Quando falo de obesidade no consultório, muitos pensam que o processo de emagrecimento fica restrito ao tripé: dieta, exercício e uso de farmacoterapia antiobesidade. Mas muitos negligenciam o sono, na verdade subestima, por pura ignorância. Negligenciar o sono é como tentar encher um balde furado.
Dormir pouco ou mal aumenta o risco de obesidade, especialmente a central (gordura abdominal), e piora marcadores cardiometabólicos. Mas será que existe fundamentação científica e evidências robustas relacionadas a sono e obesidade?
Sim, há evidências robustas dessa correlação (e percebo claramente isso, principalmente no ambulatório, já que lá é onde mais atendo pacientes que trabalham no turno noturno)
Estudos epidemiológicos, ensaios clínicos randomizados e diretrizes de sociedades médicas confirmam que a duração e a qualidade do sono (se há apnéia obstrutiva ou não) estão associadas ao risco de ganho de peso e obesidade em adultos e crianças.
A privação de sono (tipicamente menos de 7 horas por noite) está associada a maior ingestão de comida (obviamente de calorias), aumento do apetite (principalmente por carboidratos e gorduras ou alimentos hiperpalatáveis), alterações hormonais (como aumento de grelina e redução de leptina) e menor atividade física devido à fadiga. Muitas vezes é comum o relato de que quem tem privação de sono, geralmente pula o café da manhã, provavelmente porque ingeriu calorias em excesso durante o período noturno.
Alguns artigos tem mostrado que a extensão do sono pode reduzir a ingestão energética e promover balanço energético negativo, sugerindo potencial benefício para o controle do peso.
Meta-análises e grandes estudos de coorte demonstram que cada hora a menos de sono está associada a aumento do risco de obesidade e maior índice de massa corporal (IMC). E nas crianças e adolescentes a relação é ainda mais pronunciada, com risco aumentado de sobrepeso/obesidade em quem dorme menos. Recentemente escrevi sobre a deterioração silenciosa da saúde das nossas crianças: https://www.ecologiamedica.net/2025/10/saude-infantil-em-risco.html
Mecanismos envolvidos incluem:
- Alterações neuroendócrinas,
- Maior sensibilidade ao valor hedônico dos alimentos (aumento do apetite hedônico),
- Mudanças comportamentais que favorecem o consumo alimentar excessivo
Portanto, a relação entre sono insuficiente e ganho de peso é bem estabelecida e multifatorial, sendo relevante tanto para a prática clínica quanto para políticas de saúde pública.
Mas como isso ocorre?
Hormônios, fome e saciedade: por dentro do mecanismo
O sono conversa com seus hormônios de apetite, controle glicêmico e recompensa alimentar. Em condições de insuficiência de sono e desalinhamento circadiano, há tendência a maior fome subjetiva, preferência por alimentos densos em energia e pior sensibilidade à insulina. Isso é um terreno fértil para o ganho de peso.
A literatura atual aponta que os efeitos em leptina e grelina variam por desenho de estudo e perfil do paciente, mas o conjunto das evidências liga pouco sono a maior ingestão e pior autorregulação alimentar. Em linguagem simples: quanto pior (ou menor) o sono, mais difícil dizer “não” ao alimento hiperpalatável
Calorias sob controle: o que mostram ensaios clínicos
Não é só correlação. Em ensaio clínico randomizado publicado em 2022 no JAMA, estender o tempo de sono de adultos com sobrepeso que dormiam <6,5 h/noite DIMINUIU a ingestão calórica espontânea e gerou balanço energético negativo em vida real, sem prescrição de dieta restritiva.
O inverso também vale: restringir o sono aumenta a ingestão, o peso e, pior, concentra gordura visceral, justamente a mais perigosa para a nossa saúde. Na prática, dormir o suficiente “tira o pé do acelerador” da fome biológica e facilita aderir ao plano alimentar. Facilitando a ação dos medicamentos para tratamento da obesidade (ex. Semaglutida, Liraglutida, Tirzepatida).
Não é só quanto você dorme, é quando você vive e come
O relógio biológico organiza hormônios e metabolismo por horários; quando você come e fica acordado num momento em que o corpo “espera” sono, paga-se um pedágio metabólico. Trabalho publicado em 2022 na Nature, mostrou que insuficiência de sono, trabalho em turnos e refeições tardias desalinham os relógios centrais e periféricos, favorecendo resistência à insulina, inflamação e ganho de peso. Ajustar janela alimentar e rotinas de luz/escuro é estratégia concreta para reduzir esse atrito biológico e potencializar resultados.
Insônia: tratar primeiro, medicar depois
Para quem sofre de insônia, o tratamento de primeira linha é a Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (TCC-i) tem efeitos duradouros superiores aos hipnóticos para manutenção do sono e da funcionalidade diurna. Ou seja, o médico do sono prudente, no primeiro momento vai indicar a TCC-i para o paciente e caso não funcione, aí sim medicará. Se precisa de indicação de profissional, tenho uma excelente para indicar: Dra. Conceição Simão. Uma neuropsicóloga que atende com sucesso meus pacientes com problemas de sono: https://www.nutrologogoiania.com.br/profissionais-que-confio/
Os componentes centrais que favorecem a insônia incluem:
- Controle de estímulos,
- Restrição do tempo na cama.
- Reestruturação cognitiva, ensinando o cérebro a dormir de novo.
Em obesidade, tratar a insônia melhora energia, disciplina alimentar e adesão ao exercício.
Outras ferramentas que podem auxiliar esses pacientes são: caminhada, yoga e caminhada. Escrevi sobre isso aqui: https://www.ecologiamedica.net/2025/09/ioga-tai-chi-caminhada-insonia.html
Também escrevi recentemente sobre métodos de higiene do sono: https://www.ecologiamedica.net/2012/02/metodos-de-higiene-do-sono-o-que.html
Apneia do sono e obesidade: uma via de mão dupla
Excesso de peso aumenta a chance de ronco e apneia obstrutiva do sono (AOS) ao estreitar a via aérea; em contrapartida, a AOS desregula:
- Tônus autonômico,
- A inflamação,
- Cinética de vários hormônios: cortisol, testosterona, LH, FSH, TSH, insulina,
- Pressão arterial, frequência cardíaca,
- Diurese,
- A disposição favorecendo sonolência excessiva diurna, redução da disposição com isso dificuldade para praticar atividade física,
- Equilibrio entre grelina e leptina,
- Emoções: favorece piorar da ansiedade, sintomas depressivos.
Ou seja, favorecerá ganho de peso além de outras cormobidades
Essa relação bidirecional exige abordagem integrada:
- Anamnese com aplicação de uma esclada para verificar se há possível sonolência diurna
- Medida da circunferência do pescoço
- Realização de polissonografia basal, que caso presente alto nívei de eventos respiratórios, deve-se prosseguir com a realização de uma nova polissono porém com CPAP.
Quando há AOS moderada a grave, a pressão positiva (CPAP/PAP) reduz a sonolência e melhora desfechos cardiometabólicos, com quedas modestas porém significativas em pressão arterial e sinais de melhora em glicemia e lipídios em meta-análises recentes; lifestyle continua indispensável para perda de peso. Isso é algo nítido que vejo nos pacientes no consultório. Importante salientar que a perda de peso também auxilia na melhora da apnéia. Inclusive a Tirzepatida e Semaglutida mostraram benefícios na redução da SAOS. Inclusive a propria ANVISA em Outubro/2025 NVISA aprovou a nova indicação da Tirzepatida para SAOS.
Quanto dormir? A régua baseada em evidências
As sociedades de sono recomendam que adultos durmam 7 horas ou mais por noite, regularmente, para promover saúde metabólica, cardiovascular e mental; alguns precisarão de 7–9 h para render bem. Se você vive cronicamente com 5–6 h, está em “déficit metabólico oculto”, que não se compensa com café ou estimulantes (ex. pré-treino). Padronizar horário de acordar, reduzir luz à noite e ancorar rotinas prepara o terreno para emagrecimento e controle do apetite ao longo do dia.
Passo a passo prático para hoje à noite
Defina um horário fixo de acordar 7 dias/semana e retroplaneje para garantir ao menos 7 h na cama; reduza telas e luz brilhante 60–90 min antes, jante mais cedo e evite álcool próximo ao sono. Se não funcionar, procure um médico do sono e um psicólogo especialista em TCC-i.
Meu convite: durma melhor para pesar menos
Se você luta com obesidade, síndrome do comer noturno, insônia ou cansaço crônico, tratar o sono pode ser o divisor de águas que falta na sua vida. No consultório, percebo que alinhar relógio biológico, ajustar hábitos e, quando preciso, tratar AOS com CPAP potencializa dieta, reduz fome e devolve clareza mental e disposição.
Não negligencie o seu sono !
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui.
Bibliografia:


Comentários
Postar um comentário
Propagandas (de qualquer tipo de produto) e mensagens ofensivas não serão aceitas pela moderação do blog.