Análogos de GLP-1 e o tal “Rosto de Ozempic”: o que é mito e o que é verdade



O que são esses remédios e por que todo mundo fala deles?


Há dezenas de textos aqui no blog sobre análogos de GLP-1, com as várias repercussões deles em outros sistemas; muscular, trato digestivo. Hoje falaremos sobre os efeitos deles na pele. 

Os análogos de GLP-1 (como semaglutida, tirzepatida e similares) ficaram famosos porque auxiliam muita gente a emagrecer e controlar o diabetes tipo 2 ao mesmo tempo.  Semaglutida e Tirzepatida são consideradas drogas de alta potência e revolucionaram o tratamento medicamentoso da obesidade e diabetes.

Eles imitam um hormônio do intestino que reduz o apetite, melhora o controle da glicose e, de quebra, favorece uma perda de peso importante em boa parte dos pacientes. Hoje, em alguns países, cerca de 1 em cada 8 adultos já está usando ou usou um medicamento dessa classe, o que mostra o tamanho da “onda” em torno deles. 

E quando tanta gente passa a usar uma nova medicação, é normal surgirem dúvidas, mitos e até apelidos no instagram/tiktok, como o famoso “rosto de Ozempic”. Muita gente associa esses remédios a um envelhecimento súbito do rosto, queda de cabelo e pele mais flácida, o que gera medo e estigma. 

Mas a ciência começa a mostrar que a história é mais complexa: em geral, não é o remédio “envenenando” a pele, e sim os efeitos de uma perda de peso rápida e intensa em um corpo que já vinha sobrecarregado por anos de inflamação, alteração hormonal e maus hábitos. Isso ocorre comumente em pacientes pós-bariátrica com grandes perdas de peso, mas parece que as pessoas não percebiam. Como muitos querem crucificar a classe de medicação, começam a culpá-la de todas as formas. 

“Rosto de Ozempic”: mito, verdade ou meia-verdade?


O termo “Ozempic face” foi criado para descrever um rosto que fica mais magro, com bochechas fundas, pele caída e mais rugas aparentes depois de um emagrecimento rápido com análogos de GLP-1. Estudos recentes mostram que essa aparência está ligada principalmente à perda de gordura facial, que funciona como um “preenchimento natural” do rosto, e à flacidez da pele que já vinha sendo danificada por sol, idade, cigarro e genética. 

Em outras palavras, é um fenômeno parecido com o que acontece quando alguém emagrece muito com cirurgia bariátrica ou dietas muito restritivas: o remédio acelera o processo, mas não é o único culpado. 

Em uma pesquisa apresentada em congresso de dermatologia, 1.226 pessoas que usavam medicamentos para emagrecer, incluindo os análogos, responderam sobre mudanças na pele, cabelo e unhas. Quanto maior a perda de peso, maior o número de relatos. 

  • Entre quem perdeu 20% ou mais do peso corporal, cerca de 7 em cada 10 notaram flacidez de pele e metade percebeu perda de volume no rosto.
  • Já entre quem perdeu menos de 10%, só em torno de 15% relataram flacidez e pouco mais de 12% falaram em perda de volume facial. 
  • Muitos também citaram queda de cabelo e unhas mais quebradiças. Esses dados reforçam que o ritmo e o tamanho do emagrecimento são peças-chave para entender o que acontece com a aparência, e não apenas o nome do remédio. 

Benefícios para a pele que quase ninguém comenta


Curiosamente, enquanto alguns efeitos estéticos incomodam, outros são claramente positivos. No mesmo levantamento, pacientes com doenças de pele como hidradenite supurativa, acantose nigricans, psoríase, acne, eczema e dermatite seborreica relataram melhora após o uso de análogos e a perda de peso associada. 

Em algumas condições inflamatórias mais graves, como hidradenite supurativa, mais de 8 em cada 10 pessoas perceberam melhora. Isso combina com estudos mais novos mostrando que esses remédios reduzem inflamação no corpo como um todo, o que tende a refletir na pele. 

Pesquisas recentes sugerem que os agonistas de GLP-1 podem ajudar não só por causa do emagrecimento, mas também por efeitos diretos sobre vias inflamatórias ligadas a citocinas como TNF-alfa e IL-17, importantes em doenças de pele como psoríase e hidradenite. 

Além disso, o controle melhor da glicose, a redução da resistência à insulina e a melhora do perfil metabólico em geral favorecem a cicatrização e diminuem o “ambiente tóxico” que agrava muitas dermatoses. Ainda é cedo para chamar esses remédios de “tratamento dermatológico”, mas a literatura aponta que, em alguns casos, a pele agradece quando o metabolismo sai desse estado pró-inflamatório.

Pacientes portadores de Síndrome de Ehlers Danlos que cursam com Síndrome de ativação mastocitária relataram melhora dos sintomas, após utilização de análogos. E mais recentemente pacientes portadoras de Lipedema estão percebendo melhora na dor dos membros (sensação de peso), redução do lipedema, menor fragilidade capilar e mudança na textura da pele dos membros inferiores. 

Queda de cabelo: culpa do GLP-1 ou da forma de emagrecer?


A queda de cabelo relatada por muitos usuários de GLP-1 se parece muito com um quadro chamado eflúvio telógeno, que é um tipo de “troca acelerada” dos fios desencadeada por estresse físico ou emocional, cirurgia, doenças, dietas muito restritivas ou emagrecimento rápido. Ou seja, é o mesmo padrão que aparece em pessoas que fazem bariátrica ou “dietas malucas”, com pouca proteína e poucos micronutrientes. 

No geral, esse tipo de queda é temporário, aparece alguns meses depois do início da perda de peso e costuma melhorar quando o corpo se estabiliza, desde que não haja deficiências de ferro, zinco, biotina, vitamina D e outras vitaminas envolvidas na saúde dos fios. 

Por isso, ao invés de enxergar a queda de cabelo como prova de que “o remédio estragou tudo”, é mais útil encarar como um sinal de que o corpo está sob grande mudança e precisa de suporte. Isso passa por garantir ingestão adequada de proteína, corrigir eventuais deficiências nutricionais, evitar cortes calóricos extremos sem supervisão e acompanhar com médico e nutricionista. 

Em alguns casos, o dermatologista pode associar loções, suplementos específicos ou terapias como microagulhamento e LEDs para encurtar a fase de queda e estimular o nascimento de novos fios, sempre avaliando se o benefício compensa o custo e o esforço para cada paciente. 

Flacidez, rugas e volume facial: como reduzir o impacto


A flacidez da pele e a perda de volume facial são queixas frequentes em quem emagrece muito rápido, com análogos ou não. Estudos e consensos recentes em estética mostram que, depois de grandes perdas de peso, aumentam as queixas de pele mais fina, bochechas murchas, papada, “bigode chinês” marcado e olhar mais cansado. 

O risco é maior em quem já tinha pele danificada pelo sol, tabagismo, idade mais avançada ou oscilações de peso repetidas. Isso não significa que emagrecer seja ruim, mas sim que é preciso planejar o processo e cuidar da pele e do corpo ao mesmo tempo. 

Algumas medidas simples ajudam a minimizar esse impacto: 
  • Evitar emagrecer rápido demais, 
  • Priorizar musculação e exercícios de resistência para manter massa magra, 
  • Manter o consumo adequado de proteínas,
  • Hidratar-se bem,
  • Hidratar a pele, 
  • Usar protetor solar diariamente,
  • Não fumar. 
Em quem já perdeu muito peso, dermatologistas e cirurgiões plásticos relatam bons resultados com tratamentos combinados: preenchimentos com ácido hialurônico para repor volume, toxina botulínica para suavizar linhas de expressão, lasers e radiofrequência para estimular colágeno, além de bioestimuladores injetáveis em casos selecionados. 

A ideia não é “mudar o rosto”, mas devolver suporte e firmeza para que a pessoa se reconheça no espelho e sinta que o rosto acompanha a transformação do corpo. 

Tratamentos estéticos, cuidados do dia a dia e decisões conscientes


Pesquisas com dermatologistas mostram que, na prática, a maioria começa o manejo do chamado “rosto de Ozempic” com preenchimentos de ácido hialurônico, seguidos de toxina botulínica, lasers, microagulhamento e protocolos de skincare profissional. 

Muitos pacientes acabam recebendo um “combo” de tratamentos ao longo do tempo, ajustado de acordo com a evolução da perda de peso e das queixas. Recentemente, até linhas de cosméticos específicas para usuários de análogos de GLP-1 começaram a ser lançadas, prometendo melhorar firmeza, hidratação e textura da pele; por enquanto, porém, a evidência científica é limitada, e esses produtos devem ser vistos como coadjuvantes, não como solução mágica. 

No fim das contas, a decisão mais importante não é “usar ou não análogos de GLP-1 por causa do rosto”, e sim como fazer isso de forma segura, planejada e alinhada com seus valores. 

Para muito pacientes portadores de obesidade, diabetes e alto risco cardiovascular, os benefícios desses remédios superam em muito os efeitos estéticos negativos, principalmente quando há acompanhamento próximo de endocrinologista ou nutrólogo, nutricionista e dermatologista. 

Menor tempo de duração do botox e uso de análogos


Nas últimas semanas devido um estudo publicado no Toxicon. Mas afinal o que esse estudo mostrou ? Antes de tudo é importante salientar que é um estudo usando um modelo computacional (AesthetiSIM) com 25.000 “pacientes virtuais”, simulando uso de botox para enxaqueca crônica e para masseter estético, com e sem uso de análogos.  No estudo existe um sinal de correlação, mas por enquanto ele é indireto e baseado em modelagem computacional, não em estudos clínicos reais com pacientes.

Nesse modelo, o uso dos análogos reduziu a duração média do efeito do botox em:
  • Enxaqueca crônica: de ~14 semanas para ~11,8–12,6 semanas,
  • Masseter estético: de ~20 semanas para ~16,2–17,3 semanas. 
O mecanismo proposto combina três componentes:
  • Modulação sináptica via GLP-1 (cAMP/PKA e fosforilação de SNAP-25), acelerando a recuperação neuromuscular;
  • Perda de massa magra (alterando difusão e cinética da toxina no músculo);
  • Mudanças metabólicas sistêmicas típicas de fenótipo de emagrecimento rápido / diabético. 
Ou seja: biologicamente é plausível que GLP-1 encurte a duração do botox em 2–4 semanas em média.

Esse trabalho não é estudo clínico em humanos, é só modelagem in silico. Os próprios autores dizem, em letras garrafais, que: Os achados são exploratórios. São necessários coortes prospectivos ou ensaios clínicos antes de mudar dose/intervalo de aplicação de toxina. 

Por outro lado, materiais de centros como UPMC (EUA) ainda afirmam que não há evidência clínica de que semaglutida faça o botox “durar menos”, e que a percepção de pior resultado costuma ser explicada por perda de gordura facial e mudanças volumétricas (Ozempic face), não por interação farmacológica direta. 

Teremos novidades?


A boa notícia é que a medicina está aprendendo rápido: estudos recentes tentam entender melhor se as mudanças faciais vêm só da perda de peso ou também de efeitos diretos dos análogos de GLP-1 sobre as células de gordura, e como prevenir ou tratar isso da forma menos invasiva possível. 

Enquanto a ciência avança, o melhor caminho é informação de qualidade, expectativa realista e uma conversa franca com a equipe de saúde sobre o que você quer para o seu corpo, sua pele e sua qualidade de vida. 

Bibliografia


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https://www.medscape.com/viewarticle/patient-reported-skin-changes-after-glp-1-use-explored-2025a1000w72

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui. 

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