segunda-feira, 21 de julho de 2025

Será que plantas crioulas têm mais nutrientes que as convencionais? Por Flávia Schiochet (O joio e o trigo)


É provável que sim, mas depende. A combinação de material genético, saúde do solo, manejo e clima não é um quebra-cabeça simples de montar. Até agora, ciência não tem resposta definitiva 

Há uns meses, uma embalagem de fubá chamou a atenção aqui na redação do Joio. Ela dizia que o milho crioulo tinha mais ferro que outras variedades de milho. Ficamos encucados: será que é uma característica das plantas crioulas ter mais nutrientes? E, se for, será que genética basta para que fruto, folha ou raiz tenha mais vitaminas e minerais, independentemente do solo e do manejo? Minha hipótese era que, provavelmente, sim. 

Algumas entrevistas e revisões bibliográficas depois, a resposta se desenhou com uma irônica clareza: na verdade, depende.  

“Crioula” é a denominação dada às plantas selecionadas ao longo de gerações de agricultores. Essa prática resulta em espécies que estão mais bem adaptadas ao local de sua domesticação, e não são registradas como sementes comerciais. 

A venda de sementes crioulas é permitida pela legislação brasileira entre agricultores familiares, e a norma não exige que o material genético crioulo tenha as mesmas taxas de germinação, vigor e pureza que as variedades comerciais registradas junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). 

Segundo os pesquisadores que o Joio ouviu, não é impossível que uma variedade crioula tenha mais vitaminas e minerais. Mas, nesse caso, a comparação do milho crioulo foi feita com qual das 744 variedades comerciais de milho que existem no Brasil? Essa informação, o rótulo não trazia.  

São três as principais variáveis que afetam o desenvolvimento das plantas: 
  1. O solo, 
  2. Sua genética,
  3. O clima. 
É o chamado sistema solo-planta-atmosfera – dessas três coisas, o ser humano consegue influenciar nas duas primeiras. A importância de cada um desses fatores varia de planta para planta. “Não é possível pontuar ou quantificar esses fatores porque isso dependerá de cada espécie vegetal”, resume Mauro Brasil, professor de Agronomia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).  

As variáveis intrínsecas aos seres vivos também são muitas e aumentam a complexidade da equação. Por exemplo, a genética da planta pode influenciar na absorção de minerais e, com isso, pode gerar frutos mais ricos. 

A noção de possibilidade é importante: nenhuma variável é determinante para o acúmulo ou a falta de nutrientes. A botânica é um quebra-cabeça de milhões de peças. E cada peça é também um quebra-cabeça com muitas outras.

A grosso modo, a composição nutricional tem macronutrientes, micronutrientes e compostos bioativos. Foi para entender como frutas, verduras, cereais, legumes e raízes formam sua composição nutricional que começamos essa apuração. E terminamos essa pesquisa com uma resposta bastante longa.  

Glossário 
  • Macronutrientes: Proteínas, gorduras e carboidratos 
  • Micronutrientes: Vitaminas (A, D e do complexo B, por exemplo) e minerais (cálcio, fósforo, ferro, sódio etc.) 
  • Compostos bioativos: Substâncias como os carotenóides, a quercetina, as antocianinas, o licopeno e os terpenóides, que são elaboradas pelas plantas para defesa e comunicação. São benéficas para o consumo humano por suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. 
“Os fatores que mexem com a composição nutricional do fruto são muito, muito variáveis, e muito difíceis de controlar. Não dá para cravar: ‘se eu fizer tal coisa, vai acontecer tal coisa’. A gente consegue ver tendências”, explica Eduardo Purgatto, professor e pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) e diretor-executivo do Centro de Pesquisa em Alimentos, o Food Research Center. Isso se explica pela agilidade com que os vegetais respondem aos estímulos do ambiente, da fauna, da flora e das condições climáticas. “Sendo um organismo que não tem mobilidade, ele tem que ter uma plasticidade enorme para conseguir fazer frente aos desafios que o ambiente traz. É um caso de sucesso evolutivo fantástico”, comenta Purgatto.  

Essa plasticidade é o que faz cada parte de uma mesma planta reagir de forma diferente ao mesmo tempo. Por exemplo: é comum que frutos de um lado da árvore que pega mais sol tenham uma composição diferente dos que estão sujeitos à luz indireta ou sombra. Além disso, é difícil construir um experimento que traga uma resposta definitiva, porque se testa uma variável por vez, para poder medir os resultados e entender o que os causou. Mas aí, quando for hora de repetir o experimento para testar outra variável, os estímulos não controláveis já mudaram: a incidência do sol não será mais a mesma, nem a umidade do ar, nem a amplitude térmica. E o resultado pode ser totalmente diferente do primeiro experimento, mesmo que seja feito em estufas e com clones das plantas.  

Em estudos que comparavam a concentração de nutrientes e antioxidantes em frutas cultivadas de formas distintas, os resultados variaram. Um experimento de 2021, na Grécia, com três tipos de uva apontou que uma variedade concentrou mais nutrientes que as outras, tanto no manejo orgânico quanto no convencional. Já um estudo feito no Irã, publicado em 2025, comparou seis frutas em manejo orgânico e convencional, e encontrou frutos com mais nutrientes, minerais e compostos bioativos no pomar orgânico – entre elas, um tipo de uva.  As conclusões de ambas as pesquisas começam da mesma forma: “os resultados sugerem”. 

Sugerir, outro verbo que, assim como poder, não bate o martelo.  O estudo iraniano cita experimentos similares com frutas e conclui: “Embora a literatura tenha mostrado diferenças entre alimentos orgânicos e convencionais, com os orgânicos em vantagem, as informações existentes permanecem insuficientes, necessitando de mais pesquisas para estabelecer conclusões definitivas.” O porquê de as uvas do experimento grego manterem as mesmas taxas de nutrientes e antioxidantes tanto no cultivo orgânico quanto no convencional é quase impossível de responder – os experimentos nunca mais serão repetidos do mesmo jeito. Pode ser o fato de as uvas serem de plantas em um vinhedo, enquanto o experimento iraniano foi em um pomar com outras espécies? Pode ser a composição dos solos, os microrganismos presentes, a umidade do ar? Ou a genética das videiras?  Pode, na verdade, ser tudo isso. 

Para explicar a complexidade desse quebra-cabeça, vamos passar por duas variáveis controladas pelo ser humano e entender o que é consenso científico e o que os pesquisadores ainda não conseguem responder. 

Solo, manejo e um pouco de estresse 

O solo é vivo. Em sua composição, há uma infinidade de bactérias, fungos, leveduras, insetos e outros seres vivos que interagem entre si e com as plantas. Essa complexidade é quase inteiramente invisível a olho nu, mas influencia a composição vegetal. Na agricultura, o solo é modificado pelo homem: corrigido, adubado e revirado para criar as condições ideais para um cultivo. Nisso, novas variáveis se somam ao quebra-cabeça: matéria orgânica, micro-organismos e minerais.  Em linhas gerais, cada espécie terá sua combinação ideal desses elementos. 

Caso não encontre essas condições, seu desenvolvimento ficará prejudicado, e isso se refletirá na composição nutricional. Outra questão é que, se a planta não cresce de forma saudável, é pouco provável que resista ao ataque de um inseto ou mesmo que produza frutos para continuar sua descendência.  Na revisão bibliográfica feita pela reportagem, o mais comum foi encontrar artigos que comparam o tipo de manejo, dividindo-o entre convencional e orgânico. 

Porém, essa classificação não é completamente descritiva de todas as decisões tomadas pelo agricultor.  A grosso modo, pode-se dizer que o manejo convencional pode usar adubação química e/ou orgânica, pode fazer rotação de culturas ou optar pela monocultura, e o uso de agrotóxicos é liberado.  Já o manejo orgânico não usa fertilizantes químicos, nem agrotóxicos. 

Mas o termo “orgânico” não proíbe, por exemplo, a monocultura – diferentemente da agroecologia, ciência que integra uma visão ecológica com a agricultura, em que a saúde do solo e a biodiversidade são tão importantes quanto a produção agrícola. Nos artigos, não há um detalhamento tão preciso das práticas convencional e orgânica, o que torna a comparação de resultados ainda mais complicada.  Essas combinações possíveis no manejo, somadas às combinações de clima e genética, aumentam a incerteza do que é, exatamente, que faz as plantas serem mais nutritivas.  

Há estudos que apontam que tanto o uso de fertilizantes químicos quanto orgânicos – ou mesmo uma combinação dos dois – trará concentrações similares de nutrientes. Um artigo de 2023 fez uma meta-análise de estudos que compararam formas de adubação. 

Os pesquisadores compilaram e analisaram dados de 551 experimentos, realizados entre 1972 e 2022 em todos os continentes.   Na agricultura, o solo é modificado pelo homem: corrigido, adubado e revirado para criar as condições ideais para um cultivo — e as combinações práticas são incontáveis. 

A conclusão foi que a aplicação de fertilizantes (principalmente o tipo químico nitrogênio, fósforo e potássio, combinado ou não com adubo orgânico) aumentou, em média, em 30,9% a produtividade e em 11,9% a qualidade nutricional dos alimentos do que culturas que não foram adubadas.  

No entanto, os resultados foram pouco expressivos nos solos mais pobres, que apresentavam pouca matéria orgânica. Isso porque os vegetais elaboram seus macronutrientes a partir de elementos presentes na matéria orgânica, que funcionam como blocos de construção: carbono, hidrogênio e oxigênio, principalmente; e algumas moléculas podem ter enxofre, nitrogênio e fósforo. É com essas peças que a planta monta açúcares, gorduras, proteínas e vitaminas. “Você não vai ver uma banana triplicar a quantidade de açúcar só porque ela está em uma região diferente da outra. Você não vai multiplicar por cinco a quantidade de lipídio no abacate só porque você mudou o regime de irrigação dele”, exemplifica Purgatto, da USP.  

O cenário muda quando se fala de vitaminas e minerais. Eles são as menores peças desse quebra-cabeça, e não são produzidos “do zero”, como os macronutrientes. A planta absorve os minerais através das raízes e os estoca em sua estrutura, mas também os usa para desenvolver outros compostos, como as vitaminas. Os resultados do experimento no Irã mostraram uma concentração maior de micronutrientes nas frutas orgânicas: as amoras apresentaram mais cálcio e potássio, e os figos tiveram maior teor de cobre, zinco e ferro que os cultivados na agricultura convencional.  

Ainda que o resultado tenha sido positivo para os orgânicos, os pesquisadores fecham a seção de resultados sem uma explicação causal. Apenas constatam o enigma botânico: “As variações observadas ilustram a diversidade intrínseca e a complexidade dos processos bioquímicos presentes em cada fruta, influenciados por diferentes práticas de manejo na horticultura, sejam elas orgânicas ou convencionais.”  

O manejo apresenta resultados mais consistentes nas pesquisas que estudam a produção de compostos bioativos. O licopeno, encontrado no tomate, e o betacaroteno, responsável pela cor alaranjada da cenoura, são exemplos dessas substâncias.  Elas são geradas pelas plantas em resposta aos estímulos e às adversidades do ambiente (sejam eles outras plantas, uma estiagem ou um inseto que quer comer suas folhas) e consideradas um “bônus” para a alimentação humana. Esses compostos não são nutrientes, nem minerais. Sua falta não causa deficiência nutricional, mas, ao consumi-los, a saúde humana se beneficia.  

Para entender a diferença na produção de compostos bioativos, vamos comparar duas situações completamente opostas – uma laranjeira em produção comercial e uma pitangueira silvestre.  A primeira é uma fruta asiática que, apesar de ser cultivada no Brasil todo, não está completamente adaptada aos biomas brasileiros. Seu cultivo é feito em um pomar de laranjeiras idênticas. 

O acesso à água e a correção do solo são feitos durante todo o ciclo da planta. Agrotóxicos ou outros produtos para controle de pragas podem ser aplicados para evitar ou conter algum ataque de inseto, fungo ou bactéria.  Cultivada assim, mesmo longe de seu bioma de origem, ela sofre pouco estresse: nenhuma praga, nenhuma estiagem, nenhuma competição por nutrientes. 

A planta terá acesso aos “blocos de montar” para criar açúcares, gorduras e proteínas e aos minerais para depositar em seus frutos. Inclusive, sua produtividade será maior que a de uma laranjeira sem manejo, que cresce cercada de outras espécies. Só que, justamente por responder a menos estímulos e ameaças, a laranja deste pomar comercial pode ter menos compostos bioativos, como vitamina C, ácidos fenólicos e carotenóides. 

Agora, pensando na pitangueira, uma espécie endêmica da Mata Atlântica. Mesmo em meio a um bosque, cercada de diversidade e sem manejo, ela vai produzir bem. Por ser uma planta adaptada, uma vez que evoluiu por milhares de anos no mesmo bioma, ela terá facilidade de responder aos estímulos que esse ambiente oferece. Ela é, na expressão botânica, uma planta rústica.  Sementes crioulas também são rústicas – neste caso, sua evolução foi guiada pelas gerações de agricultores que selecionaram as sementes a partir das características desejadas. E, por isso, acabam sendo fáceis de cultivar. 

Essa adaptação das variedades crioulas pode fazer com que a planta tenha mais facilidade em responder a estímulos e estresses. Com isso, pode produzir mais compostos bioativos e se manter saudável. Estando saudável, pode absorver melhor os nutrientes e minerais que precisa para seu desenvolvimento. E, assim, gerar frutos viáveis para continuar se propagando.  “Outro detalhe importante é a velocidade com que as culturas melhoradas atingem a sua produção. 

Um milho melhorado que leva 120 dias para ser colhido terá menos tempo para sintetizar e acumular nutrientes na matéria seca, quando comparado com o ciclo do milho crioulo, que pode levar até mais de 150 dias”, compara Brasil, da UFPR.  Então, sim, uma planta crioula pode ser mais nutritiva que uma convencional – desde que ela encontre todas as condições favoráveis para se desenvolver. 

No entanto, a diferença para a nutrição humana estará mais ligada à presença de compostos bioativos e à frequência de consumo de alimentos in natura do que o fato de ser crioula ou não a semente que originou aquela folha, fruto ou raiz.  

Genética, escolhas e perdas 

Eu até havia pensado que algumas variedades de plantas comerciais cultivadas de forma convencional seriam mais pobres nutricionalmente que as crioulas. Que, mesmo que fossem cultivadas sem agrotóxicos, elas seriam menos saudáveis. Na apuração, essa suposição caiu por terra. Isso porque… depende. 

Cereais como arroz, milho e trigo, que são a base da alimentação humana, foram domesticados há milhares de anos. Ao comparar as espécies cultivadas hoje, elas têm menos proteína e mais carboidratos do que as selvagens. “Obviamente que o ser humano acabou interferindo nisso, porque se passou a selecionar aquelas que davam mais saciedade, que está ligada diretamente ao teor de carboidrato que tem na planta”, explica Purgatto, da USP.  

Considerando uma alimentação adequada, a falta de proteína em um cereal não será um problema. A perda mais grave é a de diversidade de espécies a partir da Revolução Verde, na década de 1960 – a chamada erosão genética.  É algo que pesquisadores notaram logo na década de 1980. Foi quando os bancos de sementes e mudas passaram a ter mais espécies rústicas, crioulas e silvestres armazenadas – esses “acessos”, como são chamados, estão congelados em nitrogênio líquido ou plantados em campos de pesquisa. Eles são usados por melhoristas genéticos (de institutos de pesquisa ou de indústrias de sementes) para gerar novas variedades de plantas.  

Essa seleção acaba deixando alguma característica vantajosa de fora. “As culturas comerciais passam por um processo de melhoramento em que são submetidas a várias gerações de cruzamentos até se chegar naquilo que o melhorista pretendeu. 

Pode ser, por exemplo, uma planta mais resistente à seca. Mas, para chegar até aí, alguma característica genética pode ser perdida, como a capacidade de alto metabolismo e acúmulo de algum nutriente ou vitamina”, exemplifica Brasil, da UFPR. 

Ter um grande volume de plantas com DNA parecido diminui as possibilidades de recombinação de genes, o que interfere diretamente na resiliência das espécies. Por isso, a indústria de sementes e mudas é tão importante para o agronegócio: a seleção e o cruzamento genético trarão padrão e produtividade para a colheita, mas nem sempre produzirão sementes viáveis para novo plantio.  

A imensa variedade genética que existe em cada espécie fica clara quando olhamos para uma espécie que (ainda) não é comercial, como na experiência de Poliana Spricigo, engenheira agrônoma e professora na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Durante seu pós-doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), ela integrou uma equipe multidisciplinar para pesquisar a composição nutricional pós-colheita de frutos da Mata Atlântica. Uma delas era a uvaia, uma fruta amarela, de gosto azedinho e com uma semente arredondada.  

A uvaia não é considerada uma espécie comercial – ou seja, não há variedades caracterizadas e cadastradas no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem). Para plantá-la, é preciso conseguir a semente com algum agricultor ou pegá-la na natureza. Durante a pesquisa de campo, Spricigo encontrou incontáveis variações em cor, textura da polpa, tamanho do caroço e intensidade dos sabores. Apenas na fazenda de um colecionador, no município mineiro de Cabo Verde, ela se deparou com 41 tipos de uvaia. “Tem árvores mais eretas, outras mais arbustivas. 

Tem folha pequena e grande, verde clara ou escura, com fruto do tamanho da minha mão, outra que é um pinguinho de tão pequenininha. Tem umas com muita semente, outras com uma só. Tem uvaia amarela, alaranjada, amarelo fraco, com pele aveludada, com veio”, enumera. A partir daí, a equipe selecionou dez variedades para caracterizar e descrever sua composição nutricional. 

Foi o primeiro trabalho acadêmico a detalhar nutrientes e compostos bioativos da espécie.  Assim como a aparência da árvore e dos frutos é distinta, o “sistema imunológico” da planta também é. Spricigo e seus colegas encontraram variedades que sofriam mais com o ataque de ferrugem, enquanto outras, plantadas na proximidade, não sucumbiam ao fungo. 

As folhas de algumas queimaram com a geada, enquanto outras resistiram.  Na padronização para produção comercial, a resistência a pragas e a produtividade são desejadas em detrimento de outras características. No caso da uvaia, os pesquisadores observaram uma variedade que melhor se adequaria. Ela não tinha o perfil de sabor mais ácido, nem os teores mais altos de carotenoide, composto bioativo que dá as cores amarela e alaranjada. Mas produzia bem em campo e mantinha um teor relevante de todos os nutrientes e antioxidantes observados nas demais uvaias.  

A produção em grande escala necessita de previsibilidade e padrão, o que explica a opção por pouca variabilidade genética. “Para um cultivo comercial, a gente geralmente pega uma planta que é muito boa e faz clones dessa planta para ter frutos do mesmo tamanho, produção na mesma época, qualidade interna do fruto muito parecida”, comenta Spricigo, da Unesp. 

Há outras vantagens 

O rendimento em relação à densidade nutricional também é um critério importante para a alimentação humana: é preferível frutos maiores aos menores, mesmo que apresentem menos vitaminas e minerais por grama. Essa opção por cultivar espécies que têm mais polpa é anterior à ideia de agricultura comercial. 

Foi o que fez a humanidade chegar às versões atuais de frutas, como banana e abacate, milhares de anos antes de os melhoristas genéticos existirem. É isto que os guardiões de sementes crioulas continuam fazendo ao selecionar as plantas com as características desejadas. 

Os critérios são tão vastos quanto a subjetividade humana: pode ser a polpa, a resistência a pragas, a cor, o perfil de sabor, a adaptação à intempéries.  Sementes crioulas são importantes para a manutenção do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais, como o trabalho humano que as multiplica safra após safra.

Ainda que alguma variedade crioula possa ser menos nutritiva que uma convencional, a balança pesa para o seu lado por outros fatores. A agroecologia é um prisma onde se encontram inúmeras práticas. O manejo do solo para enriquecimento a partir de matéria orgânica e não fertilizantes químicos. 

O controle de pragas não é feito com agrotóxicos. Mesclam-se cultivos em um mesmo campo, dão descanso à terra ao intercalar as áreas de lavoura, deixam parte do que plantam para os animais também comerem. Na filosofia da agroecologia, reconhece-se a necessidade de tratar das desigualdades de gênero, etnias e raça a partir da justa remuneração e acesso à terra, conhecimento e tecnologias.  

A importância das sementes crioulas não é apenas a nutrição que ela proporciona aos seres humanos. Elas são importantes para a manutenção do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais, como o trabalho humano que as multiplica safra após safra.  

O mesmo raciocínio vale para as espécies silvestres, não domesticadas pelo humano: a importância delas não está no fato de ela ser útil para o ser humano ou não. Elas integram os ecossistemas e sustentam parte da vida na Terra, principalmente as não humanas.


Referência: SCHIOCHET, Flávia. Será que plantas crioulas têm mais nutrientes que as convencionais? , O Joio e O Trigo, São Paulo, 21 jul. 2025. Disponível em: https://ojoioeotrigo.com.br/2025/07/sera-que-plantas-crioulas-tem-mais-nutrientes-que-as-convencionais/. Acesso em: 21 jul. 2025.



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