Essa semana uma paciente me fez uma pergunta e tive que pesquisar para responder:
"- Dr, porque diabético emagrece menos com a tirzepatida?"
Pesquisei e vendo os artigos pensei: isso deve dar um bom post, pois, outras pessoas devem ter a mesma dúvida.
Nos últimos anos, a tirzepatida ganhou destaque como um dos medicamentos mais potentes para tratamento da obesidade e do Diabetes tipo 2 (DM2). Mas afinal, por que quem tem diabetes costuma emagrecer menos com tirzepatida do que quem não tem diabetes, mesmo usando a mesma dose?
Essa diferença apareceu de forma muito clara nos programas SURMOUNT x SURPASS. Dentro desses programas há vários estudos e um deles é o Surmount-1 e o Surpass-2. E o que eles concluiram?
- Em obesos sem diabetes, o estudo SURMOUNT-1 com tirzepatida 15 mg mostrou perdas de peso em torno de 20% do peso corporal em média.
- Já emm pacientes com diabetes tipo 2, o SURPASS-2 e outros trials mostram reduções menores, na faixa de 12–15% em doses equivalentes
Ou seja: mesma droga, doses semelhantes, há uma perda de peso menor quando há DM2.
Isso não é exclusivo da tirzepatida; já era observado com agonistas GLP-1 (semaglutida, liraglutida etc.): indivíduos com DM2 tipicamente emagrecem menos que não diabéticos com o mesmo fármaco.
Ou seja, a paciente estava certa e essa diferença não é impressão. Ela aparece de forma consistente nos trabalhos. Existe uma explicação, e faz todo sentido quando entendemos o que está acontecendo “por dentro” do organismo.
No diabético, o remédio precisa apagar o incêndio do açúcar primeiro
No diabetes tipo 2, o corpo vive há anos em um ambiente composto por:
- Glicose alta no sangue (hiperglicemia) gerando uma toxicidade (glicotoxicidade)
- Resistência à insulina periférica.
- Inflamação crônica de baixo grau,
- Estresse oxidativo (lembra do post de antioxidantes?),
- Desgaste das células beta do pâncreas (disfunção de células beta),
- Disfunção mitocondrial por estresse oxidativo,
- Alteração de neurotransmissores
Para ler mais sobre esse combo que está no corpo do paciente diabético, leiam sobre o Octeto de DeFronzo.
Quando a tirzepatida entra em cena no paciente diabético com obesidade, o primeiro grande impacto dela é:
- Melhorar a ação da insulina e com isso reduzir a glicemia,
- Proteger o pâncreas, evitando a disfunção
- Controlar essa “toxicidade da glicose”, que chamamos de glicotoxicidade
Isso é excelente para a saúde a longo prazo, mas significa que a tirzepatida está trabalhando muito para organizar o metabolismo antes de mostrar todo o potencial de perda de peso. Já em pessoas com obesidade mas sem diabetes, essa bagunça no terreno costuma ser menor. Assim, o efeito mais evidente da tirzepatida é:
- Diminuição do apetite,
- Aumento da saciedade,
- Menor ingestão calórica.
Resultado: o déficit calórico costuma ser maior, e a balança desce mais rápido.
Insulina: um freio invisível na perda de peso
Outra peça-chave dessa história é a insulina. Muitos pacientes com diabetes tipo 2 usam:
- Insulina injetável e/ou medicamentos que estimulam a produção de insulina.
A insulina é um hormônio anabólico e armazenador, ou seja, ela facilita que o corpo guarde energia, especialmente na forma de gordura.
Quando a tirzepatida começa a funcionar, o ideal é conseguir reduzir gradualmente a dose de insulina, à medida que as glicemias melhoram. Porém, por questões de segurança, nem sempre isso é feito rapidamente. Nesse período, o paciente pode: estar comendo menos, porém, ainda convivendo com níveis elevados de insulina (endógena ou exógena). Isso naturalmente dificulta uma perda de gordura tão intensa quanto a de uma pessoa obesa sem diabetes e sem esse excesso de insulina circulante.
O “ponto de partida” do diabético é mais difícil
Em média, quem tem DM 2 carrega:
- Resistência à insulina há muitos anos,
- Maior grau de inflamação sistêmica e estresse oxidativo,
- Maior risco de sarcopenia (perda de massa muscular),
- Uso de medicamentos que podem atrapalhar a perda de peso (como insulina e algumas outras classes),
- Hstórico de oscilações importantes de glicose, exageros alimentares e episódios de hiperglicemia
Além disso, muitos diabéticos são sedentários. Tudo isso faz com que o corpo “defenda” mais o próprio peso. É como se o organismo tivesse um set point mais rígido, dificultando mudanças bruscas.
Já o indivíduo obeso sem diabetes costuma ter um metabolismo um pouco menos deteriorado, o que permite uma resposta mais “limpa” ao déficit calórico induzido pela tirzepatida.
Comportamento e expectativas: o peso da comparação injusta
Na prática clínica, pode acontecer o seguinte:
- Pacientes obesos sem DM2, ao usar tirzepatida, sentem menos fome e passam a comer bem menos, sem grandes mudanças na rotina de medicamentos.
- Já os DM2 com obesidade, por outro lado têm medo de hipoglicemia, às vezes “compensam” comendo mais carboidrato em alguns momentos, ajustam a alimentação priorizando primeiro o controle da glicose, e só depois o peso.
E aí quando se comparam com amigos, parentes ou influenciadores sem diabetes, a frustração vem rápido: "Por que ele perdeu 20% do peso e eu ‘só’ 10?"
Do ponto de vista médico, perdas de 10–15% do peso corporal em pessoas com diabetes tipo 2 já estão associadas a:
- redução de risco cardiovascular,
- melhora importante de esteatose hepática (gordura no fígado),
- melhor controle da glicose,
- queda de pressão arterial,
- melhora de mobilidade e qualidade de vida.
Ou seja: o impacto clínico costuma ser gigantesco, mesmo que o número na balança pareça menor.
Como potencializar a perda de peso em diabéticos usando tirzepatida?
Algumas estratégias simples podem optimizar os resultados:
- Ajuste cuidadoso da dose de insulina (por parte do endocrinologista) ou acréscimo de outras medicações com efeito hipoglicemiante mas com efeito neutro no peso.
- Priorizar proteína e massa muscular: Já falei disso aqui e volto a frisar: músculo é um órgão endócrino e parte da base no tratamento do DM2 passa pela melhora da captação de glicose pelo músculo. Individuos portadores de DM2 com obesidade ou não, tendem a cursar com sarcopenia ou obesidade sarcopênica. Músculo para continuar funcionante precisa de: aporte proteico adequado e de estímulo (exercício físico).
- Ingestão adequada de proteína ao longo do dia: Digestão de proteína não é fácil, ela promove maior saciedade e faz o organismo gastar calorias para digeri-la (efeito térmico dos alimentos).
- Exercícios de força (musculação) para proteger e aumentar a massa magra, melhorando o metabolismo.
- Organização alimentar intencional: Ao utilizar qualquer análogo de GLP-1 para perda de peso, o paciente tem uma oportunidade de se reeducar. Ou seja, é um grande erro usá-los como “licença” para comer mais doces ou ultraprocessados “porque a glicose não sobe tanto”. A medicação é uma aliada, não um escudo mágico contra calorias. Sempre friso: usar análogo sem consciência é: jogar dinheiro no lixo, perder massa muscular. Então: Consciência ! Não tem consciência? Psicoterapia para a ficha cair.
- Sono, estresse e álcool: Sono ruim, muito estresse e consumo frequente de álcool atrapalham a perda de peso, mesmo com medicação potente.
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui.
Revisor: Dra. Theresa Leo - Médica Nutróloga, Ginecologista e Obstetra - CRM-ES 8903 RQE 15007

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