O que ninguém conta sobre a bariátrica




A obesidade é uma doença crônica, complexa, altamente recidivante e progressiva. Se você está considerando cirurgia bariátrica, precisa saber que o cenário mudou: o Brasil atualizou critérios, expandiu indicações e profissionalizou ainda mais o cuidado. 

Esse texto não é sobre “atalho”; é sobre reposicionar seu metabolismo, reduzir riscos cardiometabólicos e ganhar anos de vida com qualidade. Elaborei esse texto, para que você, que sofre com a obesidade, possa discutir com o seu médico sobre a possibilidade da cirurgia bariátrica. 

E o motivo desse texto é porque o número de cirurgias bariátricas está caindo. Razão: surgimento de análogos de GLP-1 com menos efeitos colaterais e que promovem perda de peso acima de 20%. Porém, não são todos os pacientes que vão responder a essas medicações. Ou, ainda que respondam, muitos não terão condições financeiras de custear o tratamento por longo prazo. Ou seja, para vários pacientes a bariátrica é a melhor opção. 

Todo o texto foi elaborado baseado no Posicionamento da BRASPEN (2025) sobre cirurgia bariátrica: https://www.ecologiamedica.net/2025/10/cirurgia-bariatrica-braspen.html

Quem agora é elegível: muito além do IMC “muito alto”


A Resolução CFM nº 2.429/25 redefiniu as regras no país. Continuam elegíveis os pacientes com IMC ≥40 kg/m² e aqueles com IMC ≥35 kg/m² com doença associada. Mas a novidade é clara: IMC entre 30–34,9 kg/m² com comorbidades graves também pode indicar cirurgia metabólica, desde que haja avaliação multiprofissional e tentativa prévia de tratamento clínico. O documento também detalha critérios para adolescentes, reforçando segurança, consentimento e suporte familiar estruturado. Para ler mais acesse esse post: https://www.ecologiamedica.net/2025/05/nova-resolucao-de-cirurgia-bariatrica.html

Por que isso importa na prática: “prevenir o pior"


Tradicionalmente, o sistema esperava a doença avançar para só então operar. Em 2025, a diretriz brasileira reconhece que tratar mais cedo pode auxiliar a evitar complicações irreversíveis (esteatose com fibrose,  síndrome de apneia obstrutiva do sono grave, Diabetes mellitus tipo 2 de difícil controle, Hipertensão arterial grave, Doenças osteomusculares degenerativas). 

Na vida real, isso significa menos tempo sofrendo, menos remédios e menos internações. Comorbidades deixaram de ser coadjuvantes e passaram a ditar a urgência terapêutica, inclusive em faixas de IMC antes negligenciadas. 

Quais técnicas “valem a pena” segundo os posicionamentos atuais


O posicionamento técnico recente do meio científico brasileiro descreve a maturidade das principais técnicas (bypass em Y de Roux e gastrectomia vertical) e lista cirurgias alternativas úteis em revisões cuidadosamente indicadas. Em paralelo, desaconselha procedimentos antigos de pior perfil risco-benefício, como banda ajustável e técnica de Scopinaro. Ao paciente, interessa ter clareza: há um núcleo de técnicas bem estabelecidas e um perímetro de alternativas com indicações específicas. 

Endoscopia também entra no radar (em casos selecionados)


Além da cirurgia, o arsenal endoscópico reconhecido inclui o balão intragástrico e a gastroplastia endoscópica, úteis em contextos definidos, com protocolo de seleção e acompanhamento rígidos. Não é “atalho estético”: é estratégia terapêutica temporária para reduzir risco cirúrgico, preparar terreno metabólico ou manejar reganho em cenários específicos. A mensagem é simples: existe um gradiente de intervenções; individualização é a palavra-chave. 

Equipe multiprofissional: quem precisa estar ao seu lado


Cirurgião, endocrinologista (ou clínico), cardiologista, psiquiatra, nutricionista e psicólogo compõem o coração do cuidado. A resolução explicita também contraindicações, coo incapacidade de aderir ao seguimento, além de reforçar que o sucesso dependerá de preparo, educação e acompanhamento prolongado. Em outras palavras: o resultado é da equipe, mas também é seu. Compromisso e comparecimento às consultas são “medicamentos” não negociáveis. Ao longo de 11 anos no ambulatório de Nutrologia no SUS, o que percebo? Existem 4 grandes erros dos pacientes que reganham peso de forma significativa:
  1. Dieta pobre em proteína
  2. Ausência de musculação e aeróbico
  3. Não utilização de vitaminas e minerais
  4. Comparecimento regular às consultas de revisão.


A “mágica” não é só reduzir estômago: é reprogramar hormônios


Depois do bypass ou da sleeve, nutrientes chegam mais rápido ao intestino distal, estimulando células L e um pico pós-prandial potente de incretinas como GLP-1 e PYY. Isso reduz fome, melhora saciedade, otimiza secreção de insulina e sensibilidade tecidual. Estudos de 2025 descrevem aumentos marcantes de GLP-1, chegando a múltiplos do basal, explicando por que o diabetes tipo 2 frequentemente entra em remissão antes da grande perda ponderal. Metabolismo conversa, e a cirurgia muda o idioma dessa conversa.

Metabolismo, fígado e diabetes: o benefício que os olhos não veem


A perda de peso é só a ponta do iceberg. A cirurgia melhora resistência à insulina, reduz lipotoxicidade e inflamação, impactando fígado gorduroso e risco cardiovascular. Para quem já vive com DM2, a chance de remissão parcial/total é real, especialmente com técnicas metabólicas e plano alimentar bem conduzido. É uma “ressignificação” do metabolismo que, monitorada, se sustenta por anos. A palavra de ordem é vigilância para manter a chama acesa. 

A prática regular de exercício também é fundamental para potencializar essa menor resistência insulínica. As vezes os pacientes acham que estamos exagerando, mas a prática de exercícios potencializa a perda de peso e o treino de força ajuda a evitar alterações músculo-esqueléticas que a cirurgia pode predispor, devido à perda acentuada de músculos. 

O calcanhar de Aquiles: abandono do seguimento


Um dado incômodo: muitos pacientes somem do consultório após a euforia inicial. Revisões recentes e coortes mostram que a queda de adesão é acentuada do 1º para o 2º ano, comprometendo a manutenção do peso, a correção de deficiências e a detecção de complicações tardias. Não é detalhe administrativo; é fator clínico que muda desfecho. Quem segue no acompanhamento perde mais, recupera menos e vive melhor. Ponto.

O preço do sumiço: quando o “depois” define o resultado


Perder o follow-up aumenta risco de reganho, anemia, osteopenia, deficiência de B12, ferro e vitamina D, além de dificuldades psicológicas não endereçadas. O seguimento permite ajustar proteína, suplementação, atividade física e, se necessário, intervir precocemente. 

Minha regra no consultório e ambulatório é simples: pós-operatório tem calendário, e calendário vira hábito. Sem isso, qualquer técnica perde potência. Por isso sou categórico antes mesmo do paciente ser submetido: No primeiro ano terá que voltar pelo menos a cada 3 meses. Sendo que nos primeiros 6 meses peço retorno mensal. Alguns acham exagero, mas ao longo desses 11 anos é o que vejo dando resultado.

Reganho de peso: não é “culpa”, é fisiologia (e tem solução)


Mesmo com cirurgia, o corpo tenta voltar ao “set point”. Alterações no eixo fome-saciedade, na microbiota e na composição corporal (perda de massa magra) favorecem platôs e reganhos. Por isso insisto em proteína adequada, treino de força, higiene do sono e manejo de estresse. E quando necessário, estratégias farmacológicas entram em cena. A herança biológica é forte; nossa estratégia precisa ser mais forte. 

Você deve estar se perguntando: remédio para emagrecer após cirurgia bariátrica? Sim. Isso é mais comum do que se pensa e brinco que graças a Deus temos mais essa ferramenta, para os pacientes que não são bons respondedores à cirurgia. 

PBH: a hipoglicemia tardia que poucos esperam


Meses após a cirurgia, parte dos pacientes pode apresentar hipoglicemia pós-bariátrica (PBH), tipicamente 2–4 horas após a refeição, com sudorese, tremor, confusão e, em casos graves, síncope. 

O diagnóstico é clínico-laboratorial e segue a tríade de Whipple: glicose baixa, sintomas de hipoglicemia e melhora após a correção da glicose. Diferencie de dumping precoce, que ocorre logo após refeições ricas em açúcar e tem perfil predominantemente gastrointestinal/vasomotor. 


Suplementação e exames: o roteiro que não pode falhar


O pós-operatório exige protocolo de vitaminas e minerais adaptado à técnica: ferro, B12, folato, cálcio, vitamina D, zinco, entre outros. A periodicidade dos exames é definida pela equipe e muda ao longo do tempo. Não é opcional, é parte do tratamento. Quem banaliza suplementação abre a porta para fadiga crônica, queda de cabelo, baixa de imunidade e perda óssea, efeitos evitáveis com disciplina e acompanhamento. 

Sleeve x Bypass: qual caminho escolher?


A gastrectomia vertical costuma ser tecnicamente mais simples e com menor risco de deficiência de micronutrientes, mas pode ter maior risco de refluxo. O bypass, por sua vez, tende a maior impacto metabólico (GLP-1 e remissão de DM2), à custa de maior complexidade nutricional. A escolha depende do seu perfil clínico, comorbidades, estilo de vida e preferências, definidas em decisão compartilhada. Não existe “melhor” universal; existe “melhor para você”. 

Adolescentes: quando operar mais cedo faz sentido


Para adolescentes, a resolução brasileira estabelece critérios rígidos, avaliação psicológica, suporte familiar e educação em saúde antes e depois da cirurgia. O objetivo é frear a progressão da doença, reduzir estigma e prevenir sequelas silenciosas (esteato-hepatite, DM2, apneia). Operar cedo, quando bem indicado, muda trajetórias de vida — mas só com rede de apoio forte e escola/família alinhadas. 

E a apneia, o fígado e o rim? Benefícios que somam pontos


Pacientes com apneia obstrutiva do sono, doença gordurosa hepática e doença renal crônica precoce figuram entre as comorbidades que podem se beneficiar do tratamento cirúrgico, segundo o marco regulatório de 2025. Ao reduzir inflamação sistêmica e resistência insulínica, a cirurgia cria “efeito dominó” positivo em múltiplos órgãos, desde que você faça a sua parte no pós. Esse é o pacto. 

O papel da psicologia e da psiquiatria: comer é mais do que nutrir


Alimentação também é afeto, recompensa, cultura e anestesia emocional. No pós, novos gatilhos podem aparecer: ansiedade, transferência de compulsões, desafios de imagem corporal. Tratar emoção com a mesma seriedade com que tratamos o estômago é o que garante sustentabilidade. Terapia, grupos, educação alimentar e, quando indicado, farmacoterapia para saúde mental fazem parte do plano de sucesso. 

Trabalho, rotina e sono: o tripé da manutenção


Sono curto sabota perda de peso; turnos irregulares e refeições tardias pioram controle glicêmico e fome. No programa de manutenção, alinhamos relógio biológico, atividade física (com foco em força) e planejamento alimentar possível para a sua agenda. Estratégia boa é a que você consegue fazer amanhã. Metabolismo ama rotina; sua balança também. (E sua cabeça agradece.)

Decisão compartilhada: ciência + valores pessoais


Operar é uma decisão muito séria. Meu papel como nutrólogo é traduzir riscos e benefícios, mostrar alternativas e respeitar seus valores. E nesse caso não há espaço para achismos. Cabe a mim mostrar para o paciente o que as evidências científicas mostram. Quais terapias temos disponíveis no momento presente, esclarecer para o paciente prós e contras da cirurgia.

Deixar o paciente ciente que a cirurgia não é o fim de linha. Que infelizmente ele pode não ser um bom responder e teremos que continuar lutando contra a obesidade. Também mostrar que há vários casos bem sucedidos, nos quais a cirurgia transforma e dá vida para pacientes. 

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui.


Comentários