Meta-análise da Nature Medicine revela: tirzepatida e semaglutida inauguram nova era no tratamento da obesidade
Em meio ao intenso interesse público e ao hype da mídia em torno dos novos medicamentos para obesidade, pode ser difícil separar os fatos da ficção. As promessas são grandes, mas o que a ciência realmente comprovou?
Pra responder a essa pergunta, uma equipe pesquisadores mergulhou fundo nos dados, publicando uma análise na prestigiada revista científica Nature Medicine.
Este não é apenas mais um estudo. Trata-se de uma revisão sistemática e meta-análise massiva, que compilou e analisou os resultados de 56 ensaios clínicos randomizados, envolvendo um total impressionante de mais de 60.000 pacientes.
O resultado é a visão mais clara e abrangente que temos até hoje sobre o que esses medicamentos podem e o que não podem realizar.
Este artigo destila os principais achados dessa pesquisa monumental, revelando verdades que podem mudar a forma como pensamos sobre o tratamento da obesidade.
Existe um enorme abismo de potência entre os medicamentos
O estudo comparou a perda de peso corporal total (TBWL = total body weight loss) média alcançada por cada medicamento em relação ao placebo. Já escrevi sobre isso aqui no blog: https://www.ecologiamedica.net/2025/10/porcentagem-de-perda-de-peso-das.html
Enquanto a tirzepatida e a semaglutida alcançaram uma perda média superior a 10%, as outras medicação apresentaram resultados muito mais modestos.
A hierarquia de potência ficou clara:
- Tirzepatida: 16.2% - lançada em 2022
- Semaglutida: 11.9% - lançada em 2017
- Fentermina/topiramato: 8.8% - lançada em 2012
- Naltrexona/bupropiona: 4.8% - lançada em 2014
- Liraglutida: 4.5% - lançada em 2010 para Diabetes e em 2014 para obesidade
- Orlistate: 3.1% - lançado em1999
Apesar da Sibutramina ser utilizada no Brasil, em outros países ela é probida e não fez parte da meta-análise.
Esses números não são apenas estatísticas; eles representam uma evolução marcante no tratamento farmacológico da obesidade, mostrando que os medicamentos mais recentes oferecem um nível de eficácia que era inimaginável há alguns anos.
Os benefícios vão muito além da balança
Talvez a descoberta mais importante do estudo seja que o foco do tratamento da obesidade está mudando. Os medicamentos mais potentes não apenas ajudam a perder peso; eles também geram melhorias significativas em uma ampla gama de condições de saúde associadas à obesidade.
A análise revelou benefícios específicos e clinicamente importantes:
- A semaglutida demonstrou ser eficaz na redução de eventos cardiovasculares adversos graves e também na diminuição da dor em pacientes com osteoartrite de joelho.
- A tirzepatida foi eficaz em promover a remissão da síndrome da apneia obstrutiva do sono e da esteato-hepatite associada à disfunção metabólica (MASH), uma forma grave de doença hepática gordurosa.
- A tirzepatida reduziu significativamente as hospitalizações por insuficiência cardíaca, enquanto a semaglutida demonstrou uma tendência promissora, mas não estatisticamente significativa, na mesma direção.
Essa distinção é crucial: enquanto um medicamento já tem prova robusta para essa condição, o outro ainda está na categoria de promissor, mostrando que mesmo drogas semelhantes podem ter perfis de benefício distintos. Essa mudança de perspectiva é tão fundamental que os próprios autores do estudo a destacaram, afirmando que essas descobertas recentes: "marcadamente moveram o campo para frente, para longe apenas da perda de peso."
Isso sinaliza uma nova era, onde o objetivo não é apenas reduzir o número na balança, mas melhorar a saúde geral e tratar as complicações da obesidade.
Parar o tratamento abruptamente causa reganho de peso significativo
Uma das verdades mais cruas reveladas pelo estudo aborda a natureza crônica da obesidade. Esses medicamentos não são uma "cura" de curto prazo.
A evidência científica reforça que a obesidade é uma doença crônica que exige manejo contínuo, semelhante a condições como diabetes ou hipertensão.
O estudo apresentou estatísticas sobre o que acontece quando o tratamento é interrompido. Após um ano (52 semanas) de tratamento, os pacientes que pararam de usar os medicamentos recuperaram uma porção substancial do peso perdido:
- Com a semaglutida, os pacientes recuperaram, em média, 67% do peso perdido.
- Com a tirzepatida, os pacientes recuperaram, em média, 53% do peso perdido.
Esta é uma lição fundamental: para manter os benefícios de saúde e a perda de peso alcançados, o tratamento precisa ser contínuo ou então que a retirada das drogas seja gradual. Temos a opção de tentar espaçamento das doses ou redução das doses.
Interromper a medicação provavelmente levará a um reganho de peso significativo, revertendo os progressos obtidos. Principalmente quando feito de forma abrupta. E nós como médicos devemos sempre deixar o paciente consciente que pode ser que ele tenha que utilizar a medicação por toda a vida. A verdade pode doer, mas é a realidade. Nem todos os pacientes conseguirão fazer desmame da medicação. Explicar isso para o paciente é ser honesto.
Não existe uma solução única para todos
A análise deixa claro que a escolha do medicamento ideal deve ser altamente individualizada. Isso ocorre porque diferentes drogas têm mecanismos de ação, perfis de eficácia e efeitos colaterais distintos, que podem ser mais ou menos adequados para cada paciente. Na prática percebemos isso. Há pacientes que perdem peso com Semaglutida mas não perdem peso com Tirzepatida.
Um exemplo surpreendente do estudo ilustra perfeitamente essa necessidade de personalização. Enquanto a maioria dos medicamentos para obesidade ajudou a reduzir a pressão arterial, uma combinação específica, a naltrexona mais bupropiona, foi associada a um aumento significativo da pressão arterial sistólica. Isso destaca o risco de uma abordagem "padrão" para todos.
Outro fato interessante na combinação Naltrexona com Bupropiona é o potencial efeito ansiogênico ou de piora do sono. Infelizmente, em consultas rápidas, muitos médicos negligenciam esse efeito, podendo ser gatilho para desencadeamento de transtornos psiquiátricos. Ou seja, cautela e individualização nunca é demais.
Além disso, a potência nem sempre é o único fator a ser considerado. O orlistate, embora seja o menos eficaz para a perda de peso geral, foi associado à maior redução do colesterol total e pode auxiliar na constipação intestinal. Isso mostra como um medicamento menos potente em um aspecto pode ser a melhor escolha para um paciente cujo principal objetivo é controlar o colesterol, reforçando a necessidade de um plano de tratamento verdadeiramente personalizado.
Conclusão: Uma nova era no tratamento da obesidade
A humanidade está evoluindo. Se em 2018 eu estava aqui no blog brigando por conta do preconceito em relação ao tratamento farmacológico da obesidade, hoje estamos discutindo eficácia das medicações. Leiam esse texto:
O mundo dá voltas, ciência pode nos esclarecer algumas dúvidas (mesmo que demore décadas), combater preconceitos, mudar paradigmas. Ignorante é o profissional da saúde que invalida o tratamento farmacológico ou cirúrgico da obesidade. Crueldade: não existe definição melhor para esse tipo de profissional, que defende que obesidade é só questão de fechar a boca e fazer exercício. Atestado de ingorância combinada com crueldade.
Essa grande meta-análise publicada na revista Nature Medicine confirma que estamos em um momento de transformação no tratamento da obesidade. Os medicamentos modernos, especialmente a tirzepatida e a semaglutida, representam um salto quântico em eficácia, oferecendo não apenas uma perda de peso significativa, mas também benefícios de saúde que vão muito além da balança.
No entanto, essa nova era também exige uma nova mentalidade. Esses medicamentos são ferramentas poderosas para o manejo de uma doença crônica e complexa, e não soluções rápidas ou curas milagrosas.
O sucesso a longo prazo depende do tratamento contínuo e de uma abordagem personalizada que leve em conta as necessidades e os objetivos de saúde únicos de cada indivíduo.
Com essas novas ferramentas em mãos, a questão que fica é: como a medicina pode evoluir para um tratamento da obesidade que seja verdadeiramente personalizado e focado não apenas na balança, mas na saúde como um todo?
Artigo: McGowan, B., Ciudin, A., Baker, J.L. et al. A systematic review and meta-analysis of the efficacy and safety of pharmacological treatments for obesity in adults. Nat Med 31, 3317–3329 (2025).
Link do artigo: https://www.nature.com/articles/s41591-025-03978-z
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui.

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