Resumo
O pré-diabetes, ou hiperglicemia intermediária, representa um estágio preliminar no desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Além de apresentarem maior probabilidade de evoluir para DM2, indivíduos com pré-diabetes têm risco aumentado para diversas complicações vasculares e não vasculares. Ainda não há consenso sobre a estratégia ideal de rastreamento do pré-diabetes, sendo mais frequentemente utilizados a glicemia de jejum, a hemoglobina glicada (HbA1c) e o teste oral de tolerância à glicose. Os dois principais fenótipos do pré-diabetes — glicemia de jejum alterada e tolerância à glicose diminuída — podem representar fisiopatologias distintas, com história natural, risco de desfechos adversos e resposta ao tratamento também diferentes. A maior parte das evidências para o manejo do pré-diabetes concentra-se em intervenções no estilo de vida, com ou sem medicamentos, em indivíduos com sobrepeso ou obesidade e tolerância à glicose diminuída. Ainda não está claro se essas intervenções são benéficas em pessoas com glicemia de jejum alterada e em indivíduos com peso corporal normal, assim como permanecem incertas a relação custo-efetividade e a sustentabilidade do uso de farmacoterapia no tratamento do pré-diabetes. Programas nacionais de prevenção do DM2 em larga escala estão em andamento para avaliar se os benefícios das intervenções para o pré-diabetes podem ser traduzidos para a prática em nível populacional.
Introdução
O diabetes mellitus é um distúrbio metabólico e vascular caracterizado por hiperglicemia crônica associada a lesões celulares e vasculares, resultando em diversas complicações e associado a considerável morbidade e mortalidade precoce. No diabetes mellitus tipo 2 (DM2), a forma mais comum da doença, elevações progressivas nos níveis de glicose no sangue costumam ser detectadas antes que os valores de corte para o diagnóstico de diabetes sejam alcançados. Assim, os termos pré-diabetes ou hiperglicemia intermediária foram introduzidos para classificar indivíduos com níveis de glicose no sangue acima dos usados para definir a normoglicemia, mas abaixo dos limiares atuais para o diagnóstico de diabetes mellitus (Tabela 1). Existem múltiplas definições para as categorias de hiperglicemia intermediária (Caixa 1).
Embora a OMS e a Federação Internacional de Diabetes utilizem o termo hiperglicemia intermediária como termo coletivo para todas essas categorias, neste Primer é usado o termo pré-diabetes, pois é mais familiar para médicos e comunidades. Indivíduos com pré-diabetes apresentam maior risco de desenvolver DM2, bem como complicações vasculares e outras, em comparação àqueles com níveis normais de glicose no sangue.
Pessoas com pré-diabetes e estágios iniciais de diabetes muitas vezes não apresentam sintomas, e o diagnóstico baseia-se inteiramente em valores pré-definidos de glicemia de jejum, glicemia 2 horas após teste oral de tolerância à glicose (TOTG) e/ou hemoglobina glicada (HbA1c). O pré-diabetes pode ser detectado usando uma ou mais dessas medidas: glicemia de jejum (após jejum noturno de pelo menos 8 horas), glicemia plasmática 2 horas após ingestão de 75 g de glicose (TOTG) ou HbA1c. Esta última pode ser explicada de forma simples como a proporção das cadeias β da hemoglobina às quais a glicose foi adicionada de forma não enzimática (glicada). Como os glóbulos vermelhos têm um tempo de vida de 2 a 3 meses, a HbA1c fornece uma estimativa dos níveis médios de glicose aos quais os glóbulos vermelhos estiveram expostos nesse período.
A glicemia de jejum alterada (IFG) é caracterizada por valores de glicemia de jejum acima do normal, mas não suficientemente elevados para diagnosticar diabetes mellitus. De forma semelhante, a tolerância à glicose diminuída (IGT) refere-se a indivíduos com valores de glicemia 2 horas após o TOTG acima do normal, mas não tão altos a ponto de justificar o diagnóstico de diabetes mellitus. O indivíduo pode apresentar IGT ou IFG isoladamente, ou uma combinação de ambos. A medida da HbA1c tem a vantagem, em relação aos níveis de glicose plasmática, de refletir o controle glicêmico de longo prazo e não sofrer variações diárias; no entanto, devido a limitações e armadilhas (por exemplo, em pacientes com anemia ou durante a gestação), a HbA1c não é universalmente aceita para diagnóstico de pré-diabetes. Os critérios diagnósticos para pré-diabetes baseiam-se em estudos epidemiológicos, mecanísticos e de intervenção que relacionam esses limiares ao risco de progressão para DM2 e doença cardiovascular (DCV) (Caixa 1).
Diante das centenas de milhões de pessoas com glicose elevada que muitos profissionais de saúde atendem, o conhecimento sobre pré-diabetes é de grande importância para o médico, pois o diagnóstico correto oferece uma oportunidade valiosa para monitoramento, educação e intervenção precoce, podendo alterar positivamente sua trajetória. Neste Primer, apresentamos uma visão ampla do pré-diabetes, discutindo sua epidemiologia, a compreensão atual de sua fisiopatologia, diagnóstico, implicações, manejo e propomos caminhos para novas pesquisas visando melhorar os desfechos para os pacientes.
Progressão para DM2
As diferentes formas de pré-diabetes variam em relação ao risco de progressão para diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Indivíduos com combinação de IFG (glicemia de jejum alterada) e IGT (tolerância à glicose diminuída) apresentam a maior incidência de DM2, seguidos por aqueles com IGT isolada e, por fim, por aqueles com IFG isolada, sem diferenças geográficas claras. A taxa de progressão do pré-diabetes para o DM2 também é influenciada por fatores de risco adicionais, que podem interagir para acelerar essa evolução, exigindo uma avaliação de risco abrangente e individualizada em pessoas com pré-diabetes.
Fatores de risco
Os fatores de risco para o pré-diabetes são os mesmos do DM2. Entre os fatores não modificáveis estão: idade avançada, sexo (IFG é mais comum em homens, IGT mais comum em mulheres, e a HbA1c geralmente é mais alta em mulheres), etnia ou raça (indivíduos brancos têm risco menor do que outras populações), histórico familiar, extremos de peso ao nascer e fatores genéticos. Fatores de risco modificáveis — muitos associados à vida urbana, desenvolvimento econômico e status socioeconômico — incluem inatividade física, dieta não saudável (por exemplo, bebidas açucaradas, alimentos ultraprocessados e alto consumo de carne vermelha), tabagismo e consumo excessivo de álcool. Outros fatores psicológicos e comportamentais incluem má qualidade do sono, estresse, ansiedade, depressão e baixa qualidade de vida. A obesidade (especialmente a obesidade central, refletida por maior circunferência da cintura) é um mediador importante dos efeitos de vários fatores de risco relevantes, além de estar associada a hipertensão arterial e alterações nos níveis lipídicos. Evidências indicam que existem diferenças entre os sexos na associação relativa dos fatores de risco para o pré-diabetes: obesidade central, dislipidemia, tabagismo e consumo de álcool são fatores chave em homens, enquanto hipertensão arterial e dietas de baixa qualidade têm importância relativamente maior em mulheres. Fatores de risco adicionais para mulheres incluem histórico de diabetes gestacional e síndrome dos ovários policísticos.
Morbidade e mortalidade
Uma revisão abrangente de 16 revisões sistemáticas mostrou que o pré-diabetes definido por IGT e IFG — mas não o definido por HbA1c — está associado a maior risco de mortalidade por todas as causas em comparação com a normoglicemia definida pela mesma medida. As razões postuladas para essa discrepância incluem o número reduzido de estudos envolvendo pré-diabetes definido por HbA1c, além da possibilidade de que uma HbA1c elevada seja uma medida menos robusta de hiperglicemia em indivíduos com normoglicemia e pré-diabetes em comparação com aqueles com diabetes. O risco de mortalidade por todas as causas, doença coronariana e AVC foi maior para IGT do que para IFG. A coexistência frequente do pré-diabetes com múltiplos fatores de risco (como obesidade, hipertensão arterial, dislipidemia, resistência à insulina — uma resposta subótima às ações da insulina —, baixa taxa de filtração glomerular estimada, albuminúria, doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica (MASLD), doença cardíaca isquêmica e insuficiência cardíaca) contribui para o risco elevado de múltiplas morbidades e morte precoce em pessoas com pré-diabetes.
Etiologia do pré-diabetes
A taxa de concordância de risco vitalício de quase 100% para DM2 em gêmeos monozigóticos destaca a importância dos fatores hereditários. Em linha com essa evidência, estudos de associação genômica ampla identificaram muitos loci genéticos ligados à biologia das ilhotas pancreáticas, do músculo esquelético e do tecido adiposo. Outros estudos relataram associações com escores de risco genético, implicando o papel das vias relacionadas às células β no desenvolvimento do pré-diabetes. No entanto, esses variantes genéticos explicam menos de 20% do risco de DM2, sugerindo que fatores demográficos — como idade, sexo, etnia, ancestralidade e modificações epigenéticas transgeracionais e perinatais precoces (por exemplo, ambiente intrauterino e extremos de peso ao nascer) — podem contribuir para a predisposição ao desenvolvimento de pré-diabetes. Além disso, fatores relacionados ao estilo de vida, condições ambientais e eventos ao longo da vida podem precipitar a progressão de normoglicemia para pré-diabetes e DM2, e podem ser modificados por diagnóstico precoce e intervenção.
Adicionalmente, a disbiose intestinal (ou seja, composição anormal da microbiota intestinal) altera a liberação de ácidos graxos livres de cadeia curta, proteínas, vitaminas e ácidos biliares secundários na circulação, podendo contribuir para resistência à insulina, pré-diabetes e DM2. Estudos em humanos com perda de peso forneceram evidências de que a redução da resistência à insulina e da massa de tecido adiposo visceral são os principais motores da remissão do pré-diabetes e do DM2, ressaltando, assim, o papel predominante da resistência à insulina e da disfunção do tecido adiposo no início e progressão do pré-diabetes.
O modelo de biologia integrativa para o desenvolvimento do DM2 postula que os eventos iniciais de resistência à insulina envolvem estresse mecânico local e hipóxia, levando à infiltração de macrófagos no tecido adiposo, contribuindo para sua disfunção. O tecido adiposo disfuncional é caracterizado por inflamação local e resistência à insulina, com lipogênese induzida pela insulina prejudicada, favorecendo a secreção de NEFA (ácidos graxos não esterificados) e adipocinas pró-inflamatórias em detrimento da secreção de adipocinas anti-inflamatórias (sensibilizadoras da insulina). No estudo Whitehall II, a redução dos níveis circulantes de adiponectina — uma adipocina sensibilizadora da insulina produzida pelo tecido adiposo subcutâneo maduro — observada décadas antes do início do DM2, apoia o papel da disfunção do tecido adiposo no pré-diabetes.
Com o tempo, essas alterações levam à resistência sistêmica à insulina, inflamação de baixo grau (subclínica) e acúmulo ectópico de lipídeos, caracterizado por adiposidade visceral e MASLD (doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica).
O pré-diabetes e a MASLD compartilham outras similaridades, como disbiose intestinal e adaptação mitocondrial prejudicada. Vale destacar a relação mútua entre MASLD e pré-diabetes, ilustrada por análises longitudinais que mostram um hazard ratio de 1,69 para pré-diabetes em indivíduos com MASLD.
Disglicemia e progressão para DM2
No pré-diabetes, ocorre uma elevação gradual da glicemia, apesar do aumento da secreção de insulina na presença de resistência à insulina. Assim, indivíduos com pré-diabetes frequentemente apresentam secreção de insulina de primeira fase insuficiente, compensada por aumento da secreção tardia para conter a hiperglicemia inicial. Essa sobrecarga excessiva da função das células β leva, eventualmente, à sua descompensação, resultando em hiperglicemia manifesta. Estudos utilizando TOTG, junto com avaliação de sensibilidade à insulina e função das células β, revelaram a heterogeneidade das trajetórias da disglicemia (níveis anormais de glicose no sangue).
O estudo britânico Whitehall II monitorou as mudanças na sensibilidade à insulina e nos níveis de glicose plasmática em funcionários públicos de ancestralidade europeia por quase duas décadas, no final do século XX (período marcado pelo início do aumento expressivo da obesidade no Reino Unido). Enquanto indivíduos que não desenvolveram diabetes apresentaram apenas um declínio gradual na sensibilidade à insulina corporal total, mantendo a função das células β estável, aqueles que evoluíram para DM2 exibiram sensibilidade à insulina significativamente reduzida mais de 10 anos antes do início do diabetes (Fig. 3). Essa sensibilidade reduzida foi acompanhada por aumento contínuo da glicemia de jejum e da glicemia pós-TOTG, embora ainda dentro da faixa normoglicêmica. Cerca de 6 anos antes do início do DM2, ocorreu um aumento acentuado da glicemia pós-carga, seguido (cerca de 2 anos antes do início do DM2) por aumento igualmente acentuado da glicemia de jejum.
Outros estudos de coorte relataram fenômenos semelhantes, com variações entre grupos étnicos que exibem padrões de tempo diferentes para essas mudanças.
Essas mudanças são acompanhadas por um modelo em múltiplas fases de disfunção das células β, ocorrendo em um contexto de resistência à insulina (Fig. 3). Esse achado destaca também a importância de identificar precocemente anormalidades na ação e secreção da insulina, antes do início de alterações dinâmicas que levam à hiperglicemia persistente.
Manejo
O principal objetivo no manejo do pré-diabetes é retardar ou prevenir o desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Estudos iniciais focaram na perda de peso por meio de intervenções no estilo de vida (incluindo modificações na alimentação e aumento da atividade física) ou na adição de metformina.
Desde a década de 2010, estudos demonstraram que novos medicamentos que promovem perda de peso, como agonistas do receptor de GLP1 e agonistas duplos GLP1–GIP, além da cirurgia metabólica, também podem retardar a progressão do pré-diabetes e/ou induzir sua regressão (Box 2).
Remissão do pré-diabetes
Tradicionalmente, a remissão é considerada no contexto do diabetes mellitus tipo 2 (DM2) já estabelecido. No entanto, buscar a remissão na fase de pré-diabetes é plausível, já que a função das células β pode estar melhor preservada nesse estágio, antes do DM2 se instalar.
Um subconjunto de indivíduos com pré-diabetes pode reverter espontaneamente para a normoglicemia mesmo na ausência de intervenções.
Embora esse fenômeno não comprometa os benefícios da prevenção do DM2 em estudos clínicos randomizados e controlados, a heterogeneidade na progressão do pré-diabetes para o DM2 deve ser considerada ao decidir a conduta mais apropriada.
Melhorias no estilo de vida são benéficas em diversas condições de saúde e devem ser incentivadas independentemente do nível glicêmico. Da mesma forma, é fundamental abordar fatores de risco cardiovascular, como hipertensão e dislipidemia, de acordo com diretrizes locais.
Em uma revisão abrangente da Cochrane, que englobou 103 estudos de coorte prospectivos sobre pré-diabetes, 47 estudos relataram taxas de conversão para normoglicemia. Nesses grupos, as taxas de regressão para normoglicemia variaram de 33% a 59% em 1–5 anos, diminuindo para 17–42% em estudos com 6–11 anos de seguimento. O risco de progressão para DM2 e de regressão para normoglicemia apresentou variabilidade entre os estudos, em parte devido à falta de resposta à intervenção no estilo de vida e às diferenças nas definições dos subtipos de pré-diabetes, bem como à adesão e resposta às intervenções.
IFG isolado
A maioria dos estudos sobre intervenções no estilo de vida concentrou-se em indivíduos com IGT isolado ou com IGT associado a IFG. Em 2023, uma meta-análise examinou quatro ensaios envolvendo pessoas com IFG isolado, IGT isolado ou ambos.
Embora intervenções no estilo de vida tenham reduzido efetivamente o risco de diabetes naqueles com IGT, nenhum benefício claro foi observado em indivíduos com IFG isolado, sugerindo que programas estruturados para indivíduos com IFG isolado podem não ser custo-efetivos (Fig. 7).
A explicação para a falta de resposta relativa à intervenção intensiva no estilo de vida em indivíduos com IFG isolado não é clara e pode estar relacionada a diferenças na fisiopatologia entre IGT isolado e IFG isolado.
Alterações na detecção de glicose, supressão prejudicada da glicogenólise ou captação excessiva de glicose com eficiência reduzida na síntese de glicogênio podem estar na base da patogênese do IFG isolado. Muitos indivíduos com IFG isolado também apresentam características de síndrome metabólica com resistência à insulina devido ao excesso e/ou depósito ectópico de tecido adiposo, especialmente aumento da gordura hepática. Nesses indivíduos, pode ser necessário um déficit calórico maior para reduzir o peso corporal e, assim, diminuir a progressão do IFG isolado para DM2.
Vale destacar que vários estudos mostraram que muitos indivíduos com IFG isolado podem voltar espontaneamente à normoglicemia.
Por outro lado, o IGT isolado está cada vez mais associado à resistência à insulina no músculo esquelético, além da redução da função das células β. Portanto, o treinamento físico para reduzir a resistência à insulina muscular e o uso de metformina para aumentar a secreção de insulina pós-prandial podem ser mais eficazes no IGT do que no IFG. Outra explicação — ainda não explorada — é a possibilidade de que indivíduos com IFG isolado sejam menos motivados a seguir as mudanças de estilo de vida prescritas. Existem diferenças bem documentadas nos perfis de idade e sexo entre IFG e IGT. Enquanto há uma relação clara entre idade avançada e maior prevalência de IGT, a prevalência de IFG é semelhante em todas as faixas etárias. Dada a maior conscientização em saúde em adultos mais velhos, indivíduos com IGT podem ter mais probabilidade de aderir e responder às orientações de mudança de estilo de vida.
Do ponto de vista populacional, preencher programas de intervenção com pessoas com IFG isolado pode não ter grande impacto na redução do risco de DM2. No caso de indivíduos com IFG, encorajá-los a adotar estilos de vida saudáveis pode ser suficiente, com foco no controle de outros fatores de risco, como hipertensão, para reduzir o risco de DCV. Assim, o TOTG deve ser utilizado para rastrear indivíduos com IGT para inclusão em programas estruturados de prevenção de DM2, enquanto mais pesquisas são necessárias para identificar intervenções que retardem a progressão do IFG isolado para DM2.
Intervenções farmacológicas
Diversos ensaios clínicos randomizados controlados por placebo avaliaram diferentes medicamentos (Tabela 3), incluindo metformina, troglitazona, acarbose, orlistate, pioglitazona, rosiglitazona, ramipril, voglibose, nateglinida, valsartana e liraglutida, para prevenir a progressão do pré-diabetes para o DM2. Embora alguns estudos tenham mostrado resultados favoráveis, é importante lembrar que o pré-diabetes não é universalmente aceito como uma doença. Nesse contexto, intervenções farmacológicas ou cirúrgicas permanecem não aprovadas em muitos países e a relação custo-efetividade ainda é incerta.
Metformina
Embora tenha sido demonstrado que a metformina previne a progressão para o DM2, a FDA não aprovou seu uso para essa indicação em clínicas, sendo atualmente usada off-label nos EUA e em outros países para esse fim. Nos estudos US-DPP e DPPOS, a eficácia da metformina variou, sendo maior em indivíduos com IMC ≥35 kg/m², indivíduos com IGT mais glicemia de jejum elevada, pessoas com menos de 45 anos, afro-americanos e mulheres com histórico de diabetes gestacional.
Quando o HbA1c foi utilizado para definir diabetes incidente, metformina e mudanças no estilo de vida tiveram eficácia semelhante, sem associações com a idade.
No China-DPP, que incluiu indivíduos com IGT e IFG (a maioria com IGT), metformina mais intervenção no estilo de vida foi mais eficaz do que apenas intervenção no estilo de vida, especialmente em homens, indivíduos mais jovens e com IMC mais elevado. Na análise de subgrupos, apenas os pacientes do grupo IGT demonstraram redução na incidência de DM2, com uma razão de risco de 0,83 (IC 95% 0,69–0,99).
No US-DPP, foi implementado um curto período de washout para avaliar a persistência dos efeitos da metformina após sua interrupção.
O estudo constatou que, ao interromper a metformina, a incidência de DM2 aumentou, sugerindo que grande parte de seu benefício é farmacológico e não persiste após a retirada. Ainda assim, mesmo após o washout, o grupo de intervenção apresentou uma redução de 24,9% no DM2 incidente. A duração do efeito da metformina após interrupção permanece incerta; porém, em um pequeno estudo com 20 indivíduos com IGT tratados com metformina versus 20 recebendo placebo, a metformina levou à melhora da tolerância à glicose que persistiu por até 6 meses após a interrupção.
A Associação Americana de Diabetes recomenda considerar a metformina para prevenção de DM2 em adultos de alto risco, incluindo aqueles com IGT (idades de 25–59 anos, IMC >35 kg/m²), glicemia de jejum elevada (≥6,1 mmol/l (110 mg/dl)), HbA1c alto (≥42 mmol/mol (6,0%) e histórico de diabetes gestacional, com base em evidências do US-DPP.
A metformina continua sendo uma intervenção barata, amplamente disponível e custo-efetiva para prevenção do diabetes mellitus em indivíduos de alto risco com pré-diabetes.
Embora os custos reais variem entre farmácias e coberturas de seguros, a Associação Americana de Diabetes relata que o custo médio nacional de aquisição de um suprimento de 30 dias de metformina genérica de liberação imediata 500 mg é de aproximadamente US$1, enquanto o preço médio de venda por atacado é em torno de US$87.
Em uma análise de custo-efetividade do DPP, o custo médico direto acumulado em 10 anos da metformina foi de aproximadamente US$2.300 por pessoa.
Embora avaliações detalhadas dos custos diretos para o paciente com uso de metformina em pré-diabetes sejam limitadas, as formulações genéricas são geralmente de baixo custo, embora as despesas individuais possam variar substancialmente conforme o seguro e o acesso.
Tiazolidinedionas
No US-DPP, a troglitazona foi utilizada como intervenção precoce e mostrou-se eficaz na prevenção do DM2; entretanto, a troglitazona foi descontinuada devido à toxicidade hepática (Tabela 3). O estudo TRIPOD (Troglitazone in Prevention of Diabetes), realizado em mulheres hispânicas com histórico de diabetes gestacional, mostrou uma redução de risco superior a 50% na incidência de DM2, mas foi encerrado precocemente quando o medicamento foi retirado do mercado. O estudo PIPOD (Pioglitazone In Prevention Of Diabetes), que deu seguimento ao TRIPOD, constatou que a pioglitazona preservou a função das células β, interrompeu o declínio observado no grupo placebo do TRIPOD e manteve a estabilidade da função das células β assim como a troglitazona. O ensaio ACT NOW (Actos Now for the prevention of diabetes), mostrou que a pioglitazona esteve associada a menor incidência de diabetes e maior reversão para tolerância normal à glicose em comparação com placebo (Tabela 3). No estudo DREAM (Diabetes Reduction Assessment with Ramipril and Rosiglitazone Medication), a rosiglitazona foi associada a menor incidência de diabetes em relação ao placebo.
No Canadian Normoglycaemia Outcomes Evaluation, a reversão para normoglicemia foi mais frequente no grupo metformina mais rosiglitazona do que no grupo placebo.
Por outro lado, no Beijing Prediabetes Reversion Program (BPRP), a pioglitazona não apresentou diferença em relação à intervenção no estilo de vida em termos de reversão para normoglicemia, sugerindo diferenças interétnicas nas respostas ao tratamento.
Inibidores da α-glicosidase
No estudo STOP-NIDDM (Study to Prevent Non-Insulin-Dependent Diabetes Mellitus), o grupo tratado com acarbose apresentou menor incidência de DM2 em comparação com o grupo placebo. De forma semelhante, o estudo ACE (China Acarbose Cardiovascular Evaluation) mostrou que a acarbose não apenas reduziu a progressão do diabetes mellitus, mas também aumentou a regressão para normoglicemia em indivíduos com IGT. Um estudo japonês relatou tendência semelhante com o voglibose.
Análises pós-hoc dos resultados do STOP-NIDDM sugeriram que a acarbose pode oferecer benefícios cardiovasculares em indivíduos com IGT.
Inibidores de SGLT2
Análises pós-hoc de ECRs que avaliaram os efeitos organoprotetores de inibidores de SGLT2 (como dapagliflozina e empagliflozina) em indivíduos com insuficiência cardíaca ou DRC sugeriram que esses medicamentos podem prevenir o surgimento de DM2, embora os resultados tenham sido inconsistentes.
Vale destacar que esses estudos de desfechos cardiovasculares não incluíram especificamente indivíduos com alto risco de diabetes mellitus, diferentemente dos estudos de prevenção com metformina e tiazolidinedionas.
Em uma análise agrupada dos estudos DAPA-CKD (Dapagliflozin and Prevention of Adverse Outcomes in Chronic Kidney Disease) e DAPA-HF (Dapagliflozin and Prevention of Adverse Outcomes in Heart Failure), a dapagliflozina foi associada a risco reduzido de DM2 incidente.
Os autores sugeriram que, além da perda de peso, a redução da resistência à insulina e a melhora da função das células β também podem contribuir para esse benefício.
No entanto, no EMPEROR-Preserved (Empagliflozin Outcome Trial in Patients with Chronic Heart Failure with Preserved Ejection Fraction), que recrutou participantes com insuficiência cardíaca e sem diabetes mellitus, a empagliflozina não reduziu a incidência de diabetes mellitus em comparação com placebo.
Resultados semelhantes foram relatados no EMPEROR-Reduced (Empagliflozin Outcome Trial in Patients with Chronic Heart Failure with Reduced Ejection Fraction).
Análogos de GLP1 e bi-agonistas: GLP1–GIP
Em grandes ECRs, o uso de agonistas do receptor de GLP1 e agonistas duplos GLP1–GIP para promover perda de peso teve impacto significativo na progressão do pré-diabetes (Tabela 3). No estudo SCALE (Satiety and Clinical Adiposity – Liraglutide Evidence), que avaliou os efeitos da liraglutida em pessoas com obesidade e pré-diabetes, a progressão de pré-diabetes para diabetes mellitus foi mais efetivamente retardada no grupo tratado em comparação com o placebo.
O estudo STEP-1 (Semaglutide Treatment Effect in People with Obesity-1) avaliou a eficácia da semaglutida na perda de peso em adultos com sobrepeso ou obesidade sem diabetes mellitus.
A reversão para normoglicemia foi significativamente mais frequente no grupo semaglutida do que no grupo placebo. No ensaio STEP-10, envolvendo 207 indivíduos com obesidade e pré-diabetes, a semaglutida aumentou as chances de regressão para normoglicemia em comparação com placebo.
O agonista duplo GLP1–GIP tirzepatida foi avaliado em 2.539 indivíduos com sobrepeso ou obesidade sem diabetes mellitus, dos quais 1.032 tinham pré-diabetes.
Ao final de 3 anos de seguimento, a progressão para DM2 ocorreu significativamente menos frequentemente nos participantes randomizados para tirzepatida do que naqueles que receberam placebo. A reversão para normoglicemia também foi mais frequente no grupo tirzepatida. Este estudo e outros ECRs apoiam a hipótese de que os efeitos de redução de peso da tirzepatida reduzem o risco de DM2, DCV, DRC e MASLD.
Uma revisão sistemática e meta-análise avaliou os efeitos de agonistas do receptor de GLP1 em oito ECRs (liraglutida em seis, exenatida e semaglutida em um cada).
Todos esses ECRs incluíram indivíduos com pré-diabetes (baseado em HbA1c ou OGTT). Cinco desses estudos indicaram que os agonistas do receptor de GLP1 aumentaram a probabilidade de regressão do pré-diabetes para normoglicemia em comparação com placebo (OR 4,56, IC 3,58–5,80). Em três estudos, o grupo GLP1 teve menores chances de desenvolver DM2 do que o grupo placebo (OR 0,31, IC 0,12–0,81).
Apesar desses resultados promissores confirmados em ECRs rigorosamente supervisionados, os efeitos de perda de peso foram perdidos com a descontinuação do tratamento. Dado seu alto custo, a relação custo-efetividade de agonistas de GLP1, agonistas duplos GLP1–GIP e outros medicamentos antiobesidade em desenvolvimento para prevenção e tratamento do diabetes permanece uma questão controversa.
Outros especialistas sugerem que o uso de curto prazo desses medicamentos, com reforços, pode fazer parte de uma estratégia multifatorial incluindo mudanças no estilo de vida e na dieta, embora os potenciais efeitos adversos do weight cycling (efeito sanfona) não devam ser ignorados.
Diante do forte componente comportamental da obesidade e dos custos envolvidos na farmacoterapia de longo prazo, usar medicamentos como única estratégia para reduzir peso e prevenir diabetes mellitus e suas comorbidades provavelmente não é algo viável, sustentável ou acessível. Em vez de ‘prevenir’ o diabetes mellitus, esses medicamentos podem apenas estar ‘tratando’ a condição em um estágio mais precoce.
Vitamina D
A suplementação empírica de vitamina D pode ajudar a reduzir o risco de progressão para DM2 em adultos com pré-diabetes. Uma análise agrupada de três ECRs demonstrou que a suplementação de vitamina D não apenas retardou a progressão para DM2, mas também aumentou em 30% a probabilidade de regressão para normoglicemia em comparação com placebo.
Nas análises por intenção de tratar, a vitamina D reduziu o risco de DM2 incidente em 12% (não ajustado) e 15% (ajustado). Esses ensaios incluíram 4.190 adultos (≥18 anos) com pré-diabetes que receberam suplementação oral de vitamina D por pelo menos 2 anos. As intervenções incluíram colecalciferol (vitamina D3) no estudo Tromsø e no estudo D2d, e eldecalcitol (um análogo sintético do calcitriol) no estudo DPVD.
Embora a formulação ideal de vitamina D ainda não tenha sido determinada, o nível médio basal de 25-hidroxivitamina D entre os participantes foi de 63 nmol/l (25 ng/ml). Esses estudos mostraram que níveis sustentados mais altos de 25-hidroxivitamina D conferiram risco progressivamente menor de diabetes mellitus do que níveis endógenos mais baixos. Entretanto, um nível-alvo exato para redução ideal do risco de DM2 ainda não foi estabelecido. Outra revisão sistemática de 11 estudos, com níveis basais médios de 25-hidroxivitamina D variando de 12 a 28 ng/ml (30–70 nmol/l), também encontrou que a suplementação de vitamina D foi associada a menor risco de DM2 incidente, com risco relativo de 0,90 (IC 95% 0,81–1,00).
Dado seu baixo custo, perfil de segurança favorável e potencial para reduzir o risco de diabetes mellitus, a suplementação empírica de vitamina D pode ser uma consideração razoável para adultos com pré-diabetes.
Cirurgia metabólica
Atualmente, a cirurgia metabólica (bariátrica) é o tratamento mais eficaz para obesidade e costuma ser considerada para pessoas que não são elegíveis, recusam ou não respondem à farmacoterapia.
Indivíduos com pré-diabetes que se submetem à cirurgia metabólica têm alta probabilidade de retorno à normoglicemia, com risco reduzido de progressão para DM2, embora as taxas de sucesso variem de acordo com o tipo de cirurgia.
Em um estudo retrospectivo observacional de 4 anos, incluindo 669 indivíduos com obesidade e pré-diabetes (definido como HbA1c ≥5,7% e <6,5%) submetidos à cirurgia metabólica, as taxas de remissão do pré-diabetes — ou seja, retorno à normoglicemia — foram de 82%, 73%, 66% e 58% no primeiro, segundo, terceiro e quarto anos, respectivamente.
Pacientes mais velhos (49–67 anos) tiveram menores chances de remissão do pré-diabetes a partir do terceiro ano de acompanhamento, em comparação com pacientes mais jovens (19–38 anos).
Em um estudo nos EUA que comparou os efeitos da cirurgia metabólica versus o cuidado usual na incidência de DM2 em indivíduos com obesidade de 21 a 65 anos, 3.060 preenchiam os critérios para pré-diabetes na linha de base. O grupo de cuidado usual teve risco relativo de progressão para DM2 de 33,7 em 1 ano (IC 95% 13,8–82,2) e de 138,8 em 3 anos (IC 95% 19,3–992,7) em comparação com o grupo cirúrgico.
Estudos de longo prazo também sustentam o custo-benefício da cirurgia metabólica em comparação com intervenções de estilo de vida e medicamentos. Isso se deve principalmente aos efeitos sustentados na perda de peso, evitando a escalada de tratamentos e custos de medicamentos. As taxas de progressão para DM2 foram menores 5 anos após a cirurgia em pacientes que perderam >25% do peso inicial do que naqueles que perderam <15% do peso durante o primeiro ano pós-operatório (4,7% versus 14,0%; P <0,001).
Essa progressão foi independente do peso inicial, idade e sexo.
Perspectivas
O pré-diabetes é uma condição heterogênea que aumenta o risco de DM2, bem como de doenças cardiovasculares (DCV) e outras complicações metabólicas. As discussões sobre os critérios diagnósticos e sobre a melhor ferramenta ou estratégia para identificar indivíduos com pré-diabetes continuam em andamento.
Mais pesquisas são necessárias para identificar modalidades mais simples, como biomarcadores que não exijam jejum, para a detecção de pré-diabetes. As evidências atuais também sugerem que os dois fenótipos mais comuns de pré-diabetes — a glicemia de jejum alterada (IFG) e a tolerância à glicose diminuída (IGT) — têm bases fisiopatológicas diferentes e podem responder de forma distinta às intervenções. Em especial, são necessários esforços para entender por que a modificação do estilo de vida parece relativamente ineficaz na IFG e qual seria a estratégia de intervenção ideal para esses indivíduos.
Embora a mudança de estilo de vida permaneça a intervenção de escolha para a maioria das pessoas com pré-diabetes (especialmente IGT), o advento das terapias mais recentes para perda de peso (farmacológicas e cirurgia metabólica) oferece agora opções adicionais para alterar favoravelmente a história natural dessa condição. No entanto, essas terapias não podem ser recomendadas de forma universal, dado o tamanho do problema do pré-diabetes e suas implicações em termos de custo, segurança e aceitação pelo paciente. Além disso, muitos indivíduos não europeus apresentam pré-diabetes e DM2 sem obesidade, o que pode refletir outros mecanismos fisiopatológicos, como disfunção predominante das células β, que podem responder menos a estratégias centradas na redução de peso.
São necessárias mais pesquisas nesses grupos, que representam a maioria da população global com diabetes e pré-diabetes.
Os indivíduos que mais provavelmente se beneficiarão de qualquer forma de intervenção são aqueles com alto risco de progressão para DM2 e aqueles com indicações adicionais, como obesidade, DCV ou DRC.
Dada a heterogeneidade em termos de fisiopatologia, história natural e respostas ao tratamento, mais pesquisas são necessárias para aumentar a precisão da previsão e da prevenção, estratificando os indivíduos com base no risco genético ou metabólico, para que as intervenções sejam direcionadas a quem mais possa se beneficiar.
Sustentabilidade e preferências individuais também precisam ser consideradas, especialmente em contextos com recursos limitados, onde faltam dados sobre os benefícios das intervenções. Apesar desses desafios, enfrentar o problema global do pré-diabetes abre uma janela de oportunidade não apenas para prevenir o diabetes mellitus, mas também as comorbidades associadas, como as DCV.
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By Alberto Dias Filho - Digital Opinion Leader
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Embaixador das Comunidades Médicas de Endocrinologia - EndócrinoGram e DocToDoc