sábado, 3 de setembro de 2022

Setembro amarelo - A importância da escuta especializada

 


Por quase 15 anos relutei adentrar esse tema. Perdi meu pai no dia 10 de setembro de 2003, ironicamente ele suicidou no dia mundial de prevenção do suicídio. Assunto espinhoso e que por muitos anos foi tabu pra mim. 

O setembro amarelo começou nos Estados Unidos, quando Mike Emme, de 17 anos, cometeu suicídio, em 1994. Era um jovem muito habilidoso e restaurou um automóvel Mustang 68, pintando-o de amarelo. Por conta disso, ficou conhecido como "Mustang Mike". Seus pais e amigos não perceberam que o jovem tinha sérios problemas psicológicos e não conseguiram evitar sua morte.

No dia do velório, foi feita uma cesta com muitos cartões decorados com fitas amarelas. Dentro deles tinha a mensagem "Se você precisar, peça ajuda.". A iniciativa foi o estopim para um movimento importante de prevenção ao suicídio, pois os cartões chegaram realmente às mãos de pessoas que precisavam de apoio. Em consequência dessa triste história, foi escolhido como símbolo da luta contra o suicídio, o laço amarelo.

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, em parceria com o Conselho Federal de Medicina – CFM, organiza, em todo o país a campanha do setembro amarelo. Na qual durante todo o mês procuramos conscientizar as pessoas sobre o suicídio, bem como evitar o seu acontecimento. Falar sobre suicídio é importante.

Ao longo dos anos fui sabendo de várias histórias de médicos que, assim como meu pai suicidaram. Pai e mães de colegas médicos, amigos, profissionais da área da saúde, familiares, professores e alguns pacientes. Baseado nesse histórico, ao longo de quase toda minha vida profissional sempre questionei na consulta sobre ideação suicida. As vezes durante a consulta, as vezes no questionário pós-consulta. E pasmem, é muito prevalente. Uma boa parte das pessoas tiveram alguma vez na vida ideação suicida e isso não quer dizer que elas um dia suicidarão. Porém, atenção deve ser dada!

De acordo com a última pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde - OMS em 2019, são registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, sem contar com os episódios subnotificados, pois com isso, estima-se mais de 1 milhão de casos. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, ou seja, em média 38 pessoas suicidam por dia no Brasil, o que significa que o suicídio mata mais brasileiros do que doenças como a AIDS e o câncer.

O assunto é envolto em tabus, por isso, a organização da campanha da ABP acredita que falar sobre o tema é uma forma de entender quem passa por situações que levem a ideias suicidas.

Com isso, podemos ajudá-las a partir do momento em que as ideações são identificadas. É por isso que “Falar é a melhor solução” é o slogan da campanha, cujos envolvidos na sua organização acreditam que conscientizando as pessoas poderemos prevenir 9 em cada 10 situações de atos suicidas.

Embora os números estejam diminuindo em todo o mundo, os países da América vão na contramão dessa tendência, com índices que não param de aumentar, segundo a OMS. Sabe-se que praticamente 100% de todos os casos de suicídio estavam relacionados às doenças mentais, principalmente não diagnosticadas ou tratadas incorretamente. Dessa forma, a maioria dos casos poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem acesso ao tratamento psiquiátrico e informações de qualidade. Pós-pandemia o cenário é ainda pior.

Falar importa?

Sim, falar importa, ouvir também, mas, quando falamos de ideação suicida devemos ter em mente que o mais adequado é uma escuta especializada. E o que seria isso? É a escuta feita por um profissional que entende do tema e que inclusive conhece técnicas para fazer o paciente falar e essa fala ser terapêutica. Competência técnica e científica.

Cansei de ver nos últimos anos pessoas totalmente despreparadas falando em redes sociais (no mês de setembro) que estavam abertas para conversar com quem estivesse em sofrimento psíquico. "Quem estiver mal me chame no direct para conversar", Isso é irresponsável. 

Os profissionais mais habilitados para isso são os psicólogos e psiquiatras. Eles tem estudo/formação na área, formas de manejar, técnicas para lidar com a prevenção do suicídio. Isso não quer dizer que essas pessoas não possam dar suporte, mas se realmente quer ajudar, oriente essa pessoa a ter um suporte especializado. Isso é o correto. O paciente com sofrimento psíquico precisa de escuta especializada. Saber ouvir também é uma arte.

Temos então vários entraves na prevenção do suicídio. O primeiro é que a maioria desses pacientes possuem alguma doença psiquiátrica de base e que na maioria das vezes não foi diagnosticada. Ou seja, devemos normalizar que se a pessoa apresenta algum sintoma psiquiátrico como rebaixamento do humor, oscilações, insônia, abuso de substância, ela obrigatoriamente deve buscar auxílio de um médico psiquiatra. Passou da hora de quebrarmos o estigma de que psiquiatra é "Médico de louco". É o médico que lida com a saúde mental, com o sofrimento psíquico. 

O segundo entrave consiste no fato de muitos brasileiros não conseguirem ter acesso a um médico psiquiatra. Ou seja, todas as esferas do governo precisam criar mais núcleos de saúde mental. Pelo menos nas cidades onde resido, é bastante difícil conseguir rapidamente vaga com psiquiatra no SUS e até mesmo por planos de saúde.  Caso não tenha a possibilidade de passar por um Médico Psiquiatra, uma avaliação psicológica torna-se uma boa estratégia.

Outro entrave é a pouca quantidade de serviços de psicologia ofertados pelo SUS. Lido com obesidade e a psicoterapia faz parte dos pilares no tratamento do portador de obesidade. Meus pacientes levam meses para conseguir acesso a um profissional na área. Se esse paciente que teve ideação suicida e está em sofrimento psíquico demora a ter acesso, pode ser que no meio do caminho ele suicide. Faz-se necessário um maior acesso a esses profissionais.

Essa dificuldade no acesso não ocorre somente no SUS. Por anos, os planos de saúde limitaram o número de consultas com psicólogos. A agência nacional de saúde suplementar (ANS) aprovou em 2022 o fim da limitação ao número de consultas e sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Agora, os planos de saúde terão que oferecer cobertura ilimitada para pacientes com qualquer doença ou condição de saúde listada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Acredito que isso auxiliará muito na prevenção do suicídio. 

Além desses entraves temos diversos outros fatores que podem impedir a detecção precoce e, consequentemente, a prevenção do suicídio. 

O estigma e o tabu relacionados ao assunto são aspectos importantes. Durante séculos de nossa história, por razões religiosas, morais e culturais o suicídio foi considerado um grande erro. Culpando aqueles que o querem  ou  que consumam o ato. O sofrimento psíquico do suicida em potencial é negligenciado. Ele não é acolhido e ouvido, pelo contrário, é recriminado. Como se ele tivesse culpa daquele anseio.

O suicídio é um fenômeno presente ao longo de toda a história da humanidade, em todas as culturas. É um comportamento com determinantes multifatoriais e resultado de uma complexa interação de fatores psicológicos e biológicos, inclusive genéticos, culturais e socioambientais. Sendo assim, deve ser considerado como o desfecho de uma série de fatores que se acumulam na história do paciente, não podendo ser considerado de forma causal e simplista apenas a determinados acontecimentos pontuais da vida do sujeito. É a consequência final de um processo.

Pessoas que já tentaram suicídio tem de 5 a 6 vezes mais chance de tentar o ato novamente. A posvenção inclui as habilidades e estratégias para cuidar de si mesmo ou ajudar outra pessoa a se curar após a experiência de pensamentos suicidas, tentativas ou morte.

Fatores protetores: existem alguns fatores relacionados à vida de uma pessoa, que podem atuar como proteção para o suicídio.

  • Ausência de doença mental
  • Autoestima elevada
  • Bom suporte familiar
  • Capacidade de adaptação positiva
  • Capacidade de resolução de problemas
  • Estar empregado
  • Realização de pré-natal
  • Laços sociais bem estabelecidos com amigos e familiares
  • Relação terapêutica positiva
  • Frequência a atividades religiosas
  • Ter sentido existencial
  • Senso de responsabilidade com a família
  • Ter crianças em casa 

Fatores de risco: existem alguns fatores que aumentam o risco de suicídio: 


1) Abuso sexual na infância:

2) Maus tratos, abuso físico, pais divorciados, transtorno psiquiátrico familiar, entre outros fatores, podem aumentar o risco de suicídio. Na assistência ao adolescente, os médicos, os professores e os pais devem estar atentos para o abuso ou a dependência de substâncias associados à depressão, ao desempenho escolar pobre, aos conflitos familiares, à incerteza quanto à orientação sexual, à ideação suicida, ao sentimento de desesperança e à falta de apoio social. Um fator de risco adicional de adolescentes é o suicídio de figuras proeminentes ou de indivíduo que o adolescente conheça pessoalmente. Existe, também, o fenômeno dos suicidas em grupo ou comunidades semelhantes que emitem o estilo de vida.

3) Alta recente de internação psiquiátrica

4) Impulsividade/Agressividade

5) Isolamento Social: a pandemia favoreceu bastante o aumento do número de suicídios devido o isolamento social prolongado, mas fora da pandemia, a presença de comportamento antisocial é um fator de risco.

6) Suicídio na família: o risco de suicídio aumenta entre aqueles com história familiar de suicídio ou de tentativa de suicídio. Estudos de genética epidemiológica mostram que há componentes genéticos, assim como ambientais envolvidos. O risco de suicídio aumenta entre aqueles que foram casados com alguém que se suicidou.

7) Tentativa prévia: esse é o fator preditivo isolado mais importante. Pacientes que tentaram suicídio previamente têm de cinco a seis vezes mais chances de tentar suicídio novamente. Estima-se que 50% daqueles que se suicidaram já haviam tentado previamente. 

8) Doenças mentais: sabemos que quase todos os suicidas tinham uma doença mental, muitas vezes não diagnosticada, frequentemente não tratada ou não tratada de forma adequada. Os transtornos psiquiátricos mais comuns incluem depressão, transtorno bipolar, alcoolismo e abuso/dependência de outras drogas e transtornos de personalidade e esquizofrenia. Pacientes com múltiplas comorbidades psiquiátricas têm um risco aumentado, ou seja, quanto mais diagnósticos, maior o risco. o. Na figura abaixo temos os diagnósticos mais frequentemente associados ao suicídio.


9) Doenças clínicas não psiquiátricas e incapacitantes: diversas doenças são associadas ao suicídio de maneira independente de outros dois fatores de risco bem estabelecidos, como a depressão e o abuso de substâncias. As taxas de suicídio são maiores em pacientes com:
  • Câncer, HIV, doenças neurológicas, como esclerose múltipla, doença de Parkinson, doença de Huntington e epilepsia; doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico. doença pulmonar obstrutiva crônica, além de doenças reumatológicas, como o lúpus eritematoso sistêmico.
Os sintomas não responsivos ao tratamento e os primeiros meses após o diagnóstico também constituem situações de risco. Pacientes com doenças clínicas crônicas apresentam comorbidades com transtornos psiquiátricos, com taxas variando de 52% a 88%. Portanto, é necessário rastrear sintomas depressivos e comportamento suicida nesses pacientes, especialmente diante de problemas de adesão ao tratamento.

Toda pessoa tem alguns fatores protetivos e alguns fatores de risco para o suicídio. Sendo assim, na prevenção ao suicídio, várias medidas podem ser tomadas para aumentar os fatores de proteção e diminuir os de risco:
  • Aumentar contato com familiares e amigos
  • Buscar e seguir tratamento adequado para doença mental
  • Envolvimento em atividades religiosas ou espirituais
  • iniciar atividades prazerosas ou que tenham significado para a pessoa, como trabalho voluntário e/ou hobbies
  • Reduzir ou evitar o uso de álcool e outras drogas 
É super comum que em situações de crises, especialmente se a pessoa tem uma doença mental, surjam pensamentos de morte e mesmo de suicídio. No entanto, felizmente, a imensa maioria das pessoas que pensa em suicídio encontra melhores modos de lidar com os problemas e superá-los. Para isso, é essencial identificar o problema e buscar os diversos modos saudáveis e construtivos de enfrentá-lo.

Mitos sobre o suicídio 

Erros e preconceitos vêm sendo historicamente repetidos, contribuindo para formação de um estigma em torno da doença mental e do comportamento suicida.  O estigma resulta de um processo em que pessoas são levadas a se sentirem envergonhadas, excluídas e discriminadas. A tabela 1 ilustra os mitos sobre o comportamento suicida. O conhecimento pode contribuir para a desconstrução deste estigma em torno do comportamento suicida.

Caso precise de indicação de Psiquiatra e/ou Psicólogo, tenho uma lista aqui. Todos atendem presencial e online. 

Se chegou a esse texto por estar apresentando ideação suicida (nesse momento), sugiro ligar para o CVV – Centro de Valorização da Vida. O CVV é um serviço de apoio emocional gratuito e realizado por voluntários. Em 2017, foram cerca de 2 milhões de atendimentos. O modelo é sigiloso e não diretivo, ou seja, não há aconselhamento ou julgamento. Realizam suporte emocional e prevenção do suicídio, atendendo gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone (nº188), e-mail e chat. O serviço está disponível 24 horas por dia. Link: https://www.cvv.org.br/ 

Uma outra opção é procurar auxílio em algum pronto-socorro psiquiátrico. 


Fontes:
http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index9/?numero=14

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13.192 | RQE 11.915 / CRM-SC 32.949 | RQE 22.416 

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Intolerância histaminérgica - Aspectos nutrológicos: como o médico nutrólogo pode te auxiliar?

Intolerâncias alimentares

As intolerâncias alimentares podem ser a vários alimentos/grupos/substâncias específicas. A mais comumente abordada é a intolerância à lactose. Recentemente tem se falado também bastante sobre a intolerância à frutose, já que os métodos utilizados para fechar o diagnóstico apresentam alta taxa de falsos positivos. 

Temos ainda intolerância a rafinose, sacarose... e também à Histamina. Geralmente são sintomas gastrointestinais funcionais e que muitas vezes não encontramos achados laboratoriais que fechem o diagnóstico. Ou seja, são sintomas gastrointestinais funcionais, crônicos e muitas vezes inexplicáveis, que deixam o paciente/médico perdidos e sem um norte. 

Se na intolerância à lactose o paciente apresenta deficiência da lactase, na intolerância histaminérgica há deficiência da enzima diamino-oxidase (DAO) no intestino, o que ocasionada  uma sensibilidade aos níveis normais ou mesmo baixos de histamina nos alimentos.

Mas afinal, o que é a histamina?

A histamina do nosso corpo é um composto nitrogenado orgânico, de formula molecular C5H9N3 e nome IUPAC 2-(3H-imidazol-4-il)-etanamina. Esta amina é originada a partir da perda de um grupo carboxila do aminoácido histidina, processo conhecido com descarboxilação. Esta amina foi descrita pela primeira vez em 1910 quando um grupo de pesquisadores a isolou do fungo Claviceps purpúrea. 

Em mamíferos, a histamina está relacionada com diversas funções biológicas como por exemplo a contração da musculatura lisa, principalmente do intestino e brônquios, vasodilatação e aumento da permeabilidade de vasos, aumento da secreção de mucosas, ciclo claro-escuro e também como neurotransmissores. Consequentemente, a histamina pode estar envolvida com quadros de taquicardias, arritmias, variações de pressão sanguínea, aumento de secreções gástricas, isquemia intestinal e até mesmo na angiogênese de tumores.

Um dos principais envolvimentos da histamina é sua secreção por células imunes após o contato com antígenos, o que muitas vezes é relacionado com reações alérgicas. Quando anticorpos do tipo IgE são ativados por seus respectivos ligantes (antígenos geralmente alérgenos), ele ganha a capacidade de se ligar em mastócitos e, estas células, que reservam grandes quantidades de histamina em seu interior, são lisadas e liberam esta histamina. Esta liberação, no local ou na corrente sanguínea, permite que as funções biológicas da histamina aconteçam. Caso a degradação da histamina não aconteça de maneira correta, ou caso o estímulo alérgeno esteja constantemente presente e, portanto, constantemente ativando os mastócitos a liberar a histamina, esse processo é chamado de resposta alérgica.

Nesse sentido, em 1932, a histamina foi descrita como grande mediadora de reações anafiláticas devido sua participação da contração da musculatura lisa e alterações da pressão sanguínea. Estas respostas anafiláticas têm grande relevância médica, pois tem progressão bastante rápida e colocam o indivíduo em grande risco de vida. Alguns sintomas da reação anafilática são: coceira, angioedema (inchaço), hipotensão, estresse respiratório e desmaio. Após o contato com o agente alergênico, o que podem ser bem variados, desde alimentos, bebidas, passando por produtos químicos ou mesmo picadas ou contato com outros agentes da natureza (como pólen por exemplo), o indivíduo pode apresentar a reação anafilática em poucos minutos. O tratamento para esta reação deve acontecer o mais rápido possível, uma vez que estes sintomas podem ser bastante graves e inclusive podem levar ao óbito.

Diversas células têm capacidade de sintetizar a histamina, como: mastócitos, basófilos, plaquetas, neurônios histaminérgicos e células enterocromafins. Por isso, a presença da histamina acontece em praticamente o corpo todo. No entanto, a prevalência é muito maior em regiões de contato com o “meio externo”, como na pele e nos tratos respiratório e gástrico.

No organismo sua degradação se dá através da ação de duas enzimas, principalmente. A primeira é a histaminase (com a sigla em inglês, DAO - diamino-oxidase), que através da desaminação oxidativa metaboliza a histamina. 

Já a segunda, a histamina-N-metilltransferase (HNMT) age metilando o anel de carbono da estrutura da molécula. Dependendo da região em que se encontra a histamina, uma dessas enzimas será responsável por cataboliza-la: estando no meio intracelular, ou seja, no citoplasma celular, a histamina será degradada com HNMT, enquanto que estando na região extracelular, ou seja, no plasma sanguíneo ou na região órgão-específica, ela sofrerá ação da enzima DAO. 

A degradação da histamina tem fundamental importância, tal qual sua normal secreção. Indivíduos com problemas na sua síntese (síntese excessiva) ou na sua degradação (problemas na degradação) desenvolvem intolerância a histamina, doença com sintomas semelhantes aos sintomas de alergias 

A histamina dos alimentos

Existem várias aminas biogênicas encontradas em alimentos e bebida: histamina, a tiramina, a putrescina e a cadaverina são algumas delas. Ou seja, além da histamina produzida pelo nosso corpo, podemos ter ainda a Histamina presente em alguns alimentos e elas são produzidas por fermentação de bactérias/fungos.

O acúmulo desses compostos nos alimentos é resultado da transformação de aminoácidos por microrganismos e depende de vários fatores, como a disponibilidade dos aminoácidos precursores e condições ambientais favoráveis ao crescimento e/ou à atividade da descarboxilase bacteriana. 

Portanto, o processo de fabricação, a limpeza dos materiais, a composição microbiana e a fermentação influenciam a quantidade de histamina presente no alimento ou bebida. Dentre os alimentos que apresentam quantidade significativa de histamina temos os abaixo. Porém, cada paciente reage de uma maneira e não é a todos os alimentos que os pacientes reagem. 

Vegetais:
Espinafre
Tomate (e molho de tomate ou ketchup)
Berinjela

Leguminosas:
Lentilhas
Grão de bico
Feijões
Soja

Oleaginosas e sementes:
Castanha de caju
Nozes
Amendoim
Avelã
Amêndoas
Pinhão
Semente de girassol
Gergelim

Leite e derivados:
Queijos curados e semi- curados
Queijos ralados
Queijo azuis
Queijos processados
Queijos mofados
Kefir de leite
Iogurte

Frutas:
Morango
Ameixa
Banana
Figo
Kiwi
Melancia
Goiaba
Manga
Mamão
Abacate
Framboesa
Frutas cítricas: Laranjas, limões, tangerina
Frutas secas

Doces e adoçantes:
Cacau
Adoçantes artificiais: Sucralose
Alcaçuz
Extrato de malte

Temperos e especiarias:
Temperos artificiais
Cominho
Curry
Mostarda
Ketchup
Maionese
Páprica picante
Pimentas
Picles
Conservas
Alcaparras
Vinagre de vinho tinto e
branco
Vinagre balsâmico
Gengibre
Canela

Farinhas e grãos:
Gérmen de trigo
Trigo sarraceno
Malte
Centeio
Cevada

Fermentados:
Chucrute
Molho de soja (Shoyu)
kefir
Kombuchá
Iogurte
Leite fermentado

Carnes:
Carnes processadas
Linguiça
Salsicha
Salame
Presunto
Mortadela
Bacon
Carne de porco
Cavala
Atum
Anchova
Peixes enlatados
Bacalhau
Frutos do mar
Clara de ovo crua
Carne seca (charque ou paçoca)
Vísceras
Carnes e peixes defumados

Bebidas:
Leite de soja
Leite de arroz
Café
Suco de laranja
Todas as bebidas alcóolicas: cerveja, vinho, gin, vodca
Bebidas energéticas
Chá preto
Chá verde
Chá mate

Outros:
Alga e derivados de alga
Cogumelos
Levedura nutricional
Azeitonas
Picles
Vinagre
Azeite Balsâmico
Alimentos em conserva
Enlatados
Aditivos alimentares

A União Europeia permite o conteúdo de histamina nos alimentos até um máximo de 200 mg/kg  em peixes frescos e 400 mg/kg em produtos do mar. Vários autores propuseram que o álcool, outras aminas biogênicas, e alguns medicamentos, podem ter um efeito potencializador sobre a toxicidade da histamina. E algo que é super comum no consultório é o paciente contando que vários sintomas foram desencadeados após ingerir vinho acompanhado de alimentos ricos em histamina. Resultado: culpam o vinho mas na verdade foi apenas uma potencialização.

E como o corpo quebra essa histamina ?

Como já explicado acima, temos 2 maneiras de metabolizá-la. A primeira através da histamina-N-metiltransferase (HNMT), proteína citosólica responsável pela inativação da histamina intracelular, expressa em uma ampla variedade de tecidos humanos. A segunda pela DAO é uma proteína armazenada em estruturas vesiculares da membrana plasmática responsável pela degradação da histamina extracelular. Está presente nas vilosidades intestinais, aumentando progressivamente do duodeno até o íleo. Na intolerância a histamina, a enzima intestinal DAO tem uma capacidade reduzida de metabolizar e degradar histamina. 

E por que o corpo começa a não tolerar alimentos ricos em histamina?

Até o momento, sabe-se que a deficiência de DAO pode estar relacionada a fatores genéticos, farmacológicos ou patológicos (desordens inflamatórias, degenerativas e intestinais). Uma hipótese recente sugere que alterações na diversidade da microbiota intestinal podem contribuir para o desenvolvimento de intolerância à histamina.

O que o paciente apresenta de sintoma na intolerância à Histamina?

As manifestações clínicas de intolerância à histamina consistem em uma ampla gama de sintomas gastrointestinais e extra intestinais inespecíficos, devido à distribuição dos quatro receptores de histamina em diferentes órgãos e tecidos do corpo.

Estudo mostrou que as manifestações mais frequentes são:
  • Distensão abdominal observada em 92% dos pacientes,
  • Plenitude pós-prandial, 
  • Diarreia, 
  • Dor abdominal,
  • Constipação (55-73%).
Ou seja, facilmente se confunde com a intolerância aos FODMAPS (texto aqui no blog sobre o tema)

Os pacientes podem ainda apresentar sintomas extra-intestinais, tais como:
  • Tonturas, 
  • Dores de cabeça
  • Palpitações, 
  • Sintomas respiratórios (congestão nasal, coriza ou prurido no nariz),
  • Dermatológicos (rubor especialmente da cabeça e do peito).
Composição da microbiota e a intolerância histaminérgica

Para caracterizar a composição da microbiota intestinal de pessoas com intolerância à histamina e comparar com a microbiota de indivíduos saudáveis, Sánchez-Pérez e colaboradores desenvolveram um estudo recente, com 26 participantes, sendo 12 mulheres. 

Os participantes foram divididos em 2 grupos: intolerância a histamina (grupo HIT) e controle (sem intolerância). O grupo HIT foi composto por 12 mulheres de 21 a 65 anos e IMC médio de 23,7Kg/m²; enquanto o grupo controle foi composto de 14 participantes homens e mulheres adultos, com IMC médio de 22,2Kg/m².

O diagnóstico do grupo HIT foi realizado pela presença de 2 ou mais sintomas descritos por Maintz e Novak (2007), e por resultados negativos para IgE específica para alérgenos alimentares. Foram avaliadas as características demográficas e os sintomas clínicos, em todos participantes. Para a análise da microbiota intestinal e da concentração de histamina, amostras de fezes foram auto-colhidas em frascos estéreis e armazenadas a -80 ◦C até suas análises. O sequenciamento da microbiota intestinal foi avaliado pela técnica 16S rRNA (região V3-V4) e os dados foram analisados pelo banco de dados EzBioCloud.

No grupo HIT, queixas gastrintestinais e neurológicas foram relatadas por 83% dos participantes, seguidos por queixas dermatológicas (50%) e respiratórias (33%). No geral, os sintomas mais frequentemente relatados foram distensão abdominal e dor de cabeça, seguidos de flatulência, diarreia, azia e dores abdominais, musculares e articulares. A atividade plasmática da DAO foi deficiente (<10 U/mL) em 10 dos 12 participantes do grupo HIT.

A microbiota intestinal dos grupos HIT e controle foi analisada e comparada em termos de filo, família, gênero e espécie. A presença de disbiose intestinal foi observada no grupo HIT, que, em comparação com ao grupo controle, apresentou menor proporção de bactérias relacionadas à saúde intestinal: Prevotellaceae, Ruminococcus, Faecalibacterium e Faecablibacterium prausnitzii. Grupo HIT também apresentou abundância significativamente maior de bactérias histaminogênicas, incluindo os gêneros Staphylococcus e Proteus, gêneros não identificados pertencente à família Enterobacteriaceae, e as espécies Clostridium perfringens e Enterococcus fecalis.

Os autores concluíram que a maior abundância de bactérias histaminogênicas favoreceu o acúmulo de altos níveis de histamina no intestino e foi associado com efeitos adversos da intolerância. Contudo, as limitações do estudo devem ser levadas em conta em estudos futuros que visem elucidar a relação entre disbiose intestinal e intolerância à histamina.

Como diagnosticamos?

Apesar dos avanços significativos na compreensão da intolerância à histamina, não há consenso sobre a padronização do diagnóstico. 

A combinação dos critérios diagnósticos atualmente em uso inclui o aparecimento de manifestações clínicas típicas e a exclusão de outras condições patológicas gastrointestinais e relacionadas a histamina.

Inicialmente é necessário descartar outras causas de potenciais sintomas associados ao aumento da histamina plasmática. 

Considera-se necessário realizar teste de alergia cutânea intradérmica para descartar a sensibilização por IgE causada por alergia alimentar, além de dosar a triptase plasmática para excluir uma mastocitose sistêmica subjacente. Também é importante saber se o paciente está tomando algum medicamento com um possível efeito inibitório sobre a atividade DAO.

Vários exames complementares não validados também foram propostos por vários autores com o objetivo de obter um marcador para confirmar o diagnóstico.

Se esses resultados forem negativos, o aparecimento de dois ou mais sintomas típicos de intolerância à histamina e sua melhora ou remissão após o seguimento de uma dieta com baixo teor de histamina, confirma o diagnóstico de intolerância à histamina.

Anamnese
• Apresentando ≥ 2 sintomas de intolerância à histamina
• Afastar alergias alimentares (teste cutâneo de picada) e mastocitose sistêmica (triptase)
• Afastar outras patologias gastrointestinais concomitantes
• Afastar drogas inibidoras de DAO

Exclusão da histamina
• Acompanhamento de uma dieta com baixo teor de histamina (4-8 semanas)
• Registro completo de 24 horas de consumo de alimentos e sintomatologia

• Remissão ou melhora dos sintomas

Exames complementares: todos controversos e por isso na prática não solicito
• Determinação da atividade enzimática diamina oxidase (DAO)  no plasma ou biópsia intestinal
• Teste de desafio/provocação de histamina
• Identificação de polimorfismos genéticos (SNPs)
• Determinação de biomarcadores de histamina

Quais o tratamento?

Há 3 opções de tratamento. 

1) Dieta pobre em histamina

Consiste na principal forma de prevenir a intolerância à histamina, iniciando pela exclusão de alimentos com maior teor de histamina, e conforme a resposta ajuste para dietas mais restritivas.

2) Nas crises podemos lançar mão da utilização de drogas anti-histamínicas. 

3) Uso da DAO

Se na intolerância á lactose utilizamos a lactase, aqui podemos utilizar a Histaminase ou DAO. A suplementação  oral com DAO exógena poderia facilitar a degradação da histamina na dieta. Ao melhorar a atividade DAO intestinal possibilitaria dietas menos restritivas, mantendo alívio sintomático. É importante salientar que não são todos os pacientes que respondem à reposição da DAO e isso nos leva a pensar que há outros mecanismos envolvidos. 

Coexistência de Intolerância histaminérgica com outras condições

Como descobri que era intolerante à histamina? Sempre apresentei reação a alimentos específicos. Se início recebi o diagnóstico de síndrome de alergia perioral por uma professora de nutrologia, pois sempre que ingeria alimentos cítricos a minha língua apresentava ardor, ficava ferida e apresentava prurido perioral e nasal. Fiz os testes alérgicos de IgE específica e vieram negativos. Depois suspeitamos que pudesse ser intolerância à FODMAP, porém nunca apresentei grandes quantidades de gases, distensão abdominal significativa, diarréia ou constipação. Mesmo com dieta Low FODMAP feita pelo meu nutricionista eu continuava apresentando sintomas com: Morango, laranja, banana, kiwi, uva, abacaxi, frutas secas, melancia, oleaginosas, cacau, lácteos, trigo, ketchup, espinafre, kombuchá, shoyu álcool, morango e quanto ingeria leveduras medicinais. 

Em 2019 apresentei um quadro de poliartralgia após uma viagem. Um amigo ortopedista (Dr. Maurício Morais) solicitou uma série de exames e todos vieram negativos. Quando foi me examinar viu que eu tinha muita flexibilidade nas articulações e postulou o diagnóstico de hipermobilidade articular. Depois disso foi por minha conta. Comecei a pesquisar e descobri que existe um espectro dentro de uma síndrome genética chamada Ehlers Danlos (SED).

Foi então que descobri que na SED pode ocorrem alguns sintomas concomitantes. Como a Disautonomia, os POTS, Ativação mastocitária, Intolerância histaminérgica. No homem a testosterona tende a deixar os quadros mais leve que em mulheres. Faço parte de um grupo de médicos portadores de SED e a diferença na apresentação dos quadros é nítida. Os homens apresentam bem menos fadiga (eu não tenho), menos disautonomia (tenho pouquíssimo, só quando ingiro o que não posso), POTS (taquicardia postural, ou seja, o paciente fica em pé a frequência cardíaca aumenta, também não tenho). Mas podem apresentar mais ativação mastocitária e mais intolerância histaminérgica. Nos homens também a testosterona parece proteger as articulações, lesionamos bem menos que as mulheres.


Referências bibliográficas

1) Sánchez-Pérez, S.; Comas-Basté, O.; Duelo, A.; Veciana-Nogués, M.T.; Berlanga, M.; Latorre-Moratalla, M.L.; Vidal-Carou, M.C. Intestinal Dysbiosis in Patients with Histamine Intolerance. Nutrients 2022, 14, 1774. https://doi.org/10.3390/nu14091774

2) Andrade VLA. Intolerância a Histamina. In Andrade, VLA. Manual de Terapêutica em Gastrenterologia e Hepatologia. Capítulo 85. 

3) Comas-Basté O, Sánchez-Pérez S, Veciana-Nogués MT, Latorre-Moratalla M, Vidal-Carou MDC. Histamine Intolerance: The Current State of the Art. Biomolecules. 2020;10(8):1181. Published 2020 Aug 14;10(8):1181. doi: 10.3390/biom10081181.

4) Schnedl WJ, Enko D. Histamine Intolerance Originates in the Gut. Nutrients. 2021;13(4):1262. Published 2021 Apr 12. doi:10.3390/nu13041262.

5) Tuck Ca, Biesiekierski J, Schmid-Grendelmeier P and Pohl D. Food Intolerances. Nutrients. 2019;11:1684. doi:10.3390/nu11071684 

6) https://pebmed.com.br/intolerancia-a-histamina-fique-atento-a-esta-condicao-patologica/#

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Você sabe o que é Akkermansia muciniphila?

A Akkermansia muciniphila (A. muciniphila) representa cerca de 3 a 5% da comunidade microbiana humana, fazendo parte do grupo das 20 espécies mais abundantes detectáveis no nosso intestino. Neste artigo, você irá entender o que é a Akkermansia, quais são seus benefícios comprovados para a saúde e qual a sua necessidade de suplementação.

O que é Akkermansia muciniphila?

A Akkermansia muciniphila é uma bactéria oval, gram-negativa, estritamente anaeróbia que utiliza a mucina como fonte única de carbono e nitrogênio. A mucina é uma glicoproteína que regula a camada de muco intestinal, e, embora sua degradação seja um comportamento patogênico, é considerado um processo normal no equilíbrio de autorrenovação intestinal.

A A. muciniphila foi historicamente descoberta em 2004, na Holanda, ao ser isolada de fezes humanas. A bactéria é o primeiro e único membro representante do filo Verrucomicrobia no nosso intestino. De fato, a Akkermansia é um dos simbiontes normais ao longo da nossa vida, podendo colonizar o intestino humano de forma estável dentro de 1 ano após o nascimento. Eventualmente, sua abundância atinge o mesmo nível que em adultos saudáveis, mas diminui gradualmente em idosos.

Além de estar presente no nosso organismo, a Akkermansia muciniphila também pode ser cultivada em meio sintético, no qual a mucina é substituída por uma combinação de glicose, N-acetilglucosamina, peptona e treonina. Este meio sintético é capaz de cultivar A. muciniphila com a mesma eficiência do meio de mucina, evitando todos os compostos incompatíveis com humanos.

Vale ressaltar que a contagem da Akkermansia é feita pela técnica de Active Fluorescent Unit (AFC), um método revolucionário que utiliza a citometria de fluxo para realizar a contagem precisa de bactérias viáveis, podendo ser aplicado universalmente, e não influenciado pela culturabilidade/meio ambiente. Em contraste com o método tradicional (contagem de unidades formadoras de colônia ou colony-forming units), a AFC é mais precisa e eficaz.

Devido à sua alta universalidade e riqueza em quase todas as fases da vida, a Akkermansia muciniphila vem sendo investigada em relação à sua aplicação em probióticos terapêuticos.

Qual é a sua importância para a saúde humana?

Homeostase energética e metabólica

Estudos com camundongos demonstraram o papel da Akkermansia em promover melhora na tolerância à glicose, redução da adiposidade, diminuição da síntese de ácidos graxos no fígado e músculo, e melhora da inflamação de baixo grau.  Além disso, a suplementação de A. muciniphila também reverteu o mau funcionamento metabólico induzido pelo alto teor de gordura, incluindo endotoxemia metabólica, resistência à insulina e ganho de massa gorda.

Em humanos, os primeiros estudos em pacientes obesos foram conduzidos em 2019, e os resultados também foram animadores. Durante 3 meses, o tratamento com A. muciniphila pasteurizada (10¹⁰ bactérias por dia) foi capaz de aumentar a sensibilidade à insulina em 30% e prevenir o aparecimento de diabetes tipo 2, além de abolir os níveis aumentados de aspartato aminotransferase e alanina transaminase, correlacionados com alterações adversas no metabolismo da glicose e lipídios.

Prevenção e tratamento de doenças

Como um membro importante na microbiota intestinal, a diminuição na abundância intestinal de A. muciniphila foram significativamente associadas a várias disfunções fisiológicas, tais como:

  • Obesidade;
  • Diabetes Mellitus Tipo 2;
  • Doença Inflamatória Intestinal;
  • Autismo;
  • Atopia;
  • Hipertensão arterial.
Sendo assim, a presença adequada de Akkermansia na microbiota intestinal pode prevenir o aparecimento das doenças citadas.

Em relação ao tratamento de doenças, estudos in vitro anteriores também mostraram benefícios da Akkermansia no manejo das seguintes condições:

  • Doença hepática alcoólica;
  • Câncer;
  • Epilepsia;
  • Esclerose lateral amiotrófica;
  • Colite crônica.
Como a Akkermansia muciniphila interage com a microbiota e sistema imunológico?

Os microrganismos na superfície da mucosa intestinal são conhecidos por contribuir para a imunidade do hospedeiro, e com A. muciniphila não poderia ser diferente. Essa bactéria foi colonizada de modo a estar mais próxima das células epiteliais intestinais do que outros microrganismos colonizados no lúmen intestinal.

Sabe-se que a barreira intestinal desempenha um papel crucial ao proteger as células intestinais das bactérias luminais através de processos como a renovação do muco intestinal. Como a Akkermansia é especializada na degradação das mucinas presentes neste muco, elas também estimulam a síntese dessas mucinas em um processo autocatalítico, contribuindo para a proteção do organismo. Além disso, exercem inibição competitiva sobre outras bactérias patogênicas que também degradam a mucina.

Além de promover a integridade da barreira, alguns estudos correlacionam a Akkermansia com a modulação de respostas imunes inatas e adaptativas e a promoção de respostas anti-inflamatórias, através dos seguintes mecanismos:

  • Indução de células T reguladoras imunossupressoras;
  • Modulação da secreção de anticorpos por células imunes adaptativas (IgA e IgG);
  • Supressão da a resposta de células T inflamatórias.

Ademais, a colonização microbiana por A. muciniphila pode possibilitar associações com outros microorganismos benéficos, levando a uma colonização mucosa estável ao longo da vida. Foi demonstrado que a bactéria pode modular dois principais filos: Bacteroidetes (gerando aumento) e Firmicutes (gerando diminuição).

Quando e como suplementar Akkermansia?

Como dito anteriormente, a Akkermansia está presente naturalmente no intestino humano, mas pode diminuir com o envelhecimento. Além disso, em determinadas condições patológicas (obesidade, diabetes, DII e distúrbios neurológicos), também apresenta um número reduzido.

Em modelos animais, foram relatados que determinados componentes dietéticos podem aumentar a população de Akkermansia. Tais compostos incluem polifenóis, FODMAPs, farelo de aveia, cevada integral, pitaya vermelha, entre outros.

No entanto, para melhores resultados, é provável que a suplementação seja mais eficaz para conseguir os efeitos benéficos da Akkermansia na microbiota intestinal. A pesquisa clínica provou que a administração de 10¹⁰  Akkermansia muciniphila por dia foi bem tolerada, sem relatos de efeitos adversos.

Contudo, por se tratar de um probiótico relativamente novo, mais intervenções clínicas em larga escala devem ser conduzidas, para a Akkermansia como suplemento possa ter seus efeitos probióticos totalmente elucidados.

Referências

CHENG, D.; XIE, M. Z. A review of a potential and promising probiotic candidate—Akkermansia muciniphila. Journal of Applied Microbiology, v. 130, n. 6, p. 1813-1822, 2021.

DEPOMMIER, Clara et al. Supplementation with Akkermansia muciniphila in overweight and obese human volunteers: a proof-of-concept exploratory study. Nature medicine, v. 25, n. 7, p. 1096-1103, 2019.

DERRIEN, Muriel; BELZER, Clara; DE VOS, Willem M. Akkermansia muciniphila and its role in regulating host functions. Microbial pathogenesis, v. 106, p. 171-181, 2017.

ZHANG, Ting et al. Akkermansia muciniphila is a promising probiotic. Microbial biotechnology, v. 12, n. 6, p. 1109-1125, 2019.

ZHAI, Qixiao et al. A next generation probiotic, Akkermansia muciniphila. Critical reviews in food science and nutrition, v. 59, n. 19, p. 3227-3236, 2019.

Como se tornar Nutrólogo baseado no edital da prova de título de 2023?

Essa semana saiu o novo edital da prova de título de Nutrologia e obviamente surgiram diversas dúvidas sobre o edital, já que tivemos mudanças drásticas. Porém, tais mudanças já eram esperadas após a AMB publicar em seu site uma normativa sobre as provas de titulo. Após vários alunos do meu curso terem dúvidas, colegas médicos e afilhados também ficarem confuso, resolvi preparar uma aula explicando as principais mudanças no edital da prova.


Para acessar os slides clique aqui.

Mas as principais mudanças são relacionadas aos pré-requisitos para a prova. Antes aqueles que comprovassem 4 anos de atuação em Nutrologia poderiam prestar a prova. Agora precisam comprovar 4 anos de atuação em Clínica Médica ou clínica cirúrgica e depois mais 4 anos de atuação em Nutrologia, sendo que esses períodos não podem se sobrepor. 

Além disso, o currículo que antes valia 30 pontos agora só vale 10 anos.

A prova objetiva que antes tinham 50 questões agora tem 100 questões (50 pontos) e a prova terá 2 fases. A primeira são as questões objetivas. Aqueles que acertarem 60% são convocados para a prova prática oral que vale 40 pontos. O médico deve alcançar 60 pontos de 100 pontos para ser aprovado.

Tenho para venda:
1) Flashcards e banco de questões de Nutrologia
2) E-book: Metodologia de estudos para a prova de título
Caso queira adquirir acesse: www.provadetitulodenutrologia.com.br

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo
CRM-GO 13.192 | RQE 11.915 / CRM-SC 32.949 | RQE 22.416 


Dia do Endocrinologista e do Profissional da Educação física - 01 de Setembro



No dia Primeiro de Setembro comemoramos o dia desses dois grandes profissionais. 

Pra mim, é uma honra homenageá-los. Minha relação com a Endocrinologia é antiga. Metade da minha faculdade eu quis ser Endocrinologista. Meu currículo quase todo durante a graduação foi pautado em publicar trabalhos relacionados à área de Endocrinologia. Minha monografia durante a graduação foi com tema de endocrinologia. E a da pós de Nutrologia também foi de forma indireta relacionadas à Endocrinologia (Vitamina D e Diabetes mellitus). 

Admiro muito endócrino, gosto de estudar fisiologia hormonal, mas como Nutrólogo não me sinto seguro e muito menos habilitado para a prescrição de hormônios. Desde 2014 bato sempre nessa tecla, pois acho que devemos respeitar quem tanto estuda determinado assunto. 

Consigo fazer investigações de déficits? Sim, mas a prescrição acho que deve ser reservada ao endocrinologista. Tenho grandes amigos endocrinologistas e trabalho em parceria com eles. Acho endócrino legal, mas minha paixão é a Nutrologia. Eu gosto de estudar doenças Nutricionais. Prescrever Nutrientes e acompanhar o quão fabuloso é o impacto dos nutrientes na saúde humana. 

O Endocrinologista é o profissional que estuda as pequenas substâncias que regem a humanidade rs. O Nutrólogo é o médico que estuda as pequenas substâncias que nutrem os seres vivos. Ambos se complementam. 

Graças a Deus que consigo trabalhar em harmonia com a maioria dos endocrinologistas que atendem meus pacientes. Em especial Dra. Natalia Jatene e Dra. Tanise Damas. Dizem as más línguas que Endócrino não gosta de Nutrólogos, talvez porque muitos Nutrólogos invadam a área da Endocrinologia ou por pura ignorância, da real função do Nutrólogo. Já que hoje, criou-se um mito de que a função do Nutrólogo é tratar obesidade, hipertrofia muscular e prescrever hormônios. Grande engano! Obesidade corresponde a apenas uma parcela das doenças que tratamos. Muitos Nutrólogos como eu, sequer tratamos a parte de hipertrofia muscular em indivíduos saudáveis ou trabalhamos com melhora de performance em atletas. Tem Nutrólogo para todos os gostos.


Já os profissionais da Educação física arrumam "confusão" com médicos Ortopedistas, Físiatras, Médicos do Esporte e até mesmo com Nutrólogos. Mas nós não vivemos sem o trabalho deles. São peça fundamental nesse quebra-cabeça que é a busca por mais vitalidade, funcionalidade e saúde. Auxiliam na reabilitação, prevenção e tratamento de inúmeras doenças.

Valorizem-se cada dia mais, é essa a dica que dou para vocês. Tenho uma admiração pelo trabalho de vocês. 

Por isso o meu nutricionista (Rodrigo Lamonier) que atende junto comigo, também é graduado em Educação Física, assim como o meu futuro nutricionista que atenderá comigo em Joinville (Prof. Márcio Souza) é graduado em Educação física e quase finalizando a graduação em Nutrição. Assim eles conseguem orientar melhor nossos pacientes quando o assunto é atividade física. 

Parabéns a esses profissionais !

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo
CRM-GO 13.192 | RQE 11.915 / CRM-SC 32.949 | RQE 22.416 

Trocar o jantar por um lanche é uma boa ideia ?

DEPENDE!

O fato de você substituir o jantar por um lanche não fará diferença nos seus resultados caso a quantidade de calorias e de nutrientes em geral sejam semelhantes. 

Ou seja, a melhor opção (lanche ou jantar) é aquela que o paciente se sinta bem realizando, que seja nutricionalmente adequada e esteja alinhada aos objetivos.

Mas, particularmente,  preferimos adicionar o jantar para o paciente, principalmente quando ele gosta e tem ou já teve esse hábito (adequando às suas necessidades nutricionais)! E isso pelo fato de ser algo saboroso e bem nutritivo, por exemplo: uma salada de folhas com alguns vegetais cozidos/refogados, uma carne magra e o querido arroz com feijão. 

E não, você jantar NÃO impedirá ou dificultará o processo de emagrecimento e alcance dos resultados! 
Caso o jantar esteja na sua prescrição, as quantidades serão pensadas de acordo com os seus objetivos! Além disso, todas as refeições ao longo do dia serão bem planejadas.

Autor: 
Rodrigo Lamonier - Nutricionista e Profissional da Educação física
Revisores: 
Dr, Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM 13192 - RQE 11915
Márcio José de Souza - Profissional de Educação física e Graduando em Nutrição. 

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Adoçantes: efeitos diferentes em pessoas diferentes?

Iniciar uma discussão apaixonada sobre nutrição é fácil. Traga adoçantes não nutritivos. Algumas pessoas os veem como uma praga no suprimento de alimentos. Outros insistem em evidências para respaldar tais alegações terríveis e podem ver apenas fragmentos sustentando presunções sobre danos que ainda não foram documentados. Mas, mais uma vez, um estudo sobre adoçantes está provocando uma discussão animada. Pesquisadores em Israel apresentam dados que dizem que esses adoçantes têm efeitos metabólicos distintamente diferentes em diferentes pessoas devido a diferentes efeitos em seus microbiomas. Escrevendo em Cell, eles concluem:

“Coletivamente, o consumo humano de adoçantes não nutritivos pode induzir alterações glicêmicas específicas da pessoa e dependentes do microbioma, necessitando de avaliação futura das implicações clínicas”.

Traduzimos essas palavras para significar simplesmente que talvez haja um efeito indesejado para algumas pessoas que possa ter implicações para sua saúde. Mas precisamos de um estudo clínico de resultados de saúde para mostrar se isso é verdade.

• Um RCT de 120 pessoas saudáveis ​​por duas semanas

O estudo em Cell, de Jotham Suez et al, foi um estudo controlado randomizado de 120 pessoas saudáveis ​​que nunca consumiram esses adoçantes artificiais. Os pesquisadores os distribuíram aleatoriamente em seis grupos diferentes recebendo sachês de sacarina, sucralose, aspartame, estévia, glicose ou nada. Eles mediram os efeitos nas respostas glicêmicas e no microbioma desses indivíduos – oral e fezes. Nessas pequenas amostras de pessoas, eles encontraram mudanças em seus microbiomas após o consumo de todos os quatro adoçantes. Eles também encontraram mudanças nas respostas glicêmicas para os grupos sacarina e sucralose.

Mas estes são pequenos grupos de pessoas saudáveis ​​que consomem esses adoçantes por um curto período de tempo. Portanto, não há dados aqui sobre efeitos clínicos significativos. Apenas pistas para alimentar novas investigações por pessoas que suspeitam que deve haver algo errado em consumir esses adoçantes.

• Sentimentos fortes, resultados mistos

Para um pouco mais de perspectiva, vale a pena ler uma revisão de Valerie Harrington e colegas sobre os dados conflitantes sobre as interações desses adoçantes com o microbioma e a saúde metabólica.  Eles nos dizem que a literatura científica permanece inconclusiva.  No entanto, eles observam que, devido a questões não resolvidas, algumas autoridades de saúde recomendam cautela.

Como acontece com qualquer questão de saúde dietética e metabólica, temos poucas dúvidas de que pessoas diferentes experimentarão efeitos diferentes ao consumir esses adoçantes. Alguns podem simplesmente não gostar deles. Somos diversos em nossos gostos e em nossa fisiologia. Mais pesquisas certamente nos trarão mais insights.

Enquanto isso, temos que tomar as melhores decisões que pudermos com base em fatos e preferências pessoais. Para pessoas que não toleram ou não gostam de adoçantes não nutritivos, evitá-los é uma boa escolha. No entanto, a política de saúde deve ser informada por mais do que especulações e preconceitos pessoais. Recomendações amplas para evitar adoçantes parecem ser mais para provocar medo e dúvida do que para promover a saúde.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

[Conteúdo exclusivo para médicos] Recomendações de Estatinas para Prevenção Primária

Em 2016, a US Preventive Services Task Force (USPSTF) emitiu suas primeiras recomendações para a terapia com estatinas para a prevenção primária de doenças cardiovasculares com base em uma revisão de evidências que incluiu 19 ensaios clínicos randomizados (RCTs).

Nesta edição do JAMA, o USPSTF apresenta uma atualização das recomendações de 2016 com base em um relatório atualizado de evidências e revisão sistemática usando os mesmos 19 ECRs mais um único ECR novo (TRACE-RA), bem como dados adicionais de 2 ECRs anteriores que  incluíram pacientes tratados para prevenção primária e secundária (PROSPER e ALLHAT-LLT).

Dada a sobreposição nos estudos contribuintes, o resumo atualizado das evidências da USPSTF e as recomendações de tratamento resultantes para o uso de estatinas na prevenção primária permaneceram praticamente inalterados.

Especificamente, a força-tarefa concluiu que as estatinas foram eficazes para diminuir as taxas de mortalidade geral e eventos de doença cardiovascular (DCV) em adultos de 40 a 75 anos em risco de DCV.

O USPSTF também reafirmou a segurança geral das estatinas, não encontrando aumento consistente do risco de mialgia ou outros eventos adversos importantes nos ECRs.

Com base nessas evidências, a USPSTF emitiu uma recomendação B para terapia com estatinas para indivíduos de 40 a 75 anos com 1 ou mais fatores de risco de DCV (ou seja, dislipidemia, diabetes, hipertensão ou tabagismo) e um risco de DCV estimado em 10 anos de 10 % ou mais (com base nas Equações de Coorte Agrupadas [PCE]).

Para indivíduos que têm 1 ou mais desses fatores de risco de DCV e um risco estimado de DCV em 10 anos entre 7,5% e menos de 10%, a USPSTF fornece uma recomendação C de que os médicos ofereçam terapia com estatinas seletivamente.

Devido à falta de ECRs entre pessoas com 75 anos ou mais ou com menos de 40 anos, a USPSTF não emitiu conclusões definitivas ou recomendações de tratamento para esses grupos.

Em comparação com as diretrizes de colesterol do American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) multisociedades de 2018, existem diferenças notáveis ​​nas recomendações da USPSTF.  

Primeiro, embora ambas as diretrizes usem estimativas de risco de DCV de 10 anos para orientar as recomendações de tratamento com estatinas, a USPSTF exige um risco inicial de 10 anos mais alto.

O ACC/AHA estende uma recomendação de classe I para estatinas para indivíduos com risco estimado de 7,5% em 10 anos e uma recomendação de classe II para estatinas para aqueles com risco de DCV estimado em 10 anos entre 5% e 7,5%, dependendo da preferência do paciente, risco e a presença de outros “aumentadores de risco” (por exemplo, síndrome metabólica, doença renal crônica, doença inflamatória e nível elevado de lipoproteína[a]).

Em segundo lugar, a diretriz ACC/AHA também recomenda estatinas, independentemente do risco estimado de DCV para pacientes com diabetes e aqueles com níveis extremamente altos de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) (> 190 mg/dL [4,92 mmol/L]).

A USPSTF afirma que suas “recomendações não se aplicam a adultos com [um nível de LDL-C] maior que 190 mg/dL… ou hipercolesterolemia familiar conhecida”, observando que essas “populações estão em risco muito alto de DCV e considerações sobre  o uso de estatinas nessas populações pode ser encontrado em diretrizes de outras organizações”, como as do ACC/AHA.

A decisão de ambos os grupos de diretrizes de usar o risco de DCV estimado em 10 anos para orientar o tratamento é baseada no consenso de especialistas e não em evidências reais de ECR.

Embora os ECRs de prevenção primária com estatinas tenham exigido vários fatores de risco para inclusão, nenhum ECR se baseou explicitamente no risco estimado de 10 anos como critério de inclusão.

A justificativa para usar um risco mínimo estimado de 10 anos de DCV é aumentar o benefício absoluto da terapia no nível populacional.

Meta-análises de ECRs mostraram que os benefícios relativos das estatinas são consistentes em todos os níveis de risco de linha de base.  

Assim, indivíduos com maiores riscos basais têm maiores benefícios absolutos da intervenção do que a população de menor risco.  

Se as estatinas fossem arriscadas ou caras, essa estratégia de tratamento personalizada seria razoável.

No entanto, as estatinas estão agora disponíveis como medicamentos genéricos e são seguras e acessíveis.

Mais importante, com ênfase principal no risco de DCV estimado em 10 anos, as diretrizes atuais ignoram a biologia da doença (aterosclerose) e o mecanismo de ação das próprias estatinas (redução dos níveis de LDL-C).  

Vários estudos epidemiológicos de longo prazo demonstraram que a exposição cumulativa ao longo da vida a níveis elevados de LDL-C aumenta o risco de DCV de forma dose-responsiva.

O LDL-C elevado não é apenas um fator de risco, mas uma causa modificável de DCV aterosclerótica.  

Ao reduzir os níveis de LDL-C, as estatinas previnem DCV, com redução do risco proporcional à extensão da redução do LDL-C.

Além disso, como as estimativas do PCE de risco de DCV em 10 anos dependem muito da idade, sexo e raça, o uso dessas estimativas para identificar candidatos a estatinas resulta em desvio significativo da população recomendada para estatinas.

Os dados da Pesquisa Nacional de Exames de Saúde e Nutrição mostraram que menos de 1% das mulheres não negras de 40 a 55 anos têm um risco de 10 anos de 7,5% ou mais, e quase nenhuma tem um risco de 10 anos maior que 10%.  

Assim, as recomendações da USPSTF quase eliminam a elegibilidade das estatinas para mulheres não negras com menos de 55 anos.

Em contraste, aos 60 anos, mais de 90% dos homens negros têm um risco estimado em 10 anos de 7,5% ou mais, e 70% têm um risco de 10 anos de 10% ou mais.

A nível individual, ancorar-se no risco estimado de DCV em 10 anos em vez dos níveis de LDL-C cria alguns paradoxos clínicos: um homem de 65 anos com hipertensão bem controlada, um nível de LDL-C de 55 mg/dL (1,42 mmol  /L), e um risco estimado em 10 anos de 11% seria recomendado para terapia com estatinas pela USPSTF, embora quase não haja evidências de RCT de que reduções adicionais no nível de LDL-C para esse paciente melhorariam seus resultados.

Por outro lado, uma mulher de 45 anos com hipertensão controlada de forma semelhante e um nível de LDL-C de 175 mg/dL (4,53 mmol/L), mas um risco de 10 anos inferior a 2%, não seria recomendado para  terapia com estatina apesar de ter um risco de 50% de doença cardíaca ao longo da vida e um fator de risco altamente tratável (ou seja, nível elevado de LDL-C).

O PCE também foi projetado para ser um método parcimonioso para prever o risco para uma população, portanto, por design, não é um método abrangente para avaliar o risco no nível individual.

Muitos fatores de risco não foram medidos rotineiramente nas coortes nas quais os modelos foram derivados (por exemplo, lipoproteína [a]), foram capturados de forma incompleta (por exemplo, atividade física, histórico familiar) ou eram muito raros (por exemplo, doença inflamatória) para serem incluídos  no modelo de risco, mas são altamente relevantes para o risco de DCV de um indivíduo.

As diretrizes da AHA/ACC reconhecem parcialmente as deficiências do PCE ao incorporar “intensificadores de risco”.

No entanto, esses intensificadores de risco são usados ​​apenas para orientar a terapia para indivíduos com risco estimado de 10 anos de DCV entre 5% e 20%.

Como resultado, mesmo as diretrizes do ACC/AHA podem subtratar indivíduos mais jovens com fatores de risco significativos se o risco de 10 anos for inferior a 5%.

Além disso, o princípio de se concentrar no risco estimado de DCV composto de 10 anos, em vez de identificar e tratar um fator de risco específico, é contrário a outras terapias de prevenção primária.

Por exemplo, um jovem com pressão arterial sistólica (PA) de 160 mm Hg nunca deve ser informado de que seu risco de 10 anos não é alto o suficiente para justificar o tratamento para redução da PA.

Em vez disso, dada a forte evidência epidemiológica do risco cumulativo de hipertensão e a consistência dos dados que mostram o benefício da redução da pressão arterial em populações de alto risco, a redução da pressão arterial é recomendada para todas as pessoas com níveis elevados de pressão arterial, independentemente do risco de 10 anos (e apesar da falta de ensaios clínicos de longo prazo em adultos jovens de baixo risco).

Da mesma forma, as terapias de cessação do tabagismo são recomendadas para todos os que fumam, independentemente da idade subjacente ou dos perfis de risco.

Diante desses desafios, que outras abordagens estão disponíveis para orientar a terapia com estatinas?  

Uma abordagem seria começar com uma avaliação do fator de risco que as estatinas tratam, nível elevado de LDL-C, e então usar o risco estimado de DCV para refinar ainda mais as metas de tratamento, com uma redução mais agressiva do LDL-C recomendada para adultos de alto risco.

Dados do Cholesterol Treatment Trialists mostraram que o benefício da terapia com estatinas é proporcional à extensão da redução do LDL-C, com maiores reduções de risco relativo mostradas para estatinas de alta intensidade.  

Assim, os indivíduos com os níveis iniciais de LDL-C mais altos têm o maior potencial de redução do risco relativo com a terapia com estatinas.

As avaliações de risco podem continuar a ser usadas junto com os níveis de LDL-C para identificar candidatos a estatinas para prevenção primária, mas modelos de risco de longo prazo, como risco de 30 anos ou risco vitalício, podem ser usados ​​além do risco de 10 anos e outros potenciadores de risco devem ser considerados, particularmente em adultos mais jovens.

O modelo de benefício do tratamento incorpora LDL-C e estimativas de risco de longo e curto prazo.

Tal modelo leva em consideração o risco estimado de 30 anos de DCV do paciente e usa seu nível inicial de LDL-C para estimar seu potencial benefício individualizado da terapia com estatina.

Em exercícios de modelagem, essa abordagem mostrou identificar um grande número de indivíduos que, de outra forma, não seriam elegíveis com base em seu risco de 10 anos, mas teriam benefícios de tratamento absolutos semelhantes ou maiores em comparação com aqueles identificados por diretrizes baseadas em risco de 10 anos.

A DCV aterosclerótica continua sendo a principal causa de morte nos EUA, e o nível elevado de LDL-C é uma causa fundamental e tratável de aterosclerose.

Com base na compreensão da biologia da DCV aterosclerótica, combinada com a comprovada segurança a longo prazo e os baixos custos das estatinas, seria prudente recomendar uma intervenção de prevenção primária para adultos com níveis elevados de LDL-C, que, por isso, estão em risco aumentado de DCV ao longo da vida, mesmo que seu risco de 10 anos não exceda algum limite arbitrário.  

Embora o uso de risco de DCV estimado em 10 anos possa ser útil para orientar a tomada de decisão compartilhada entre paciente e médico, não deve continuar a ser o principal guia para identificar candidatos a estatinas.

Esperar que uma pessoa atinja uma idade em que seu risco de DCV previsto em 10 anos exceda um certo limite arbitrário antes de recomendar uma estatina permite que a aterosclerose prossiga sem controle por décadas.

É hora de realinhar as diretrizes de estatinas com a biologia da aterosclerose, refocando no fator de risco que esses medicamentos tratam, nível elevado de LDL-C e considerando a prevenção de DCV ao longo da vida, não 10 anos.

“Compartilhar é se importar”
EndoNews: Lifelong Learning
Inciativa premiada no Prêmio Euro - Inovação na Saúde
By Alberto Dias Filho 
twitter: @albertodiasf

Preciso tomar realmente whey imediatamente após o treino ?

Você NÃO precisa, obrigatoriamente, tomar Whey após o treino! E o fato de você tomá-lo imediatamente após o treino não trará resultados superiores.

Essa ideia surgiu há alguns anos, em que se acreditava em uma "janela de oportunidade", na qual o corpo sintetizaria mais músculos se você utilizasse o suplemento de proteínas imediatamente após o treinamento.

Porém, alguns estudos já demonstraram que essa "janela de oportunidade" é bem maior e, na verdade, pode durar entre 24 e 72 horas. Ou seja, o mais importante, quando o assunto é o ganho de massa muscular, é a distribuição das proteínas ao longo de TODO o dia, em pelo menos 3 ou 4 refeições.

Portanto, você não precisa levar sua coqueteleira para academia, acreditando que isso fará alguma diferença nos seus resultados (a não ser que seja cômodo e você goste)!

Valorize todas as refeições do seu dia, treine em volume e intensidade adequada e respeite o descanso do seu corpo (o sono principalmente), pois esses são os fatores chaves para uma boa evolução muscular.

Autor: 
Rodrigo Lamonier - Nutricionista e Profissional da Educação física
Revisores: 
Dr, Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM 13192 - RQE 11915
Márcio José de Souza - Profissional de Educação física e Graduando em Nutrição. 

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Pesquisa indica que vegetarianas têm risco 33% maior de fratura do quadril

Probabilidade aumenta quando comparadas a mulheres que comem ao menos cinco refeições com carne por semana

Um estudo feito pela Universidade de Leeds, no Reino Unido, aponta que mulheres vegetarianas têm 33% mais chance de quebrar o quadril quando comparadas a mulheres que comem carne regularmente.

Segundo o trabalho, fatores que podem justificar a ocorrência são o IMC (índice de massa corporal), que é frequentemente mais baixo em pessoas que não comem carne, e o menor consumo de nutrientes importantes para a saúde dos ossos.

A amostra do estudo, publicado neste mês na revista BMC Medicine, contou com mais de 20 mil mulheres, que foram acompanhadas por cerca de duas décadas. Nesse período, os 822 casos de fratura no quadril contabilizados no grupo foram estatisticamente mais expressivos entre aquelas que não consumiam carne.

Segundo Vitor Magalhães, ortopedista especialista em quadril e membro da SBOT (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia), a baixa massa corporal é comumente um dos fatores que podem influenciar a ocorrência de fratura.

"A massa corporal maior do paciente é um fator de proteção durante uma queda, porque acaba ajudando a amortecer o impacto. Já a massa muscular diminuída enfraquece a musculatura, o que pode levar a desequilíbrios e a quedas mais frequentes", diz.

Ainda assim, o especialista alerta que a osteoporose, condição que deixa os ossos frágeis e, portanto, mais sujeitos a rupturas, é multifatorial e não se relaciona apenas com o peso corporal ou a dieta. Histórico familiar, consumo excessivo de álcool ou cigarro, assim como a falta de exercício físico podem influenciar o desenvolvimento da doença.

Outro fator que interfere na maior probabilidade de quebra do quadril, segundo o médico, é o envelhecimento. Magalhães explica que, com o passar dos anos, os ossos ficam cada vez mais fracos e sem flexibilidade.

"A gente troca cerca de 10% da nossa massa óssea por ano. Esse processo acontece de forma constante", explica. "Com o passar dos anos, essa troca do esqueleto ósseo vai diminuindo e ele vai ficando fragilizado, poroso e menos flexível. Por isso, acaba quebrando com mais facilidade. É algo progressivo".

No estudo da Universidade de Leeds, as participantes tinham entre 35 e 69 anos. O fato de todas serem mulheres e majoritariamente brancas foi uma das limitações apontadas pelos pesquisadores envolvidos, que reforçaram a importância de que outros trabalhos levem em consideração o público masculino e indivíduos de outras etnias.

O ortopedista afirma que a osteoporose é mais comum em mulheres devido a fatores hormonais. Após a menopausa há uma diminuição na taxa de hormônios, o que contribui para a diminuição da massa óssea.

Quanto ao consumo de nutrientes bons para a saúde óssea, apontado pelo estudo como possível fator que explica a diferença na probabilidade de quebra do quadril entre vegetarianas e mulheres que comiam carne regularmente, a nutricionista funcional vegetariana Shila Minari aponta que é importante estar atento à ingestão adequada de cálcio, magnésio, ferro e vitaminas C, D e B12.

"Mesmo que a gente entenda que uma dieta vegetariana possa aumentar o risco de fraturas, ainda assim, já está muito bem estabelecido que esse é um tipo de alimentação que contribui para o menor risco de câncer, de diabetes e de doença cardiovascular", diz Minari. "Além disso, melhora a longevidade e ajuda a manter um IMC dentro da normalidade. A gente só precisa ter uma atenção para esse potencial risco aumentado", afirma.

Segundo a nutricionista, o ideal é comer muitos vegetais, leguminosas e castanhas, com uma dieta diversificada e rica em cálcio. "Pessoas que adotam dietas vegetarianas, principalmente dietas restritas ou veganas, precisam ter uma preocupação maior com relação à vitamina B12. A deficiência dela aumenta a produção de uma substância que a gente não metaboliza, chamada homocisteína, que piora a saúde óssea".

Neste caso, Minari indica a suplementação, desde que feita com acompanhamento médico. A profissional também ressalta a importância da realização de exercícios físicos e da exposição adequada ao sol.

Os autores do estudo apontam que o resultado corroborou as descobertas de dois outros trabalhos similares, um feito também no Reino Unido e outro nos Estados Unidos, que também indicaram o maior risco em vegetarianas.

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By Alberto Dias Filho 
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