O Paradoxo dos Antioxidantes: como a comida vence os comprimidos (e por quê isso importa)

 


No universo da saúde e bem-estar, fomos ensinados a pensar em uma batalha simples: de um lado, os radicais livres, os vilões que causam envelhecimento e doenças; do outro, os antioxidantes, os heróis que nos protegem. 

Consumir antioxidantes, portanto, parece ser a estratégia definitiva para uma vida longa e saudável.

A realidade, no entanto, é muito mais complexa e fascinante. A relação entre radicais livres e antioxidantes não é uma guerra, mas sim uma delicada balança. O estresse oxidativo, o verdadeiro culpado por trás de muitas doenças crônicas, não é apenas o excesso de "vilões", mas qualquer desequilíbrio nessa balança, um conceito que os pesquisadores hoje preferem chamar de desequilíbrio redox. E isso inclui, surpreendentemente, o excesso de "heróis".

Nesse texto te mostrarei cinco verdades surpreendentes e contraintuitivas sobre o estresse oxidativo, baseadas em insights científicos. Prepare-se para mudar a forma como você enxerga a saúde, a nutrição e o papel dos antioxidantes no seu corpo.

1. Nem todo radical livre é um vilão: bandidão ou bandidinho

A primeira grande surpresa é que nosso corpo precisa de radicais livres. Longe de serem apenas agentes do caos, eles desempenham funções fisiológicas essenciais quando presentes em quantidades controladas.

O organismo utiliza essas moléculas instáveis para fins específicos e vitais, incluindo:

  • Ação bactericida: Ajudam o sistema imunológico a destruir patógenos invasores.
  • Sinalização celular: Atuam como mensageiros em processos celulares cruciais.
  • Oxigenação dos tecidos: Participam da regulação do fluxo de oxigênio no corpo.

O problema não é a existência dos radicais livres, mas o seu excesso. O corpo foi projetado para produzir essas moléculas para tarefas importantes, contando com um sistema de defesa antioxidante robusto e pronto para "brecar esse exagero" e manter o equilíbrio.

2. O Verdadeiro Dano: Uma "deformação geométrica" que desliga funções vitais

Quando o excesso de radicais livres ocorre, o dano que eles causam é profundo e específico. O principal mecanismo de lesão do estresse oxidativo é provocar uma "deformação geométrica" em biomoléculas vitais, como proteínas, lipídios e DNA. Essa deformação altera sua forma e, consequentemente, desliga sua função.

Dois exemplos claros ilustram esse processo:

  • O caso da Insulina: Uma molécula de insulina que sofre um processo chamado "carbonilação" fica geometricamente deformada. Quando essa insulina deformada chega ao seu receptor na célula, a comunicação falha. É como se a chave não coubesse mais na fechadura. Essa falha de comunicação é perfeitamente capturada pela Dra. Ana Lucia Ferreira dos Anjos, que descreve a interação assim: "A insulina chega deformada no receptor e o receptor não te conheço."
  • O caso da Dopamina: O aminoácido tirosina é essencial para produzir dopamina, um neurotransmissor vital para o cérebro. No entanto, o radical livre "bandidão" peroxinitrito pode atacar a tirosina, deformando-a através de um processo de "nitração". Isso impede a produção de dopamina funcional, um mecanismo associado a doenças neurodegenerativas como o Parkinson. Estudos já encontraram depósitos dessa "nitrotirosina" deformada no cérebro de idosos.

3. Suas defesas internas dependem do seu prato

Nosso corpo possui um sistema de defesa antioxidante endógeno, ou seja, que ele mesmo produz. Nomes como glutationa, superóxido dismutase e catalase são os guardiões internos que neutralizam os radicais livres.

A verdade surpreendente é que até mesmo essas defesas internas dependem diretamente dos nutrientes que obtemos através da alimentação para serem criadas e ativadas. Sem os blocos de construção certos, nosso sistema de defesa enfraquece. Veja as conexões:

  • Glutationa (GSH): Considerado o melhor antioxidante endógeno, precisa do aminoácido cisteína. Fontes ricas incluem alho, cebola e pimentão.
  • Glutationa peroxidase: Esta enzima depende do mineral selênio para funcionar. O selênio é abundante em castanhas, especialmente a castanha-do-pará.
  • Superóxido dismutase (SOD): Requer minerais como zinco (encontrado em ostras e fígado) e manganês (presente em sementes, folhas e chás).
  • Catalase: Necessita de ferro como parte fundamental de sua estrutura.



4. O Paradoxo do Antioxidante: Quando mais pode ser pior

Este é talvez o conceito mais crítico e contraintuitivo de todos: um excesso de antioxidantes pode causar o efeito oposto ao desejado, tornando-se "pró-oxidante" e gerando estresse oxidativo.

O mecanismo por trás desse paradoxo está em sua forma de atuar. Para que um antioxidante como a vitamina E neutralize o perigo de forma completa e segura, ele precisa seguir uma regra estrita de "1 para 2": uma molécula de antioxidante deve neutralizar duas moléculas de radicais livres em sequência.

Se o segundo radical livre não aparecer a tempo, o próprio antioxidante, após neutralizar o primeiro, se transforma em um novo radical livre, instável e reativo. Embora possa ser menos agressivo que o original, ele ainda é um agente de dano. Como a Dra. Ana Lucia enfatiza:

"Que que adianta falar: 'Ah, mas ele é menos agressivo'. Não, mas ele é um radical livre. Ele vai fazer lipoperoxidação, ele vai fazer carbonilação, vai fazer nitração. Que que adianta, certo?"

5. Repense os suplementos: Por que a comida é a melhor fonte

O paradoxo do antioxidante nos leva diretamente à questão dos suplementos. Enquanto o corpo possui sistemas elegantes para gerenciar as complexas interações dos antioxidantes provenientes dos alimentos, altas doses de suplementos sintéticos podem sobrecarregar esses mecanismos de controle.

Os riscos associados à suplementação em altas doses, sem critério, são bem documentados:

  • Eliminação Lenta: Vitaminas sintéticas solúveis podem levar até 35 dias para serem eliminadas do corpo. Se estiverem agindo como pró-oxidantes, o dano pode se estender por todo esse período.
  • Resultados de Estudos: Uma massiva revisão sistemática, que analisou 68 estudos randomizados envolvendo 232.606 participantes, descobriu que a suplementação com betacaroteno, vitamina A e vitamina E estava associada a um aumento no risco de mortalidade por todas as causas. Outras pesquisas ligaram a suplementação de betacaroteno a um maior risco de câncer de pulmão em populações específicas, como fumantes.

Isso reforça que os benefícios observados em estudos populacionais estão consistentemente ligados a uma dieta rica em frutas e vegetais, e não ao consumo de nutrientes isolados em altas doses através de suplementos.

A Sabedoria do Equilíbrio

A mensagem final que trago para os meus leitores, sobre o estresse oxidativo, é clara: o objetivo não é travar uma guerra para eliminar todos os radicais livres, nem inundar o corpo com megadoses de antioxidantes. A verdadeira sabedoria está em apoiar o sistema natural e elegante de equilíbrio redox do nosso organismo.

A estratégia mais segura e cientificamente comprovada é adotar uma dieta variada, colorida e rica em fontes naturais de antioxidantes: frutas, vegetais, castanhas, sementes e legumes. 

Minha saudosa professora na ABRAN, Dra. Ana Lucia Ferreira dos Anjos (que ministrou as aulas de Oxidologia) oferece uma imagem memorável para este equilíbrio: é um sistema onde um prato de comida colorido e as defesas do corpo trabalham em sinergia, garantindo que a complexa "dança" entre antioxidantes e radicais livres termine em saúde, não em dano. 

Sendo assim, sempre friso para os meus pacientes, foquem em comida de verdade e seja extremamente cauteloso com a suplementação em altas doses. Se você quer otimizar seu “escudo antioxidante”, comece pelo carrinho: frutas e verduras de cores variadas, legumes, castanhas, sementes, chá verde, cacau e azeite de oliva. Cozinhe seu próprio molho de tomate, use alho e cebola, inclua gema de ovo e abacate. E lembre: autosuplementação de antioxidantes pode ser deletéria. Procure avaliação individualizada

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui. 

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