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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Indivíduos com hábitos noturnos têm maior risco de apresentar diabetes tipo 2


Os “notívagos” têm um risco maior de evoluir com diabetes tipo 2 e são mais propensos a fumar mais, fazer menos exercício e ter maus hábitos de sono em comparação com os indivíduos “madrugadores”, de acordo com um novo estudo, publicado em 11 de setembro no periódico Annals of Internal Medicine.

O trabalho analisou o cronótipo autoavaliado dos participantes, que se refere à preferência circadiana de um indivíduo para dormir e acordar, sendo classificado como madrugador (aquele que prefere acordar cedo e é mais ativo durante o dia) ou notívago (aquele que prefere acordar tarde, sendo mais ativo durante a noite).

Analisando o estilo de vida e os hábitos de sono relatados por mais de 60.000 enfermeiras de meia-idade, pesquisadores do Brigham and Women's Hospital e da Harvard Medical School dos EUA constataram que aquelas que tinham preferência por acordar mais tarde tinham um risco 72% maior de apresentar diabetes e probabilidade 54% maior de apresentar comportamentos pouco saudáveis em comparação com participantes que tendiam a acordar mais cedo.

Após ajuste para seis fatores de estilo de vida — dieta, uso de álcool, índice de massa corporal (IMC), atividade física, tabagismo e duração do sono — a associação entre risco de diabetes tipo 2 e cronótipo noturno diminuiu para 19% o risco de apresentar a doença.

Numa análise de subgrupo, essa associação foi mais forte entre as mulheres que não trabalharam em plantões noturnos nos últimos dois anos ou que trabalharam em plantões noturnos durante menos de dez anos. Para as enfermeiras que trabalharam recentemente em turnos noturnos, o estudo não encontrou associação entre o cronótipo noturno e o risco de diabetes tipo 2.

As participantes, provenientes do Nurses' Health Study II, tinham entre 45 e 62 anos de idade, sem histórico de câncer, doenças cardiovasculares ou diabetes. Os pesquisadores acompanharam o grupo de 2009 a 2017.

Existe uma incompatibilidade entre o ritmo circadiano natural e o horário de trabalho?

Os autores, liderados pelo Dr. Sina Kianersi, Ph.D., da Harvard Medical School, nos EUA, sugerem que os resultados podem estar ligados a uma incompatibilidade entre o ritmo circadiano de uma pessoa e o seu ambiente físico e social — por exemplo, quando alguém vive de acordo com um horário oposto ao de sua preferência circadiana.

Em um estudo de 2015, as enfermeiras que trabalhavam em turnos diurnos há mais de dez anos, mas tinham um cronótipo noturno, apresentavam maior risco de diabetes em comparação com as que tinham um cronótipo diurno (51% mais probabilidade de desenvolver diabetes tipo 2).

Em um estudo de 2022, um cronótipo noturno foi associado a um risco 30% maior de diabetes tipo 2. Os autores especularam que o desalinhamento circadiano poderia ser o culpado — por exemplo, ser um notívago, mas trabalhar de manhã cedo — o que pode perturbar o metabolismo glicêmico e lipídico.

Estudos anteriores mostraram que hábitos de sono mais curtos ou irregulares estão associados a um maior risco de diabetes tipo 2. Outros estudos também constataram que as pessoas com cronótipo noturno têm maior probabilidade do que os madrugadores de terem hábitos alimentares pouco saudáveis,  praticarem menos atividade física e de serem fumantes e consumidores de álcool.

Este novo estudo não mostrou associação entre o cronótipo noturno e o consumo não saudável de álcool, que os autores definiram como tomar uma ou mais doses de bebida alcóolica por dia.

Em um editorial que acompanha o estudo, dois médicos da Harvard T.H. Chan School of Public Health, nos EUA, alertam que o desenho estatístico do estudo limita sua capacidade de estabelecer a causalidade.

“O cronótipo pode mudar com o tempo, o que pode estar correlacionado com mudanças no estilo de vida”, escrevem Kehuan Lin, Mingyang Song e o médico Dr. Edward Giovannucci. “São necessários ensaios experimentais para determinar se o cronótipo é um marcador de estilo de vida pouco saudável ou um determinante independente”.

Eles também sugerem que fatores psicológicos e o tipo de trabalho realizado pelos participantes podem ser potenciais causas de confusão nos resultados do estudo.

Os autores do estudo observam que seus achados podem não ser aplicáveis para outros grupos que não sejam enfermeiras brancas de meia-idade. A população estudada também tinha um nível de escolaridade relativamente alto e era socioeconomicamente favorecida.

O autorrelato do cronótipo com uma única pergunta também pode resultar em erros de classificação e de aferição, reconhecem os autores.

Os achados destacam a importância de avaliar o cronótipo de um indivíduo para programar o trabalho por plantões — por exemplo, atribuir notívagos aos turnos noturnos pode melhorar a sua saúde metabólica e os hábitos de sono, de acordo com os autores do estudo.

“Dada a importância da modificação do estilo de vida para a prevenção do diabetes, pesquisas futuras são necessárias para avaliar se a melhoria dos comportamentos poderia efetivamente reduzir o risco da doença em pessoas com cronótipo noturno”, concluem os autores.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Obesidade’ deveria mudar de nome?


A percepção pública de uma doença é uma questão essencial. Os “diabéticos” são agora chamados de “pessoas que vivem com diabetes”; uma “pessoa obesa” agora é um “indivíduo que vive com obesidade”.

Mas qual é a definição de obesidade? Refere-se a uma doença ou a um fator de risco? E será que o termo está tão contaminado com negatividade, culpa e preconceito que a única solução é descartá-lo e substituí-lo completamente? A sociedade (e a medicina) mudou significativamente desde quando a palavra latina obesitas foi adotada, em 1600.

Embora haja tanto em jogo quando se fala em “obesidade”, é incrível que o estigma persista apesar de os conceitos subjacentes terem evoluído tanto. Então, talvez seja mais uma questão de encontrar a opção “menos pior” do que perseguir uma solução impossível que sirva para todos?

Este é o desafio da Comissão de Definição e Diagnóstico da Obesidade Clínica do periódico The Lancet Diabetes & Endocrinology, que deve publicar seus achados iniciais nos próximos meses. A força-tarefa mundial tem 60 líderes no tratamento clínico da obesidade, entre eles representantes com experiência pessoal de obesidade. O líder do projeto é o Dr. Francesco Rubino, médico e chefe de cirurgia bariátrica e metabólica no King's College London, no Reino Unido.

“Dar um novo nome à ‘obesidade’ é muito importante”, afirmou o Dr. Francesco. “A palavra é tão estigmatizada, com tantos mal-entendidos e percepções errôneas, que há quem diga que a única solução é mudar o nome.”

Um possível novo nome foi proposto pela American Association of Clinical Endocrinology e pelo American College of Endocrinology em 2016, em uma tentativa de definir a doença com base na sua característica central de adiposidade: ABCD, sigla em inglês para adiposity-based chronic disease (cuja tradução em português pode ser doença crônica baseada na adiposidade).

O Dr. Francesco é favorável ao termo “ABCD”, mas com algumas ressalvas: “É bom do ponto de vista fisiológico, mas o problema é que seria mais bem compreendido por cientistas e médicos. Não sei o quanto o termo agradaria o público em geral. ‘ABCD’ ainda fica aquém de uma boa definição da doença.”

O médico acrescentou que a abordagem da comissão do periódico The Lancet é chamá-la de “obesidade clínica”. "A ‘obesidade’ em si não transmite necessariamente a mensagem de que você tem um distúrbio ou uma doença”, observou. “É como a diferença de significado entre depressão e depressão clínica, que comunicam duas coisas diferentes.”

Mas o que justifica qualquer renomeação é um maior esclarecimento da definição e do diagnóstico de obesidade. Em 1997, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a obesidade como uma doença crônica; em 2013, a American Medical Association (AMA) fez o mesmo, acrescentando que merecia atenção médica; por outro lado, somente em 2021 a Comissão Europeia definiu a obesidade como uma “doença crônica com recidivas, que por sua vez atua como uma porta de entrada para uma série de outras doenças não transmissíveis”.

No entanto, 25 anos após o reconhecimento inicial da obesidade como uma doença, o conceito ainda está repleto de negatividade, seja de forma explícita ou implícita. Esse estigma denigre as pessoas com sobrepeso e obesidade, taxando-as de “preguiçosas, desleixadas, pouco inteligentes e pouco atraentes”.

O Dr. Francesco explicou que, em primeiro lugar, é importante estabelecer e definir os componentes e as características essenciais da doença obesidade. Isso é fundamental para melhorar o acesso ao tratamento clínico, reduzir a culpa pessoal e fomentar um ambiente de pesquisa mais favorável para nortear a tomada de decisões clínicas e políticas.

“Esta é a questão que está no centro da nossa comissão. Temos um problema com a definição atual de obesidade, e a forma como a avaliamos não nos permite definir com precisão quando a obesidade é uma doença”, explicou.

Os rótulos moldam a percepção pública da doença, e a ‘obesidade’ é um exemplo disso

Outra especialista que defende a necessidade de um nome que reflita melhor a definição – seja lá qual for – é a Dra. Margaret Steele, Ph.D., vinculada à School of Public Health da University College Cork, na Irlanda, que, de acordo com a página da universidade, tem um interesse especial em “‘Gordura’ como um fenômeno cultural, social e político”.

Ela acredita que os rótulos — inclusive “obesidade” — têm um papel fundamental na formação das percepções do público. Na era digital e repleta de informações em que vivemos, os limites da medicina e da sociedade se sobrepõem, sendo que a percepção pública está influenciando as decisões de natureza médica de uma forma sem precedentes, gerando controvérsia e divisão – o tratamento da obesidade é um exemplo.

Especificamente, a palavra “obesidade” é amplamente associada a conotações negativas, diz ela, e, portanto, acolhe o diálogo sobre sua redefinição e renomeação. Apesar do amplo apoio geral a um nome e uma definição que reflitam a adiposidade, devido ao seu papel fisiológico central nas complicações da obesidade, a Dra. Margaret acredita que os “efeitos no tecido adiposo são decorrentes de problemas cerebrais e do ambiente alimentar”, e ela deseja que mais atenção seja dada a esses aspectos.

Referindo-se à maioria das sociedades ocidentalizadas, ela descreve como as pessoas que cresceram em tempos de escassez de alimentos, antes que os alimentos processados se tornassem amplamente disponíveis, têm um perfil de paladar diferente daqueles que cresceram depois. “As pessoas que foram criadas na Irlanda dos anos 1940 e 1950 se lembram de ganhar uma laranja como presente no Natal, porque a ideia de que você poderia ter comida o ano todo – qualquer fruta ou vegetal que quisesse e quando quisesse – simplesmente não existia.”

Em comparação, as mudanças sociais que levaram a mais pressão financeira e de tempo nas décadas posteriores fizeram com que alimentos rápidos, com alto teor de gordura, alto teor de açúcar e processados se tornassem mais desejáveis, apontou ela. “A maioria das crianças agora reconhece o nome da empresa e até mesmo a marca específica de fast-food [de que gostam] antes de conhecer o alfabeto.”

O ambiente atual cultivou “uma reação física muito diferente aos alimentos, talvez um tipo diferente de resposta emocional”, acredita ela, destacando a relação estreita entre obesidade, sociedade, saúde mental e opções alimentares.

A Dra. Margaret quer estimular o diálogo sobre o termo usado para descrever os indivíduos convencionalmente descritos como “obesos” ou usando a palavra “obesidade”. “Estamos pensando em termos como, talvez, apetite crônico, ingestão crônica de alimentos ou desregulação da ingestão alimentar.”

Mudar a terminologia médica quando ela se torna obsoleta ou prejudicial não é novidade, argumentou ela em um artigo recente sobre o assunto publicado em  coautoria com o Dr. Francis Finucane, médico endocrinologista consultor dos Galway University Hospitals, na Irlanda.

“No século 20, os termos ‘débil mental’ e ‘mongol’ passaram a ser usados de forma pejorativa na cultura em geral e foram banidos do vocabulário médico”, apontou a Dra. Margaret. Ela acrescentou que mudar o termo “obesidade” pode facilitar a busca dos objetivos estratégicos da medicina clínica “sem causar polêmica desnecessária com aqueles que, dados seus objetivos e contextos pessoais, entendem o índice de massa corporal (IMC) ou peso corporal de maneira radicalmente diferente”.

Obesidade: doença, fator de risco ou ambos?

O Dr. Francesco ressaltou que, antes de qualquer renomeação, é preciso estabelecer e definir os componentes e as características essenciais da doença obesidade. “Esta questão está no centro de nossa comissão e não é uma conversa fácil de se ter.” Ele explicou ainda que o problema com a definição atual de obesidade, e a forma como ela é concebida, concentra-se em grande parte no fato de ela ainda ser considerada um fator de risco para outras doenças.

Segundo o Dr. Francesco, a doença é caracterizada por três fatores: o fenômeno de ter uma causa patogênica, que leva a alterações fisiopatológicas (dos órgãos) e causa manifestações clínicas.

Ele acrescentou que a obesidade é atualmente descrita pelo que pode causar – por exemplo, diabetes tipo 2, câncer ou hipertensão. “Cada uma dessas doenças tem suas próprias manifestações clínicas, mas a obesidade não. [Como doença], não temos uma definição das manifestações clínicas da obesidade além do excesso de adiposidade.”

“O uso do IMC não prediz excesso de adiposidade, nem determina uma doença aqui e agora. Não existe doença sem doença, que é a manifestação clínica e a percepção do paciente de que é uma doença”, explicou o Dr. Francesco, apontando que a comissão do periódico The Lancet está preenchendo essa lacuna de conhecimento ao perguntar: “Se a obesidade é uma doença, então como ela é definida?”.

O médico acrescentou que a circunferência da cintura provavelmente fornece uma medida melhor do que o IMC para indicar diretamente a distribuição anormal da adiposidade, que sabidamente está associada a desfechos cardiometabólicos ruins, “mas não diz se o paciente tem uma doença aqui e agora – apenas que corre o risco de apresentar doenças cardiovasculares no futuro. A maioria das pessoas com acúmulo de gordura abdominal é perfeitamente funcional e não se sente doente”.

Ele também explicou que persiste a confusão sobre se a obesidade – ou excesso de adiposidade – é um fator de risco ou um sintoma de outra doença. “A imagem está borrada e não sabemos como diferenciá-los. Temos apenas um nome, que se aplica a todas essas coisas, e temos um critério – IMC – para diagnosticá-lo!”

O Dr. Francesco acrescentou: “Então, o que define a obesidade? É o diabetes? Não, porque é outra doença. Você não define uma doença como outra doença. Ela tem que ser independente.”

Recentemente, a AMA recomendou que o IMC agora seja usado em conjunto com outras medidas válidas de risco, como, entre outras, gordura visceral, índice de adiposidade corporal, composição corporal, massa de gordura relativa, circunferência da cintura e fatores genéticos e metabólicos.


O Dr. Aayush Visaria, médico residente em medicina interna da Rutgers University, nos Estados Unidos, concorda que um novo nome possa ajudar a mudar a percepção pública da obesidade para melhor. Um estudo que ele apresentou na Endocrine Society Meeting de 2023 constatou que o IMC “subestima muito” a obesidade, conforme publicado pelo Medscape.

Ele concorda com o Dr. Francesco que o desafio está na falta de compreensão precisa dos mecanismos que levam à obesidade: “É multifatorial, não apenas apetite ou ingestão de alimentos. Colocar isso em uma expressão é difícil”.

No entanto, se um novo termo puder incorporar as várias facetas da doença, “no geral, reduzirá o estigma porque passaremos a pensar na obesidade como um processo patológico, não como algo pessoal relacionado à culpa”, disse o Dr. Aayush.

Mas ao mesmo tempo, ele expressou cautela em relação a possíveis conotações negativas associadas à classificação da obesidade como uma doença. A Dra. Margaret também refletiu sobre esse risco, destacando que medicalizar o tamanho corporal pode ser contraproducente ao alimentar o estigma do peso e a gordofobia.

“Medicalizar a obesidade pode desencorajar em vez de fortalecer, mas ao especificar mais claramente que estamos falando sobre um conjunto específico de doenças metabólicas inter-relacionadas, isso tornaria muito mais claro, e que... não se trata de tornar as pessoas magras, não é uma questão estética”, observou a Dra. Margaret.

A palavra ‘obesidade’ dificulta explicações sobre doenças

A Dra. Margaret explicou que seu objetivo é superar a ambiguidade em torno da palavra “obesidade” que dificulta as explicações sobre a obesidade como doença para o público em geral.

“Muita confusão e controvérsia poderiam ser evitadas se esclarecêssemos que quando os médicos dizem que a obesidade é uma doença, eles não querem dizer que ser ‘gordo’ é uma doença”.

No entanto, o tecido adiposo é um órgão endócrino ativo, produzindo hormônios que não funcionam tão bem em pessoas com obesidade, ela observou. “Esse novo conhecimento levou a melhores tratamentos, como medicamentos como semaglutida e tirzepatida. Esses medicamentos, como a cirurgia bariátrica, geralmente levam a uma perda ponderal significativa e a melhoras na saúde metabólica geral.”

O Dr. Francesco também expressou preocupação com a medicalização, conforme determinado pela definição e o diagnóstico e pela disponibilidade de tratamento medicamentoso que poderia levar ao tratamento excessivo. “Atualmente, quando todos com um IMC > 30 kg/m2 têm acesso a todos os tratamentos para obesidade existentes, temos observado escassez de medicamentos. Devemos priorizar esse tratamento.”

Em última análise, o diagnóstico da obesidade como doença precisa de um biomarcador antropométrico que forneça, em nível individual, a confiança de que uma pessoa tem uma doença hoje, ou pelo menos perto de 100% de probabilidade de evoluir com essa doença, afirmou o Dr. Francesco.

“Se usarmos o IMC, ou mesmo a circunferência da cintura, isso pode diagnosticar a doença; mas se a pessoa viver até os 90 anos, qual é o sentido de rotulá-la como doente?” apontou.

“Como médicos, temos que ser cautelosos. Dizemos que isso é uma doença, mas você deve pensar nas implicações para a pessoa que recebe o diagnóstico de uma doença crônica que é substancialmente incurável. Quando dizemos isso, precisamos para ter a certeza.”

A Dra. Margaret Steele e o Dr. Aayush Visaria informaram não ter conflitos de interesses. O Dr. Francesco Rubino informou que recebeu subsídios de pesquisa da Novo Nordisk, Medtronic e Johnson & Johnson. Também realizou trabalho remunerado de consultoria para a GI Dynamics e recebeu honorários por palestras da Medtronic, Novo Nordisk e Johnson & Johnson. É membro do comitê de monitoramento de segurança de dados da GT Metabolic Solutions e prestou consultoria científica não remunerada para a Keyron, Metadeq, GHP Scientific e ViBo Health.

segunda-feira, 31 de julho de 2023

[Conteúdo exclusivo para médicos] - Atualização Clínica: Manejo da ferritina elevada na atenção primária

O que o médico precisa saber

• Níveis elevados de ferritina podem estar associados a várias condições subjacentes graves e devem ser investigados adequadamente

• Determine se a ferritina elevada reflete sobrecarga de ferro ou outro processo de doença

• Os testes iniciais para investigar ferritina elevada na atenção primária são saturação de transferrina em jejum, hemograma completo, exames de sangue hepático e proteína C reativa

• Avalie os pacientes quanto a danos nos órgãos associados à sobrecarga de ferro para determinar investigações adicionais, tratamento e se o paciente precisa ser encaminhado para cuidados secundários

• A hemocromatose é uma condição genética comum que pode causar sobrecarga de ferro, e os médicos de cuidados primários podem solicitar a análise da mutação do gene HFE para diagnosticar a condição

Uma mulher de 47 anos que está na pré-menopausa se apresenta ao seu médico de família sentindo-se “cansada o tempo todo”. Ela toma tiroxina para hipotireoidismo e pergunta quando é indicado um aumento da dose. Ela revela beber uma garrafa de vinho diariamente e relata que seu sono raramente é ininterrupto. Você coleta uma amostra de sangue e os resultados mostram ferritina elevada 500 µg/L (intervalo normal 15-300 µg/L), alanina transaminase (ALT) 100 UI/L (1-40 UI/L) e proteína C reativa 70 mg/L (0-5 mg/L). Os resultados de outras investigações são normais, incluindo hemograma completo, função renal e função tireoidiana.

A ferritina sérica é uma investigação comumente solicitada na atenção primária.

A ferritina é uma proteína intracelular de armazenamento de ferro.

Pode representar os estoques totais de ferro e é mais frequentemente solicitada na atenção primária ao investigar anemia ou sintomas associados (fadiga, pernas inquietas, perda de cabelo).

Também é comumente solicitado em investigações adicionais de resultados sanguíneos anormais do fígado ou para monitorar pacientes com sobrecarga de ferro.

Ferritina sérica baixa indica baixos estoques de ferro e geralmente é fácil de interpretar e controlar; no entanto, ferritina sérica elevada geralmente apresenta um desafio diagnóstico significativo devido a múltiplas causas possíveis.

A ferritina é um reagente de fase aguda e aumenta em várias condições inflamatórias agudas e como resultado de inflamação crônica. 

Até 10% dos pacientes com ferritina elevada podem ter sobrecarga de ferro. 

Identificar a causa subjacente da ferritina elevada é importante devido à necessidade de avaliar doenças subjacentes graves e possíveis complicações específicas do órgão.

Clínicos gerais que lidam rotineiramente com doenças multissistêmicas estão em posição ideal para considerar e detectar a patologia de múltiplos órgãos associada à sobrecarga de ferro.

Nossa abordagem diagnóstica para o manejo da ferritina elevada na atenção primária é sustentada por evidências sobre as consequências multissistêmicas da sobrecarga de ferro e diretrizes europeias atualizadas sobre o manejo da hemocromatose.

• Como devo explicar o aumento da ferritina a um paciente?

Antes de explicar o resultado, recomendamos revisar o motivo inicial pelo qual o teste foi solicitado e como o resultado pode ou não estar de acordo com o processo de pensamento inicial. Sugerimos explicar:

• A ferritina é um marcador das reservas de ferro no corpo, e o aumento da ferritina pode ser causado por muitas condições

• Por que a ferritina foi solicitada (ou seja, suspeita de anemia ou deficiência de ferro)

• Níveis elevados de ferritina devem ser investigados mais a fundo - isso pode ser devido a uma condição que o paciente já conhece ou a uma condição não diagnosticada, como excesso de álcool com doença hepática gordurosa. 

• As causas comuns de ferritina elevada são descritas no infográfico.

• Um aumento transitório da ferritina é observado durante a doença aguda e nem sempre é uma preocupação.

• Como devo investigar o aumento da ferritina?

O infográfico mostra um algoritmo para o gerenciamento de ferritina elevada na atenção primária, com base na Associação Europeia para o Estudo do Fígado. Diretrizes de prática clínica para o manejo da hemocromatose 2022.

O algoritmo compreende três estágios.

Etapa 1: Avaliação clínica inicial

Algumas informações clínicas já serão conhecidas antes de identificar a ferritina elevada. 

A Etapa 1 reitera as informações-chave que auxiliam os médicos na determinação da causa subjacente. Isso inclui avaliar o consumo de álcool, outros fatores de risco para doença hepática, doença aguda, histórico familiar e sinais de alerta para malignidade.

O exame clínico inclui a procura de sinais de doença hepática crônica.

Esta etapa é cada vez mais importante porque os médicos muitas vezes revisam e gerenciam as investigações em pacientes que não viram, e as considerações clínicas do médico revisor podem diferir daquelas do médico solicitante (por exemplo, a ferritina é solicitada com mais frequência quando há suspeita de deficiência de ferro).

Embora não existam diretrizes estabelecidas sobre a repetição do teste, em nossa experiência, recomendamos o reteste da ferritina sérica seis semanas após uma doença aguda para informar a necessidade de investigação adicional, incluindo avaliação da sobrecarga de ferro.

Etapa 2: Avalie a sobrecarga de ferro

A avaliação inicial da sobrecarga de ferro (etapa 2) é determinada medindo a saturação matinal de transferrina sérica (TSAT).

Os níveis de TSAT podem flutuar consideravelmente devido à variação diurna, ingestão dietética de ferro e menstruação, e medições matinais/em jejum reduzem alguns dos esta variação.

Os resultados limítrofes do TSAT devem ser repetidos e um TSAT em jejum matinal deve ser considerado.

O limite normal do TSAT é <45% em mulheres e <50% em homens; nosso algoritmo adota um limite combinado amplamente utilizado de 45% para ambos os sexos.

Níveis séricos acima desses limites podem indicar sobrecarga de ferro. 

Um TSAT >45% tem alta sensibilidade na detecção de pC282Y7 homozigoto (94% em homens e 74% em mulheres).

Etapa 3: avaliar se há doença subjacente grave

Após determinar a presença (ou ausência) de sobrecarga de ferro, avalie o paciente quanto à doença subjacente (etapa 3). 

Para pacientes com hiperferritinemia isolada (ferritina elevada, TSAT <45%), causas importantes a serem consideradas são destacadas no⇓infográfico. 

Para pacientes com ferritina elevada com TSAT >45% (possível sobrecarga de ferro), uma causa importante e frequentemente subdiagnosticada é a hemocromatose (quadro 1).

Outras causas menos frequentes incluem sobrecarga de ferro relacionada à transfusão e distúrbios primários da medula óssea.

Os médicos podem diagnosticar com confiança a hemocromatose com teste de mutação direcionado do gene HFE. Isso está amplamente disponível na atenção primária no Reino Unido e internacionalmente.

Ferritina >1000 µg/L está associada a doença subjacente grave, incluindo sobrecarga de ferro. 

Encaminhe todos os pacientes com ferritina persistente inexplicada >1.000 µg/L a um hepatologista.

Caixa 1

• Hemocromatose

No norte da Europa, a hemocromatose é a doença mais comum causada por uma única variante patogênica, com um em 150-220 indivíduos no Reino Unido homozigoto para a variante pC282Y7 (e um em 385 indivíduos nos EUA). 

Pacientes com outros genótipos (incluindo heterozigoto composto pC282Y/H63D) são menos propensos a desenvolver sobrecarga de ferro e morbidade significativa.

Penetrância variável significa que muitos indivíduos não desenvolvem sobrecarga severa de ferro e/ou hemocromatose “clássica”. 

Um grande estudo prospectivo de coorte na Austrália constatou que 35% dos homozigotos pC282Y masculinos versus 6% femininos desenvolveram sobrecarga de ferro grave (definida como níveis de ferritina >1.000 µg/L).

Para indivíduos que desenvolvem sobrecarga de ferro, os efeitos clínicos disso condição são insidiosas, freqüentemente resultando em diagnóstico tardio quando o dano do órgão já ocorreu.

A sobrecarga de ferro na hemocromatose está associada a muitas consequências potencialmente irreversíveis para a saúde e redução da expectativa de vida.

O diagnóstico precoce e o tratamento com venecção podem prevenir cirrose hepática, carcinoma hepatocelular, diabetes , artropatia e outras complicações, e os pacientes geralmente têm uma expectativa de vida normal.

• Diferenças entre sexos

Embora a hemocromatose seja uma condição autossômica recessiva, a manifestação clínica costuma ser mais tardia em mulheres devido à perda de ferro decorrente da menstruação, gravidez e lactação.

No geral, os homens geralmente correm maior risco de desenvolver sobrecarga de ferro, complicações associadas e morte.

• Quem deve ser testado?

Adultos que apresentam fadiga, dor nas articulações, artrite, osteoporose, diabetes, doença hepática crônica, câncer hepático primário, disfunção reprodutiva ou sexual e/ou histórico familiar de hemocromatose devem ser testados para hemocromatose com análise de mutação do gene HFE.

• Que informações devo dar aos pacientes?

A sobrecarga de ferro está associada a muitas consequências para a saúde a longo prazo. Monitoramento e tratamento ao longo da vida são necessários para controlar a hemocromatose. Isso inclui venecção e exames de sangue regulares. Uma vez que a venecção ajudou a reduzir o nível de ferritina de um paciente para dentro de uma faixa normal (fase de indução), ele é potencialmente elegível para ser um doador de sangue para controlar sua hemocromatose (fase de manutenção). 

A abstinência de álcool é recomendada em pacientes com evidência de sobrecarga de ferro e/ou cirrose hepática. 

Todos os pacientes devem evitar suplementos de ferro. 

Parentes de primeiro grau devem ser rastreados para hemocromatose.

• Como devo avaliar alguém com sobrecarga de ferro?

Na atenção primária, avalie os pacientes com sobrecarga de ferro para determinar se eles têm disfunção orgânica. 

Alguns pacientes podem apresentar sinais claros de envolvimento de órgãos a partir de informações clínicas existentes (por exemplo, disfunção hepática identificada a partir de resultados anormais de exames de sangue).

Para outros, é necessária uma avaliação mais proativa (por exemplo, indagando sobre planejamento familiar e disfunção sexual), que está resumida na tabela 1.

Fígado

O fígado é o maior depósito de ferro no corpo e o órgão com maior risco de sobrecarga de ferro.

A deposição de ferro no fígado pode resultar em inflamação (hepatite), doença hepática crônica, cirrose (8% das mulheres e 25% dos homens com hemocromatose) e carcinoma hepatocelular.

Para avaliar lesões hepáticas, as investigações iniciais incluem exames de sangue hepático, proteína C reativa e estudos de coagulação.

Uma revisão do consumo de álcool é essencial para determinar os fatores contribuintes e aconselhamento de gestão. 

Se os resultados dos exames de sangue do fígado forem anormais, investigue mais com uma ultrassonografia hepática, teste de HbA1c e autoanticorpos e triagem para hepatite B e C, bem como outras investigações de acordo com as vias locais. 

Estes incluem medidas não invasivas de fibrose hepática, que estão cada vez mais disponíveis na atenção primária (fibrose-4 (FIB-4), pontuação de fibrose de doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e pontuação de fibrose hepática aumentada (ELF).

A sobrecarga hepática de ferro deve ser avaliada em cuidados secundários em pacientes com ferritina elevada, saturação elevada de transferrina e resultados anormais de exames de sangue hepático ou naqueles com causa incerta de hiperferritinemia.

Investigações especializadas podem ser necessárias, incluindo ressonância magnética (MRI) do fígado, medição da concentração de ferro, elastografia hepática (FibroScan) para avaliar a fibrose e, potencialmente, biópsia hepática.

Pacientes com cirrose têm risco aumentado de carcinoma hepatocelular e requerem vigilância por um especialista.

• Musculoesquelético

A doença articular é um sintoma de apresentação comum em pacientes com hemocromatose (afetando 24%).

Isso pode imitar a osteoartrite, mas com uma idade mais precoce de início, e afeta tanto as articulações que suportam peso quanto as que não suportam peso, como o tornozelo e a segunda e terceira articulações metacarpofalângicas.

Uma consequência menos conhecida da sobrecarga de ferro é a osteoporose, com estimativas de prevalência variando de 25,3% a 34,2%, podendo ser independente de cirrose e hipogonadismo. 

Osteoporose e risco de fratura são avaliados na atenção primária usando imagens de absorciometria de raios x de dupla energia (DEXA) e cálculo do escore FRAX (avaliação de risco de fratura), respectivamente.

Encaminhe os pacientes a um reumatologista para uma avaliação mais aprofundada e tratamento da doença articular.

• Endócrino e metabólico

A diabetes é a endocrinopatia mais comum (23% de prevalência) associada à sobrecarga de ferro causada pela hemocromatose.

Embora as descrições históricas relatem a deposição de ferro nas células β pancreáticas, resultando em deficiência de insulina, o ferro hepatocelular também causa resistência à insulina e intolerância à glicose.

O hipogonadismo é a segunda endocrinopatia mais comum na hemocromatose, causado pela deposição de ferro hipofisário e/ou insuficiência gonadal primária.

Dados epidemiológicos de qualidade mista em uma população adulta geral de homens mostram prevalência de hipogonadismo variando de 2,1% a 38,7%, indicando que a condição é potencialmente subinvestigada e subdiagnosticada.

As investigações iniciais incluem hormônio estimulante da tireoide, HbA1c, glicose em jejum, hormônio folículo estimulante, hormônio luteinizante, globulina de ligação ao hormônio sexual, testosterona total matinal, testosterona livre e estradiol. 

O teste dos níveis de hormônios sexuais deve ser repetido após quatro semanas para determinar se os limites para investigação e tratamento adicionais foram atendidos.

Encaminhe os pacientes com resultados anormais ou se clinicamente preocupados a um endocrinologista para avaliação adicional.

• Funcionamento reprodutivo e sexual

O papel do ferro no funcionamento reprodutivo e sexual é complexo, com deficiência e sobrecarga de ferro contribuindo para a disfunção por meio de diferentes mecanismos. 

Especificamente, a sobrecarga de ferro pode aumentar o risco de infertilidade, subfertilidade e disfunção sexual (baixa libido, disfunção erétil, amenorreia) por meio de hipopituitarismo, hipogonadismo, disfunção direta dos órgãos sexuais e aumento do estresse oxidativo nos gametas.

Dados de pesquisas auto-relatadas de pacientes com hemocromatose mostram que a prevalência de sintomas de disfunção sexual varia de 25,8% a 57,3%, apoiando as recomendações internacionais para triagem de disfunção reprodutiva e sexual.

Os médicos da atenção primária devem perguntar sobre planejamento familiar, dificuldades para conceber e função sexual.

Além da análise de hormônios sexuais, os médicos podem solicitar a análise de sêmen para homens, com posterior encaminhamento a um especialista em fertilidade. 

Encaminhe as mulheres que têm sobrecarga de ferro e relatam dificuldades para engravidar a um especialista em fertilidade.

• Cardiovascular

A cardiomiopatia, embora rara na hemocromatose, é a manifestação mais frequente de sobrecarga de ferro secundária ou transfusional. 

Um grande estudo de coorte retrospectivo de pacientes com sobrecarga de ferro predominantemente transfusional mostrou que quase 30% dos pacientes apresentaram uma ou mais características de doença cardiovascular (distúrbios de condução, arritmias, insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão pulmonar e cardiomiopatia não isquêmica).

Pacientes com hemocromatose também podem ter uma prevalência aumentada de tal doença cardiovascular (odds ratio, OR, 1,24, intervalo de confiança de 95%, IC, 1,03 a 1,48, P<0,05) e, em particular, arritmia supraventricular (OR 1,59, IC 95% 1,28 a 1,96, P<0,001). 

Esses dados podem representar associação de doenças e não uma característica do ferro cardíaco, mas servem para destacar diagnósticos cardiovasculares importantes, que podem ser evitáveis ​​ou reversíveis com diagnóstico e tratamento precoces.

As investigações iniciais para doenças cardiovasculares incluem perfil lipídico, eletrocardiograma, ecocardiografia e avaliação do risco cardiovascular geral usando QRISK2 ou QRISK3. 

Encaminhe os pacientes com sobrecarga de ferro e sinais e sintomas de doença cardiovascular a um cardiologista para avaliação adicional.

• Neurológico

Embora as evidências atualmente sejam limitadas e de qualidade variável, há um interesse crescente na associação da sobrecarga de ferro com condições neurológicas, como demência e distúrbios do movimento. 

Estudos de coorte recentes usando dados de biobancos do Reino Unido descobriram que diagnósticos incidentes de demência eram mais comuns em homozigotos masculinos pC282Y (razão de risco, HR, 1,83) versus mulheres, e uma prevalência aumentada de distúrbios do movimento em homozigotos masculinos pC282Y (OR 1,80; IC 95% 1,28 a 2,55; P=0,001), mas não em homozigotos femininos pC282Y (OR 1,09; 95% CI 0,7 a 1,73; P=0,69). 

Consulte um neurologista se estiver clinicamente preocupado.

• Psicológico

O impacto psicológico da sobrecarga de ferro secundária à hemocromatose é pouco compreendido e recomendado como prioridade de pesquisa.

Dados de pesquisa auto-relatados de 2.851 indivíduos (62% do sexo masculino; 99% de etnia branca) com hemocromatose de 20 países destacam que 20,8% relataram sintomas de depressão, com 40,8% relatando melhorias nos sintomas de depressão após o tratamento de venecção. 

Dados adicionais de 1.998 pacientes com hemocromatose relatam que 73% experimentam dificuldades psicológicas e cognitivas. Apesar das limitações inerentes dos dados auto-relatados, isso sugere um grande grau de carga psicológica coexistente.

Informe-se sobre o impacto psicológico da sobrecarga de ferro e sobre os sintomas de doença psicológica, por exemplo, depressão e ansiedade.

• Quando devo referir?

Para pacientes com ferritina elevada e sem sobrecarga de ferro (TSAT <45%), consulte um especialista quando a causa da ferritina elevada for incerta e/ou para aconselhamento adicional sobre o manejo da doença potencialmente subjacente.

Os generalistas podem repetir os testes de ferritina e TSAT para determinar tendências considerando as causas detalhadas no infográfico.

Todos os pacientes com diagnóstico de sobrecarga de ferro devem realizar a genotipagem HFE na atenção primária (com aconselhamento apropriado) antes do encaminhamento. 

Pacientes que são homozigotos pC282Y com sobrecarga de ferro devem ser encaminhados a um médico com interesse em hemocromatose para consideração de venecção e também devem ser encaminhados a um hepatologista para avaliação de fibrose hepática.

Pacientes que não são homozigotos pC282Y com sobrecarga de ferro (sobrecarga de ferro bioquímico inexplicável) devem ser encaminhados para avaliação e tratamento adicionais de acordo com as vias locais.

• Vinheta clínica revisitada

Depois de fazer mais perguntas clínicas importantes para ajudar a determinar a causa subjacente do aumento da ferritina, ALT e proteína C reativa (etapa 1), você realiza TSAT em jejum (etapa 2), que retorna ao limite em 45%.

A análise da mutação do gene HFE mostra que o paciente não é homozigoto para pC282Y e, portanto, tem baixo risco de uma causa genética de sobrecarga de ferro.

Você considera isso uma “sobrecarga de ferro bioquímico inexplicável” e encaminha a um hepatologista para avaliação do aumento de ferro no fígado (etapa 3).

A ultrassonografia revela uma ecotextura brilhante consistente com alteração gordurosa.

Após aconselhamento e apoio que resultaram na redução do consumo de álcool, a ferritina, ALT e proteína C reativa da paciente normalizaram e seu distúrbio do sono melhorou.

Educação na prática

• Com que frequência você solicita a saturação de transferrina após identificar um paciente com ferritina elevada?

• Como você discutiria as possíveis complicações orgânicas da sobrecarga de ferro com os pacientes?

Como os pacientes estiveram envolvidos na criação deste artigo

• O autor Stuart Stewart é um paciente (e clínico geral) com hemocromatose que apresentou disfunção orgânica resultante de sobrecarga de ferro. 

Experiências como paciente e clínico geral gerenciando o dilema diagnóstico de ferritina elevada ajudaram a moldar a abordagem sistemática para investigar pacientes com sobrecarga de ferro na atenção primária. 

Recomendações futuras para pesquisas

• Dada a prevalência de homozigose pC282Y, a pesquisa deve se concentrar na expressão da doença e na contribuição do excesso de ferro para doença hepática crônica, doença articular e diabetes.

• A triagem nacional para hemocromatose não é recomendada atualmente. 

Mais evidências precisam informar considerações de triagem futuras.

• A pesquisa deve procurar entender as barreiras para a avaliação sistemática e abrangente da sobrecarga de ferro na atenção primária.

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domingo, 16 de julho de 2023

Aspartame: IARC inclui na lista de substâncias potencialmente cancerígenas

A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), declarou o aspartame – um dos adoçantes artificiais mais populares do mundo e amplamente utilizado em medicamentos – como substância “possivelmente cancerígena”.

A OMS informou, no entanto, que a decisão não representa uma recomendação para substituir ou eliminar o edulcorante de seus usos atuais.

"O consumo ocasional de aspartame provavelmente não será associado a riscos à saúde para a maioria dos indivíduos”, disse o Dr. Francesco Branca, diretor do Departamento de Nutrição para Saúde e Desenvolvimento da OMS. "Consumidores ocasionais não devem se preocupar em consumir alguns produtos, sejam bebidas, chicletes ou outros produtos que contenham esse adoçante.”

A mudança na classificação de risco da substância, divulgada oficialmente nesta sexta-feira (14), já havia sido antecipada em uma reportagem da Agência Reuters no fim de junho. O anúncio oficial foi retido para que a divulgação fosse realizada junto com outra avaliação do aspartame, realizada por um segundo painel, o Joint Expert Committee on Food Additives (JECFA), que reúne a OMS e a Organização para Agricultura e Alimentação (FAO).

Em uma revisão independente de estudos, os especialistas do JECFA consideraram que "as evidências de associação entre consumo de aspartame e câncer em humanos não é convincente”. A entidade decidiu, portanto, manter os limites aceitáveis de ingestão diária da substância em 40 mg por quilograma de peso corporal.

Na prática, isso significa, por exemplo, que um adulto de 70 kg precisaria consumir entre 9 e 14 latinhas de refrigerante dietético diariamente para ultrapassar a dose aceitável.

A decisão da IARC em declarar o aspartame como “potencialmente cancerígeno” – a terceira classificação mais elevada, em uma escala com quatro estágios – foi feita por 25 especialistas, tendo como base evidências científicas oriundas da revisão de artigos científicos com trabalhos in vivo e in vitro. Um resumo dos procedimentos e conclusões foi publicado, conjuntamente com o anúncio formal da mudança, no periódico The Lancet Oncology. [1]

Os especialistas consideraram haver “evidências limitadas” do potencial cancerígeno do aspartame em humanos, sobretudo para o carcinoma hepatocelular, um tipo de câncer de fígado. Representantes da IARC, no entanto, reconheceram que volume de dados ainda é pequeno, e pediram mais pesquisas sobre o potencial cancerígeno do aspartame. O anúncio acontece cerca de dois meses depois da publicação das novas diretrizes da OMS sobre o uso de adoçantes artificiais. [2]

Entre agências reguladoras e sociedades médicas do mundo todo, o anúncio da IARC sobre o potencial de carcinogenicidade do aspartame foram recebidos com cautela.

Entidade reguladora de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, a Food and Drugs Administration (FDA), fez críticas públicas pouco habituais à decisão da agência da OMS, e reiterou sua posição sobre a segurança do aspartame. Ao jornal The New York Times, a FDA afirmou que “discorda da conclusão da IARC de que esses estudos apoiam a classificação do aspartame como um possível carcinógeno para humanos”.

A Dra. Melanie Rodacki, vice-presidente do Departamento de Diabetes Mielitus da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), também pediu cautela quanto à nova classificação do aspartame por parte da IARC. “É importante que se saiba que a IARC não é uma agência de segurança alimentar. E ela tem sido muito criticada por fazer as avaliações sem considerar um ponto importante: a quantidade de exposição em um determinado período”, afirmou.

Destacando que as sociedades médicas ainda precisam ter acesso à integra do relatório da IARC para se pronunciarem com a devida propriedade, Dra. Melanie relembrou agência lista como possivelmente associados com o câncer o uso de telefone celular, o trabalho noturno e o consumo de carne vermelha.

“São situações que possivelmente têm a ver com outras atividades humanas. Por exemplo: alguém que trabalha à noite pode ter mais chances de comer mais alimentos ultraprocessados e de não ter hábitos tão saudáveis, de ser mais sedentário. Outras coisas estão envolvidas, não é uma relação causal”, completou.

“Essa é uma grande revisão de dados e temos de ficar atentos a isso. Não podemos ser displicentes e achar que os dados [de segurança do aspartame] não precisam ser revistos, mas também não podemos ser sensacionalistas e gerar pânico na população”, completou.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

[Conteúdo exclusivo para médicos] - Efeitos adicionais do exercício à dieta hipocalórica no peso corporal, composição corporal, controle glicêmico e aptidão cardiorrespiratória em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2

Efeitos adicionais do exercício à dieta hipocalórica no peso corporal, composição corporal, controle glicêmico e aptidão cardiorrespiratória em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2: uma revisão sistemática e meta-análise

Abstrato: Esta revisão sistemática e meta-análise avalia o efeito adicional do exercício à dieta hipocalórica no peso corporal, composição corporal, controle glicêmico e aptidão cardiorrespiratória em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2.

Métodos: Os bancos de dados Embase, Medline, Web of Science e Cochrane Central foram avaliados e 11 estudos foram incluídos. Metanálise de efeitos aleatórios foi realizada no peso corporal e medidas de composição corporal e controle glicêmico, para comparar o efeito da dieta hipocalórica mais exercício com dieta hipocalórica sozinha.

Resultados: As intervenções de exercícios consistiram em caminhada ou corrida, treinamento em cicloergômetro, treinamento de futebol ou treinamento de resistência e a duração variou de 2 a 52 semanas.  O peso corporal e as medidas de composição corporal e controle glicêmico diminuíram durante a intervenção combinada e dieta hipocalórica sozinha. 

Diferença média na mudança de peso corporal (-0,77 kg [IC 95%: -2,03; 0,50]), IMC (-0,34 kg/m2 [IC 95%: -0,73; 0,05]), circunferência da cintura (-1,42 cm [95 % CI: -3,84; 1,00]), massa livre de gordura (-0,18 kg [95% CI: -0,52; 0,17]), massa gorda (-1,61 kg [95% CI: -4,42; 1,19]), glicose em jejum (+0,14 mmol/L [IC de 95%: -0,02; 0,30]), HbA1c (-1 mmol/mol [IC de 95%: -3;1], -0,1% [IC de 95%: -0,2; 0,1]) e HOMA-IR (+0,01 [95% CI: -0,40; 0,42]) não foi estatisticamente diferente entre a intervenção combinada e a dieta hipocalórica sozinha. 

Dois estudos relataram o VO2max e mostraram aumentos significativos com a adição de exercícios à dieta hipocalórica.

Conclusões: Com base em dados limitados, não encontramos efeitos adicionais do exercício à dieta hipocalórica em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2 no peso corporal, composição corporal ou controle glicêmico, enquanto a aptidão cardiorrespiratória melhorou.

Declaração de novidade

• O que já é conhecido?

Dieta hipocalórica e exercícios têm benefícios independentes para adultos com diabetes tipo 2.

O que este estudo encontrou?

• O valor agregado do exercício no peso corporal, composição corporal e controle glicêmico parece mínimo em comparação com os efeitos da dieta hipocalórica isoladamente.

• A aptidão cardiorrespiratória melhora com a adição de exercícios à dieta hipocalórica.

Quais são as implicações do estudo?

• A dieta hipocalórica parece ser o principal componente no tratamento do diabetes tipo 2.

• No entanto, pesquisas adicionais com foco no impacto do tipo e intensidade do exercício são necessárias para otimizar o tratamento.

1. INTRODUÇÃO

O diabetes tipo 2 é altamente prevalente, especialmente entre adultos mais velhos com sobrepeso ou obesidade.

Esses adultos têm um alto risco de condições adversas de saúde, incluindo doenças cardiovasculares, doenças renais, câncer, deficiência física e sarcopenia.

Isso pode levar a um ciclo vicioso que piora ainda mais as anormalidades metabólicas.

O controle da obesidade é benéfico no tratamento do diabetes tipo 2 e pode quebrar esse ciclo vicioso. 

Embora a dieta hipocalórica tenha sido reconhecida há muito tempo como a principal estratégia para alcançar a perda de peso e melhorar a homeostase da glicose, as intervenções combinadas no estilo de vida (incluindo dieta hipocalórica e exercícios) estão ganhando mais atenção como uma estratégia eficaz de perda de peso.

Uma dieta hipocalórica pode levar à perda de peso recomendada de ≥5% do peso corporal total e demonstrou reduzir a hemoglobina glicada (HbA1c) e a necessidade de medicamentos para baixar a glicose.

No entanto, a restrição calórica não apenas reduz a massa gorda total, mas também pode levar a uma diminuição significativa na massa corporal magra.

Isso pode resultar em declínio funcional e taxas metabólicas reduzidas, o que complica a perda de peso adicional ou a manutenção do peso.

O exercício tem o potencial de neutralizar a diminuição da massa corporal magra e o declínio funcional. 

A adição de exercícios a uma dieta hipocalórica leva a melhores resultados de condicionamento cardiovascular, força muscular e composição corporal em adultos obesos sem diabetes tipo 2, conforme demonstrado por duas revisões sistemáticas, incluindo uma meta-análise.

Em adultos com diabetes tipo 2, há há evidências substanciais de que o exercício melhora o controle glicêmico.

O exercício, portanto, parece ser um bom complemento para uma dieta hipocalórica em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2. 

A maioria dos estudos nessa população examinou os efeitos combinados da dieta hipocalórica e do exercício ou examinou ambas as intervenções separadamente.

Como consequência, os efeitos adicionais do exercício à dieta hipocalórica em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2 ainda não está claro.

Tal conhecimento, incluindo os efeitos do tipo e intensidade do exercício, é importante para poder adequar o tratamento aos objetivos específicos do indivíduo.

Esta revisão sistemática e meta-análise tem como objetivo avaliar os efeitos adicionais do exercício à dieta hipocalórica sobre o peso corporal, composição corporal, controle glicêmico e aptidão cardiorrespiratória em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2. 

Em segundo lugar, pretendemos explorar os efeitos adicionais do exercício de resistência versus exercício de resistência e intensidade de exercício alta versus baixa além da dieta hipocalórica nessa população.

4. DISCUSSÃO

Avaliamos os efeitos adicionais do exercício à dieta hipocalórica no peso corporal, composição corporal, controle glicêmico e aptidão cardiorrespiratória em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2. 

Com exceção da aptidão cardiorrespiratória, não encontramos benefícios do exercício além da dieta hipocalórica nessa população. 

O peso corporal, a composição corporal e os parâmetros glicêmicos melhoraram independentemente da adição de exercícios em todos os estudos selecionados.

No entanto, o número de estudos incluídos foi limitado e a maioria dos tamanhos de efeito indicou uma direção favorável para a intervenção, incluindo exercícios.

Em nossa meta-análise, a melhora nos resultados foi evidente em todos os estudos, independente da adição de exercícios, e sem diferenças significativas entre a dieta e as intervenções com dieta e exercícios.

Possíveis explicações para a ausência de diferenças significativas podem ser o número limitado de estudos incluídos na meta-análise e a proporção relativamente alta de estudos de pequena escala, levando a uma falta de precisão e poder.

Outra explicação para os benefícios adicionais limitados de exercício para dieta hipocalórica pode ser uma compensação para a atividade física com uma redução na atividade física sem exercício, comprometendo uma diminuição adicional na massa gorda e no peso corporal.

Flack et al. mostraram que o gasto energético do exercício de 3.000 kcal/semana é suficiente para exceder as respostas compensatórias e reduzir a massa gorda em adultos com sobrepeso. 

No entanto, apenas um estudo em nossa meta-análise excedeu esse valor (aproximadamente 6.000 kcal/semana no estudo de Koo et al.), enquanto o gasto energético do exercício foi muito menor nos outros estudos (variando de 440 a 2.200 kcal/semana, aproximadamente).

Os dados sobre o balanço energético negativo realizado não estavam disponíveis.

A duração relativamente curta da intervenção da maioria dos estudos em nossa meta-análise também pode ser vista como uma possível explicação para a ausência de efeitos adicionais do exercício.

Nove dos 11 estudos tiveram durações de intervenção de até 16  semanas, o que pode ter sido muito curto para encontrar diferenças entre os grupos em nossos parâmetros de resultado. 

No entanto, uma categorização de estudos de acordo com a duração do estudo não indica claramente esse impacto (Figuras S11–S14). 

A variedade na ingestão calórica também pode ter confundido nossos resultados, pois é sabido que dietas de muito baixa caloria (VLCD) produzem maior perda de peso do que, por exemplo, dietas de baixa caloria.

O estudo de Snel et al. foi o único estudo que usou VLCD e pareceu ter uma diminuição mais pronunciada na circunferência da cintura (Figura S2) e massa gorda (Figura 4) com a adição de exercícios.

Nossos resultados estão parcialmente de acordo com a meta-análise de Sardeli et al., que não encontraram diferenças significativas na redução do peso corporal e massa gorda entre restrição calórica mais exercício resistido e restrição calórica apenas em idosos com obesidade. 

No entanto, eles mostraram que o exercício resistido pode prevenir a perda de massa corporal magra induzida pela restrição calórica.

Nossa meta-análise incluiu apenas dois estudos envolvendo exercícios resistidos e não pôde confirmar esse achado de Sardeli et al. para indivíduos com diabetes tipo 2. 

Esse resultado parece estar de acordo com a meta-análise de Lee et al., que não mostrou aumento da massa corporal magra após o treinamento de resistência em idosos com diabetes tipo 2.

No entanto, a ingestão de proteínas e o programa de exercícios não foram otimizados para a preservação de massa livre de gordura durante a perda de peso nos estudos incluídos em nossa meta-análise, exceto para o estudo de alta proteína de Wycherley et al. combinando uma dieta rica em proteínas com exercícios de resistência.

Em seu estudo, a composição corporal foi relativamente melhorada no grupo de dieta mais exercícios (de resistência), com maior perda de peso (predominantemente como massa gorda) em comparação com o grupo apenas de dieta, e uma perda semelhante de massa livre de gordura.

Nossa meta-análise sobre massa gorda sugere que a adição de exercícios à dieta hipocalórica pode levar a uma melhor composição corporal por redução adicional da massa gorda. 

No entanto, o intervalo de confiança era amplo e a significância estatística estava ausente, pelas razões discutidas acima. 

Da mesma forma, a adição de exercícios pode levar a uma redução adicional da circunferência da cintura, mas a alta heterogeneidade entre os estudos pode ter contribuído para a ausência de significância estatística.

Em adultos com diabetes tipo 2, há evidências substanciais de que o exercício melhora o controle glicêmico.

Os mecanismos exatos de funcionamento são desconhecidos, mas o exercício induz adaptações benéficas em muitos tecidos, como músculo, fígado, pâncreas, células adiposas e tecido vascular, levando a melhorias no controle glicêmico. 

Notavelmente, a redução na glicemia de jejum tendeu a ser menor quando o exercício foi adicionado à dieta hipocalórica em comparação com a dieta hipocalórica sozinha. 

No entanto, a diferença entre as intervenções é de magnitude limitada. 

Como as reduções na medicação para diabetes podem ser esperadas nos grupos de exercícios para prevenir a hipoglicemia, essas mudanças podem ter influenciado a meta-análise de glicemia de jejum e HbA1c. 

Nove dos 11 estudos relataram mudanças no número ou porcentagem de participantes que tomam medicamentos para diabetes. 

Sete estudos relataram uma redução no uso de medicamentos para diabetes, que ocorreu em ambos os grupos.

Em quatro desses estudos, a redução na medicação para diabetes foi maior no grupo dieta mais exercício, embora não estatisticamente diferente ou não avaliada estatisticamente.

Em um estudo, a medicação para diabetes foi interrompida em ambos os grupos como parte do protocolo do estudo. 

No geral, uma redução hipoteticamente maior na medicação para diabetes no grupo dieta mais exercício poderia explicar a falta de efeito adicional do exercício na redução da glicemia de jejum, embora seja benéfico.

Não encontramos um efeito benéfico do exercício em adição à dieta hipocalórica na HbA1c. 

Isso foi inesperado, considerando os efeitos do próprio exercício no diabetes tipo 2, conforme relatado em meta-análises anteriores. 

A duração limitada das intervenções não parece explicar a ausência de efeito na HbA1c (Figura S14), mas a heterogeneidade nas populações do estudo pode ter contribuído para nosso achado. 

As populações de estudo em Andrews et al. e Hu et al consistiam apenas em adultos com diabetes tipo 2 recém-diagnosticado.

A progressão da doença pode influenciar os desfechos estudados, com reduções maiores na HbA1c observadas em estudos com participantes com diabetes de duração relativamente curta (<6 anos).

Um artigo recente sobre exercícios para o tratamento do diabetes tipo 2 afirmou que as melhorias dependem do tipo e intensidade do exercício. 

Exercício combinado de resistência e endurance maior intensidade de exercício de resistência e treinamento intervalado de alta intensidade podem levar a maiores reduções na HbA1c. 

Nossa análise de subgrupo para intensidade de exercício não pôde confirmar uma diferença estatística na HbA1c entre intensidade de exercício menor e maior. 

No entanto, o exercício pode não ter sido intenso o suficiente. 

A indicação para a eficácia de maior intensidade de exercício também é sugerida pelas associações significativas entre mudança na sensibilidade à insulina e mudança na atividade física nos estudos de Koo et al e Tamura et al.

O impacto do tipo de exercício não pôde ser avaliado em uma análise de subgrupo devido ao número limitado de estudos disponíveis incluindo exercícios resistidos. 

Além disso, esses estudos eram dos mesmos autores e compartilhavam a mesma metodologia, tornando-os até certo ponto dependentes. 

Uma avaliação qualitativa de parcelas de floresta categorizadas de acordo com o tipo de exercício sugere que os efeitos diferenciais do tipo de exercício estão ausentes (Figuras S15–S18). 

No entanto, houve uma ligeira tendência para o efeito adicional do exercício resistido na perda de peso corporal.

Nossa síntese qualitativa indicou que a adição de exercício à dieta hipocalórica aumentou o VO2máx.

O benefício do exercício para a aptidão cardiorrespiratória na obesidade e no diabetes tipo 2 já foi demonstrado, com maior intensidade de exercício levando a um maior aumento no VO2max em adultos com diabetes tipo 2. 

Esse efeito é causado pelo melhor fornecimento de oxigênio devido ao aumento do débito cardíaco e da densidade capilar.

A principal força de nossa revisão sistemática e meta-análise é a aplicação do método Cochrane, garantindo reprodutibilidade e confiabilidade.

Com base em um número limitado de estudos, nosso trabalho indica que a adição de exercícios à dieta hipocalórica em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2 leva à melhora da aptidão cardiorrespiratória, mas não encontramos evidências de benefícios em outros desfechos. 

No entanto, os efeitos negativos do exercício parecem ausentes e os tamanhos de efeito quase exclusivamente indicam uma direção favorável para a intervenção combinada.

Além disso, sabe-se que o exercício é importante para a manutenção da perda de peso em longo prazo.

O potencial efeito benéfico do exercício em adição à dieta hipocalórica na composição corporal e no controle glicêmico ainda precisa ser confirmado em estudos controlados randomizados de longo prazo em larga escala. 

A investigação futura poderá centrar-se no impacto do tipo e intensidade do exercício na composição corporal e no controlo glicémico, de forma a otimizar a componente do exercício no tratamento da diabetes tipo 2.

Em conclusão, não encontramos evidências de efeitos adicionais do exercício à dieta hipocalórica em adultos com sobrepeso ou obesidade e diabetes tipo 2 no peso corporal, composição corporal ou controle glicêmico, enquanto a aptidão cardiorrespiratória melhorou. 

O número limitado de estudos, a redução da medicação antidiabética e o potencial comportamento compensatório para o gasto energético do exercício podem explicar a ausência de efeitos adicionais do exercício à dieta hipocalórica nesta meta-análise.

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sexta-feira, 12 de maio de 2023

A ligação entre alimentos altamente processados ​​e a saúde do cérebro.

Comer alimentos embalados como cereais e refeições congeladas tem sido associado à ansiedade, depressão e declínio cognitivo. Os cientistas ainda estão descobrindo o porquê.

Aproximadamente 60% das calorias da dieta americana média vêm de alimentos altamente processados. Sabemos há décadas que comer esses produtos embalados – como alguns cereais matinais, barras de salgadinhos, refeições congeladas e praticamente todos os doces embalados, entre muitas outras coisas – está associado a resultados de saúde indesejados, como um risco aumentado de diabetes, obesidade e até mesmo câncer. Mas estudos mais recentes apontam para outra grande desvantagem desses alimentos frequentemente deliciosos e sempre convenientes: eles também parecem ter um impacto significativo em nossas mentes.

Pesquisas dos últimos dez anos mostraram que quanto mais alimentos ultraprocessados ​​uma pessoa come, maiores são as chances de ela se sentir deprimida e ansiosa. Alguns estudos sugeriram uma ligação entre comer UPFs e aumento do risco de declínio cognitivo.

O que há de tão insidioso nesses alimentos e como você pode evitar as consequências mentais? Os cientistas ainda estão trabalhando em respostas, mas aqui está o que sabemos até agora.

• O que se qualifica como um alimento ultraprocessado?

Em 2009, pesquisadores brasileiros classificaram os alimentos em uma escala de quatro partes, de in natura e minimamente processados ​​(como frutas, vegetais, arroz e farinha) a processados ​​(óleos, manteiga, açúcar, laticínios, alguns alimentos enlatados e carnes e peixes defumados) e ultraprocessados. “Os alimentos ultraprocessados ​​incluem ingredientes que raramente são usados ​​em receitas caseiras – como xarope de milho rico em frutose, óleos hidrogenados, isolados de proteína e aditivos químicos” como corantes, sabores artificiais, adoçantes, emulsificantes e conservantes, disse Eurídice Martínez Steele, pesquisadora da processamento de alimentos da Universidade de São Paulo, Brasil. Este sistema de classificação é agora amplamente utilizado por pesquisadores de nutrição.

Os UPFs constituem a maioria dos alimentos embalados que você encontra nos corredores de alimentos congelados dos supermercados e no cardápio de restaurantes fast-food – 70% dos alimentos embalados vendidos nos Estados Unidos são considerados ultraprocessados. Eles estão cada vez mais substituindo os alimentos mais saudáveis ​​na dieta das pessoas e são amplamente consumidos em todos os grupos socioeconômicos.

“Alimentos ultraprocessados ​​são cuidadosamente formulados para serem tão saborosos e satisfatórios que são quase viciantes”, disse o Dr. Eric M. Hecht, epidemiologista do Schmidt College of Medicine da Florida Atlantic University. “O problema é que, para tornar os produtos cada vez melhores, os fabricantes os tornam cada vez menos parecidos com comida de verdade.”

• Qual o efeito dos alimentos ultraprocessados ​​na saúde mental?

Pesquisas recentes demonstraram uma ligação entre alimentos altamente processados ​​e humor deprimido. Em um estudo de 2022 com mais de 10.000 adultos nos Estados Unidos, quanto mais UPFs os participantes comeram, maior a probabilidade de relatarem depressão leve ou sentimentos de ansiedade. “Houve um aumento significativo em dias mentalmente insalubres para aqueles que comem 60% ou mais de suas calorias de UPFs”, disse o Dr. Hecht, autor do estudo. “Isso não é prova de causalidade, mas podemos dizer que parece haver uma associação”.

Novas pesquisas também encontraram uma conexão entre o alto consumo de AUP e o declínio cognitivo. Um estudo de 2022 que acompanhou quase 11.000 adultos brasileiros ao longo de uma década encontrou uma correlação entre comer alimentos ultraprocessados ​​e pior função cognitiva (a capacidade de aprender, lembrar, raciocinar e resolver problemas). “Embora tenhamos um declínio natural dessas habilidades com a idade, vimos que esse declínio foi acelerado em 28% em pessoas que consomem mais de 20% de suas calorias de AUPs”, disse Natalia Gomes Gonçalves, professora da Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina e principal autora do estudo.

É possível que uma dieta saudável compense os efeitos prejudiciais da ingestão de alimentos ultraprocessados. Os pesquisadores brasileiros descobriram que seguir um regime alimentar saudável, como a dieta MIND – que é rica em grãos integrais, vegetais de folhas verdes, legumes, nozes, frutas vermelhas, peixe, frango e azeite – reduziu muito o risco de demência associado ao consumo de alimentos ultraprocessados. Aqueles que seguiram a dieta MIND, mas ainda comeram UPFs “não tiveram associação entre o consumo de UPF e declínio cognitivo”, disse a Dra. Gonçalves, acrescentando que os pesquisadores ainda não sabem o que é uma quantidade segura de UPFs.

• Por que alimentos ultraprocessados ​​podem ter esse efeito?

Não está claro. “Muitos estudos randomizados de alta qualidade mostraram o efeito benéfico de uma dieta rica em nutrientes na depressão, mas ainda não entendemos completamente o papel do processamento de alimentos na saúde mental”, disse Melissa Lane, pesquisadora do Food & Mood Centro na Deakin University na Austrália. No entanto, existem algumas pistas.

Grande parte da pesquisa se concentrou em como a má saúde intestinal pode afetar o cérebro. As dietas ricas em alimentos ultraprocessados ​​geralmente são pobres em fibras, encontradas principalmente em alimentos à base de plantas, como grãos integrais, frutas, vegetais, nozes e sementes. A fibra ajuda a alimentar as boas bactérias no intestino. A fibra também é necessária para a produção de ácidos graxos de cadeia curta, as substâncias produzidas quando se decompõe no sistema digestivo e que desempenham um papel importante na função cerebral, disse Wolfgang Marx, presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa em Psiquiatria Nutricional e pesquisador sênior da Deakin University. “Sabemos que pessoas com depressão e outros transtornos mentais têm uma composição menos diversificada de bactérias intestinais e menos ácidos graxos de cadeia curta”.

Aditivos químicos em UPFs também podem ter um impacto na flora intestinal. “Evidências emergentes – principalmente de estudos em animais, mas também alguns dados humanos – sugerem que nutrientes isolados (como frutose), aditivos como adoçantes artificiais (como aspartame e sacarina) ou emulsificantes (como carboximetilcelulose e polissorbato-80) podem influenciar negativamente o Não está claro. “Muitos estudos randomizados de alta qualidade mostraram o efeito benéfico de uma dieta rica em nutrientes na depressão, mas ainda não entendemos completamente o papel do processamento de alimentos na saúde mental”, disse Melissa Lane, pesquisadora do Food & Mood Centro na Deakin University na Austrália. No entanto, existem algumas pistas.

Grande parte da pesquisa se concentrou em como a má saúde intestinal pode afetar o cérebro. As dietas ricas em alimentos ultraprocessados ​​geralmente são pobres em fibras, encontradas principalmente em alimentos à base de plantas, como grãos integrais, frutas, vegetais, nozes e sementes. A fibra ajuda a alimentar as boas bactérias no intestino. A fibra também é necessária para a produção de ácidos graxos de cadeia curta, as substâncias produzidas quando se decompõe no sistema digestivo e que desempenham um papel importante na função cerebral, disse Wolfgang Marx, presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa em Psiquiatria Nutricional e pesquisador sênior da Deakin University. “Sabemos que pessoas com depressão e outros transtornos mentais têm uma composição menos diversificada de bactérias intestinais e menos ácidos graxos de cadeia curta”.

Aditivos químicos em UPFs também podem ter um impacto na flora intestinal. “Evidências emergentes – principalmente de estudos em animais, mas também alguns dados humanos – sugerem que nutrientes isolados (como frutose), aditivos como adoçantes artificiais (como aspartame e sacarina) ou emulsificantes (como carboximetilcelulose e polissorbato-80) podem influenciar negativamente o microbioma intestinal”, disse o Dr. Marx.”

A baixa diversidade da microbiota intestinal – assim como uma dieta rica em açúcar – pode contribuir para a inflamação crônica, que tem sido associada a uma série de problemas físicos e mentais, disse o Dr. Lane. “Acredita-se que as interações entre o aumento da inflamação e o cérebro conduzam ao desenvolvimento da depressão”, disse ela.

Também vale a pena considerar a possibilidade de que a ligação entre alimentos altamente processados ​​e saúde mental funciona em ambas as direções. “A dieta influencia o humor, mas o inverso também é verdadeiro”, disse o Dr. Frank Hu, professor de nutrição e epidemiologia da Harvard T.H. Escola Chan de Saúde Pública. “Quando você fica estressado, ansioso ou deprimido, tende a comer mais alimentos não saudáveis, em particular alimentos ultraprocessados ​​com alto teor de açúcar, gordura e aditivos químicos.”

• Como reconhecer alimentos ultraprocessados

A melhor forma de identificar alimentos ultraprocessados ​​é ler os rótulos dos produtos. “Uma longa lista de ingredientes, e especialmente uma que inclui ingredientes que você nunca usaria na comida caseira”, são indícios de que a comida é ultraprocessada, disse Whitney Linsenmeyer, professora assistente de nutrição da Universidade de Saint Louis, no Missouri, e porta-voz do Academia de Nutrição e Dietética. Nomes químicos, palavras impronunciáveis ​​e qualquer coisa que você dificilmente encontraria em um armário de cozinha costumam ser sinais de que um alimento está na categoria de ultraprocessados.

Você ainda pode usar alimentos de conveniência para facilitar o cozimento sem recorrer a alimentos ultraprocessados. Produtos como feijão enlatado, legumes congelados, arroz integral pré-cozido ou conservas de peixe são ingredientes atalhos que se enquadram bem no escopo de uma alimentação saudável, desde que não haja itens industriais na lista de ingredientes. “Se os ingredientes adicionados forem aqueles que você mesmo usaria, como ervas, temperos, sal ou óleos de cozinha”, disse a Dra. Linsenmeyer, “isso é uma indicação de que o alimento, embora processado, não é inerentemente ruim para você”.


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By Alberto Dias Filho - Digital Opinion Leader
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