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domingo, 24 de agosto de 2025

Privação de Sono e Transtornos Alimentares: A Relação Oculta Entre Insônia, Depressão e Compulsão Alimentar

Introdução

A privação de sono é cada vez mais comum em nossa sociedade moderna. Muitas pessoas acreditam que dormir pouco causa apenas cansaço no dia seguinte, mas os impactos são muito maiores e éisso que ao longo dos últimos 20 anos temos visto a ciência evidenciando. A Medicina do sono vem frisando que  que noites maldormidas podem alterar hormônios, afetar o humor e até estimular comportamentos alimentares desregulados. Além de elevar a pressão arterial, alterar a glicemia e ser gatilho para transtornos neurológicos. Ou seja, o sono é um pilar para a nossa saúde. 

Quando falamos de saúde mental, a relação entre sono e alimentação ganha ainda mais destaque. Estudos recentes identificaram que a insônia inicial e os despertares noturnos estão fortemente associados à depressão em pessoas com compulsão alimentar (TCA ou Binge eating Disorder - BED). Isso significa que cuidar do sono é tão importante quanto cuidar da alimentação.

Prevalência Global de TCA (Binge Eating Disorder)

Uma meta-análise global estimou uma prevalência média de 0,9% (IC 95%: 0,7–1,0%) para o BED no mundo. As mulheres têm maior incidência (1,4%, IC 1,1–1,7%) em comparação aos homens (0,4%, IC 0,3–0,6%) e não houve diferença significativa entre países de alta renda e de baixa/média renda. Estudos apontam que, em mulheres jovens, a prevalência de transtornos alimentares (incluindo BED) varia de 5,5% a 17,9%, e entre homens jovens, de 0,6% a 2,4% 

Prevalência na América Latina (inclusive Brasil)

Uma revisão sistemática na América Latina encontrou uma prevalência média pontual de 3,53% para o BED na população geral.

O impacto da privação de sono no corpo

Dormir pouco desregula o metabolismo de várias formas. Quando o corpo não descansa, a produção de cortisol, hormônio do estresse, aumenta. Isso estimula o acúmulo de gordura abdominal e prejudica a regulação da glicose. Além disso, a privação de sono está ligada ao aumento da resistência à insulina, facilitando o surgimento de diabetes tipo 2.

Outro fator é a alteração dos hormônios da fome e saciedade. A grelina, que aumenta o apetite, sobe quando dormimos mal. Já a leptina, responsável pela sensação de saciedade, cai drasticamente. O resultado é um desejo maior por alimentos calóricos, como doces e fast food.

Essa combinação cria um terreno fértil para a compulsão alimentar e para o ganho de peso. Pessoas que sofrem com insônia tendem a comer mais durante a noite e buscam alimentos de alto valor calórico. Assim, o sono ruim pode ser um grande inimigo da manutenção de um peso saudável.

A compulsão alimentar e seus riscos

A compulsão alimentar é caracterizada por episódios recorrentes em que a pessoa consome grandes quantidades de comida em pouco tempo, acompanhados de sensação de perda de controle. Esses episódios são diferentes de um simples exagero: há sofrimento emocional e culpa após as crises.

Esse transtorno é um dos mais comuns entre os distúrbios alimentares e afeta homens e mulheres em todas as idades. Muitas vezes, ele está associado à obesidade e a dificuldades em manter hábitos alimentares equilibrados. Mas o que nem todos sabem é que ele também está fortemente relacionado à saúde mental.

Pesquisas mostram que pessoas com compulsão alimentar apresentam taxas mais altas de depressão e ansiedade. E agora sabemos que o sono tem papel essencial nessa ligação, funcionando como um fio invisível que conecta alimentação e emoções.

O elo entre insônia e depressão

Um estudo internacional analisou pacientes com compulsão alimentar e encontrou resultados muito interessantes. 

O objetivo central do estudo foi investigar, em pacientes com transtorno de compulsão alimentar (TCA/BED), como diferentes componentes do comer noturno (hiperfagia vepertina e ingestões noturnas = Síndrome do comer noturno) e distúrbios do sono (insônia inicial e despertares) se associam à depressão. A hipótese era que o sono, mais do que o padrão alimentar noturno em si, poderia explicar a carga depressiva nesses pacientes.

Trata-se de um estudo observacional transversal com 153 adultos diagnosticados com TCA, atendidos em um programa clínico de tratamento e recuperação para compulsão alimentar nos EUA, no período de 2020 a 2023. A média etária foi de aproximadamente 36 anos, variando de 18 a 62 anos.

O desfecho primário avaliado foi a depressão, medida pelo Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9), instrumento validado e amplamente utilizado em estudos psiquiátricos para triagem e avaliação da gravidade da depressão.

A psicopatologia alimentar global foi mensurada por meio do Eating Disorder Examination Questionnaire (EDE-Q), utilizado como variável de ajuste para o modelo, assegurando que o impacto observado fosse de fato relacionado ao sono, e não apenas à gravidade do transtorno alimentar. Para caracterizar a síndrome do comer noturno, os pesquisadores aplicaram o Night Eating Questionnaire (NEQ). Foram diferenciados dois fenômenos: hiperfagia vespertina (ingestão de mais de 25% das calorias diárias após o jantar) e ingestões noturnas (alimentação após despertares durante a noite).

Os distúrbios de sono analisados incluíram insônia inicial (dificuldade para pegar no sono) e despertares noturnos (sono fragmentado), sendo essas variáveis introduzidas como potenciais preditores independentes de depressão.

A análise estatística foi feita por regressão linear hierárquica. No primeiro nível, controlou-se a gravidade global do transtorno alimentar (EDE-Q). Em seguida, introduziram-se variáveis de comer noturno. Por fim, acrescentaram-se as variáveis de sono para verificar se explicavam variância adicional nos sintomas depressivos.

Na análise bivariada, tanto insônia inicial, quanto despertares noturnos e hiperfagia vespertina se associaram à depressão. As ingestões noturnas não mostraram correlação significativa com o humor deprimido.

No modelo final ajustado, apenas insônia inicial (p<0,01) e despertares noturnos (p<0,05) permaneceram significativamente associados à depressão. A hiperfagia vespertina perdeu significância quando as variáveis de sono foram introduzidas, e as ingestões noturnas seguiram sem associação.

Isso sugere que, em pacientes com TCA, é o sono interrompido e não necessariamente os comportamentos alimentares noturnos o fator mais relevante na determinação de sintomas depressivos.

Descritivamente, 41% dos participantes relataram hiperfagia vespertina. Cerca de 49% relataram acordar ao menos uma vez por semana durante a noite, e entre estes, 42% afirmaram não se alimentar nesses episódios. Esses números ilustram a alta prevalência de sono fragmentado nessa população clínica.

Outro achado relevante foi a associação entre insônia inicial e ideação suicida. Além disso, observou-se correlação negativa com idade, sugerindo que pacientes mais jovens apresentam risco aumentado de pensamentos suicidas quando associados a distúrbios de sono.

Esses dados reforçam a necessidade de considerar o sono como parte essencial da avaliação psiquiátrica e nutricional em pacientes com TCA, pois, pode representar um alvo terapêutico de igual ou até maior importância que o manejo alimentar noturno.

Os autores reconhecem a limitação do desenho transversal, que não permite inferir causalidade. Ainda assim, os modelos hierárquicos ajustados fortalecem a hipótese de que distúrbios do sono exercem um papel independente sobre a depressão.

Outras limitações incluem o uso exclusivo de medidas de autorrelato, o foco em mulheres brancas e em indivíduos tratados em clínicas de maior complexidade, o que pode reduzir a generalização dos resultados. A ausência de controle para a frequência e intensidade das crises de compulsão também foi apontada.

Apesar disso, o estudo apresenta forças metodológicas importantes: amostra clínica de porte razoável, uso de instrumentos validados e análise estatística robusta, capaz de discriminar o papel incremental das variáveis de sono.

Do ponto de vista clínico, recomenda-se que pacientes com TCA e sintomas depressivos sejam rotineiramente avaliados quanto a insônia inicial e despertares noturnos. Intervenções baseadas em terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I), higiene do sono e ajustes no estilo de vida podem ser incorporadas ao tratamento padrão.

Fica a sugestão de que pesquisas futuras utilizem desenhos longitudinais e incorporem medidas objetivas de sono (como actigrafia ou polissonografia) para confirmar os achados e elucidar se a melhora do sono tem impacto causal na redução da depressão em TCAP.

O estudo ainda aponta que a abordagem clínica deve ir além da alimentação. Focar exclusivamente no comportamento alimentar noturno pode negligenciar um componente crucial do quadro: o sono fragmentado.

Em conclusão, a evidência sugere que insônia inicial e despertares noturnos são fatores independentes associados à depressão em pacientes com compulsão alimentar periódica, ao passo que hiperfagia vespertina e ingestões noturnas isoladamente não aumentam o risco quando se ajusta para o sono. Assim, estratégias de tratamento devem obrigatoriamente incluir avaliação e manejo de distúrbios do sono.

Curiosamente, o simples fato de comer durante a noite não teve a mesma força na relação com a depressão. Isso significa que, para muitos pacientes, é o sono ruim que aumenta o risco de sintomas depressivos, e não apenas a compulsão alimentar.

Essa descoberta reforça a importância de olhar para o sono com mais atenção no tratamento de transtornos alimentares. Muitas vezes, melhorar a qualidade do descanso pode ser um passo essencial para reduzir a depressão e o sofrimento emocional.

Comer à noite: vilão ou consequência?

Muitas pessoas acreditam que comer durante a noite é sempre prejudicial. Mas a ciência mostra que o problema não está apenas no horário, e sim na qualidade do sono que antecede ou acompanha esses episódios.

Quando a pessoa acorda várias vezes durante a noite, há maior chance de buscar alimentos calóricos como forma de compensação. Isso é chamado de comer emocional, um comportamento usado para lidar com a ansiedade ou o estresse.

No entanto, quando a análise é ajustada para os distúrbios do sono, percebe-se que o risco de depressão está mais ligado à insônia do que ao ato de comer à noite em si. Isso muda a forma de enxergar o tratamento desses pacientes.

Distúrbios do sono relacionados à alimentação

Além da insônia, existem distúrbios específicos que ligam sono e alimentação. A síndrome do comer noturno é um deles. Nesse quadro, a pessoa consome mais de 25% das calorias do dia após o jantar. Esse padrão está associado à obesidade e maior risco metabólico.

Outro distúrbio é o transtorno alimentar relacionado ao sono, no qual a pessoa come durante episódios de sonambulismo e não se lembra depois. Apesar de menos comum, esse problema também gera impacto metabólico e psicológico.

Todos esses distúrbios exigem avaliação profissional para diagnóstico correto. Nem sempre a queixa é apenas sobre a comida — muitas vezes, o sono é a raiz do problema.

O papel da ansiedade na privação de sono

A ansiedade é um dos fatores que mais interferem na qualidade do sono. Pessoas ansiosas costumam demorar mais para adormecer, acordam durante a noite e apresentam sono fragmentado. Esse quadro é chamado de insônia inicial e intermediária.

Quando isso se repete com frequência, a privação de sono aumenta ainda mais a ansiedade, criando um ciclo difícil de quebrar. Para aliviar esse desconforto, muitos recorrem à comida, reforçando o padrão de compulsão alimentar.

Esse comportamento é comum e pode ser identificado como uma forma de fuga emocional. Ao compreender essa relação, é possível pensar em estratégias terapêuticas mais eficazes, que tratem a ansiedade e melhorem a higiene do sono ao mesmo tempo.

Sono, obesidade e metabolismo

Dormir pouco não afeta apenas a saúde mental. O metabolismo também sofre de forma significativa. Estudos mostram que a privação de sono aumenta a resistência à insulina, dificultando o controle do açúcar no sangue e elevando o risco de diabetes tipo 2.

Além disso, há maior tendência ao ganho de peso, pois o corpo busca energia extra em alimentos de alta densidade calórica. Isso ajuda a explicar por que a obesidade está tão associada a padrões de sono ruins.

Para pacientes com compulsão alimentar, o sono ruim é um agravante poderoso. Isso reforça que dormir bem é uma das estratégias mais simples e eficazes para regular o metabolismo e manter o peso sob controle.

Estratégias para melhorar o sono

A boa notícia é que existem medidas práticas para melhorar a qualidade do sono. Uma delas é manter horários regulares para deitar e acordar, ajudando o corpo a entrar em ritmo circadiano adequado. Elaborei um texto e publiquei aqui no blog, medidas de higiene de sono, que talvez possam te auxiliar: https://www.ecologiamedica.net/2012/02/metodos-de-higiene-do-sono-o-que.html

Reduzir o uso de telas antes de dormir também faz grande diferença. A luz azul emitida por celulares e computadores atrapalha a produção de melatonina, o hormônio do sono. Criar um ambiente escuro e silencioso favorece o adormecer.

Outras estratégias incluem evitar cafeína à noite, praticar exercícios físicos regularmente e adotar técnicas de relaxamento, como respiração profunda e meditação.

Conclusão

A relação entre privação de sono, compulsão alimentar e depressão é clara. Não se trata apenas de comer em horários inadequados, mas de compreender como o sono influencia diretamente os hormônios, o humor e o comportamento alimentar.

Pessoas com insônia apresentam maior risco de desenvolver compulsão alimentar, depressão e até ideação suicida. Por isso, o tratamento deve ir além da alimentação e incluir uma avaliação detalhada da qualidade do sono.

Cuidar do descanso é uma forma de cuidar da mente e do corpo. Investir em noites bem dormidas pode ser tão importante quanto adotar uma dieta equilibrada. Afinal, sono de qualidade é parte essencial da saúde integral.

Fontes: 
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Semana de Conscientização dos transtornos alimentares - Ortorexia - Por Dra. Beth Jong

No dia 02/06 comera-se o Dia da conscientização dos transtornos alimentares. Então nós do Movimento Nutrologia Brasil estamos fazendo postagens para esclarecer leigos e profissionais da saúde sobre a importância de se reconhecer os transtornos e orientar a busca por auxílio médico. 

Os principais transtornos alimentares são:

Transtorno de compulsão alimentar, antigamente denominado de Transtorno de Compulsão alimentar Periódica (TCAP)
Anorexia
Bulimia
Ortorexia
Vigorexia

Hoje a minha amiga e Nutróloga Dra. Beth Jong falará sobre Ortorexia

Dr. Frederico Lobo








Semana de Conscientização dos transtornos alimentares - Bulimia - Por Dra. Camila Froehner

 No dia 02/06 comera-se o Dia da conscientização dos transtornos alimentares. Então nós do Movimento Nutrologia Brasil estamos fazendo postagens para esclarecer leigos e profissionais da saúde sobre a importância de se reconhecer os transtornos e orientar a busca por auxílio médico. 

Os principais transtornos alimentares são:

Transtorno de compulsão alimentar, antigamente denominado de Transtorno de Compulsão alimentar Periódica (TCAP)
Anorexia
Bulimia
Ortorexia
Vigorexia

Hoje a minha afilhada Dra. Camila Froehner - Especialista em Clínica médica falará um pouco sobre o Bulimia.


Dr. Frederico Lobo














Semana de Conscientização dos transtornos alimentares - Vigorexia - Por Dra. Helena Bacha

No dia 02/06 comera-se o Dia da conscientização dos transtornos alimentares. Então nós do Movimento Nutrologia Brasil estamos fazendo postagens para esclarecer leigos e profissionais da saúde sobre a importância de se reconhecer os transtornos e orientar a busca por auxílio médico. 

Os principais transtornos alimentares são:

  • Transtorno de compulsão alimentar, antigamente denominado de Transtorno de Compulsão alimentar Periódica (TCAP)
  • Anorexia
  • Bulimia
  • Ortorexia
  • Vigorexia
Hoje a minha afilhada Dra. Helena Bacha- residente de Nutrologia no HC-USP falará um pouco sobre o Vigorexia

Dr. Frederico Lobo

Vigorexia e a obsessão por um corpo perfeito! 💪🏻

Estamos na semana de conscientização de transtornos alimentares e corporais.

Hoje falaremos sobre a Vigorexia! Já ouviu falar?

A vigorexia é um transtorno dismórfico corporal, classificado no espectro do transtorno obsessivo-compulsivo, que leva o portador a uma autoimagem diferente da imagem real. 😵‍💫

Vem conferir mais sobre isso! ❣️

Uma curiosidade: ela também é chamada de "Síndrome de Adônis". Na mitologia grega, Adônis era um homem mortal de grande beleza que despertou o amor de duas deusas,  Perséfone e Afrodite, que passaram a ser rivais para disputar o seu amor. 💘

📚 Referências bibliográficas:

1. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

2. Soler, P. T., Fernandes, H. M., Damasceno, V. O., & Novaes, J. S.. (2013). Vigorexia e níveis de dependência de exercício em frequentadores de academias e fisiculturistas. Revista Brasileira De Medicina Do Esporte, 19(5), 343–348

3. SANTOS, C. A. dos .; BEZERRA, G. K. de A. .; BARBOSA, M. S. da S. .; CUNHA, F. T.; BARBOSA, S. M. da S. .; OLIVEIRA, D. C. de . Vigorexia, an eating disorder in modern times. Research, Society and Development, [S. l.], v. 10, n. 5, p. e16710514817, 2021




















Semana de conscientização dos transtornos alimentares - Transtorno de Compulsão alimentar - Por Dra. Lia Bataglini

 No dia 02/06 comera-se o Dia da conscientização dos transtornos alimentares. Então nós do Movimento Nutrologia Brasil estamos fazendo postagens para esclarecer leigos e profissionais da saúde sobre a importância de se reconhecer os transtornos e orientar a busca por auxílio médico. 

Os principais transtornos alimentares são:

  • Transtorno de compulsão alimentar, antigamente denominado de Transtorno de Compulsão alimentar Periódica (TCAP)
  • Anorexia
  • Bulimia
  • Ortorexia
  • Vigorexia
Hoje a minha afilhada Dra. Lia Bataglini - residente de Nutrologia no HC-USP falará um pouco sobre o TCA. 

Dr. Frederico Lobo












quinta-feira, 5 de julho de 2018

Transtornos alimentares: comuns em todas as idades, sexos e etnias

Os transtornos alimentares atingem as pessoas de todas as idades, sexos e grupos étnicos/raciais, e estão associados a um comprometimento psicossocial significativo, revela uma nova pesquisa.

Os pesquisadores analisaram dados de mais de 35.000 adultos nos Estados Unidos e descobriram que as mulheres tinham probabilidade significativamente maior de terem transtornos alimentares do que os homens, e os brancos tinham maior probabilidade de ter anorexia nervosa do que os seus homólogos negros não-hispânicos e hispânicos.

Por outro lado, as chances de ter bulimia nervosa não diferiram significativamente por raça/etnia, e menos negros não-hispânicos do que entrevistados hispânicos e brancos tinham transtorno de compulsão alimentar durante a vida.

Todos os três transtornos estão associados a importante comprometimento psicossocial.

"Embora os transtornos alimentares possam não ser tão prevalentes quanto alguns outros transtornos psiquiátricos, como depressão, ansiedade, ou transtornos do uso de álcool e drogas, esses quadros são comuns, são encontrados entre homens e mulheres de vários grupos étnicos/raciais, e ocorrem durante toda a vida", disse ao Medscape a primeira autora Tomoko Udo, PhD, professora-assistente do Departamento de Políticas, Gerenciamento e Comportamento em Saúde, University at Albany School of Public Health, em Nova York (EUA).

"O transtorno de compulsão alimentar, um novo diagnóstico 'formal' do DSM-V (do inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition), é importante de ser rastreado e identificado, posto que está associado a risco significativamente maior de obesidade, e que todos os transtornos alimentares estão associados a deficiências de funcionamento psicossocial e, portanto, representam um importante problema de saúde pública", disse Tomoko, falando não só por si, mas também em nome do coautor do trabalho, Carlos M. Grilo, PhD.

O estudo foi publicado on-line em 17 de abril no periódico Biological Psychiatry.

Novas estimativas de prevalência
"Existem poucos dados populacionais representativos em nível nacional sobre a prevalência dos transtornos alimentares" nos Estados Unidos, escreveram os autores.

Estudos anteriores utilizaram os critérios do DSM-IV para avaliar a prevalência dos transtornos alimentares. Além disso, a prevalência dos transtornos alimentares entre grupos étnicos/raciais foi calculada por meio do agrupamento de dados provenientes de várias amostras diferentes.

"São necessários dados de amostras de grande escala de representação nacional avaliados por meio de entrevista diagnóstica para atualizar as estimativas de prevalência dos transtornos alimentares nos EUA", acrescentam.

Isto é particularmente necessário por causa da atualização dos critérios diagnósticos dos transtornos alimentares no DSM-V. As mudanças determinaram que o transtorno de compulsão alimentar é um diagnóstico formal e diminuiu a frequência da compulsão alimentar para o diagnóstico de transtorno de compulsão alimentar.

"Acreditamos que era importante obter novas estimativas de prevalência em uma amostra maior e representativa, especialmente porque o DSM-V fez várias alterações nos critérios de diagnóstico dos transtornos alimentares em relação ao DSM-IV", disse Tomoko.

"Muitos médicos e pesquisadores esperavam maiores estimativas do que as encontradas nos estudos preliminares como resultado do 'relaxamento' dos critérios diagnósticos dos transtornos alimentares", observou a professora.

O estudo em tela utilizou dados do 2012-2013 National Epidemiologic Survey Alcohol and Related Conditions (NESARC-III). Um total de  36.309 pessoas com ≥ 18 anos de idade foram avaliadas por entrevistas diagnósticas administradas por leigos.

Os entrevistados deram informações sociodemográficas (idade, sexo, etnia, escolaridade e renda).


Informaram também a altura e o peso, que foram utilizados para calcular o índice de massa corporal (IMC).

O NIAAA Alcohol Use Disorder and Associated Disabilities Interview Schedule–5 (AUDADIS-5) foi utilizado para avaliar anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar. Os dados continham a idade de início e a idade no momento do episódio mais recente.

O AUDADIS também foi usado para avaliar a deterioração da socialização decorrente dos transtornos alimentares. Os fatores avaliados foram a interferência nas atividades diárias normais, sérios problemas de convívio com os outros, e sérios problemas para cumprir as próprias responsabilidades.

Transtornos alimentares mais comuns
Os pesquisadores criaram grupos para o diagnóstico específico dos transtornos alimentares (anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar) fundamentados nos critérios do DSM-5, usando as respostas ao NESARC-III para as perguntas relevantes ao AUDADIS-5, e adaptando a pontuação dos dados variáveis do NESARC-III para criar as categorias diagnósticas do estudo em pauta.

As estimativas da prevalência de transtornos alimentares durante toda a vida mostraram que a anorexia nervosa e o transtorno de compulsão alimentar são os tipos de transtorno alimentar mais comuns, com prevalência de 0,80% (erro padrão = 0,07%) e 0,85% (erro padrão = 0,05%). A prevalência de bulimia nervosa foi de 0,28% (erro padrão = 0,03%).

As estimativas da prevalência de 12 meses da anorexia nervosa, da bulimia nervosa, e do transtorno de compulsão alimentar, foram de 0,05% (erro padrão = 0,02%), 0,14% (erro padrão = 0,02%) e 0,44% (erro padrão = 0,04%), respectivamente.

Dentre os 0,22% de participantes que informaram transtornos alimentares concomitantes (ou seja, ter um diagnóstico específico de dois ou mais transtornos alimentares durante a vida), 0,01% informaram anorexia nervosa com bulimia nervosa, 0,02% informaram anorexia nervosa com transtorno de compulsão alimentar, 0,13% informaram bulimia nervosa com transtorno de compulsão alimentar, e 0,05% informaram ter os três transtornos alimentares.

Para todos os três transtornos alimentares, as prevalências de diagnósticos durante toda a vida e em 12 meses foram significativamente maiores entre as mulheres do que entre os homens, com estimativas não ajustadas de 1,42%, 0,46% e 1,25% para as mulheres vs. 0,12%, 0,08% e 0,42% para os homens de anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar, respectivamente.

Houve também diferenças significativas na prevalência entre as etnias/raças da anorexia nervosa durante toda a vida; as odds ratios (ORs) ajustadas foram significativamente menores entre os participantes negros não hispânicos e hispânicos em comparação com os entrevistados brancos não hispânicos.

No entanto, a OR ajustada de 12 meses de anorexia nervosa foi significativamente menor entre os hispânicos do que entre os entrevistados brancos não-hispânicos. Não houve casos de anorexia nervosa em 12 meses entre os entrevistados negros não-hispânicos.

Embora a prevalência de bulimia nervosa durante a vida e a prevalência em 12 meses não tenham diferido significativamente por raça/etnia, as ORs ajustadas do transtorno de compulsão alimentar durante a vida foram significativamente menores entre os negros não-hispânicos do que entre os entrevistados brancos não-hispânicos.

Não houve diferenças raciais para o transtorno de compulsão alimentar em 12 meses, nem o nível de escolaridade foi significativamente associado à prevalência de transtornos alimentares.

Por outro lado, as categorias de renda mais elevadas foram associadas a um aumento significativo da probabilidade de anorexia nervosa durante toda a vida.

Após o ajuste por idade, sexo, etnia/raça e nível de escolaridade, a anorexia nervosa e o transtorno de compulsão alimentar foram mais prevalentes entre os grupos mais jovens do que entre as pessoas com 60 anos de idade ou mais.

Não "aumentar o caráter patológico"
Todos os transtornos alimentares foram associados a altos índices de comprometimento da função psicossocial.

Para os diagnósticos durante toda a vida, os índices de comprometimento da função social foram significativamente maiores entre as pessoas com bulimia nervosa por toda a vida (61,4%) e transtorno de compulsão alimentar por toda a vida (53,7%) em comparação às pessoas com anorexia nervosa (30,7%).

Por outro lado, a única diferença psicossocial significativa no diagnóstico em 12 meses foi para a bulimia nervosa. Os entrevistados com bulimia nervosa referiram maior dificuldade de conviver com os outros do que aqueles com transtorno de compulsão alimentar.

Para os diagnósticos durante toda a vida, bem como de 12 meses, as pessoas com anorexia nervosa tiveram índice de massa corporal (IMC) atuais significativamente mais baixos do que aquelas com bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar. Para os diagnósticos durante toda a vida, bem como de 12 meses, aqueles com bulimia nervosa tiveram um IMC atual significativamente mais baixo do que aqueles com transtorno de compulsão alimentar.

Além disso, as pessoas com anorexia nervosa durante toda a vida tinham significativamente maior probabilidade de estar abaixo do peso ou de ter um peso normal, quando comparadas às pessoas com transtorno de compulsão alimentar durante toda a vida. Além disso, a probabilidade delas de ter excesso de peso ou obesidade foi significativamente menor quando comparadas às pessoas com transtorno de compulsão alimentar durante toda a vida, que por sua vez foram associadas a um aumento significativo da probabilidade de obesidade e obesidade mórbida.

Os autores observam que as estimativas de prevalência obtidas "estão em desacordo com o ponto de vista dos críticos do DSM-V, que usaram o transtorno de compulsão alimentar como uma ilustração do aumento do caráter patológico".

Tomoko reconheceu estar "surpresa" com as descobertas.

"Pensamos que poderíamos ver aumento da prevalência em todos os transtornos alimentares decorrentes das mudanças nos requisitos diagnósticos, particularmente maior aumento da bulimia nervosa e do transtorno de compulsão alimentar, que não observamos. E, de fato, nossas estimativas tanto para a bulimia nervosa quanto para o transtorno de compulsão alimentar foram mais baixas do que os estudos anteriores e do que esperávamos".

Necessidade de rastrear melhor
Comentando o estudo para o Medscape, a nutricionista Kendrin Sonneville, professora-assistente de ciências nutricionais e professora-assistente de pesquisa do Center for Human Growth and Development, University of Michigan School of Public Health, em Ann Arbor (EUA), que não participou do trabalho, disse que "estudos como este, realizado em uma amostra nacional, ajudam a compreender quem está sofrendo com transtornos alimentares e quem pode não estar recebendo ajuda para seu transtorno alimentar".

A "mensagem mais importante" é que "pessoas de todas as idades, gênero e raças/grupos étnicos são atingidas pelos transtornos alimentares" e "vivenciam uma deterioração importante, e muitos sofrem durante muito tempo", disse a comentarista.

Kendrin instou os médicos e os sistemas de saúde a "identificarem estratégias para detectar os transtonos alimentares mais precocemente". A comentarista observou que a detecção e o encaminhamento para tratamento precoces são "necessários para melhorar a saúde e diminuir o sofrimento das pessoas com transtornos alimentares".

Tomoko acrescentou: "Acreditamos que nosso estudo destaque a complexidade da avaliação e do reconhecimento dos transtornos alimentares, enquanto documenta as repercussões clínicas deles, e em termos de saúde pública".

Como o tratamento com os especialistas em transtornos alimentares "não é tão facilmente acessível em muitas comunidades, como o é para outros transtornos psiquiátricos e clínicos, a melhora do acesso ao atendimento é uma prioridade importante para os sistemas de saúde", disse a pesquisadora.

O trabalho de Carlos M. Grilo foi subsidiado em parte pelos National Institutes of Health. O Dr. Carlos M. Grilo declarou não possuir conflitos de interesses relevantes. Os conflitos de interesse dos coautores estão listados no artigo original. Tomoko Udo e Kendrin Sonneville revelaram não possuir conflitos de interesse relacionados com o tema.

Biol Psychiatry. Publicado on-line em 17 de abril de 2018.