Muitas pessoas sabem que fazer tatuagens traz riscos à saúde, como infecções e reações alérgicas. No entanto, estudos recentes têm sugerido também uma associação entre tatuagens e neoplasias, entre elas câncer de pele, linfoma e leucemia.
As pesquisas são preliminares e ainda existem muitas incógnitas — inclusive o motivo dessa possível conexão. Não há evidências suficientes para dizer se tatuagens causam câncer ou não, disse a Dra. Rachel McCarty, Ph.D., epidemiologista ligada à International Agency for Research on Cancer (IARC), sediada na França. “Não teremos a resposta para essa pergunta nos próximos anos”, disse ela.
Ainda assim, "as pessoas devem ser informadas" sobre os possíveis riscos, disse a Dra. Signe Bedsted Clemmensen, Ph.D., epidemiologista vinculada à Syddansk Universitet, na Dinamarca, especialmente porque cerca de um em cada três estadunidenses — 38% das mulheres e 27% dos homens — tem tatuagens. Veja a seguir o que os cientistas sabem até o momento.
Tinta usada na tatuagem pode conter substâncias cancerígenas
Os seres humanos têm aplicado pigmentos sobre o próprio corpo de forma decorativa desde pelo menos 3.000 a.C., como mostra a pele tatuada de uma múmia congelada conhecida como Ötzi, o “Homem de Gelo”. Haroldo II, rei da Inglaterra , tinha uma tatuagem, assim como Thomas Edison, Winston Churchill e até a mãe de Churchill, que tinha o desenho de uma serpente no punho .
Entretanto, as tatuagens eram diferentes naquela época, disse a Dra. Milena Foerster, Ph.D., também epidemiologista ligada à IARC. As antigas tatuagens feitas à mão com a técnica stick-and-poke “demoravam muito mais para serem feitas em comparação com as realizadas com máquinas apropriadas, por isso a superfície tatuada era muito menor”. Além disso, com as máquinas de tatuagem modernas, “mais tinta acaba penetrando na pele”.
Outro aspecto relevante é que os pigmentos mais antigos também eram diferentes. Tradicionalmente, a pele era decorada com pigmentos de fuligem, carvão ou folhas moídas. As tintas modernas são totalmente diferentes disso.
“As tintas coloridas geralmente são compostas pelas mesmas substâncias presentes em tintas usadas em impressoras, na pintura automotiva e assim por diante”, disse a Dra. Rachel.
Essas tintas são coquetéis de compostos orgânicos e inorgânicos, como solventes, emulsificantes, aglutinantes, agentes antiespumantes e conservantes. Alguns desses compostos, como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, encontrados recentemente em quase metade das tintas usadas na Europa, são sabidamente nocivos à saúde. “Esse é o principal carcinógeno presente na fumaça do cigarro”, disse a Dra. Milena. Além disso, também temos metais pesados, como chumbo, cromo e arsênio, encontrados em 9% das tintas europeias, e pigmentos azoicos, presentes nas tintas automotivas, que podem liberar aminas aromáticas com atividade carcinogênica. Embora as tintas europeias possam parecer mais prejudiciais, isso se deve principalmente ao fato de que elas foram as mais estudadas recentemente, e não por serem piores do que as tintas encontradas em outros lugares, como os EUA.
Inclusive, as tintas usadas nos EUA podem conter as mesmas substâncias, mas estão sujeitas a um escrutínio menos rigoroso. Em 2022, a União Europeia passou a regulamentar as substâncias presentes em tintas de tatuagem e maquiagem permanente. No entanto, nos EUA, “não há regulamentações atualmente”, disse a Dra. Rachel. As tintas usadas na aplicação de tatuagens são classificadas como cosméticos, e nenhuma delas é aprovada para injeção direta na pele pela Food and Drug Administration (FDA). (As práticas relacionadas à realização de tatuagens geralmente são regulamentadas por jurisdições americanas locais.)
Com tantos compostos potencialmente tóxicos presentes em tintas de tatuagem, epidemiologistas — pesquisadores que estudam como as doenças afetam grandes populações — estão preocupados com os efeitos desses compostos na saúde, inclusive a possibilidade de causarem câncer.
Intuição médica levou a uma correlação com o câncer
A Dra. Rachel e outros cientistas começaram a pesquisar a questão do câncer após terem recebido uma ligação do Dr. Paul Shami, médico hematologista ligado ao University of Utah Huntsman Cancer Institute, nos EUA. O Dr. Paul, que atende pacientes com leucemia, começou a ter uma sensação de que estava vendo mais casos de câncer em pacientes com tatuagens.
Será que há alguma associação ou apenas uma maior parcela da população está se tatuando? Os cientistas analisaram 820 casos de câncer e os compararam com 8.200 indivíduos controles pareados conforme idade, sexo e etnia. Os resultados, publicados em 2024, sugerem que pessoas com tatuagem podem apresentar um aumento no risco de certos tipos de linfoma não Hodgkin. Além disso, indivíduos que fizeram tatuagens antes dos 20 anos tiveram um risco maior de neoplasias mieloides (tumores hematológicos raros).
Posteriormente, tivemos outro estudo, dessa vez na Suécia, mostrando que pessoas com tatuagens apresentam maior risco de linfoma. Um estudo dinamarquês publicado em 2025, do qual a Dra. Signe foi coautora, verificou que, considerando tatuagens maiores do que um palmo, o risco de linfoma era mais do que o dobro do de pessoas sem tatuagens. Como em qualquer estudo observacional, não é possível provar nada — esse tipo de pesquisa só consegue mostrar uma associação, e não a causa.
Porém, os cientistas têm uma hipótese: "Já está bem estabelecido que as tintas não permanecem totalmente na pele", disse a Dra. Rachel. “Elas são transportadas pelo sistema linfático e se acumulam nos linfonodos regionais. Essa é uma das partes principais da nossa hipótese sobre por que a tatuagem pode causar linfomas.”
Pesquisas mostram que os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos presentes nas tintas pretas podem ser encontrados nos linfonodos próximos ao local da tatuagem, em alguns casos causando linfadenomegalia, que pode levar a inflamação crônica.
“Os linfonodos podem acabar tentando ‘lidar’ constantemente com essa substância estranha, o que pode induzir uma reação imunitária crônica”, disse a Dra. Signe. “Isso talvez leve à proliferação anômala de células e, com o tempo, a um aumento do risco de câncer.”
Risco de melanoma: achados conflitantes
Alguns estudos sugerem que as tatuagens também podem aumentar o risco de tumores de pele, como o melanoma. No estudo da Dra. Signe, pessoas com tatuagens tinham mais do que o dobro de chances de apresentar câncer de pele.
Porém, no novo estudo liderado pela Dra. Rachel — publicado em agosto — essas associações não foram vistas. “Nossos achados não sugerem que a presença de tatuagens possa aumentar o risco de melanoma”, disse ela. “Na verdade, estamos vendo um efeito protetor.”
Isso não significa que tatuagens sejam boas para a saúde — no entanto, em vez disso, pode ser que pessoas com maior risco de apresentar melanoma, como indivíduos que têm muitos nevos cutâneos, tenham menos chances de fazer uma tatuagem, disse a Dra. Rachel.
Outra explicação pode estar relacionada à exposição ao sol. “Quando alguém faz uma tatuagem, a recomendação é: passe protetor solar, porque, [se for exposta ao sol,] sua tatuagem vai desbotar. Talvez essa proteção solar extra esteja em parte reduzindo o risco de melanoma”, disse ela. De fato, um estudo de 2023 mostrou que pessoas com tatuagens têm mais chances de se proteger do sol.
Tatuagens podem ‘esconder’ o câncer
A realização de uma tatuagem pode dificultar o diagnóstico de câncer. Uma revisão de 43 casos de melanoma maligno realizada em 2025 mostrou que, se o câncer surge na pele tatuada, o prognóstico é pior — provavelmente devido ao diagnóstico tardio. “Se você não tem uma tatuagem, é muito mais fácil perceber alterações”, disse a Dra. Signe. Para os médicos, a presença de padrões e desenhos corporais dificulta a análise de lesões com um dermatoscópio.
Um problema semelhante ocorre no interior do organismo. Tintas de tatuagem podem tornar biópsias de linfonodos mais complexas. Um estudo com mulheres que apresentavam câncer cervical em estágio inicial mostrou que 40% das pacientes que tinham tatuagens apresentavam linfonodos corados pelos pigmentos exógenos.
“Essa pigmentação pode interferir nas biópsias de linfonodos sentinelas, dificultando a identificação precisa [de linfonodos acometidos] e a realização de análises histopatológicas”, disse o Dr. Giovanni Di Favero, médico oncologista ligado ao Asklepios Kliniken, na Alemanha, e autor principal do estudo.
Remoção de tatuagens pode ter o efeito oposto
Tudo isso não significa que seus pacientes devam se apressar para remover suas tatuagens. Pesquisas mostram que o laser usado na remoção pode fazer com que certos pigmentos, como o vermelho e o laranja, produzam substâncias cancerígenas.
“Se as tatuagens têm o potencial de causar câncer, removê-las pode ser ainda mais prejudicial, pois nesse processo os pigmentos são quebrados”, disse a Dra. Rachel. A Dra. Milena é ainda mais direta: “Eu não as removeria”, disse ela.
Sendo assim, o que uma pessoa deve fazer se estiver preocupada com o risco de câncer associado às tatuagens? “Mantenha-a protegida do sol”, disse a Dra. Rachel. Quando uma tatuagem é exposta à radiação ultravioleta, “componentes nocivos adicionais podem se formar na pele”, disse ela. Um estudo de 2025 mostrou que a luz solar faz com que as substâncias tóxicas extravasem dos pigmentos em direção à pele, como o dibromocloropropano (DBCP), usado como pesticida.
Orientações para quem está pensando em fazer uma nova tatuagem
A Dra. Milena deu algumas dicas:
Faça a tatuagem em um estúdio com práticas reconhecidas de higiene e segurança. “As infecções também aumentam o risco de linfoma”, disse. Entre os principais sinais de alerta, desconfie se o tatuador não usa luvas descartáveis e deixa tintas expostas à luz solar direta, disse ela, que também recomenda consultar uma lista com recomendações de segurança e higiene.
Adie a tatuagem se estiver gestante ou amamentando. Os desfechos relacionados à saúde reprodutiva são pouco estudados, mas, dado o perfil toxicológico da tinta de tatuagem e o pequeno tamanho das partículas, efeitos adversos durante a gestação ou amamentação não podem ser descartados, disse a Dra. Milena.
Escolha um desenho simples e com poucas cores. “Dessa forma, é possível limitar o número de substâncias que serão injetadas em seu organismo”, disse ela. “Eu escolheria uma [apenas] preta”, sugere.
Se você não estiver com pressa, espere um pouco. A Dras. Milena e Rachel, além de outros pesquisadores, estão conduzindo atualmente vários estudos prospectivos de grande porte para verificar se pessoas com tatuagens podem ter mais chances de apresentar câncer ao longo do tempo. Esse método pode fornecer evidências mais robustas do que estudos anteriores que simplesmente compararam pessoas com e sem tatuagens. “Espero que tenhamos os primeiros resultados razoavelmente confiáveis em três ou quatro anos”, disse a Dra. Milena.
Não se esqueça dos potenciais benefícios das tatuagens
A própria a Dra. Milena fez uma tatuagem preta após ter começado a pesquisar sobre o assunto. Ela não quer assustar as pessoas nem proibi-las de fazer uma tatuagem. Segundo ela, as tatuagens podem ter benefícios psicológicos. “Muitas vezes, essa é uma maneira de lidar com eventos traumáticos e, nesses casos, acho que é melhor fazer uma tatuagem do que começar a beber, por exemplo”, disse ela. Até mesmo pacientes que sobreviveram a um câncer costumam fazer tatuagens como estratégia para se recuperar do trauma relacionado à doença.
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