Identificada a região do ruído alimentar (food noise)



Será o fim do "Ruído Alimentar"?


Para muitas pessoas, a luta contra o peso vai além da fome física. Existe um "ruído alimentar": pensamentos persistentes, intrusivos e compulsivos sobre comida que dominam a mente. Pela primeira vez, um estudo recente publicado na prestigiada revista Nature Medicine mostrou como medicamentos como o Mounjaro (tirzepatida) podem suprimir diretamente a atividade cerebral ligada a esses desejos intensos. 

A descoberta oferece um vislumbre inédito de como esses fármacos agem no centro de controle do nosso cérebro. E isso pode ser um portal para a descoberta de novas drogas no tratamento da obesidade ou da compulsão alimentar. 

A descoberta ao acaso


A origem desta descoberta foi uma oportunidade inesperada. A equipe do neurocirurgião-cientista Casey Halpern, da Universidade da Pensilvânia, não pretendia estudar os efeitos do Mounjaro. O objetivo original de sua pesquisa era testar se a estimulação cerebral profunda, um tipo de terapia que aplica uma corrente elétrica fraca diretamente no cérebro, poderia tratar a compulsão alimentar severa.

Para isso, os pesquisadores implantaram um eletrodo no núcleo accumbens, uma região cerebral profundamente ligada à sensação de recompensa. Como observa o neurocientista Christian Hölscher, essa região também expressa o receptor de GLP-1, o que a torna um local biologicamente lógico para observar os efeitos de medicamentos que atuam nesse sistema. 

Por coincidência, a terceira participante do estudo, uma mulher de 60 anos, havia acabado de começar a tomar tirzepatida por prescrição médica para tratar seu diabetes tipo 2 (DM2). Essa coincidência representou uma oportunidade única, que a equipe aproveitou para observar pela primeira vez o efeito do medicamento no cérebro humano. Então eles prosseguiram e mantiveram a participante na pesquisa. 

A assinatura cerebral do ruído alimentar


A chave para a descoberta estava em um padrão que a equipe já havia identificado. Nos dois primeiros participantes do estudo, os pesquisadores notaram que os episódios de desejo intenso por comida eram consistentemente acompanhados por um aumento na atividade cerebral de baixa frequência. Esse padrão funcionou como um "biomarcador neural", uma verdadeira "assinatura" elétrica para o ruído alimentar. Eles sabiam o que procurar. Ou seja, agora se sabia o CEP do ruído alimentar. 

Quando observaram a terceira participante, que tomava o medicamento, os resultados foram impressionantes. Primeiro, seus desejos e compulsões alimentares desapareceram completamente. Segundo, e mais importante, os registros do eletrodo cerebral mostraram um "profundo silêncio" na atividade elétrica do núcleo accumbens. 

A assinatura neural da compulsão, que eles haviam identificado anteriormente, havia sido efetivamente desligada, confirmando que o efeito do remédio não era apenas subjetivo, mas tinha uma base neurológica mensurável.

A volta do ruído


A história teve uma reviravolta entre cinco e sete meses depois, fornecendo um insight ainda mais profundo sobre o mecanismo. Mesmo com a paciente continuando a tomar o medicamento, a equipe de pesquisadores notou uma mudança crucial.

  • O Sinal: A "assinatura neural" da compulsão, aquele padrão de atividade de baixa frequência, reapareceu nos registros cerebrais.
  • O Alerta: Crucialmente, esse sinal elétrico retornou antes que a própria paciente sentisse a volta dos desejos e da compulsão alimentar. O cérebro deu o primeiro sinal de alerta.
  • A Consequência: Logo depois que o sinal elétrico retornou, o ruído alimentar e o comportamento de perda de controle alimentar de fato voltaram.

Os pesquisadores sugerem duas possíveis explicações para esse fenômeno: o corpo pode ter desenvolvido tolerância ao efeito do medicamento ou os receptores do hormônio GLP-1 no cérebro podem ter se tornado menos sensíveis à sua ação.

O futuro do tratamento da obesidade


Embora o estudo tenha sido realizado com apenas uma pessoa, a descoberta é considerada "bastante convincente" pela neurocientista Amber Alhadeff, do Monell Chemical Senses Center. A capacidade de identificar um biomarcador para o ruído alimentar e observar sua supressão e retorno abre uma nova fronteira para a neurociência e o tratamento de transtornos alimentares.

Casey Halpern espera que essas descobertas inspirem o desenvolvimento de novos medicamentos focados especificamente no problema. Como aponta Halpern, os medicamentos atuais são "otimizados para perda de peso", e embora ajudem com o ruído alimentar, "talvez não seja um tratamento duradouro a longo prazo" para este problema específico. 

Esta pesquisa, portanto, não apenas desvenda um mistério sobre como os remédios para obesidade funcionam, mas também ilumina um novo caminho para terapias mais direcionadas e eficazes no futuro.

Artigo original: Choi, W., Nho, YH., Qiu, L. et al. Brain activity associated with breakthrough food preoccupation in an individual on tirzepatide. Nat Med (2025). https://doi.org/10.1038/s41591-025-04035-5
Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41591-025-04035-5

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