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segunda-feira, 8 de setembro de 2025

[Contéudo para profissionais] Saúde óssea em adultos com obesidade antes e após intervenções para promover perda de peso

Resumo

A obesidade e suas comorbidades associadas constituem um grave e crescente problema de saúde pública. As fraturas afetam uma proporção substancial de pessoas com obesidade e resultam da combinação entre a redução da resistência óssea em relação à carga mecânica aumentada e o maior risco de quedas.

Fatores que contribuem para fraturas em pessoas com obesidade incluem os efeitos adversos do tecido adiposo sobre os ossos e músculos e, em muitos casos, a coexistência do diabetes tipo 2.

As estratégias para reduzir peso incluem dietas com restrição calórica, exercícios físicos, cirurgia bariátrica e intervenções farmacológicas com agonistas do receptor de GLP-1. No entanto, embora a perda de peso em pessoas com obesidade traga muitos benefícios à saúde, ela também pode ter efeitos adversos no esqueleto, com aumento da perda óssea e do risco de fraturas.

As prioridades para pesquisas futuras incluem o desenvolvimento de abordagens eficazes para reduzir o risco de fraturas em pessoas com obesidade e a investigação dos efeitos dos agonistas do receptor de GLP-1 sobre a perda óssea resultante da redução de peso.

Diabetes tipo 2

O diabetes tipo 2 é comum em pessoas com obesidade e pode conferir risco adicional de fraturas por meio de seus efeitos sobre as propriedades do material ósseo e pelo aumento do risco de quedas. Ambas as condições são caracterizadas por alta DMO e risco aumentado de fraturas; o risco aumentado de fratura de quadril tem sido consistentemente relatado em pessoas com diabetes tipo 2, apesar do efeito protetor da obesidade nessas fraturas.

Em um grande estudo observacional retrospectivo com mulheres idosas, comparações entre aquelas com apenas diabetes e aquelas com apenas obesidade sugeriram que o diabetes, isoladamente, pode estar associado a maior risco de fraturas vertebrais ou de quadril, assim como de fraturas não vertebrais e não de quadril, em comparação com obesidade isolada.

Por outro lado, entre aqueles com apenas obesidade, predominaram as fraturas não vertebrais e não de quadril. No entanto, mais estudos são necessários para estabelecer os efeitos do diabetes tipo 2 coexistente sobre o risco de fraturas em pessoas com obesidade.

* Hormônios incretínicos

O GLP-1 é um hormônio incretínico — produzido principalmente pelas células enteroendócrinas do intestino — secretado em resposta à ingestão de nutrientes e que potencializa a secreção de insulina desencadeada pela glicose. Os efeitos das incretinas humanas são atribuídos principalmente a dois hormônios peptídicos: GIP e GLP-1. Os hormônios incretínicos exercem diversos efeitos na homeostase da glicose, incluindo a inibição do esvaziamento gástrico e a redução da ingestão alimentar; a regulação da fome e da saciedade é um processo complexo controlado pelo sistema neuroendócrino.

O desenvolvimento da família dos agonistas do receptor de GLP-1 foi parcialmente impulsionado pelo sucesso dos inibidores orais da DPP-4, que aumentavam indiretamente as concentrações endógenas de GLP-1 e GIP, resultando em melhor controle glicêmico em pacientes com diabetes tipo 2. 

O agonismo do receptor de GLP-1 apresenta um mecanismo multifatorial de ação na regulação do peso corporal e do metabolismo da glicose, com efeitos diretos e indiretos no metabolismo energético e glicídico em órgãos periféricos-chave (como fígado, intestino, músculos e pâncreas), além de efeitos no cérebro.

No início da década de 2010, agonistas do receptor de GLP-1 como liraglutida e semaglutida foram desenvolvidos para o tratamento do diabetes tipo 2 e mostraram promover perda de peso inesperada, o que levou ao desenvolvimento desses fármacos também para o tratamento da obesidade.

A FDA e a EMA aprovaram o uso de liraglutida subcutânea (3,0 mg 1x/dia; Saxenda, Novo Nordisk) e semaglutida subcutânea (2,4 mg 1x/semana; Wegovy, Novo Nordisk) como opções terapêuticas para o manejo da obesidade crônica em indivíduos com IMC >30 kg/m² ou >27 kg/m² quando acompanhados de comorbidades relacionadas ao peso. A tirzepatida (Eli Lilly, EUA), agonista duplo de receptores, também foi aprovada pela FDA e EMA sob os nomes comerciais Zepbound (EUA) e Mounjaro (UE), administrada semanalmente por via subcutânea. Já o agonista triplo retatrutida encontra-se em fase de ensaios clínicos.

* Efeitos esqueléticos dos agonistas do receptor de GLP-1 em pessoas com obesidade: modelos pré-clínicos

Modelos de camundongos knockout para o receptor de GLP-1 e estudos in vitro em células ósseas sugerem que o tratamento com agonistas de GLP-1 pode ser benéfico para os ossos, apesar da perda de peso farmacologicamente induzida. Estudos pré-clínicos com liraglutida mostraram efeitos positivos no metabolismo ósseo em diversos modelos. Embora doses terapêuticas de liraglutida pareçam melhorar as propriedades do material ósseo, a maioria dos efeitos positivos na DMO e na microarquitetura foi observada em concentrações muito mais altas do que as aprovadas para redução de peso em obesidade. Até o momento, não há dados pré-clínicos disponíveis sobre os efeitos esqueléticos da semaglutida ou da tirzepatida.

* Efeitos esqueléticos dos agonistas do receptor de GLP-1 em pessoas com obesidade: estudos clínicos

Até onde se sabe, apenas dois estudos avaliaram alterações em marcadores de remodelação óssea (BTMs) e DMO em pacientes euglicêmicos em uso de agonistas do receptor de GLP-1. Outros estudos foram conduzidos em pacientes com diabetes tipo 2, com ou sem obesidade.
Estudo com liraglutida:
Lepsen e colegas realizaram um ECR com 37 mulheres euglicêmicas com obesidade (IMC médio de 34 kg/m², idade média de 46 anos). Após uma dieta hipocalórica de 8 semanas com perda média de 12 kg, as participantes foram randomizadas para liraglutida (1,2 mg/dia) ou placebo por 52 semanas.
 • Durante a fase inicial de perda de peso não farmacológica, P1NP sérico permaneceu inalterado, enquanto CTX aumentou.
 • Durante a fase de manutenção, CTX permaneceu estável em ambos os grupos, mas P1NP aumentou 16% no grupo liraglutida versus queda de 2% no placebo (p<0,05).
 • Após 52 semanas, DMO total, pélvica e de membros não se alterou em nenhum grupo. A DMO de membros foi estimada como maior no grupo liraglutida em 0,021 g/cm² (IC 95% 0,013–0,054; p=0,2), mas sem significância.
Estudo com semaglutida:
Avaliou adultos sem diabetes tipo 2, mas com risco aumentado de fraturas (T-score <–1,0, histórico de fratura por fragilidade ou ambos). Foram incluídos 64 indivíduos (86% mulheres, idade média 63 anos, IMC 21–39 kg/m²), randomizados para semaglutida (1,0 mg ou dose máxima tolerada) ou placebo por 52 semanas.
 • O grupo semaglutida apresentou perda de peso média de 9,4% (p<0,001), contra nenhuma alteração no placebo.
 • Não houve diferença no P1NP entre grupos, mas CTX aumentou 54,8% no grupo semaglutida versus placebo.
 • Na semaglutida, DMO lombar caiu 2,1% (p=0,01), quadril total caiu 2,6% (p=0,001) e DMO volumétrica tibial caiu 1,5% (p=0,003).
→ Semaglutida esteve associada à perda de peso, perda óssea e aumento de CTX, em padrão semelhante ao observado com restrição calórica. O desenho do estudo não permitiu avaliar se os efeitos foram independentes da perda de peso, pois o grupo controle não perdeu peso comparável.

* GLP-2 e ossos

Os efeitos esqueléticos dos agonistas do receptor de GLP-2 também foram estudados. O GLP-2, outro hormônio intestinal, é cosecretado com GLP-1 pelas células L após a ingestão de alimentos e exerce efeitos intestinotróficos.
Um ECR de dose-resposta em mulheres pós-menopáusicas com baixa DMO mostrou que o GLP-2 reduziu significativamente a reabsorção óssea (CTX sérico) após 4 meses de tratamento diário, sem suprimir a formação óssea (osteocalcina sérica). Essa alteração na remodelação óssea associou-se a aumento dependente da dose na DMO do quadril total, atingindo +1,1% no grupo de maior dose (3,2 mg) versus +0,3% no placebo (p<0,01). Mais estudos são necessários para avaliar os potenciais efeitos antifratura do GLP-2.

* Risco de fraturas com GLP-1

O risco de fraturas não foi avaliado especificamente para agonistas de GLP-1 prescritos para obesidade. No entanto, foi estudado em indivíduos com e sem obesidade tratados com doses usadas para diabetes tipo 2 (ex.: liraglutida 1,2 mg/dia vs 3,0 mg/dia para obesidade). A perda de peso com GLP-1 no diabetes tipo 2 é geralmente de 2–6 kg em 6 meses, maior com a semaglutida subcutânea.

Diversas revisões sistemáticas e metanálises sugerem que não há diferença significativa no risco de fraturas com agonistas de GLP-1 versus placebo ou outros antidiabéticos. Contudo, uma metanálise de 38 ECRs (39.795 pacientes com diabetes tipo 2) mostrou redução significativa no risco de fraturas (RR 0,71; IC 95% 0,56–0,91) com agonistas de GLP-1 em comparação com placebo ou outros antidiabéticos. Esse efeito benéfico só foi observado após mais de 52 semanas de tratamento.

Resumo final:

Pesquisas pré-clínicas indicam que agonistas do receptor de GLP-1 podem ter efeitos benéficos sobre a saúde óssea, embora a maioria desses efeitos positivos tenha ocorrido em doses mais altas do que as aprovadas para obesidade. Até agora, as evidências clínicas são limitadas, vindas principalmente de pacientes com diabetes tipo 2 (sem perda de peso significativa e com curto período de acompanhamento).

Conclusão

As fraturas em pessoas com obesidade representam uma carga substancial para a saúde pública. Sua patogênese ainda precisa ser claramente estabelecida, mas o risco aumentado de quedas, a sarcopenia e o diabetes tipo 2 frequentemente associado contribuem para esse cenário. O advento da cirurgia bariátrica e das intervenções farmacológicas que promovem perda de peso despertou interesse sobre como esses tratamentos afetam a saúde óssea. Os efeitos adversos de algumas formas de cirurgia bariátrica sobre o esqueleto estão bem documentados, mas os efeitos das terapias baseadas em incretinas, como os agonistas do receptor de GLP-1, ainda precisam ser totalmente estabelecidos.

Mais pesquisas são necessárias para avaliar se o uso prolongado de terapias baseadas em incretinas para obesidade pode compensar a perda óssea geralmente observada durante a perda de peso. Essa agenda de pesquisa deve incluir estudos de intervenção dedicados em pessoas com obesidade que utilizam esses fármacos nas doses aprovadas para o manejo da obesidade, com parâmetros ósseos como desfechos primários. Além disso, devem ser incentivados estudos observacionais utilizando dados longitudinais de mundo real de pacientes em uso desses tratamentos.

domingo, 24 de agosto de 2025

Privação de Sono e Transtornos Alimentares: A Relação Oculta Entre Insônia, Depressão e Compulsão Alimentar

Introdução

A privação de sono é cada vez mais comum em nossa sociedade moderna. Muitas pessoas acreditam que dormir pouco causa apenas cansaço no dia seguinte, mas os impactos são muito maiores e éisso que ao longo dos últimos 20 anos temos visto a ciência evidenciando. A Medicina do sono vem frisando que  que noites maldormidas podem alterar hormônios, afetar o humor e até estimular comportamentos alimentares desregulados. Além de elevar a pressão arterial, alterar a glicemia e ser gatilho para transtornos neurológicos. Ou seja, o sono é um pilar para a nossa saúde. 

Quando falamos de saúde mental, a relação entre sono e alimentação ganha ainda mais destaque. Estudos recentes identificaram que a insônia inicial e os despertares noturnos estão fortemente associados à depressão em pessoas com compulsão alimentar (TCA ou Binge eating Disorder - BED). Isso significa que cuidar do sono é tão importante quanto cuidar da alimentação.

Prevalência Global de TCA (Binge Eating Disorder)

Uma meta-análise global estimou uma prevalência média de 0,9% (IC 95%: 0,7–1,0%) para o BED no mundo. As mulheres têm maior incidência (1,4%, IC 1,1–1,7%) em comparação aos homens (0,4%, IC 0,3–0,6%) e não houve diferença significativa entre países de alta renda e de baixa/média renda. Estudos apontam que, em mulheres jovens, a prevalência de transtornos alimentares (incluindo BED) varia de 5,5% a 17,9%, e entre homens jovens, de 0,6% a 2,4% 

Prevalência na América Latina (inclusive Brasil)

Uma revisão sistemática na América Latina encontrou uma prevalência média pontual de 3,53% para o BED na população geral.

O impacto da privação de sono no corpo

Dormir pouco desregula o metabolismo de várias formas. Quando o corpo não descansa, a produção de cortisol, hormônio do estresse, aumenta. Isso estimula o acúmulo de gordura abdominal e prejudica a regulação da glicose. Além disso, a privação de sono está ligada ao aumento da resistência à insulina, facilitando o surgimento de diabetes tipo 2.

Outro fator é a alteração dos hormônios da fome e saciedade. A grelina, que aumenta o apetite, sobe quando dormimos mal. Já a leptina, responsável pela sensação de saciedade, cai drasticamente. O resultado é um desejo maior por alimentos calóricos, como doces e fast food.

Essa combinação cria um terreno fértil para a compulsão alimentar e para o ganho de peso. Pessoas que sofrem com insônia tendem a comer mais durante a noite e buscam alimentos de alto valor calórico. Assim, o sono ruim pode ser um grande inimigo da manutenção de um peso saudável.

A compulsão alimentar e seus riscos

A compulsão alimentar é caracterizada por episódios recorrentes em que a pessoa consome grandes quantidades de comida em pouco tempo, acompanhados de sensação de perda de controle. Esses episódios são diferentes de um simples exagero: há sofrimento emocional e culpa após as crises.

Esse transtorno é um dos mais comuns entre os distúrbios alimentares e afeta homens e mulheres em todas as idades. Muitas vezes, ele está associado à obesidade e a dificuldades em manter hábitos alimentares equilibrados. Mas o que nem todos sabem é que ele também está fortemente relacionado à saúde mental.

Pesquisas mostram que pessoas com compulsão alimentar apresentam taxas mais altas de depressão e ansiedade. E agora sabemos que o sono tem papel essencial nessa ligação, funcionando como um fio invisível que conecta alimentação e emoções.

O elo entre insônia e depressão

Um estudo internacional analisou pacientes com compulsão alimentar e encontrou resultados muito interessantes. 

O objetivo central do estudo foi investigar, em pacientes com transtorno de compulsão alimentar (TCA/BED), como diferentes componentes do comer noturno (hiperfagia vepertina e ingestões noturnas = Síndrome do comer noturno) e distúrbios do sono (insônia inicial e despertares) se associam à depressão. A hipótese era que o sono, mais do que o padrão alimentar noturno em si, poderia explicar a carga depressiva nesses pacientes.

Trata-se de um estudo observacional transversal com 153 adultos diagnosticados com TCA, atendidos em um programa clínico de tratamento e recuperação para compulsão alimentar nos EUA, no período de 2020 a 2023. A média etária foi de aproximadamente 36 anos, variando de 18 a 62 anos.

O desfecho primário avaliado foi a depressão, medida pelo Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9), instrumento validado e amplamente utilizado em estudos psiquiátricos para triagem e avaliação da gravidade da depressão.

A psicopatologia alimentar global foi mensurada por meio do Eating Disorder Examination Questionnaire (EDE-Q), utilizado como variável de ajuste para o modelo, assegurando que o impacto observado fosse de fato relacionado ao sono, e não apenas à gravidade do transtorno alimentar. Para caracterizar a síndrome do comer noturno, os pesquisadores aplicaram o Night Eating Questionnaire (NEQ). Foram diferenciados dois fenômenos: hiperfagia vespertina (ingestão de mais de 25% das calorias diárias após o jantar) e ingestões noturnas (alimentação após despertares durante a noite).

Os distúrbios de sono analisados incluíram insônia inicial (dificuldade para pegar no sono) e despertares noturnos (sono fragmentado), sendo essas variáveis introduzidas como potenciais preditores independentes de depressão.

A análise estatística foi feita por regressão linear hierárquica. No primeiro nível, controlou-se a gravidade global do transtorno alimentar (EDE-Q). Em seguida, introduziram-se variáveis de comer noturno. Por fim, acrescentaram-se as variáveis de sono para verificar se explicavam variância adicional nos sintomas depressivos.

Na análise bivariada, tanto insônia inicial, quanto despertares noturnos e hiperfagia vespertina se associaram à depressão. As ingestões noturnas não mostraram correlação significativa com o humor deprimido.

No modelo final ajustado, apenas insônia inicial (p<0,01) e despertares noturnos (p<0,05) permaneceram significativamente associados à depressão. A hiperfagia vespertina perdeu significância quando as variáveis de sono foram introduzidas, e as ingestões noturnas seguiram sem associação.

Isso sugere que, em pacientes com TCA, é o sono interrompido e não necessariamente os comportamentos alimentares noturnos o fator mais relevante na determinação de sintomas depressivos.

Descritivamente, 41% dos participantes relataram hiperfagia vespertina. Cerca de 49% relataram acordar ao menos uma vez por semana durante a noite, e entre estes, 42% afirmaram não se alimentar nesses episódios. Esses números ilustram a alta prevalência de sono fragmentado nessa população clínica.

Outro achado relevante foi a associação entre insônia inicial e ideação suicida. Além disso, observou-se correlação negativa com idade, sugerindo que pacientes mais jovens apresentam risco aumentado de pensamentos suicidas quando associados a distúrbios de sono.

Esses dados reforçam a necessidade de considerar o sono como parte essencial da avaliação psiquiátrica e nutricional em pacientes com TCA, pois, pode representar um alvo terapêutico de igual ou até maior importância que o manejo alimentar noturno.

Os autores reconhecem a limitação do desenho transversal, que não permite inferir causalidade. Ainda assim, os modelos hierárquicos ajustados fortalecem a hipótese de que distúrbios do sono exercem um papel independente sobre a depressão.

Outras limitações incluem o uso exclusivo de medidas de autorrelato, o foco em mulheres brancas e em indivíduos tratados em clínicas de maior complexidade, o que pode reduzir a generalização dos resultados. A ausência de controle para a frequência e intensidade das crises de compulsão também foi apontada.

Apesar disso, o estudo apresenta forças metodológicas importantes: amostra clínica de porte razoável, uso de instrumentos validados e análise estatística robusta, capaz de discriminar o papel incremental das variáveis de sono.

Do ponto de vista clínico, recomenda-se que pacientes com TCA e sintomas depressivos sejam rotineiramente avaliados quanto a insônia inicial e despertares noturnos. Intervenções baseadas em terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I), higiene do sono e ajustes no estilo de vida podem ser incorporadas ao tratamento padrão.

Fica a sugestão de que pesquisas futuras utilizem desenhos longitudinais e incorporem medidas objetivas de sono (como actigrafia ou polissonografia) para confirmar os achados e elucidar se a melhora do sono tem impacto causal na redução da depressão em TCAP.

O estudo ainda aponta que a abordagem clínica deve ir além da alimentação. Focar exclusivamente no comportamento alimentar noturno pode negligenciar um componente crucial do quadro: o sono fragmentado.

Em conclusão, a evidência sugere que insônia inicial e despertares noturnos são fatores independentes associados à depressão em pacientes com compulsão alimentar periódica, ao passo que hiperfagia vespertina e ingestões noturnas isoladamente não aumentam o risco quando se ajusta para o sono. Assim, estratégias de tratamento devem obrigatoriamente incluir avaliação e manejo de distúrbios do sono.

Curiosamente, o simples fato de comer durante a noite não teve a mesma força na relação com a depressão. Isso significa que, para muitos pacientes, é o sono ruim que aumenta o risco de sintomas depressivos, e não apenas a compulsão alimentar.

Essa descoberta reforça a importância de olhar para o sono com mais atenção no tratamento de transtornos alimentares. Muitas vezes, melhorar a qualidade do descanso pode ser um passo essencial para reduzir a depressão e o sofrimento emocional.

Comer à noite: vilão ou consequência?

Muitas pessoas acreditam que comer durante a noite é sempre prejudicial. Mas a ciência mostra que o problema não está apenas no horário, e sim na qualidade do sono que antecede ou acompanha esses episódios.

Quando a pessoa acorda várias vezes durante a noite, há maior chance de buscar alimentos calóricos como forma de compensação. Isso é chamado de comer emocional, um comportamento usado para lidar com a ansiedade ou o estresse.

No entanto, quando a análise é ajustada para os distúrbios do sono, percebe-se que o risco de depressão está mais ligado à insônia do que ao ato de comer à noite em si. Isso muda a forma de enxergar o tratamento desses pacientes.

Distúrbios do sono relacionados à alimentação

Além da insônia, existem distúrbios específicos que ligam sono e alimentação. A síndrome do comer noturno é um deles. Nesse quadro, a pessoa consome mais de 25% das calorias do dia após o jantar. Esse padrão está associado à obesidade e maior risco metabólico.

Outro distúrbio é o transtorno alimentar relacionado ao sono, no qual a pessoa come durante episódios de sonambulismo e não se lembra depois. Apesar de menos comum, esse problema também gera impacto metabólico e psicológico.

Todos esses distúrbios exigem avaliação profissional para diagnóstico correto. Nem sempre a queixa é apenas sobre a comida — muitas vezes, o sono é a raiz do problema.

O papel da ansiedade na privação de sono

A ansiedade é um dos fatores que mais interferem na qualidade do sono. Pessoas ansiosas costumam demorar mais para adormecer, acordam durante a noite e apresentam sono fragmentado. Esse quadro é chamado de insônia inicial e intermediária.

Quando isso se repete com frequência, a privação de sono aumenta ainda mais a ansiedade, criando um ciclo difícil de quebrar. Para aliviar esse desconforto, muitos recorrem à comida, reforçando o padrão de compulsão alimentar.

Esse comportamento é comum e pode ser identificado como uma forma de fuga emocional. Ao compreender essa relação, é possível pensar em estratégias terapêuticas mais eficazes, que tratem a ansiedade e melhorem a higiene do sono ao mesmo tempo.

Sono, obesidade e metabolismo

Dormir pouco não afeta apenas a saúde mental. O metabolismo também sofre de forma significativa. Estudos mostram que a privação de sono aumenta a resistência à insulina, dificultando o controle do açúcar no sangue e elevando o risco de diabetes tipo 2.

Além disso, há maior tendência ao ganho de peso, pois o corpo busca energia extra em alimentos de alta densidade calórica. Isso ajuda a explicar por que a obesidade está tão associada a padrões de sono ruins.

Para pacientes com compulsão alimentar, o sono ruim é um agravante poderoso. Isso reforça que dormir bem é uma das estratégias mais simples e eficazes para regular o metabolismo e manter o peso sob controle.

Estratégias para melhorar o sono

A boa notícia é que existem medidas práticas para melhorar a qualidade do sono. Uma delas é manter horários regulares para deitar e acordar, ajudando o corpo a entrar em ritmo circadiano adequado. Elaborei um texto e publiquei aqui no blog, medidas de higiene de sono, que talvez possam te auxiliar: https://www.ecologiamedica.net/2012/02/metodos-de-higiene-do-sono-o-que.html

Reduzir o uso de telas antes de dormir também faz grande diferença. A luz azul emitida por celulares e computadores atrapalha a produção de melatonina, o hormônio do sono. Criar um ambiente escuro e silencioso favorece o adormecer.

Outras estratégias incluem evitar cafeína à noite, praticar exercícios físicos regularmente e adotar técnicas de relaxamento, como respiração profunda e meditação.

Conclusão

A relação entre privação de sono, compulsão alimentar e depressão é clara. Não se trata apenas de comer em horários inadequados, mas de compreender como o sono influencia diretamente os hormônios, o humor e o comportamento alimentar.

Pessoas com insônia apresentam maior risco de desenvolver compulsão alimentar, depressão e até ideação suicida. Por isso, o tratamento deve ir além da alimentação e incluir uma avaliação detalhada da qualidade do sono.

Cuidar do descanso é uma forma de cuidar da mente e do corpo. Investir em noites bem dormidas pode ser tão importante quanto adotar uma dieta equilibrada. Afinal, sono de qualidade é parte essencial da saúde integral.

Fontes: 
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Tratamento da obesidade e prevenção de doença cardiovascular (Diretriz ABESO)

A prevalência global da obesidade mais do que dobrou nas últimas quatro décadas, e hoje afeta mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. Reconhecida como uma condição ligada a muitas doenças crônicas, a obesidade impacta diretamente na qualidade de vida e na redução da expectativa de vida. (1) 

Em 2021, a prevalência global da doença cardiovascular (DCV) atingiu 612 milhões de pessoas, representando 26,8% de todas as mortes mundiais, com um crescimento de 0,88% ao longo das últimas três décadas. Notavelmente, 79,5% de todos os anos de vida saudável perdidos ajustados às incapacidades foram atribuídos a 11 fatores de risco, sendo o índice de massa corporal (IMC) o que apresentou a maior associação. (2) Não obstante, estudos de prevalência mostram que dois terços das mortes relacionadas à obesidade são atribuíveis à DCV. (2,3)  Particularmente no Brasil, dados de 2025 sugerem que 68% dos adultos possuem IMC ≥25 kg/m², e que 31% dessa população esteja vivendo com a obesidade. Em 2021, houve 60.913 mortes prematuras associadas ao IMC elevado no país. (1)

A obesidade também é um dos principais determinantes da DCV. Estudos epidemiológicos prospectivos demonstram que a obesidade está associada a um risco elevado de eventos de doença arterial coronariana (DAC) e de mortalidade cardiovascular (CV). (4) Sua influência ocorre de forma indireta, através do aumento de fatores de risco CV tradicionais como diabetes tipo 2 (DM2), dislipidemia (DLP) e hipertensão arterial sistêmica (HAS), mas também por efeito direto do estado inflamatório induzido pela adiposidade na estrutura e função cardíacas. (5,6)

Diversas evidências epidemiológicas ligam a obesidade à DCV através do IMC. Uma metanálise envolvendo mais de 300.000 adultos evidenciou que as faixas de sobrepeso e obesidade definidas pelo IMC se associam a um risco elevado de DAC e de mortalidade CV.  Estudos observacionais e de randomização mendeliana também demonstram forte associação direta entre o aumento do IMC e a incidência e mortalidade por insuficiência cardíaca (IC). (7) 

Adicionalmente, as evidências demonstram que a obesidade abdominal está mais diretamente relacionada ao aumento do risco de doenças cerebrovasculares, coronarianas, e mortalidade CV. (5) Metanálises de grandes estudos de coorte evidenciam que a obesidade abdominal, medida pela circunferência da cintura, é forte preditora independente para morbidade e mortalidade em qualquer categoria de IMC. (5,6) Mesmo indivíduos com IMC abaixo de 30 kg/m2 podem apresentar risco cardiometabólico alto relacionado à escassez de gordura subcutânea gluteofemoral e ao acúmulo de gordura visceral, especialmente quando associado a outros fatores de risco. (8)  Desta forma, alternativas ao IMC como a circunferência da cintura, a relação cintura/quadril e a relação cintura-altura são recomendadas para evidenciar o possível aumento de gordura visceral. (9,10,11)

Historicamente, a abordagem terapêutica para a obesidade tem se centrado em intervenções relacionadas ao estilo de vida e opções farmacológicas com eficácia limitada. Contudo, a introdução da nova geração de medicações antiobesidade possibilitou a obtenção de perdas de peso mais significativas e sustentáveis. Ademais, com a complexidade crescente das opções terapêuticas disponíveis e os benefícios observados em desfechos ligados à síndrome cardiorrenal metabólica; tornou-se evidente a necessidade de novas ferramentas de estratificação que orientem a seleção do tratamento para cada situação clínica. (12,13)

Nesse sentido, esta diretriz visa estruturar o tratamento da obesidade em relação à prevenção da DCV, levando em consideração o risco CV e o estágio da obesidade. Este documento apresenta recomendações fundamentadas nas melhores evidências disponíveis, com o objetivo de auxiliar os profissionais de saúde na personalização da estratégia terapêutica mais adequada para as pessoas que convivem com obesidade.

METODOLOGIA:

A diretriz seguiu o método Delphi (14) para estabelecer recomendações a partir da coleta de opiniões de especialistas em rodadas sucessivas, na qual cada participante responde anonimamente e tem a oportunidade de reavaliar suas respostas à luz do feedback dos outros participantes.

Inicialmente, formou-se um grupo de 20 especialistas representantes das 5 sociedades (ABESO, SBD, SBEM, SBC e ABS). Destes, 5 formaram o grupo de trabalho (comitê gestor), que elaborou a estrutura da diretriz baseada em 25 recomendações, elaboradas com as melhores evidências disponíveis. 

Cada recomendação foi desenhada para abordar uma situação clínica específica, e recebeu um grau de recomendação que foi dado após votação do grande grupo. Foram realizadas 3 rodadas de votação por meio de uma ferramenta online, cujo resultado foi analisado estatisticamente pelo comitê gestor. Após a primeira rodada de sugestões, o texto base foi revisado e reescrito. Foram realizadas então a segunda e terceira rodadas para ajustes do texto, que foi subsequentemente ajustado para definição final dos graus de recomendação. Em seguida, a revisão da literatura foi atualizada e estruturada conforme o sumário de evidências que segue cada recomendação. Finalmente, o texto foi redigido para publicação.

Para acessar o documento na íntegra, clique aqui 



domingo, 20 de julho de 2025

Impacto a curto prazo da Tirzepatida no hipogonadismo metabólico e na composição corporal em homens obesos

Background

A tirzepatida (TZP), um agonista duplo dos receptores do peptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) e do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1), foi recentemente introduzida na Itália para o tratamento da obesidade. A obesidade é frequentemente associada ao hipogonadismo metabólico, caracterizado por níveis baixos de testosterona e níveis baixos e normais de gonadotrofinas. Essa condição agrava a disfunção metabólica e aumenta o risco de diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Este estudo tem como objetivo avaliar os efeitos da TZP no hipogonadismo metabólico em pacientes com obesidade.

Métodos

Foram recrutados pacientes do sexo masculino com obesidade e hipogonadismo metabólico. Os critérios de exclusão incluíram uso recente de medicamentos para hipertensão, dislipidemia, DM2, antiandrogênicos ou hiperprolactinemia. Todos os participantes seguiram uma dieta hipocalórica e realizaram caminhada rápida diária de 20 minutos. Os pacientes foram divididos em três grupos de tratamento: Grupo A recebeu 2,5 mg de TZP semanalmente no primeiro mês, com aumento para 5 mg a partir do segundo mês; Grupo B não recebeu tratamento farmacológico; Grupo C recebeu testosterona transdérmica. As avaliações clínicas foram realizadas após 2 meses, incluindo análise da composição corporal, Escala de Compulsão Alimentar (BES), questionário Índice Internacional de Função Erétil de 5 itens (IIEF-5) para avaliar disfunção erétil (DE) e dosagens séricas de hormônio luteinizante (LH), hormônio folículo-estimulante (FSH), globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG), testosterona total (TT) e 17β-estradiol (E2). Testosterona livre (fT) e biodisponível (bioT) foram calculadas pela fórmula de Vermeulen.

Resultados

Um total de 83 pacientes com obesidade (idade média 55,3 ± 5,5 anos) foi incluído no estudo, divididos em três grupos: Grupo A (28 pacientes, idade média 56,3 ± 4,7 anos), Grupo B (30 pacientes, idade média 55,1 ± 5,2 anos) e Grupo C (25 pacientes, idade média 54,0 ± 6,5 anos). Na linha de base, observaram-se diferenças significativas na circunferência abdominal (CA), que era maior no Grupo B, bem como no escore BES, massa magra (LM) e níveis séricos de LH, todos mais altos no Grupo A. Após 2 meses, o Grupo A apresentou reduções significativamente maiores no peso corporal, CA, escore BES e massa gorda, além de aumento expressivo em LM e escore IIEF-5, em comparação aos Grupos B e C. Além disso, o Grupo A exibiu níveis séricos significativamente mais altos de LH, FSH, SHBG, TT, fT e bioT, enquanto os níveis de E2 foram significativamente mais baixos do que nos Grupos B e C.

Conclusão

Os resultados deste estudo sugerem que a TZP é eficaz na melhora dos parâmetros metabólicos, da disfunção erétil e dos níveis de hormônios gonadais em pacientes com obesidade e hipogonadismo metabólico. Esses achados posicionam a TZP como uma opção promissora para o tratamento de pacientes obesos com hipogonadismo funcional decorrente de alterações metabólicas.

Introdução

A obesidade, caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura, tornou-se uma epidemia global, com reconhecimento crescente de sua associação com uma ampla gama de distúrbios metabólicos.

Os riscos à saúde relacionados à obesidade são profundos e vão além das complicações tradicionais, como doenças cardiovasculares e diabetes mellitus (DM).

Uma consequência frequentemente negligenciada da obesidade é o hipogonadismo metabólico, definido por níveis baixos de testosterona em homens.

Especificamente, o hipogonadismo metabólico refere-se a uma condição em que níveis baixos de testosterona estão associados a distúrbios metabólicos, comumente observados em indivíduos obesos ou resistentes à insulina.

Essa condição é caracterizada por uma disrupção na produção e secreção normal de testosterona devido a fatores metabólicos subjacentes. No hipogonadismo metabólico, a adiposidade excessiva, a resistência à insulina e alterações nos níveis de globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG) contribuem para a redução dos níveis de testosterona.

A obesidade, especialmente a gordura abdominal, leva a um aumento da aromatização da testosterona em 17ß-estradiol (E2), reduzindo ainda mais a disponibilidade de testosterona livre (fT).

Além disso, citocinas inflamatórias e alterações na sinalização do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas (HPG) podem prejudicar a secreção de testosterona pelos testículos.

Essas disrupções contribuem para os sintomas e a disfunção metabólica associados à condição.

A testosterona desempenha um papel crucial na regulação de funções metabólicas, incluindo a manutenção da massa muscular, distribuição de gordura e sensibilidade à insulina.

O hipogonadismo metabólico agrava essas disfunções, contribuindo para a resistência à insulina e aumentando o risco de desenvolvimento de DM tipo 2, uma condição que tem uma relação bidirecional com a obesidade.

Pesquisas demonstraram que a deficiência de testosterona em pacientes com obesidade impacta significativamente a saúde metabólica, levando a ganho de peso adicional, aumento da massa gorda (FM) e comprometimento do metabolismo da glicose.

Níveis baixos de testosterona estão associados à redução da massa muscular e ao aumento da adiposidade, fatores que contribuem para a síndrome metabólica frequentemente observada em pacientes com obesidade.

Além disso, a deficiência de testosterona pode promover um aumento da gordura visceral, o que é particularmente prejudicial, pois contribui para a resistência à insulina e inflamação — dois fatores chave no desenvolvimento de DM tipo 2.

Tradicionalmente, o tratamento do hipogonadismo metabólico em pacientes com obesidade baseia-se na terapia de reposição de testosterona (TRT), principalmente devido às dificuldades em alcançar perda de peso substancial apenas com mudanças no estilo de vida em cenários da prática real.

No entanto, a TRT isolada pode não abordar adequadamente a disfunção metabólica subjacente nesses pacientes, uma vez que não atua especificamente sobre a obesidade ou resistência à insulina. Portanto, é necessário um enfoque mais holístico e baseado em mecanismos fisiopatológicos, que trate simultaneamente o desequilíbrio hormonal e a obesidade. Avanços recentes em tratamentos farmacológicos para obesidade introduziram novas possibilidades para o manejo dessas condições interligadas. Entre os medicamentos mais promissores está a tirzepatida (TZP), um agonista duplo dos receptores do peptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) e do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1).

A TZP demonstrou eficácia notável em promover perda de peso e melhorar parâmetros metabólicos, incluindo controle glicêmico, sensibilidade à insulina e perfil lipídico.

Sua ação dupla nos receptores de GIP e GLP-1 oferece um mecanismo único para regular o apetite, aumentar a saciedade e reduzir o acúmulo de gordura. 

Diante de seu impacto significativo no peso e no metabolismo, a TZP representa uma abordagem inovadora para o manejo da obesidade e de suas complicações associadas.

No entanto, integrar o tratamento com TZP em diretrizes práticas apresenta alguns desafios. Um dos principais obstáculos é o custo, já que a TZP é relativamente cara e pode não ser acessível a todos os pacientes, especialmente em sistemas de saúde com cobertura limitada para medicamentos mais novos. 

Além disso, embora a TZP tenha demonstrado eficácia no manejo da obesidade e de distúrbios metabólicos, seus efeitos colaterais — incluindo distúrbios gastrointestinais, como náuseas, vômitos e diarreia — podem afetar a adesão ao tratamento. Esses fatores, somados à necessidade de monitoramento regular e ajustes individualizados, dificultam a incorporação da TZP na prática clínica de rotina, sobretudo para pacientes com recursos financeiros limitados ou que apresentem reações adversas.

Apesar das vantagens da TZP na melhora dos parâmetros metabólicos, seus potenciais benefícios no tratamento do hipogonadismo metabólico permanecem pouco explorados. A TZP pode ser promissora na melhora dos hormônios sexuais em pacientes com hipogonadismo metabólico, devido ao seu impacto multifatorial na saúde metabólica. Ao promover redução significativa de peso, a TZP ajuda a aliviar as alterações metabólicas que suprimem a produção de testosterona, como a influência de adipocinas, citocinas inflamatórias, hiperinsulinemia e hiperestrogenismo. Essa redução da disfunção metabólica pode levar ao aumento da secreção de testosterona, reduzindo a supressão do eixo HPG. Além disso, a TZP demonstrou melhorar a função hepática, em especial ao resolver a esteato-hepatite associada à disfunção metabólica sem agravar a fibrose hepática.

Agonistas do receptor de GLP-1 mostraram aumentar os níveis de SHBG em pacientes com síndrome dos ovários policísticos. De modo geral, essas moléculas provaram ser eficazes na melhora da função gonadal em pacientes com hipogonadismo metabólico, principalmente aqueles afetados por obesidade ou DM.

Como agonista duplo dos receptores GIP e GLP-1, a TZP pode também exercer efeitos semelhantes, sustentando ainda mais o equilíbrio hormonal nesses pacientes.

Este estudo tem como objetivo avaliar os efeitos da TZP em pacientes com obesidade e hipogonadismo metabólico. O objetivo principal é analisar o impacto da TZP tanto nos parâmetros metabólicos quanto nos níveis de hormônios gonadais, especialmente a testosterona, nessa população. Ao investigar os efeitos da TZP na composição corporal, níveis hormonais e outros marcadores metabólicos, este estudo busca determinar se a TZP oferece uma abordagem de tratamento mais abrangente, que trate simultaneamente a obesidade e o hipogonadismo metabólico. Os resultados deste estudo podem ter implicações significativas na prática clínica, fornecendo evidências para apoiar o uso da TZP como uma opção terapêutica promissora para pacientes com obesidade e hipogonadismo metabólico. Se eficaz, a TZP pode oferecer uma estratégia inovadora para o manejo conjunto da obesidade e de seus desequilíbrios hormonais associados, melhorando, em última análise, os desfechos clínicos e a qualidade de vida dos pacientes.

Protocolo Experimental

Os participantes elegíveis precisaram atender aos critérios previamente estabelecidos por La Vignera et al. (2023) para o diagnóstico de hipogonadismo metabólico. 

Esses critérios incluíam obesidade moderada a grave (IMC entre 30 e 39,99), circunferência abdominal superior a 94 cm, níveis de testosterona total (TT) abaixo de 12 nmol/L, (346 ng/dL) presença de sintomas sexuais, níveis de gonadotrofinas normais a baixos (dentro dos quartis mais baixos da faixa de referência), níveis de SHBG dentro do quartil inferior da faixa de referência e índice HOMA superior a 2,5.

Os pacientes elegíveis foram distribuídos em um dos três grupos de tratamento entre 7 de outubro e 7 de dezembro de 2024: Grupo A: TZP e mudanças no estilo de vida (n = 28); Grupo B: apenas mudanças no estilo de vida (n = 30); ou Grupo C: TRT e mudanças no estilo de vida (n = 25). O protocolo de tratamento envolveu uma dose inicial de 2,5 mg de TZP semanalmente durante o primeiro mês, aumentando para 5 mg semanais a partir do segundo mês, de acordo com a bula técnica da TZP. Todos os participantes seguiram um regime dietético hipocalórico, reduzindo a ingestão calórica diária em 20% com base na idade, além de um regime de atividade física diária consistindo em uma caminhada rápida de 20 minutos. Para o Grupo C, a TRT foi administrada na forma de testosterona transdérmica [(23 mg do dia 1 ao dia 14, com ajuste da dose baseado nos níveis séricos de TT no 14º dia, conforme diretriz do fabricante)].

As avaliações clínicas foram realizadas durante a primeira visita de acompanhamento, ocorrida entre 7 e 21 de dezembro de 2024. Essas avaliações foram feitas na linha de base e após dois meses de tratamento e incluíram as seguintes medidas:
a) parâmetros antropométricos [peso corporal e circunferência abdominal (CA)];
b) questionário Escala de Compulsão Alimentar (BES) para avaliar o comportamento alimentar;
c) análise da composição corporal por bioimpedância (BIA);
d) questionário Índice Internacional de Função Erétil de 5 itens (IIEF-5) para avaliar a presença e gravidade da disfunção erétil (DE); e
e) dosagem dos níveis séricos de hormônio luteinizante (LH), hormônio folículo-estimulante (FSH), TT, 17β-estradiol (E2) e SHBG por imunoensaio de eletroquimioluminescência.

Uma análise antes-depois comparou as mudanças em relação à linha de base, enquanto uma análise intergrupos avaliou as diferenças intra e entre os grupos na distribuição dessas variáveis.

Discussão

Os resultados deste estudo destacam o papel promissor da TZP na melhora tanto dos parâmetros metabólicos quanto dos níveis hormonais gonadais em pacientes com obesidade e hipogonadismo metabólico. Nossos achados demonstram que a TZP não apenas reduz de forma eficaz o peso corporal, a circunferência abdominal (CA) e o percentual de massa gorda (MG), como também melhora significativamente os níveis de LH, FSH e testosterona total (TT), além de reduzir os níveis de E2. 

Esses resultados sugerem que a TZP pode oferecer um benefício duplo, abordando ao mesmo tempo a obesidade e os desequilíbrios hormonais comumente observados em pacientes com hipogonadismo metabólico.

O hipogonadismo metabólico, caracterizado por baixos níveis de testosterona, é prevalente entre pacientes com obesidade e está associado a um risco aumentado de desenvolvimento de síndrome metabólica e DM tipo 2.

Embora tenhamos seguido as diretrizes italianas para definição de hipogonadismo, alinhadas à nossa prática clínica e a trabalhos prévios, vale destacar que todos os pacientes também atenderam aos critérios diagnósticos propostos pela Endocrine Society.

Especificamente, nenhum paciente apresentou níveis de TT ou testosterona livre (fT) acima dos respectivos limiares de 264 ng/dL e 64 pg/mL. 

Além disso, conforme recomendado nas diretrizes, o diagnóstico de hipogonadismo não se baseou apenas em parâmetros bioquímicos, mas também incluiu a presença de sintomas. Todos os pacientes apresentaram sintomas sexuais, especificamente disfunção erétil, conforme indicado pelos escores do IIEF-5.

A testosterona desempenha um papel crucial na regulação do metabolismo, e sua deficiência está relacionada a desfechos adversos, como aumento da MG, redução da massa muscular e prejuízo da sensibilidade à insulina.

Diante dessas associações, a TRT tem sido tradicionalmente utilizada para manejar essa condição; entretanto, a TRT isoladamente não aborda a obesidade subjacente nem melhora a resistência à insulina.

Nesse contexto, a TZP surge como uma abordagem inovadora, visando tanto a obesidade quanto a disfunção metabólica de forma simultânea.

Atuando nos receptores de GIP e GLP-1, a TZP potencializa a secreção de insulina, aumenta a saciedade e reduz o apetite, levando a uma perda de peso significativa.

Em nosso estudo, o tratamento com TZP esteve associado a reduções importantes no peso corporal, CA e MG, consistente com estudos anteriores que demonstram sua eficácia na promoção da perda de peso. Notavelmente, esses efeitos foram mais pronunciados no Grupo A, que recebeu TZP, em comparação aos Grupos B e C, nos quais os pacientes receberam apenas intervenção comportamental ou testosterona transdérmica, respectivamente.

Embora a população incluída apresentasse obesidade, seus percentuais de MG (cerca de 20%) ficaram abaixo dos limiares comumente utilizados para excesso de adiposidade em homens, geralmente definidos como >25–30%.

Isso possivelmente reflete o perfil de obesidade moderada da nossa coorte, como sugerido pelos valores médios de IMC e pelos critérios de inclusão, que não selecionaram especificamente indivíduos com alta MG. Esse achado também destaca a importância de avaliar a composição corporal para além do IMC, especialmente no contexto de distúrbios metabólicos como o hipogonadismo.

Em relação ao aumento observado na massa magra (LM) após o tratamento com TZP, trata-se de um achado particularmente interessante. 

Embora a TZP seja conhecida principalmente por seus efeitos robustos na redução de peso e MG, seu impacto na preservação de LM ainda é controverso, com alguns estudos sugerindo uma redução modesta no percentual de LM.

No entanto, o potencial benefício sobre a LM pode ser especialmente relevante para pacientes com hipogonadismo, que frequentemente apresentam redução de massa e força muscular. Nossos resultados apoiam o potencial papel da TZP não apenas na melhora de parâmetros metabólicos, mas também na promoção de uma composição corporal mais saudável.

Todos os grupos apresentaram redução no índice HOMA ao longo do acompanhamento de dois meses, sugerindo melhora geral da sensibilidade à insulina. Notavelmente, a maior redução observada no Grupo C (testosterona transdérmica) em comparação ao Grupo B (sem tratamento) pode indicar um benefício metabólico potencial da testosterona nesse contexto. No entanto, a ausência de diferença significativa entre o Grupo C e o Grupo A (Tirzepatida) implica eficácia comparável entre essas intervenções no curto prazo. A ausência de diferença entre o Grupo A e o Grupo B pode refletir a curta duração do seguimento, sugerindo que os efeitos metabólicos da TZP podem necessitar de um período mais longo para se manifestarem plenamente.

Um dos achados mais marcantes do nosso estudo foi a melhora nos níveis de hormônios gonadais observada no Grupo A. 

Os níveis de testosterona aumentaram significativamente após o tratamento com TZP, enquanto os níveis de E2 diminuíram, indicando uma mudança positiva no perfil hormonal para um equilíbrio mais favorável. O aumento dos níveis séricos de testosterona é particularmente relevante, pois a hipotestosteronemia em pacientes com obesidade está associada à piora da disfunção metabólica e ao aumento do risco de desenvolvimento de DM.

Essa melhora nos níveis de testosterona após o tratamento com TZP provavelmente se deve à capacidade do fármaco de melhorar a sensibilidade à insulina e reduzir a gordura visceral, fatores que se sabe influenciarem a produção de testosterona.

Além de seus efeitos na composição corporal e nos níveis hormonais, a TZP também teve impacto significativo no escore BES, uma medida de comportamento alimentar desordenado. O Grupo A apresentou uma redução acentuada nos escores de BES, sugerindo que a TZP pode ajudar a abordar tanto os aspectos fisiológicos quanto comportamentais da obesidade. Essa redução nas tendências de compulsão alimentar é consistente com os efeitos supressores de apetite da TZP, o que pode auxiliar os pacientes a aderirem a uma dieta hipocalórica e a alcançarem perda de peso sustentada. É importante destacar que o Grupo B, que não recebeu tratamento farmacológico, não apresentou mudanças significativas no peso corporal nem nos escores de BES, reforçando os potenciais benefícios da TZP na abordagem dos aspectos metabólicos e comportamentais da obesidade.

Comparando os resultados dos três grupos de tratamento, a TZP apresentou desfechos superiores em termos de redução de peso, composição corporal e equilíbrio hormonal. O Grupo A demonstrou as maiores reduções em peso corporal, CA e MG, juntamente com os maiores aumentos em LM. 

Além disso, as melhorias nos perfis hormonais, incluindo o aumento substancial nos níveis de testosterona e a redução de E2, foram mais evidentes neste grupo. Esses achados sustentam a hipótese de que a TZP pode melhorar tanto a disfunção metabólica quanto a hormonal em pacientes com obesidade e hipogonadismo metabólico, oferecendo uma abordagem de tratamento mais abrangente do que a TRT tradicional isolada.

De forma inesperada, os níveis séricos de E2 aumentaram 21,2% no Grupo C (Tabela 3), apesar das melhorias em peso corporal, IMC e CA nesse grupo. Especulamos que esse aumento possa ser decorrente da aromatização periférica da testosterona administrada. É importante observar que a TRT foi administrada por via transdérmica em doses insuficientes para suprimir o eixo HPG. Além disso, apesar do aumento de E2, a maioria dos pacientes não apresentou sintomas ou sinais de hiperestrogenismo.

Embora os resultados deste estudo sejam promissores, algumas limitações devem ser consideradas. Primeiro, o tamanho da amostra foi relativamente pequeno, o que limita a generalização dos achados. Além disso, a duração do estudo foi de apenas dois meses, sendo necessário um acompanhamento mais prolongado para avaliar os efeitos de longo prazo e a sustentabilidade do tratamento com TZP. Outra limitação é a ausência de comparação direta com outros tratamentos farmacológicos para obesidade, como semaglutida ou liraglutida, que também demonstraram eficácia na melhora de parâmetros metabólicos e na perda de peso. Por fim, a ausência de randomização na alocação dos tratamentos limita ainda mais a robustez do estudo. Estudos futuros poderiam abordar essas limitações incluindo amostras maiores, períodos de acompanhamento mais longos e comparações com outros tratamentos para obesidade.

Apesar dessas limitações, os resultados deste estudo fornecem, pela primeira vez na literatura, evidências que apoiam o uso da TZP em pacientes com obesidade e hipogonadismo metabólico. A melhora nos níveis séricos de testosterona observada após apenas dois meses de terapia é particularmente notável. O mecanismo de ação duplo da TZP, atuando sobre a obesidade e a disfunção metabólica, torna-a uma opção terapêutica promissora para essa população de pacientes. Ao melhorar tanto os parâmetros metabólicos quanto os níveis hormonais gonadais, a TZP pode ajudar a reduzir o risco de desenvolvimento de DM tipo 2 e outras complicações relacionadas à obesidade, melhorando, em última análise, os desfechos clínicos e a qualidade de vida dos pacientes.

Conclusão

Em conclusão, a TZP representa um tratamento inovador e eficaz para pacientes com obesidade e hipogonadismo metabólico. As melhorias observadas na composição corporal, disfunção erétil, equilíbrio hormonal e comportamento alimentar desordenado sugerem que a TZP pode oferecer uma abordagem mais abrangente para o manejo da obesidade e de sua disfunção metabólica associada. Estudos adicionais, com amostras maiores e períodos de acompanhamento mais longos, são necessários para confirmar esses achados e determinar os benefícios de longo prazo da TZP nessa população de pacientes. Se confirmados, os resultados deste estudo indicam que a TZP pode se tornar uma ferramenta essencial no tratamento do hipogonadismo metabólico em pacientes com obesidade, oferecendo uma estratégia inovadora para lidar com a complexa interação entre obesidade, disfunção metabólica e desequilíbrios hormonais.


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sexta-feira, 18 de julho de 2025

Estou tomando uma medicação para perda de peso à base de GLP-1 — o que devo saber? (JAMA, 2025)

 

Quais São Esses Medicamentos?

Os agonistas do receptor de peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) (semaglutideo [Wegovy, Ozempic, Rybelsus]) e agonistas de incretina dupla (tirzepatida [Zepbound, Mounjaro]) são medicamentos que reduzem os desejos alimentares, aumentam a plenitude, retardam a digestão e podem ajudar a controlar a glicose no sangue. Eles são tratamentos populares para a obesidade.

O Que Devo Comer Enquanto Estou Tomando Medicamentos GLP-1?

Para mais benefícios e menos efeitos colaterais, siga nosso plano de REFEIÇÃO:

Manutenção muscular: Os medicamentos GLP-1 podem causar perda de músculos e gordura. Comece cada refeição com 20 a 30 g de proteína de alimentos como peixe, feijão, grão de bico ou tofu. Procure 1,0 a 1,5 g de proteína por kg de peso corporal diariamente, se moderadamente ativo. Se o seu apetite estiver muito baixo, use shakes de proteína com pelo menos 20 g de proteína por porção.

Equilíbrio energético: Como esses medicamentos reduzem o apetite, mantenha sua energia comendo refeições menores e lanches (frutas, punhado de nozes, iogurte sem açúcar). Escolha carboidratos digeridos lentamente, como batata-doce ou aveia, em vez de grãos refinados (pão branco, doces) ou bebidas açucaradas que podem causar oscilações de glicose no sangue. Para se sentir cheio por mais tempo, adicione gorduras saudáveis como azeite ou abacate às refeições.

Evite efeitos colaterais: os medicamentos GLP-1 podem causar efeitos colaterais digestivos. Para náuseas, evite alimentos ricos em gordura (itens fritos, carnes processadas) e coma torradas integrais ou cereais. Chá de gengibre ou frutas também podem ajudar. Para azia, coma porções menores e evite ficar deitado por 2 a 3 horas após as refeições. Escolha assar ou cozinhar no vapor em vez de fritar. Evite especiarias irritantes (pimenta preta, pimenta, alho). Para constipação, aumente a fibra solúvel (aveia, maçã) e a fibra insolúvel (peles de vegetais, nozes) com bastante água. Considere amaciantes ou laxantes de fezes de venda livre.

Ingestão de líquidos: medicamentos com GLP-1 podem causar desidratação. Beba de 2 a 3 litros (8-12 xícaras) de líquido diariamente, principalmente água. Inclua vegetais e frutas ricos em água (pepinos, melancia) e sopas. Minimize o álcool, a cafeína e as bebidas adoçadas.

Quais dietas devo evitar enquanto estiver tomando medicamentos GLP-1?

A restrição calórica extrema pode piorar a desidratação, a fadiga e os problemas renais, além de limitar os nutrientes essenciais. Combinar essas dietas restritivas com medicamentos GLP-1 também pode resultar em perda excessiva de peso. Dietas veganas rigorosas podem não ter vitamina B12, ferro e proteína.

Preciso de vitaminas ou outros suplementos?

Uma dieta bem equilibrada e rica em nutrientes geralmente é melhor do que os suplementos. Consulte seu médico sobre vitamina D, cálcio ou um multivitamínico se estiver em risco (por exemplo, baixo teor de laticínios, sol mínimo, dieta altamente restritiva, má absorção).

E Sobre Exercícios?

Para manter os músculos e a saúde geral, siga uma abordagem de 3 etapas para o exercício. Primeiro, aumente gradualmente a atividade moderada, como caminhada rápida, começando com 10 minutos por dia e aumentando para 150 minutos por semana. Em segundo lugar, adicione treinamento de força 2 a 3 vezes por semana por 30 minutos usando faixas, pesos ou exercícios de peso corporal (agachamentos, avanços). Terceiro, mantenha o progresso com 30 a 60 minutos de atividade diária enquanto continua as 2 a 3 sessões semanais de treinamento de força de 30 minutos.

Como posso evitar ganhar peso se eu parar de medicar?

A recuperação de peso varia, mas é menos comum com mudanças contínuas no estilo de vida. Para manter a perda de peso, continue a atividade física (aponte 60 minutos por dia) e o treinamento de resistência (2-3 vezes por semana). Mantenha hábitos alimentares saudáveis, especialmente a ingestão adequada de proteínas.

Como devo rastrear meu progresso?

Acompanhe o que você come usando um aplicativo de smartphone, diário em papel ou fotos. Compartilhe essas informações com sua equipe de saúde.




Percepções Clínicas
Integrando Dieta e Atividade Física ao Prescrever GLP-1 — Fatores de Estilo de Vida Continuam Cruciais

Os agonistas do receptor de peptídeo semelhante ao glucagon tipo 1 (GLP-1) e agonistas duais de receptor (GLP-1 RAs) frequentemente promovem perda de peso (PP) entre 15% e 21%; no entanto, os profissionais de saúde enfrentam desafios para ajudar os pacientes a manejar sintomas gastrointestinais, manter nutrição adequada e preservar a massa magra. Este artigo fornece estratégias práticas para o manejo dos sintomas e sugere intervenções para apoiar a preservação de massa muscular e de nutrientes durante o tratamento com GLP-1 RA.

* Monitoramento da PP e Manejo da PP Excessiva

Os profissionais devem monitorar mensalmente as respostas de PP, tanto baixas quanto excessivas, durante a escalonagem da dose e, depois, ao menos trimestralmente. Para respondedores baixos (<5% de PP em 12-16 semanas), deve-se considerar: (1) continuar a escalonagem padrão da dose e documentar o progresso, reconhecendo que o período padrão de titulação (mínimo de 17 semanas) pode não ser apropriado para todos os indivíduos; (2) avaliar doses esquecidas e ajustar a titulação para maximizar a adesão; e (3) trocar para outro GLP-1 RA se a dose máxima tolerada for ineficaz.

A PP excessiva deve ser avaliada individualmente, não apenas pela quantidade ou velocidade. Sinais de que a PP pode ser excessiva ou estar impactando negativamente a saúde geral incluem IMC inferior a 18,5 (calculado como peso em quilogramas dividido pela altura em metros ao quadrado), anorexia (ingestão <800 calorias/dia) ou ingestão de proteína muito baixa. 

Quando identificada, deve-se: (1) excluir causas secundárias, como transtornos alimentares, endocrinopatias ou tumores malignos; (2) avaliar danos correlacionados, como deficiências nutricionais e desequilíbrios hormonais (por exemplo, amenorreia, baixa libido); (3) avaliar o funcionamento psicológico (por exemplo, Questionário de Saúde do Paciente–9, SF-36), com encaminhamento a especialistas, se necessário; e (4) considerar redução da dose ou interrupção temporária.

* Avaliação Dietética e Manejo Nutricional

Idealmente, deve-se realizar avaliação inicial com nutricionista, com retornos a cada 2 a 3 meses durante a escalonagem da dose. 

Quando o acesso ao nutricionista for limitado, o profissional pode aplicar o Rapid Eating Assessment for Participants–Shortened (REAP-S), uma ferramenta breve de avaliação nutricional. 

É importante enfatizar a qualidade dos nutrientes em vez de uma contagem rígida de calorias. Ainda assim, os pacientes podem se beneficiar de monitoramento periódico da alimentação e ingestão de líquidos por meio de (1) aplicativos de smartphone (por exemplo, MyFitnessPal, Lose It!); (2) registros manuais de alimentos; ou (3) documentação por fotos para melhor orientar ajustes na dieta. Para pacientes que se sentem confortáveis em contar calorias, as faixas de calorias devem ser individualizadas conforme objetivos de peso e nível de atividade.

Nossa figura e o mnemônico MEAL (muscle maintenance, energy balance, avoid side effects, liquid intake) podem guiar o manejo dietético com GLP-1 RA.

Manutenção muscular: para minimizar perda de massa magra, incentivar ingestão adequada de proteínas e atividade física estruturada;

Equilíbrio energético: incentivar refeições menores e densas em nutrientes em vez de restrição calórica rigorosa, recomendando grãos integrais para saciedade e energia sustentada, além de gorduras saudáveis para apoiar a absorção de vitaminas lipossolúveis e reduzir colestase;

Evitar efeitos colaterais: para constipação, aumentar a ingestão de fibras, hidratação (>2–3 L/dia) e usar laxantes de venda livre, se necessário; para náusea, evitar alimentos fritos e bebidas gaseificadas; para refluxo gastroesofágico, comer porções menores, não deitar por 2 a 3 horas após as refeições e limitar gorduras e temperos irritantes;

Ingestão de líquidos: devido ao risco aumentado de desidratação em pessoas com saciedade precoce significativa, recomenda-se consumir mais de 2–3 L de água/dia, além de alimentos ricos em água e eletrólitos.

Embora os agonistas do receptor de GLP-1 (GLP-1 RAs) não bloqueiem a digestão de gorduras nem aumentem o risco de deficiências de vitaminas lipossolúveis, seus efeitos sobre o esvaziamento gástrico, a secreção de ácidos biliares e a absorção de gorduras podem impactar a absorção de micronutrientes. Além disso, a supressão do apetite induzida pelos GLP-1 RAs pode agravar deficiências de micronutrientes já existentes. Os profissionais de saúde devem estar atentos a carências nutricionais comuns em pacientes com obesidade, incluindo vitaminas D (>50%), A (14%-24%), B12 (2%-18%), folato (até 54%) e minerais como ferro (até 45%), zinco (24%-28%), além de cálcio e magnésio (ambos >50% por ingestão inadequada). Nenhum estudo avaliou prospectivamente a suplementação vitamínica com GLP-1 RAs. Um multivitamínico pode ser considerado para pacientes com redução substancial do apetite, associado a uma dieta equilibrada.

Avaliações laboratoriais para identificar deficiências comuns (vitamina D, ferro, vitamina B12) devem ser realizadas quando clinicamente indicado ou quando a perda de peso for extrema.

* Recomendações de Atividade Física

Todas as intervenções para perda de peso resultam em perda de massa magra (15%-25% com mudanças no estilo de vida, 31% com cirurgia bariátrica, 25%-40% com GLP-1 RA), mas esses efeitos podem ser atenuados com modificação da atividade física. Estudos sobre restrição calórica mostram que o treinamento de força pode reduzir a perda de massa magra em 50% a 95% e preservar a densidade óssea. Embora as evidências para GLP-1 RAs ainda sejam limitadas, a combinação de treinamento de força e aeróbico melhorou a força muscular em indivíduos com obesidade tratados com tirzepatida. Os profissionais devem considerar a inclusão de avaliações de força e função muscular, como teste de preensão manual ou teste de caminhada de 6 minutos. Para todos os pacientes, recomenda-se uma abordagem em 3 etapas para atividade física: primeiro, introduzir movimento regular de forma gradual. Como os pacientes podem apresentar fadiga com GLP-1 RAs, começar com metas modestas e evoluir até 150 minutos/semana de atividade moderada ou 75 minutos/semana de atividade vigorosa. Em segundo lugar, incorporar o treinamento de força, visando 60 a 90 minutos/semana. Métodos acessíveis incluem aulas comunitárias ou exercícios em casa com faixas de resistência ou pesos. Por fim, manter de 30 a 60 minutos/dia de exercício aeróbico combinado com treino de força 2 a 3 vezes/semana para resultados ideais de peso e metabolismo no longo prazo. Treinamentos de equilíbrio e mobilidade são especialmente úteis para idosos e para aqueles em risco de sarcopenia.

* Manutenção da Perda de Peso e Interrupção da Medicação

O reganho de peso após a interrupção dos GLP-1 RAs é comum e deve ser discutido com os pacientes já no início do tratamento. Em ensaios clínicos randomizados, observou-se um reganho de peso de aproximadamente 7% a 12% um ano após a descontinuação do tratamento, mas a frequência das visitas de acompanhamento e o aconselhamento sobre estilo de vida variaram entre os estudos, dificultando a generalização para a prática clínica. Embora todos os pacientes cheguem a um platô de perda de peso, ainda não existem protocolos estabelecidos para manutenção da perda de peso com GLP-1 RAs. Os profissionais devem basear as decisões terapêuticas na premissa de que a obesidade é uma condição crônica que normalmente requer manejo de longo prazo, assim como a hipertensão.

Quando se decide fazer a redução gradual, as opções incluem reduzir a dose ou a frequência das injeções ou interromper totalmente o tratamento, com monitoramento progressivamente menor (semanal, depois quinzenal, mensal e, por fim, trimestral) por pelo menos 20 semanas. Deve-se continuar avaliando peso, saúde metabólica, dieta e níveis de atividade, apetite, padrões de sono, alterações de humor e força muscular. A retomada ou aumento da dose deve ser considerada se o reganho de peso exceder 5%.

Embora os GLP-1 RAs representem um avanço importante no manejo da obesidade, o sucesso duradouro do tratamento requer integração da medicação com intervenções individualizadas de nutrição e atividade física. Essa abordagem abrangente otimiza a manutenção da perda de peso, minimiza efeitos colaterais, preserva massa muscular e limita deficiências nutricionais.

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