determinar a eficácia no alívio dos sintomas psiquiátricos, bem como a duração ideal do tratamento, dosagem e cepa probiótica para alcançar efeitos positivos nas doenças psiquiátricas.

Sendo assim, até o presente momento, o uso de probióticos não encontra respaldo na literatura, como parte do tratamento de depressão/ansiedade/esquizofrenia e a melhor forma de se "modular' a micorbiota intestinal na população com doenças psiquiátricas é através do estímulo  de:
1) Adoção de uma alimentação rica em fibras prebióticas e com o mínimo de alimentos ultraprocessados ou que tenham impacto negativo na microbiota, isso inclui evitar corantes, edulcorantes, acidulantes. Redução da ingestão de gorduras saturadas, já que alguns trabalhos mostram impacto negativo da variabilidade das cepas. Nos pacientes com intolerância a FODMAPS, iniciar uma dieta low fodmap.
2) Pática regular de atividade física
3) Sono de qualidade e com pelo menos 7 horas de duração. 
4) Menor exposição a disruptores endócrinos, agrotóxicos e substâncias com potencial ação deletéria sobre a nossa microbiota. 
5) Manejo do estresse, já que existe uma relação entre maiores níveis de estresse e alteração na microbiota intestinal. 
6) Manutenção de bons níveis de Vitaminas e minerais, proteínas, carboidratos e lipídios.


Bibliografia: 







segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

O aumento da prevalência de obesidade nas capitais

Em 2006 o Ministério da saúde iniciou uma pesquisa denominada Vigitel (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico). Ocorre anualmente em todas as capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. 

As entrevistas ocorrem via inquérito por telefone, realizado anualmente em amostras da população adulta (>18) residente em domicílios com linha de telefone fixo. Quais temas o Vigitel aborda? 

Os indicadores avaliados pelo Vigitel estão dispostos nos seguintes assuntos: 
  • Tabagismo;
  • Excesso de peso e obesidade;
  • Consumo alimentar;
  • Atividade física;
  • Consumo de bebidas alcoólicas;
  • Condução de veículo motorizado após consumo de qualquer quantidade de bebidas alcoólicas;
  • Autoavaliação do estado de saúde;
  • Prevenção de câncer;
  • Morbidade referida. 
A duração média para responder ao questionário é de 12 minutos. Importante destacar, também, que algumas perguntas realizadas não são diretamente sobre saúde, mas são muito importantes para serem relacionadas com a situação da saúde da população.

No Vigitel de 2020, a prevalência de obesidade nas capitais ficou da seguinte maneira, conforme a figura abaixo.


E o que isso nos fazer refletir ?

Que a obesidade tem se tornado cada vez mais prevalente nas capitais brasileiras. Em 2020, foram registrados 21,5% dos adultos com obesidade, contra 20,3% em 2019. Manaus (24,9%), Cuiabá (24%) e Rio de Janeiro (23,8%) lideram a incidência de obesidade nas capitais. E o que preocupa a ciência é que até 2011, nenhuma capital tinha uma prevalência de obesidade acima de 20%, enquanto em 2020 o Vigitel levantou 16 capitais com prevalência de obesidade acima de 20%. 

Quais fatores estão envolvidos ?

Há quem acredite que isso tenha piorado com a pandemia. Sim, estamos em uma pandemia há 2 anos mas a prevalência já vinha aumentando. A pandemia pode ter exacerbado o que já vinha piorando. E falar de fatores de riscos, gatilhos em obesidade é bem complexo.

Centenas de fatores podem estar relacionados mas na nossa reflexão hoje abordaremos temas pouco discutidos e que geram uma grande contribuição.

A poluição ambiental
O estresse crônico
A violência
O sedentarismo

A princípio esses gatilhos parecem desconectados, mas a medida que se analisa de forma "sociológica" percebemos uma inter-relação entre eles. 

A poluição ambiental engloba tanto a poluição do ar (obviamente maior em capitais) quando poluição do solo, poluição sonora, poluição visual. 

A poluição do ar está relacionada a piora de várias patologias (Alzheimer, doenças pulmonares, cardiovasculares, alérgicas) e também obesidade. Mecanismos ainda não bem elucidados mas acredita-se que seja por disrupção endócrina e/ou exacerbaçao da inflamação subclínica. 

A poluição do solo inclui também a poluição da água. Metais tóxicos, poluentes orgânicos persistentes (POPs), disruptores endócrinos. Ou seja, substâncias que de forma direta ou indireta podem ocasionar doenças, exacerbar outras e com isso alterar a parte endócrina. Tema há décadas negligenciado no Brasil e que na Europa ganha cada vez mais força. 
 
A poluição sonora assim como a poluição visual favorecem uma hiperativação do eixo pituitária-adrenal e com isso elevação crônica e persistente dos níveis de cortisol e noradrenalina. O que de forma indireta poderiam influenciar os adipócitos, desbalanço nos níveis de hormônios relacionados ao apetite (Grelina) e saciedade e gasto energético (leptina). 

O estresse crônico pode ter inúmeros fatores causais:
Trânsito
Desigualdade social
Violência
Apreensão quanto ao futuro
Menor contato com a natureza
Menor tempo disponível para lazer
Alta carga de trabalho
Redução do número de horas de sono

Tudo isso interage e favorecem hiperativação do eixo pituitária-adrenal. Ou seja, elevação crônica do cortisol. 

Combina-se a tudo isso, um maior sedentarismo, influenciado pela violência, distância entre pontos dentro das cidades, transporte público precário e/ou ineficaz, comodidade. 

Os fatores acima ainda facilitam o consumo de alimentos ultraprocessados: cereja do bolo!

Ou seja, os fatores que vem favorecendo maior prevalência da obesidade nas capitais são inúmeros. Enquanto autoridades sanitárias não se atentarem a isso, veremos os índices subirem. Com consequente estrangulamento do sistema público/privado de saúde. 

Autores:
Dr. Frederico Lobo - CRM 13192, RQE 11915 - Médico Nutrólogo
Dra. Edite Magalhães - CRM , RQE - Médica especialista em Clínica Médica
Dr. Leandro Houat - CRM 27920 , RQE 20548 - Médico especialista em Medicina de Família e comunidade
Revisores:
Rodrigo Lamonier - Nutricionista e Profissional da Educação física
Márcio José de Souza - Profissional de Educação física e Graduando em Nutrição.

Fontes: