Antes do Bisturi: Onde Tudo Realmente Começa
Quando um paciente decide fazer uma cirurgia plástica não é apenas “mexer no corpo”, é mexer em autoestima, história de vida e muitas vezes em feridas invisíveis. O paciente escolhe o cirurgião, faz exames, agenda a data e começa a imaginar o resultado no espelho. No meio disso tudo, um detalhe passa despercebido pela maioria dos pacientes: como anda o “terreno biológico” onde esse cirurgião vai trabalhar, ou seja, o organismo por dentro. Solo fértil para um bom resultado? Ou prejudicado e com risco de um resultado não satisfatório?
Muita gente acredita que basta “estar com os exames normais” e comprar um kit de cicatrização para garantir uma recuperação perfeita. A realidade é bem diferente. Cicatrizar bem não é sorte, é fisiologia. E fisiologia precisa de combustível certo, em quantidade e qualidade adequadas, antes e depois da cirurgia. É justamente aqui que a Nutrologia entra como aliada estratégica.
Se você imaginar a sua cirurgia como uma reforma importante na sua casa, o médico nutrólogo é o profissional que avalia a estrutura, a qualidade do material e o fluxo de energia antes da obra começar. Um corpo inflamado, desnutrido ou com doenças descompensadas é como reformar com infiltração, fiação antiga e tijolo quebrado: o risco de problema aumenta muito, por mais competente que seja o pedreiro.
Nutrologia: A Aliada Invisível do Cirurgião Plástico
O foco do cirurgião plástico é a técnica: corte preciso, reposicionamento de tecidos, sutura delicada, simetria. Já o nosso foco como nutrólogo é o “terreno”: composição corporal, reservas de proteína, vitaminas, minerais, inflamação, metabolismo da glicose, intestino, hormônios que influenciam reparo tecidual. São olhares diferentes, mas complementares.
Enquanto o cirurgião decide qual técnica é mais indicada para seu caso, o nutrólogo avalia se o seu corpo está preparado para receber essa técnica e responder a ela com uma cicatrização rápida, organizada e com menor chance de complicações. Em vez de pensar em Nutrologia como “suplemento da moda”, vale enxergá-la como um ajuste fino do seu organismo para que ele trabalhe a seu favor, e não contra você. E muitas vezes o papel do nutrólogo pode ser desafiador. Inúmeras vezes tive que falar para pacientes: "Espera, agora não é hora de operar" ou "seu terreno precisa estar mais preparado, o solo mais arado, para na hora do cirurgião te operar, o resultado ser satisfatório". Infelizmente há os que aceitam a orientação, outros operam " a revelia".
Na prática, o nutrólogo atua como uma espécie de “regulador de bastidores” do seu pós-operatório: tentamos minimizar riscos invisíveis, otimizamos nutrientes-chave, organizamos em parceria com nutricionistas o plano alimentar e, quando necessário, indicamos suplementação específica com critério, e não baseada em promessas genéricas de kits milagrosos. Muito menos indicamos soros endovenosos com promessa de optimizar os resultados.
Entendendo sua cicatrização: O canteiro de obras interno
Para entender como a Nutrologia pode ajudar, é importante visualizar o que acontece com seu corpo depois da cirurgia. Imagine que cada corte cirúrgico abre um canteiro de obras interno. Seu organismo rapidamente chama equipe, organiza material e começa uma construção que passa por várias fases, umas em cima das outras, como num grande mutirão.
Logo após o bisturi, entra em cena a fase da emergência: o corpo precisa estancar o sangramento e organizar o terreno. Plaquetas, fatores de coagulação e células de defesa correm para a região, como bombeiros e garis em ação conjunta. Essa fase de hemostasia e inflamação é essencial, mas precisa ser bem modulada; inflamação demais ou de menos atrapalha o resto da obra.
Em seguida, começa a fase da construção propriamente dita. Seu corpo precisa formar novos vasos sanguíneos para levar oxigênio e nutrientes à região operada, como se estivesse abrindo novas estradas para caminhões abastecerem o canteiro. Esse processo, chamado de angiogênese, é altamente dependente de fatores de crescimento, de boa circulação e, claro, de matéria-prima adequada vinda da sua alimentação.
Quando as estradas estão funcionando, um tecido mais “fofinho” e avermelhado começa a aparecer por dentro: é o chamado tecido de granulação. Pense nele como o contrapiso da sua nova casa, a base onde depois será colocada a cobertura. Se você chega à cirurgia com anemia, proteínas baixas ou inflamação crônica, esse contrapiso tende a ficar frágil, irregular e mais suscetível a problemas.
Depois que a base está formada, o organismo precisa “cobrir” a região. Células da pele migram pelas bordas da ferida e começam a se encontrar no centro, como telhas que vão se sobrepondo até fechar todo o telhado. Essa fase, chamada epitelização, depende muito de zinco, proteínas, bom fluxo sanguíneo e da ausência de agressões como tabagismo e compressão excessiva sobre o local.
Por fim, vem o longo processo de reforço e acabamento. Aqui, o corpo substitui colágeno mais frágil por colágeno mais resistente, reorganiza fibras, ajusta a espessura da cicatriz e vai, aos poucos, aumentando a força daquela área. Essa remodelação pode durar meses, e é influenciada por fatores como proteína, vitamina C, ferro, equilíbrio hormonal, sono e até manejo do estresse. A Nutrologia acompanha esse processo como alguém que não pensa apenas no “ponto tirar”, mas no resultado um ano depois.
Os sabotadores silenciosos da cicatrização
Agora, pense em tudo isso sendo feito com ferramentas enferrujadas e material de baixa qualidade. É isso que acontece quando alguns sabotadores silenciosos não são identificados antes da cirurgia. O primeiro deles é o diabetes não controlado ou a resistência à insulina. Açúcar alto no sangue danifica vasos, atrapalha chegada de nutrientes e deixa o sistema de defesa “preguiçoso”.
Mesmo que os exames “de rotina” não mostrem nada alarmante, o nutrólogo pode detectar sinais precoces de descontrole metabólico, como glicemia de jejum limítrofe, hemoglobin glicada elevada, esteatose hepática, circunferência abdominal aumentada. Ajustar isso antes da cirurgia significa abrir estradas melhores para seu corpo cicatrizar e reduzir o risco de infecção, deiscência e cicatrizes ruins.
A obesidade é outro sabotador, e não apenas por questões estéticas. O excesso de gordura, principalmente na região abdominal, funciona como uma glândula inflamatória produzindo substâncias que atrapalham praticamente todas as fases da cicatrização. Além disso, gordura em excesso dificulta a circulação local e aumenta risco de seroma, necrose e trombose.
O envelhecimento também pesa, não só na pele, mas no sistema imune, nos vasos e na velocidade de reparo celular. Pacientes mais velhos podem cicatrizar muito bem, mas em geral precisam de ainda mais cuidado com proteína, vitamina D, ferro, zinco e controle de comorbidades. Encarar a idade como um dado a ser levado em conta, e não como sentença, é parte da estratégia nutrológica.
Tabagismo e álcool formam uma dupla especialmente perigosa. O cigarro reduz oxigenação dos tecidos, prejudica a microcirculação e aumenta risco de necrose e abertura de pontos. O álcool em excesso compromete fígado, imunidade e absorção de nutrientes. Não é exagero dizer que parar de fumar e reduzir (ou suspender) álcool antes da cirurgia pode valer mais para sua cicatriz do que qualquer cápsula cara.
Outro sabotador recorrente são as dietas restritivas sem acompanhamento. Pacientes que vivem em “efeito sanfona”, fazem dietas muito pobres em proteína ou excluem vários grupos alimentares por conta própria muitas vezes chegam à cirurgia com reservas de nutrientes baixas, mesmo estando acima do peso. A Nutrologia ajuda a reorganizar isso a tempo da cirurgia.
O que o nutrólogo faz na consulta pré-operatória
Na consulta pré-operatória com o nutrólogo, o foco não é apenas pesar, medir e receitar suplemento. O primeiro passo é entender quem é você do ponto de vista metabólico: histórico de doenças, remédios em uso, cirurgias prévias, hábitos, qualidade do sono, nível de estresse, padrão alimentar e relação com a comida. Cada uma dessas peças ajuda a montar o quebra-cabeça do seu risco cirúrgico.
Depois, vem uma avaliação detalhada de composição corporal. Duas pessoas com o mesmo peso podem ter realidades bem diferentes: uma com boa massa muscular e pouca gordura, outra com pouca massa magra e muita gordura visceral. Para a cicatrização, músculo é reserva funcional de proteína, enquanto excesso de gordura costuma ser fonte de inflamação. Essa diferença muda completamente a estratégia nutricional.
Exames laboratoriais complementam o cenário: ferro, ferritina, vitamina B12, vitamina D, zinco, albumina, perfil glicêmico, função hepática, perfil lipídico, marcadores inflamatórios. O objetivo não é caçar “defeitos”, mas identificar pontos de vulnerabilidade que, se corrigidos antes da cirurgia, podem reduzir complicações e melhorar a qualidade da cicatriz.
Com esses dados, o nutrólogo constrói com você um plano personalizado: quanto de proteína precisa por dia, se há necessidade de suplementar algum micronutriente, como organizar as refeições, se há algo que precisa ser restringido ou reforçado no período pré e pós-operatório. Nada de “receita de gaveta” igual para todo mundo.
Nutrientes que viram “Cimento e Tijolo” na cicatrização
Quando se fala em nutriente, muita gente pensa logo em cápsula. Mas, antes delas, vem o prato. O principal pilar da cicatrização é a proteína. Seu corpo usa proteína para fabricar colágeno, anticorpos, enzimas, células de defesa, hormônios. Em cirurgia plástica, especialmente se há grandes áreas descoladas ou associadas a lipoaspiração, a demanda por proteína aumenta significativamente.
De forma prática, muitos pacientes precisam de quantidade suficiente de proteína por quilo de peso por dia no período perioperatório, ajustado caso a caso. Isso significa, por exemplo, incluir fonte proteica consistente em todas as refeições: ovos, iogurte natural, queijos magros, carnes, frango, peixe, tofu, leguminosas. Em alguns casos, o nutrólogo pode indicar whey protein ou outras fontes proteicas para facilitar atingir a meta.
Outro nutriente-chave é a vitamina C, que participa de uma etapa crítica da produção de colágeno. Sem ela, o colágeno fica “travado” dentro das células, como tijolo empilhado dentro do depósito que nunca chega na obra. Por isso, frutas e vegetais ricos em vitamina C são quase obrigatórios na rotina: acerola, laranja, limão, kiwi, morango, goiaba, pimentão, brócolis, couve.
O ferro também entra nesse mesmo processo de maturação do colágeno. Só que ele depende de uma série de fatores: ingestão adequada, boa absorção intestinal e uma proteína chamada hepcidina, que pode bloquear sua absorção quando está aumentada, o que é comum na obesidade e em inflamações crônicas. A Nutrologia avalia se há deficiência ou estoques baixos de ferro e corrige isso antes da cirurgia sempre que necessário.
O zinco é outro “coringa” na cicatrização, porque participa de mais de 300 reações enzimáticas, muitas delas diretamente envolvidas na proliferação de células da pele e do sistema imune. Quando falta zinco, a epitelização fica mais lenta, a pele se renova pior e o risco de infecção aumenta. Fontes importantes incluem carnes, ostras, castanhas, sementes, grãos integrais – e, quando indicado, suplementação monitorada. Não esquecer do cobre, pois ele também ajuda na síntese de colágeno e é um competidor natural do zinco. Já tive casos de pacientes que sabiam do papel do zinco e por conta própria, iniciaram suplementação. Resultado: cobre baixíssimo no pré-operatório.
Além desses, outros micronutrientes podem ter papel relevante dependendo do seu caso: vitamina D (importantíssima para imunidade e inflamação), complexo B (envolvido em energia celular), selênio (componente de enzimas antioxidantes), entre outros. O nutrólogo não sai prescrevendo tudo, mas escolhe com base em exame, histórico e tipo de cirurgia.
Vale lembrar que não existe comida isolada milagrosa, assim como não existe suplemento mágico. O que faz diferença é o conjunto: distribuição adequada de proteína ao longo do dia, variedade de frutas e verduras coloridas, gorduras boas (como azeite, abacate, castanhas, peixes), hidratação adequada e evitar excesso de açúcar, ultraprocessados e álcool.
Em termos práticos, uma rotina bem desenhada pode incluir, por exemplo, um café da manhã com proteína e fruta rica em vitamina C, um almoço com boa porção de proteína, vegetais variados e fonte de ferro, um lanche com iogurte ou castanhas, e um jantar leve, porém ainda com proteína. A Nutrologia pega esses princípios e adapta para sua realidade, horário de trabalho, preferências e restrições.
Suplementos, kits e promessas milagrosas
Quando se aproxima a data da cirurgia, é comum que pacientes sejam bombardeados por anúncios de “kits de cicatrização”, “vitaminas para plástica” ou “fórmulas secretas para não ficar com cicatriz”. Fora os protocolos de soros na veia, chamados protocolos endovenosos de cirurgia plástica.
O problema não é o suplemento em si, mas a ilusão de que ele substitui uma avaliação individual. O que funciona para um paciente desnutrido após grande cirurgia oncológica não é, necessariamente, o que você precisa para uma lipo, abdominoplastia ou mamoplastia.
Algumas fórmulas com arginina, ômega-3, HMB ou glutamina têm estudos interessantes em populações de alto risco, como pacientes com câncer, úlceras crônicas ou desnutrição severa. Mas extrapolar esses resultados para pacientes jovens, saudáveis ou com poucos fatores de risco é, na melhor das hipóteses, um uso exagerado de tecnologia e, na pior, desperdício de dinheiro e falsa sensação de segurança.
Além disso, enzimas como bromelina e combinações “fitoterápicas” para hematomas ainda carecem de estudos sólidos e bem desenhados em cirurgia plástica estética. Algumas podem até ajudar em casos específicos, mas não substituem o básico: controlar tabagismo, ajustar comorbidades, comer bem, dormir melhor, seguir as orientações do cirurgião, usar a malha adequadamente e respeitar o tempo de recuperação.
A Nutrologia ética não promete cicatriz perfeita, mas trabalha para reduzir riscos, encurtar o tempo de recuperação, melhorar seu bem-estar e, assim, aumentar as chances de que a técnica cirúrgica usada possa se expressar no seu corpo da melhor forma possível.
Roteiro nutrológico antes e depois da plástica
Um bom planejamento nutrológico começa semanas antes da data da cirurgia, idealmente de quatro a oito semanas, dependendo do seu ponto de partida. Nesse período, o foco pode ser corrigir deficiências, ajustar glicemia, reduzir inflamação, melhorar intestino e organizar uma rotina alimentar que seja possível manter também no pós-operatório. É como alinhar o corpo para a maratona que ele vai correr depois do bisturi.
Semananas anteriores à cirurgia, muitas vezes o nutrólogo ajusta detalhes, orientando o paciente a:
- Garantir boa hidratação,
- Manter aporte proteico adequado e com proteína de alto valor biológico.
- Evitar excessos de sal (para não piorar edema),
- Suspender ou adaptar alguns suplementos e fitoterápicos que possam interferir com anestesia ou coagulação, sempre em conjunto com o cirurgião e anestesista.
- Nada de experimentar dieta da moda na semana da cirurgia.
No pós-operatório imediato, o desafio é conciliar desconforto, náusea, sono, limitações físicas e, às vezes, medo de comer.
Um plano antecipado ajuda muito: ter opções práticas, fracionar as refeições, priorizar consistências adequadas conforme a cirurgia realizada, garantir que mesmo em porções menores você continue recebendo proteína, vitaminas e minerais suficientes. É um período em que “beliscar qualquer coisa” pode sabotar sua recuperação.
À medida que os dias passam e você retorna à rotina, o nutrólogo com auxílio do nutricionista pode reajustar metas de proteína, energia e, quando necessário, trabalhar a reeducação alimentar para que os resultados da cirurgia sejam sustentáveis. Afinal, de que adianta investir em abdominoplastia se, poucos meses depois, hábitos antigos voltam e comprometem tanto a estética quanto a saúde?
Protagonismo, autocuidado e resultados duradouros
No fim das contas, Nutrologia aplicada à cirurgia plástica não é sobre criar mais uma dependência em exames ou suplementos, e sim sobre devolver a você uma parte do controle. Saber que a forma como você come, dorme, se movimenta e cuida das suas doenças crônicas influencia diretamente na qualidade da sua cicatriz e no seu risco de complicações muda a maneira como você se posiciona diante da cirurgia.
Em vez de ficar apenas torcendo para “dar tudo certo”, você passa a agir para aumentar as chances de que dê. Conversar com seu cirurgião sobre a possibilidade de acompanhamento nutrológico, fazer ajustes antes da cirurgia, seguir o plano no pós-operatório e cuidar da saúde a longo prazo transforma a plástica em algo maior: uma oportunidade concreta de alinhar o espelho com a sua melhor versão interna e externa.
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica, clique aqui.




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