Da febre ao esquecimento: Como as modinhas na medicina lesam pacientes e enriquece médico$ ?




As paisagens que vi

Eu me formei dia 21/01/2008, exatamente 1 mês antes do meu aniversário. Em 2026 completarei 18 anos de formado e o texto de hoje é sobre o tempo. O passar do tempo e as paisagens que vi ao longo dessa estrada na medicina, tanto do lado direito, quanto do lado esquerdo. 

É também sobre ciclos: como modas em saúde nascem estrondosas, prometem revoluções, saúde, nutrição inteligente/optimizada e desaparecem tão rápido quanto vieram, deixando muitas vezes o paciente como o maior prejudicado, com o bolso vazio e enriquecendo médico$. 

Por volta de 2005 descobri que eu gostava de nutrientes, no meu caminho profissional, eu tinha certeza de que prescreveria mais nutrientes do que medicamentos. 

2008 - 2009

Em 2008, recém-formado, fui morar na Chapada dos Veadeiros (Alto Paraíso) e meu foco naquele ano era os nutrientes. Naquela época, raramente nutricionista prescrevia. Quando voltei para Goiânia, o assédio por parte das farmácias de manipulação existia, mas nem de longe como hoje. Representantes farmacêuticos me mostravam “ativos milagrosos”, a novidade da novidade. Eu, sem malícia, ouvia e pouco questionava. Prescrevi faseolamina, cassiolamina, L-carnitina, BCAA, glutamina. Poucos nutricionistas prescreviam isso naquela época.

Em 2009 a moda da vez era o chá verde. Centenas de estudos apareciam. Eu tomava chá verde, branco, preto, todos são oriundos da Camellia sinensis. Cadê o bem-estar? Eu não sentia. Mas os estudos mostravam benefícios. “É ruim? É, mas vamos tomar”. Mente forte, corpo forte rs. Mesmo que para isso eu precisasse sentir dor na região do estômago (epigastralgia) e pirose (queimação = refluxo). 

2010 - 2011

Em 2010 brotou no lado direito da estrada a famigerada “ração humana”. A indústria alimentícia viu ali uma oportunidade e embalou a gororoba com nome e promessa. Lá estava os médicos no finado Twitter sugerindo ração humana (que vergonha, nossa passado nos condena). 

E então surgiu a “nova novidade” para emagrecimento: o óleo de coco, um frasquinho de 300 ml valendo ouro. Promessas revolucionárias; eu usava; mais tarde virei inimigo do óleo valioso. Hoje abomino o consumo, mas é ótimo como hidrante ou para passar no cabelo, segundo um amigo dermato.  

Em 2011, a semente de chia ganhou o palco e, em 2012, precisávamos de algo “novo” para emagrecimento: importaram o goji berry e propagaram milagres.

Chá verde, ração humana, óleo de coco, chia, linhaça… Foi o boom das lojas de produtos naturais. Tudo a granel, do jeito que a ANVISA e os fungos gostam. Comerciantes lucrando e, claro, prescritores querendo seu quinhão. 

2014 - 2016

Em 2014 veio o verdadeiro efeito manada: a dieta do hCG. Restrição a 500 kcal/dia com injeção de hormônio de grávida. Deu “certo” no curto prazo e às custas do paciente. 

Em 2015 eu já não era tão inocente: propaguei no instagram e aqui no blog: desta água não beberei. Publiquei críticas, trouxe evidências, tomei pedrada de quem surfava a onda. https://www.ecologiamedica.net/2015/11/a-volta-da-perigosa-dieta-do-hormonio.html

Se o hCG “emagrecia” pela restrição calórica, 2015 relançou uma prática milenar para substituí-lo: jejum intermitente. Fama meteórica, começo, meio e agora vemos seu fim como panaceia. Para o negócio dar certo, cria-se o problema e vende-se a solução, um ensinamento clássico do marketing. Texto que coloquei aqui no blog na época: https://www.ecologiamedica.net/2016/01/jejum-intermitente-o-que-ha-de.html

Naquele ano (2016) estourou a prescrição de esteroides anabolizantes para fins estéticos. A estrada escureceu. Uma enxurrada de recém-formados entrou no mercado; o efeito manada ficou escancarado: preparações manipuladas “milagrosas” e, de brinde, anabolizantes. Lucrativo? Sem dúvida. Ético? Outra conversa. 

2017 - 2022

De 2017 a 2019, fórmulas quilométricas e pacientes atordoados perguntando se aquilo tudo era necessário. Tinha gente que gostava e aceitava ser enganado por alguns medico$ (e sejamos honestos, continuam gostando). Tinha gente que desconfiava e não utilizava. E tinha (e ainda tem) uma maioria que questionava a necessidade de tanta suplementação. 

Chegou a pandemia e, com ela, algo ainda mais rentável: terapia com injetáveis (soroterapia) para tudo e para todos, sem respaldo das sociedades científicas quando o trato digestivo está funcionando. 

Em 2021, o ápice do efeito manada estético-hormonal: “chip da beleza”, implantes hormonais. As sociedades médicas reagiram e se posicionaram. A Anvisa proibiu, depois "desproibiu", colocando regras na "implantação". Muitos medico$ lucraram e continuam lucrando. 

De 2022 para cá: as novas modas relâmpago. Algumas nem tão modas assim como os avanços no tratamento do sobrepeso/obesidade/diabetes (evolução dos análogos de GLP-1).

De lá pra cá, a roleta das modas acelerou.

Cenário atual

GLP-1 no holofote total: semaglutida, tirzepatida e derivados viraram sinônimo de “emagrecimento rápido”, em pacientes sem indicação. Médico$ prescrevendo por pura estética, algo na mina opinião, crimoso. Resultado? Desabastecimento, uso sem indicação, abandono de mudanças de estilo de vida, “efeito sanfona” e pacientes órfãos quando a conta chega. Quem realmente precisa fica a mercê do desabastecimento. 

Vieram junto novas fórmulas magistrais (manipulados com ativos lançados ha 2 semanas rs), apresentações “sublinguais”, canetas sem procedência e a promessa de “Ozempic lifestyle”. 

Peptídeos “biohackers”: BPC-157, TB-500, sermorelina, ipamorelina e cia. ganharam clínicas, grupos e podcasts. Protocolos prontos, promessas grandes, evidência pequena. O roteiro se repete: marketing primeiro, ciência depois.

Clínicas da longevidade: pacotes de implante de metformina “anti-aging”, rapamicina off-label, NAD+ IV, coquetéis “mitocondriais”, infusões de “vitaminas high dose”, testes “ômicos” sem indicação clara. Tudo com narrativa de alta-performance, quase sempre com baixo lastro clínico para o público geral. Mais uma vez, portadores de diploma (medico$) lucrando. 

Recentemente me contaram que uma nova moda é a utilização de  dispositivos de Monitoramento Contínuo de Glicose (MCG) para não diabéticos: esses dispositivos que monitoram a glicose continuamente viraram acessório de wellness. Para alguns perfis muito específicos, pode gerar insight. Para a maioria, ansiedade, custos e pouca ação clínica significativa sem time multiprofissional. Um absurdo. 

Em pleno 2025, na era da IA temos: 
  • Dietas-manchete: dieta carnívora “terapêutica”, dieta “detox” hormonal, “protocolo” anti-inflamatório da semana. Viralizam no TikTok, somem no semestre seguinte, deixam confusão alimentar e relação adoecida com a comida (transtorno alimentar gerado com sucesso e o influencer, enriquecendo com isso e também com Bets).
  • Ketamina e psicodélicos: clínicas pipocaram prometendo “cura” em 3 sessões. Há ciência séria em andamento para indicações específicas, mas o over-promise-&-underdeliver machuca pacientes vulneráveis.
  • Ayahuasca como solução para todos os problemas, com indivíduos correndo risco de desenvolver sérios transtornos psiquiátricos. Isso quando não há a combinação de lisdexanfetamina com ayahuasca, na busca de um efeito booster cerebral. Insanidade. E o pior, tem psiquiatra achando isso normal. 
  • Estética agressiva-rápida: remodelação glútea por profissionais sem habilitação cirúrgica ganhou manchete. Daqui a pouco surge outro “procedimento-atalho” para resultados dramáticos e lucros instantâneos. Se para mulheres, nos ultimos 20 anos tivemos os implantes de silicione, uso de PMMA, para homens hoje existe a harmonização íntima, ou harmonização peniana. Na verdade o combo: Esteroide anabolizante (testosterona), tadalafila e harmonização peniana. 

No meio disso tudo, reforça-se o que sempre vi na estrada: vários médicos migram de área conforme a lucratividade do momento. Hoje emagrecimento com caneta; amanhã “volta o antiaging”; depois estética; depois dor; depois performance. 

O paciente vira cliente de um funil de vendas, não de um plano terapêutico. As sociedades científicas se posicionam, o CFM regula, a mídia noticia e ainda assim, prescrevem. Por quê? Porque há inúmer$o$ motivo$ para e$$e tipo de pre$crição.

O que fica (e o que não deveria ficar)

O que fica é o impacto no paciente: frustração, bolso vazio, expectativas destroçadas, riscos desnecessários, relação médico-paciente desgastada. 

O que deveria ficar é simples e pouco instagramável: 
  • Ética, 
  • Medicina centrada na pessoa, 
  • Medicina baseada em evidência, com ciência aplicada ao caso concreto, 
  • Continuidade de cuidado e humildade diante da evidência.

Meu convite para quem lê, colegas e pacientes

  1. Desconfie de soluções rápidas e narrativas perfeitas.
  2. Pergunte por indicação, benefício absoluto, desfechos clinicamente relevantes, segurança e tempo de seguimento.
  3. Procure profissionais que não surfem ondas, mas que acompanhem você.

Lembre que estilo de vida estruturado (sono, alimentação, movimento, manejo de estresse) não é moda: é pilar. Medicamentos e procedimentos têm lugar, com critério, indicação e monitorização.

O futuro? Incerto. Mas um padrão é certo: quanto mais barulho, marketing e promessas, maior a chance de moda. E, normalmente, quem paga a conta é o paciente. E quem lucra é o portador de diploma. 

Quais as próximas modas? Eu não sei. Mas sei o que não muda: compromisso com a ética, com a evidência e com o indivíduo à minha frente.

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui. 

Comentários

  1. Texto brilhante ! De aplaudir com as mãos e os pés ! Parabéns !

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  2. Muito boa a análise. A situação não melhora, só piora. Cadê o fundo do poço da medicina?

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