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sexta-feira, 9 de junho de 2023

Todas as fibras são prebióticas? Aprenda a diferenciar


Quando falamos em prebióticos, os alimentos ricos em fibras são sempre citados. Isso pode passar a ideia de que todas as fibras são prebióticas, mas será que isso é verdade?

As fibras são nutrientes essenciais na alimentação, com inúmeros benefícios para a saúde. A OMS recomenda uma ingestão superior a 25 g/d, e não é à toa: as fibras podem ajudar a prevenir doenças crônicas, melhorar a função intestinal, aumentar a saciedade, dentre diversas outras vantagens.

Fibras prebióticas

Entretanto, algumas fibras específicas possuem ainda mais benefícios, devido à sua ação de modular a microbiota intestinal. Neste artigo, você vai entender o que são os prebióticos, quais são as fibras prebióticas, e quais delas não se enquadram nesta categoria.

O que são prebióticos?

Segundo a Associação Científica Internacional de Probióticos e Prebióticos (ISAPP), os prebióticos são “substratos que são usados seletivamente por microrganismos hospedeiros, conferindo benefícios à saúde”.

Em outras palavras, os prebióticos são componentes alimentares que promovem o crescimento e/ou a atividade de bactérias benéficas que vivem no nosso organismo.

Além disso, os prebióticos inibem o crescimento de bactérias patogênicas, modulam a imunidade, melhoram a função da barreira intestinal, aumentam a biodisponibilidade e absorção mineral, entre outros.

É válido ressaltar que, além das fibras apresentadas a seguir, outros componentes alimentares também são considerados prebióticos, como os polifenóis e os ácidos graxos poliinsaturados.

Todas as fibras são prebióticas?
Há muitas evidências sobre a atuação das fibras para o equilíbrio da microbiota intestinal. As fibras prebióticas atuam como um substrato seletivo para as bactérias benéficas, como Bifidobacterium e Lactobacillus.

Além do equilíbrio da microbiota, algumas fibras prebióticas também podem ajudar a controlar respostas glicêmicas, auxiliar na maior absorção do cálcio e promover o controle metabólico.

No entanto, nem todas as fibras são prebióticas.

Quais são as fibras prebióticas?

De modo geral, as fibras são divididas em quatro grupos: oligossacarídeos resistentes, polissacarídeos não amiláceos, amido resistente e substâncias associadas. Até o momento, o consenso é que apenas fibras do grupos oligossacarídeos resistentes (FOS, GOS e frutanos) e os polissacarídeos não amiláceos (inulina), além da fibra solúvel de milho (amido de milho resistente) são prebióticos.

Muitos alimentos e bebidas do nosso suprimento alimentar são enriquecidos com fibras prebióticas, disponíveis comercialmente às empresas de alimentos e bebidas. Conheça as fontes naturais de algumas dessas fibras:

  • Os frutooligossacarídeos (FOS) são encontrados em alimentos do reino vegetal, como chicória, cebola, alcachofra, alho, tomate e aspargo. Na microbiota, o FOS produz ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), L-lactato e outras moléculas bioativas.
  • Os galactos-oligossacarídeos (galactanos, ou GOS) ocorrem naturalmente no leite de mamíferos (como o leite materno). O GOS estimula o crescimento de Bifidobacterium, e modula a função imunológica de crianças amamentadas.
  • Os frutanos de agave também foram documentados como prebióticos, pois estudos mostraram o aumento de Bifidobacterium e Lactobacillus no cólon, além de produção de AGCC e redução do pH intestinal.
  • Por fim, a inulina é encontrada em alimentos como chicória, cebola e alcachofra. Estudos apontam seu potencial no aumento de Bifidobacterium, e diminuição de Ruminococcus, Lachnobacterium, e Desulfovibrio.

Fibras potencialmente prebióticas

Além destas, outras fibras são candidatas à prebióticos, apesar do consenso não estar estabelecido. São elas:
  • Mananoligossacarídeos (MOS): parede celular de bactérias, plantas ou leveduras.
  • Xilooligossacarídeos (XOS): frutas, legumes, leite, mel.
  • Galactosídeos (rafinose, estaquiose, verbascose): grão-de-bico, malvas, ervilhas, sementes de leguminosas, lentilhas, feijões.
  • Amido resistente tipo 2, 3 e 4: banana verde, batatas, grãos, alimentos processados e cozidos, produtos de panificação quimicamente modificados.
  • Polidextrose: bebidas, bolos, doces e sobremesas com adição de polidextrose.
  • Pectina: cascas de frutas (maçã e laranja), batata, açúcar de beterraba.
  • Hemicelulose: cereais, grãos, vegetais, aveia, cevada, vagem, abobrinha, maçã com casca, abacaxi.
  • Dextrina resistente: produtos lácteos e bebidas adicionadas de dextrina resistente.
Fibras não prebióticas

Por fim, algumas fibras não são consideradas prebióticos, seja pela digestibilidade nula ou baixa, ou pela escassez de evidências científicas . São elas:
  • Amido resistente tipo 1 e 5: grãos e sementes fisicamente inacessíveis, amidos lipídicos modificados.
  • Celulose: presente em alimentos do reino vegetal.
  • Lignana: camada externa de grãos e cereais.
  • Ceras: secretadas por insetos ou plantas.
  • Quitinas: parede celular de fungos e exoesqueletos de crustáceos.
Mensagem final

Todas as fibras trazem benefícios para a saúde. Entretanto, nem todas podem ser consideradas prebióticas, pois a ação na microbiota intestinal não está presente em todas elas.

De modo geral, as fibras prebióticas são principalmente FOS, GOS, frutanos, fibra solúvel de milho (amido de milho resistente) e inulina. Por isso, o consumo de alimentos contendo estes nutrientes deve ser incentivado por profissionais de saúde. Para obter seus efeitos, a dose de ingestão pode variar de 2 a 20 g/dia.

Mais estudos sobre os efeitos prebióticos das fibras são necessários, para consagrar os efeitos das fibras potencialmente prebióticas.

Referências:

  • CARLSON, Justin L. et al. Health effects and sources of prebiotic dietary fiber. Current developments in nutrition, v. 2, n. 3, p. nzy005, 2018.
  • Defining prebiotics: where do we stand now? Tate & Lyle, 2021.
  • HOLSCHER, Hannah D. Dietary fiber and prebiotics and the gastrointestinal microbiota. Gut microbes, v. 8, n. 2, p. 172-184, 2017.
  • REZENDE, Esther Santana Vaz; LIMA, Glaucia Carielo; NAVES, Maria Margareth Veloso. Dietary fibers as beneficial microbiota modulators: A proposed classification by prebiotic categories. Nutrition, v. 89, p. 111217, 2021.
  • Soluble Corn Fibre: Scientific Research and Health Benefits.


quinta-feira, 8 de junho de 2023

Funcho e erva-doce são a mesma coisa?

Se você gosta de chás e estuda fitoterapia, é provável que você já tenha confundido o funcho com a erva-doce em algum momento! Também conhecida como funcho-doce, essa herbácea é considerada uma erva medicinal. 

Mas antes de explicar, sugiro que você me siga no instagram: @drfredericolobo para mais informações de qualidade em Nutrologia e Medicina. Lá, posto principalmente nos stories, informação de qualidade e no feed, junto com meus afilhados postamos sobre vários temas.

A espécie Foeniculum vulgare é muito bem aproveitada por aqueles que a consomem, seja na culinária ou como bebida. Nativo da Europa e do Norte da África, o funcho é uma planta silvestre disseminada em larga escala no Mediterrâneo, mas também pelo mundo afora. A herbácea é extremamente aromática e muito bem aproveitada pela indústria farmacêutica e de cosméticos. Dela é possível extrair o óleo essencial de funcho, que tem efeito relaxante. Porém, além disso, a planta também é considerada um ótimo ingrediente para preparos culinários e receitas medicinais.

Mas qual a diferença entre funcho e erva-doce?

Apesar de ser muito confundido com a erva-doce (Pimpinella anisum), o funcho-doce possui aspectos que o diferencia fortemente da outra espécie. Ambas têm o talo e as folhas consumidas em receitas e apresentam sabor semelhante, mas possuem propriedades variantes. 




A Foeniculum vulgare se destaca pelas flores amarelas e rendadas, diferentemente da erva-doce, que tem flores brancas. Os motivos para consumir o chá de erva-doce são bem específicos, assim como no caso do chá de funcho.

Funcho: flores amarelas

Erva-doce


Planta medicinal melhora digestão e reduz gases

O funcho tem algumas propriedades medicinais para a saúde digestiva. O alimento conta com diversos nutrientes em sua composição, como fibras alimentares, vitaminas do tipo A, C e do complexo B, além de sais minerais como cálcio, ferro, fósforo, potássio, sódio e zinco. Todos em quantidades muito pequenas. O funcho tem ações expectorantes e pode ajudar em sintomas gastrintestinais.

O consumo da planta medicinal é muito indicado para pessoas que sofrem com flatulências e dores abdominais constantes. Além disso, a erva apresenta efeitos positivos para o tratamento de outros tipos de problemas relacionados ao sistema digestivo, facilitando o processo de digestão - mesmo em casos de comidas mais pesadas - e a absorção dos nutrientes. O funcho também ajuda na redução do mau hálito.

Saiba para que serve chá de funcho e como fazê-lo

O chá de funcho é uma boa opção para pessoas de qualquer idade que estejam sofrendo de problemas digestivos ou intestinais (mas antes passe em consulta médica). A bebida é bem simples de ser preparada. Para fazer o chá, você deve utilizar 1 colher de sementes de funcho ou as folhas da planta trituradas. Coloque-as em uma xícara de água fervente, tampe e espere de 12 a 15 minutos para a infusão ser concluída e a bebida fique morna. Depois, coe para retirar os resíduos do alimento. Por fim, é só beber!

Abaixo algumas receitas que você pode fazer com a erva-doce.











domingo, 28 de maio de 2023

Dietas vegetarianas são seguras durante a gravidez?

 A gestação é um período único e especial tanto para a família quanto para o bebê. Durante os famosos 1000 dias, que contemplam os nove meses de gestação e os dois primeiros anos de vida da criança, ocorrem importantes eventos de desenvolvimento e programação metabólica.

Nesse sentido, os cuidados nutricionais desempenham um papel crucial em cada etapa, inclusive no preparo da gestação (idealmente iniciada cerca de três meses antes).

A opção pela alimentação vegetariana é uma escolha pessoal da gestante, e essa decisão deve ser respeitada pelos nutricionistas e/ou profissionais que a acompanham. É fundamental ressaltar que, apesar da exclusão de carnes da dieta, as recomendações nutricionais básicas não se alteram.

“Com planejamento e orientação adequados, a alimentação vegetariana pode ser considerada segura e saudável durante a gestação e lactação, seguindo os mesmos protocolos de suplementação necessária nesses ciclos da vida” (Parecer Técnico de Alimentação Vegetariana do CFN, n. 9/2022).

Acompanhando a gestante

Alguns aspectos nutricionais importantes nesta fase e no acompanhamento da gestante vegetariana e vegana são:
  • Grupos alimentares: Durante a gestação, é fundamental fornecer orientações nutricionais adequadas para garantir a variedade e o aporte nutricional necessário para a gestante., levando em consideração os acréscimos calóricos recomendados em cada trimestre da gravidez.
  • Proteínas: As proteínas desempenham um papel crucial no suporte ao crescimento e desenvolvimento adequado do feto. As recomendações variam de acordo com diferentes orientações:
  • RDA: de 1,1-1,2g/kg/dia, podendo chegar a 1,5g/kg/peso por dia no terceiro trimestre, quando as necessidades são aumentadas.
  • IOM: 71g por dia durante toda a gestação e lactação.
  • É importante destacar que essas recomendações podem ser facilmente atingidas por meio de uma alimentação adequada, especialmente ao garantir o consumo de leguminosas pelo menos duas vezes ao dia e em quantidade suficiente. O acompanhamento individualizado do nutricionista permite ajustes personalizados para atender às necessidades específicas de cada gestante.
  • Ferro: A recomendação de ingestão de ferro passa para 27mg/dia na gestação. A suplementação de ferro é recomendada para todas as gestantes, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Geralmente inicia-se no segundo trimestre da gestação.
  • Ômega-3: A suplementação de ômega 3 é amplamente recomendada para gestantes e lactantes, fornecendo nutrientes essenciais para o desenvolvimento adequado do feto e para a saúde materna. No caso de gestantes vegetarianas, a prescrição desse suplemento é geralmente feita na forma de DHA, derivado de microalgas, e as recomendações variam entre 100 a 300mg por dia durante esse período.
  • Vitamina B12: A vitamina B12 desempenha um papel essencial em diversos processos fisiológicos, desde a implantação e embriogênese até a formação de células vermelhas e o desenvolvimento neurológico do bebê. Sua suplementação é necessária para todas as gestantes vegetarianas e veganas, e idealmente deve ser iniciada antes da concepção, durante o período de preparação para a gestação. Na fase de amamentação, a suplementação também tem sua importância, para garantir boas fontes da vitamina no leite materno. Embora o acompanhamento seja importante em gestantes vegetarianas e veganas, a deficiência de vitamina B12 pode acometer tanto indivíduos vegetarianos quanto onívoros, ou seja, trata-se de um nutriente fundamental para todas as gestantes, independentemente de sua escolha alimentar.
A gestação vegetariana é segura?

Estudo conduzido por Piscollato et al. (2015) revelou resultados promissores sobre a gestação vegetariana e vegana. Segundo a pesquisa, gestantes que adotaram esse padrão alimentar, apresentaram um ganho de peso adequado e um menor risco de complicações, como pré-eclâmpsia e diabetes gestacional. Além disso, observou-se uma redução nas taxas de cesárea entre as gestantes vegetarianas.

A Academy of Nutrition and Dietetics (AND) também reconhece a segurança nutricional da gestação vegetariana e enfatiza a importância da suplementação de vitamina B12, ferro e vitamina D, além de recomendar o consumo de alimentos vegetais ricos em cálcio ou enriquecidos com esse mineral.

Considerações

Com base nas evidências apresentadas, fica claro que a gestação vegetariana pode ser uma escolha segura e saudável desde que seja acompanhada de uma dieta equilibrada e orientação adequada. No entanto, é fundamental ressaltar a importância do suporte nutricional e do acompanhamento médico durante toda a gestação para fornecer todos os nutrientes necessários, tanto para a mãe quanto para o desenvolvimento adequado do feto. Com os cuidados nutricionais e médicos apropriados, é possível desfrutar de uma gestação vegetariana saudável e segura.

Conselho Federal de Nutricionistas. Parecer Técnico n. 9/2022: Alimentação Vegetariana na atuação do nutricionista. 30 set, 2022.

NAVOLAR. T.S. (Org.). Nutrição vegetariana e plant-based diet. São Paulo, 2022. 496p.

Baroni L, Rizzo G, Goggi S, Giampieri F, Battino M. Vegetarian diets during pregnancy: effects on the mother’s health. A systematic review. Food Funct. 2021;12(2):466–93.

Melina V, Craig W, Levin S. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: Vegetarian Diets. J Acad Nutr Diet. 2015;115(5):801–10.

Pistollato F, Cano SS, Elio I, Vergara MM, Giampieri F, Battino M. Plant-Based and Plant-Rich Diet Patterns during Gestation: Beneficial Effects and Possible Shortcomings. Adv Nutr. 2015;6(5):581–91.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

10/05 - Dia mundial do Lúpus

 

O Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e de natureza autoimune, caracterizada pela presença de diversos autoanticorpos.  Além dos aspectos específicos relacionados ao tratamento medicamentoso, algumas medidas de suporte, como orientação sobre a doença, apoio psicossocial, atividade física e, de forma particular, a abordagem dietética, são essenciais para um atendimento integral dos pacientes com LES.

Tenho uma forte história com o  LES. Não possuo mas convivi boa parte da minha vida com pacientes portadoras. Amigas, tias, primas, além do fato do meu pai ser reumatologista e ter sido o responsável por diagnosticar minha melhor amiga, durante a faculdade. 

De fato, a dieta pode auxiliar no controle do quadro inflamatório da doença e das complicações da própria terapêutica. Tendo em vista que o risco cardiovascular parece ser aumentado em pacientes com LES devido à maior frequência de condições associadas à aterosclerose, como dislipidemia, diabetes mellitus (DM), síndrome metabólica (SM) e obesidade, a orientação dietética surge como um importante meio para minimizar essas complicações da doença.

A autoimunidade e o processo inflamatório do LES estão diretamente relacionados a alterações do perfil lipídico e ao metabolismo de lipoproteínas na doença. O padrão de dislipoproteinemia, próprio do LES, é caracterizado por maiores níveis de triglicerídeos (TG) e de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) associado a menores níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL).

Pacientes tanto com doença ativa quanto inativa apresentam essas alterações lipídicas, mas elas são agravadas pela maior atividade inflamatória da doença, o que demonstra que o LES, por si só, promove um perfil de lipoproteínas pró-aterogênico. Uma redução da atividade enzimática da lipase lipoprotéica é responsável por determinar uma dislipoproteinemia própria da doença, pois esta promove menor catabolismo de lipoproteínas ricas em TG (quilomícrons e VLDL) devido à presença de anticorpos antilipase lipoprotéica (anti-LPL) ou por ação do fator-α de necrose tumoral (TNF-α).

Vários medicamentos utilizados no LES promovem alterações deletérias no perfil lipídico previamente alterado pela própria doença, com importância particular para o efeito dos corticosteroides. Seu uso crônico no LES está associado ao aumento do colesterol total e de suas frações e dos TG, que pode ser observado após um período de 1-2 meses de uso.

Sabe-se ainda que para cada aumento de 10 mg/dia na dose de prednisona observa-se uma elevação de 7,5 mg% do colesterol total. Além disso, os corticosteroides induzem o aparecimento de outros fatores de risco, como obesidade, hipertensão arterial sistêmica (HAS), hiperinsulinemia e resistência insulínica.

A hiperinsulinemia aumenta o estresse oxidativo, que é considerado um importante mecanismo fisiopatológico para o desenvolvimento da aterosclerose. Alguns estudos revelam que o DM é significativamente mais comum em pacientes com LES que na população em geral, devido à redução da sensibilidade à insulina, e que aproximadamente 18%-38% dos pacientes apresentam SM.

Importante notar que mais da metade dos pacientes com LES apresentam três ou mais fatores de risco para doença cardiovascular, particularmente obesidade, HAS e dislipidemias, sugerindo que são realmente mais suscetíveis à SM.

Uma avaliação brasileira do estado nutricional com 170 pacientes com LES verificou prevalência de magreza grau I de 1,2% e de excesso de peso de 64,2% (35,9% de sobrepeso; 21,8% de obesidade grau I; 4,1% de obesidade grau II; 2,4% de obesidade grau III).

A eutrofia, segundo o Índice de Massa Corporal (IMC), foi verificada em apenas 34,7% dos pacientes avaliados, e conclui-se que o excesso de peso é um distúrbio frequente durante o seguimento de pacientes com LES. Nesse sentido, é de suma importância estabelecer estratégias, como programas de incentivo à prática de atividade física para redução do peso corporal e aconselhamento nutricional a fim de reduzir os riscos da síndrome.

Acrescenta-se o fato de que a dieta hiperlipídica (rica em colesterol e gordura saturada) é um dos principais fatores para a manutenção da dislipidemia na doença, fazendo perpetuar e agravar as alterações do perfil lipídico.

Em contrapartida, nutrientes antioxidantes como β-caroteno, α-tocoferol, ácido ascórbico e selênio são conhecidos como protetores contra danos tissulares por meio da ativação de macrófagos, monócitos e granulócitos, assim como pela supressão da atividade das citocinas e do TNF-α.

Uma promissora forma de abordagem do LES é a nutroterapia combinada com tratamento reumatológico. Na nutroterapia indicamos uma alimentação rica em vitaminas, minerais (principalmente os antioxidantes) e ácidos graxos mono/poli-insaturados e moderado consumo energético.

O objetivo principal da Nutroterapia visa:

Redução dos marcadores inflamatórios;
Auxílio no tratamento das comorbidades e das reações adversas aos medicamentos (a corticoterapia reduz algumas vitaminas), bem como a alguns imunosupressores.
Carne vermelha x branca: Algumas lúpicas relatam melhora com a troca da carne vermelha pela branca. Vale ressaltar que não há respaldo cientifico para tal troca e como o teor de ferro em carne branca é menor e muitas das portadores de LES possuem baixos níveis de ferro com anemia, tal troca pode ser prejudicial. Se optar continuar com a carne vermelha: evite carnes gorduras, retire a gordura ao máximo, pois ela tem ação pro-inflamatória.  Evite totalmente a gordura trans.

Fontes de cálcio: os corticóides podem favorecer osteoporose e, portanto, um bom aporte de cálcio e de vitamina D é desejável. Os alimentos ricos em cálcio são: leite desnatado, queijo, iogurte, folhas verdes escuras (como espinafre e brócolis).

L-canavanina: A alfafa é um alimento que as lúpicas devem evitar, pois esses brotos contêm um aminoácido chamado L-canavanina, que pode aumentar os sintomas de lúpus, de acordo com a Lupus Foundation of America. Pessoas que comeram alfafa reagiram com dor muscular e fadiga, e seus médicos notaram mudanças em seus resultados de teste de sangue.

Evite Legumes da Família da Solanáceas: Embora não haja qualquer evidência científica para provar isso, algumas pessoas com lúpus acham que são sensíveis aos vegetais da família da solanáceas. Isso inclui batatas brancas, tomates, pimentas doces e ardidas, e berinjela.

Cuidado com o álcool: Um copo de vinho tinto ou cerveja ocasional não é restrito. No entanto, o álcool pode interagir com alguns dos medicamentos que você toma para controlar a sua doença. Beber enquanto tomar remédios como o ibuprofeno (Motrin) ou naproxeno (Naprosyn), por exemplo, pode aumentar o risco de sangramento no estômago ou úlceras. O álcool também pode reduzir a eficácia da varfarina (Coumadin) e metotrexato.

Evite Sal: Deixe o saleiro de lado e comece a encomendar suas refeições sem o sódio em restaurantes. De acordo com o Lupus Centro Johns Hopkins, comer muito sal pode elevar a pressão arterial e aumentar o risco de doença cardíaca. O Lupus já o coloca em maior risco de desenvolver doenças cardíacas. Substitua outros temperos como limão, alho, pimenta e curry em pó para realçar o sabor dos alimentos.

Fontes:

quarta-feira, 26 de abril de 2023

26 de Abril - Dia Mundial de combate à Hipertensão arterial sistêmica


Comemoramos no dia 26 de Abril o Dia Mundial de Combate à Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS). De acordo com a Organização Mundial de saúde (OMS), a HAS é o principal fator de risco de doenças cardiovasculares. Por ser uma doença silenciosa, grande parte dos pacientes não sabe que possuem.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Hipertensão, uma em cada 4 pessoas adultas tem HAS. Assim, estima-se que a doença atinja, no mínimo, 25% da população brasileira adulta, chegando a mais de 50% após os 60 anos.

Ela é a responsável por 40% dos infartos, 80% dos derrames e 25% dos casos de insuficiência renal terminal. As graves consequências da HAS podem ser evitadas, desde que os hipertensos conheçam sua condição e mantenham-se em tratamento com adequado controle da pressão.

O que pode auxiliar na prevenção ou redução da HAS:

1) Aferir a pressão pelo menos uma vez por ano. Se tem fatores de risco como diabetes, obesidade, tabagismo, recomenda-se aferir com mais frequência. 

2) Praticar atividades físicas regularmente e se possível ir aumentando a intensidade gradativamente.

3) Manter o peso ideal, já que a obesidade é um dos fatores de risco para a HAS. Se está acima do peso, a recomendação é o emagrecimento. 

4) Adotar a dieta DASH caso tenha história familiar de HAS.

5) Evitar o consumo regular de álcool.

6) Cessar o tabagismo

7) Procurar estratégias para manejo do estresse e ansiedade. Psicoterapia é importante e/ou consulta com médico psiquiatra.

Dietary Approaches to Stop Hypertension (DASH) é um padrão alimentar que incentiva o consumo de certos alimentos e exerce um importante impacto na redução da pressão arterial. Ajuda a controlar o colesterol e sua grande vantagem é que não exclui nenhum grupo alimentar.

Estudos mostram que a adesão a esse estilo alimentar reduz em 14% o desenvolvimento de hipertensão, funcionando positivamente na prevenção de doença cardiovascular. A dieta DASH é rica em fibras e nos minerais potássio, cálcio e magnésio, e esses micronutrientes trazem benefícios sobre a pressão arterial. Orientações da DASH:

1- Escolher alimentos que possuam pouca gordura saturada, colesterol e gordura total. Por exemplo, carne magra, aves e peixes, utilizando-os em pequena quantidade.

2- Comer muitas frutas e hortaliças, aproximadamente de oito a dez porções por dia (uma porção é igual a uma concha média). 3- Incluir duas ou três porções de laticínios desnatados ou semidesnatados por dia.

4- Preferir os alimentos integrais, como pães, cereais e massas integrais ou de trigo integral.

5- Comer oleaginosas (castanhas), sementes e grãos, de quatro a cinco porções por semana (uma porção é igual a ⅓ de xícara ou 40 gramas de castanhas, duas colheres de sopa ou 14 gramas de sementes, ou ½ xícara de feijões ou ervilhas cozidas e secas).

6- Reduzir as gorduras saturadas . Utilizar óleos vegetais insaturados (como azeite, soja, milho).

7- Evitar o sal. Evitar também molhos e caldos prontos, além de produtos industrializados.

8- Diminuir ou evitar o consumo de doces e bebidas com açúcar.

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 / CRM-SC 32949 - RQE 22416
Revisores: 
Rodrigo Lamonier - Nutricionista e Profissional da Educação física
Márcio José de Souza - Profissional de Educação física e Graduando em Nutrição.
Dra. Edite Melo Magalhães - Médica especialista em Clínica médica - CRM-PE 23994 - RQE 9351 

terça-feira, 25 de abril de 2023

Menopausa: Estratégias nutricionais contribuem para reduzir sintomas

 A menopausa é o termo utilizado para definir o término permanente dos ciclos menstruais, após a perda da atividade folicular ovariana. Geralmente, inicia-se entre os 45 aos 55 anos, e é caracterizada por diversos sintomas que podem afetar o dia-a-dia das mulheres de meia-idade.

Como forma de tratamento, a terapia de reposição hormonal (TRH) pode ajudar a controlar os sintomas, mas nem toda mulher opta por esse caminho. Como alternativa, algumas estratégias nutricionais são eficazes para reduzir os problemas causados pela menopausa. Continue lendo para conhecê-las.

O que acontece com o corpo quando entra na menopausa?

A menopausa está associada a diversas alterações no corpo feminino, como aumento da obesidade, doenças cardiovasculares e osteoporose. E por que isso acontece? Basicamente, por conta da diminuição dos hormônios sexuais, estrogênio e progesterona.

Em primeiro lugar, a redução dos níveis de estrógeno diminui a massa magra e aumenta a massa gorda. Assim, mais gordura passa a se acumular nos depósitos centrais, e ocorre um aumento do IMC e da adiposidade central.

A privação do estrogênio também provoca aumento do tônus vascular e prejudica a vasodilatação, aumentando a pressão arterial. Além disso, a sensibilidade ao sódio aumenta durante a transição para a menopausa, levando à retenção de líquidos. Esses mecanismos contribuem para um maior risco cardiovascular.

Por fim, o declínio dos hormônios reprodutivos também diminui a densidade mineral óssea, fator de risco para o desenvolvimento da osteoporose.

Quais são os sintomas da menopausa?

A partir do climatério (período que antecede a menopausa), muitos sinais podem começar a aparecer. Eles podem durar ou vários anos, sendo que a quantidade e a intensidade varia de mulher para mulher.

Em suma, os principais sinais e sintomas da menopausa são:
  • Menstruação irregular e/ou abundante;
  • Ganho de peso;
  • Ondas de calor;
  • Suor noturno;
  • Irritabilidade/mau humor;
  • Falta de concentração e memória prejudicada;
  • Aumento da pressão arterial;
  • Alterações no perfil lipídico (aumento no LDL-colesterol e triglicerídeos, diminuição do HDL-colesterol);
  • Dor de cabeça;
  • Dores nas articulações;
  • Dificuldade para dormir;
  • Baixa libido;
  • Secura vaginal;
  • Relação sexual dolorosa.
Como a alimentação pode ajudar na menopausa?

Uma dieta saudável pode ajudar a reduzir a gravidade dos sintomas da menopausa. Além disso, também protege contra problemas de saúde associados a esta fase.

Assim, algumas estratégias nutricionais são defendidas pela ciência como forma de contrabalancear os efeitos negativos do declínio dos hormônios sexuais. Veja a seguir.

Fitoestrógenos: Os fitoestrogênios são muito semelhantes ao estrogênio humano. Se ingeridos regularmente e em quantidades suficientes, eles podem começar a ter efeitos levemente semelhantes ao estrogênio – o que é útil quando os níveis de estrogênio diminuem. Além disso, também são benéficos para o coração.

As fontes de fitoestrógenos (isoflavonas ou lignanas) incluem:
  • Soja;
  • Tofu;
  • Linhaça;
  • Edamame;
  • Vagem;
  • Lentilha;
  • Grão-de-bico.
Para que os benefícios dos fitoestrógenos sejam notados, pode levar de dois a três meses. É mais interessante consumi-los várias vezes ao dia, do que em uma única grande dose.

Dieta mediterrânea: Na menopausa, a adoção de um padrão de dieta mediterrânea pode trazer inúmeros benefícios. Por atuar diretamente nos fatores de risco para o catabolismo muscular (estresse oxidativo, inflamação e resistência à insulina), os componentes da dieta mediterrânea têm sido associados a melhores medidas musculares em mulheres na pós-menopausa. De fato, em um estudo transversal com 176 mulheres na perimenopausa, a maior adesão à dieta mediterrânea foi associada à menor gordura corporal. Além disso, essa padrão dietético também está positivamente associado à densidade mineral óssea em mulheres pós-menopausa. Estes benefícios podem ser resultado do alto conteúdo de carotenóides, vitamina K e vitamina C.

Por fim, a dieta mediterrânea também reduz os riscos cardiovasculares, com diminuição na pressão arterial e nos níveis de colesterol. Apesar disso, mais evidências são necessárias.

Dieta cardioprotetora: Como visto anteriormente, a menopausa aumenta o risco de problemas cardiovasculares. Sendo assim, uma boa estratégia é adotar um padrão alimentar cardioprotetor, constituído por padrões alimentares que protegem a saúde do coração.

Para adotar uma dieta cardioprotetora, é importante:
  • Preferir gordura insaturada ao invés de saturada. Reduzir o consumo de carne vermelha, preferir laticínios baixos em gorduras, evitar frituras, etc.
  • Fazer dos grãos integrais a principal fonte de carboidrato. A American Heart Association (AHA) sugere 3 ou mais porções/dia de grãos como feijões, lentilha, aveia, arroz e pão integral.
  • Incluir frutas e vegetais diariamente. Esses alimentos fornecem vitaminas, minerais, fibra e antioxidantes que protegem o coração. A recomendação é de 5 porções/dia.
  • Consumir ômega-3. Há evidências substanciais de que fontes de ômega-3, como peixes oleosos e nozes, diminuem os riscos cardiovasculares.
Restrição calórica: Durante a transição para a menopausa, há uma tendência de ganho de peso e aumento da adiposidade central. Sendo assim, mulheres com sobrepeso ou obesidade podem se beneficiar de dietas com restrição calórica, de modo a prevenir alterações metabólicas e doenças associadas ao peso. A melhor dieta para perda de peso ainda é discutível. No entanto, autoridades em nutrição como a Obesity Society recomendam um déficit calórico de 500 a 750 kcal/dia, resultando em uma perda de peso de 0.5 a 0.75 kg/semana.

Junto à restrição calórica, a atividade física também é muito importante, especialmente para construir/preservar a massa muscular.

Cálcio e vitamina D: Com vistas a preservar a densidade mineral óssea e prevenir a osteoporose, a ingestão adequada de cálcio e vitamina D é essencial. A North American Menopause Society recomenda a ingestão de 1000 a 15000 mg/dia de cálcio para mulheres na pós-menopausa. Para isso, indica-se a ingestão de laticínios, sardinha, salmão, vegetais de folhas verdes, etc. Já em relação à vitamina D, a exposição diária ao sol garante a produção deste nutriente. Entretanto, em alguns casos a suplementação pode ser necessária, na ordem de 400 a 800 UI/dia.

Proteínas: O envelhecimento aumenta as necessidades de proteína dietética, porque os músculos esqueléticos reduzem sua capacidade de ativar a síntese proteica. De fato, alguns estudos indicam que uma maior ingestão proteica (1.6 g/kg/dia) está associada a uma maior massa magra em mulheres na pós-menopausa. Entretanto, os resultados são controversos; ao que parece, a dose diária recomendada (0.8 g/kg/peso) é suficiente para manter a massa magra em mulheres mais velhas.

Quais alimentos evitar na menopausa?

Enquanto alguns alimentos ajudam nos sintomas da menopausa, outros podem piorá-los. A cafeína e o álcool, por exemplo, exacerbam as ondas de calor e os suores noturnos. Junto com as comidas picantes, esses alimentos também podem ser gatilhos para as mudanças de humor. Além disso, o álcool também é fator de risco para osteoporose.

Ademais, uma má alimentação favorece o desenvolvimento dos problemas de saúde comuns na menopausa. Por isso, é recomendado evitar ou diminuir:
  • Alimento ultraprocessados;
  • Frituras;
  • Carnes vermelhas e processadas;
  • Ingestão de sal (não deve ser superior a 5 g/dia);
  • Carboidratos refinados e alimentos açucarados.

Em resumo: Alguns alimentos, nutrientes ou padrões alimentares são benéficos para a menopausa, sendo eles: fitoestrógenos, cálcio, vitamina D, ingestão proteica adequada, dieta mediterrânea e alimentação cardioprotetora. A manutenção do peso ideal também é importante para as mulheres mais velhas.

Junto às mudanças na dieta, outras alterações de estilo de vida também são bem-vindas, como a atividade física regular e cessar o tabagismo.

Referências:
BDA The Assocciation of UK Dietetics. Menopause and diet: Food Fact Sheet.
FLOR-ALEMANY, M. et al. Mediterranean diet, tobacco consumption and body composition during perimenopause. The FLAMENCO project. Maturitas, v. 137, p. 30-36, 2020.
NSH Cambridge University Hospitals. Menopause: A healthy lifestyle guide.
SILVA, Thais R. et al. Nutrition in menopausal women: a narrative review. Nutrients, v. 13, n. 7, p. 2149, 2021.

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Doença Inflamatória Intestinal – Diretrizes ESPEN sobre o cuidado nutricional

A doença inflamatória intestinal (DII) é classificada como distúrbio inflamatório crônico do trato digestivo. O termo engloba dois ramos da ciência médica: doença de Crohn (DC) e a colite ulcerativa (CU).

Tratamento Nutricional Doença Inflamatória Intestinal

Acerca deste tema, visando uma melhoria e extensão da diretriz científica ESPEN, foi elaborada a atualização com novas recomendações, inclusão de capítulo sobre modulação da microbiota como nova opção no tratamento da DII, abordagem dos aspectos gerais do cuidado em pacientes com DII e aspectos específicos durante a doença ativa e em remissão.

Prevenção da DII

Para prevenção da DII, a diretriz propõe recomendações dietéticas específicas. Uma dieta rica em frutas e vegetais, ácidos graxos n-3 e pobre em ácidos graxos n-6 está associada a um risco reduzido de desenvolver DII. Enquanto o consumo de alimentos ultraprocessados e emulsificantes dietéticos podem estar associados a um risco aumentado de DII e neste caso recomenda-se a exclusão.

O aleitamento materno também se mostrou eficiente na redução do risco de DII.

Aspectos gerais da nutrição na DII

Pacientes com DII são considerados em classe de risco, portanto, necessitam de monitoramento regular, principalmente no que diz respeito à desnutrição.

A desnutrição é uma deficiência nutricional que pode acometer pacientes tanto na colite ulcerativa como na doença de Crohn, embora com maior prevalência na DC, devido à capacidade de afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, enquanto na CU é restrita ao cólon e tem poucos efeitos diretos de má absorção.

O monitoramento para pacientes com DII é fundamental no momento do diagnóstico e depois, de forma regular, estando relacionada com a atividade, duração, extensão da doença e principalmente, a magnitude da resposta inflamatória que impulsiona o catabolismo.

O tratamento da desnutrição diagnosticada deve ser iniciado imediatamente, evitando uma piora no prognóstico, complicações, mortalidade e promovendo a qualidade de vida.

O papel dos profissionais de saúde

Buscando uma evolução na terapia nutricional e evitando episódios de desnutrição nos pacientes, a equipe multidisciplinar deve se preocupar em prestar suporte, aconselhando-os individualmente, bem como contribuindo na triagem nutricional e manejo dietético.

Necessidades energéticas

Em geral, as recomendações de necessidades energéticas totais dos pacientes com DII são semelhantes às da população saudável, ou seja, de 30 a 35 kcal/kg/dia.

Em alguns casos, dependendo do estado da doença, existe uma demanda de necessidades energéticas específicas, sendo necessário a determinação com base na calorimetria indireta e fator de atividade física individual.

  • Macronutrientes: a diretriz recomenda maior ingestão de proteína na DII ativa, que deve ser de 1,2 e 1,5 g/kg/d em adultos, enquanto na DII em remissão o fornecimento deve ser semelhante em relação à recomendação na população em geral (cerca de 1 g/kg/d em adultos).
  • Micronutrientes: recomenda-se o acompanhamento regular e correção de déficits específicos.
  • Ferro: recomenda-se a suplementação quando detectada anemia por deficiência deste nutriente, podendo ser utilizado como tratamento em pacientes com doença clinicamente inativa (tolerantes ao ferro oral) ou ativa (com intolerância ao ferro oral, hemoglobina abaixo de 100g/L ou que precisem de estimuladores de eritropoiese).
Recomendações dietéticas na doença ativa

De uma forma geral, a diretriz não discrimina recomendações de dietas específicas para remissão de pacientes com DII, entretanto o acompanhamento nutricional pode avaliar má absorção ou má digestão em casos isolados:

  • Pacientes com doença de Crohn: apresentando estenoses intestinais e sintomas obstrutivos, recomenda-se uma dieta com textura adaptada ou nutrição exclusiva via enteral (finalizado distalmente à obstrução).
  • Pacientes com DII (adultos e crianças): sob tratamento com corticosteroides ou suspeita de hipovitaminose D, recomenda-se monitoramento do nível sérico de 25(OH) vitamina D e, em alguns casos, a suplementação de cálcio, prevenindo baixa densidade mineral óssea. Já em pacientes que apresentem hiperoxalúria, recomenda-se monitoramento devido à má absorção de gordura.
Terapia nutricional em DII ativa

A indicação de terapia nutricional engloba algumas etapas, sendo a suplementação nutricional oral a primeira delas, garantindo um suporte à alimentação normal.

Embora seja o meio mais recomendado, alguns pacientes não de adaptam somente com a alimentação oral, recomendando-se a nutrição enteral ou nutrição parenteral, em último caso ou em casos específicos, como: obstrução ou falha intestinal ou complicações (vazamento de anastomose ou fístula intestinal de alto débito).

A administração da NE em DII deve ser feita através de sondas nasais ou acesso percutâneo, sendo preferencialmente administrada por bomba de alimentação enteral.

Como terapia nutricional primária e de suporte em DII ativa, recomenda-se dieta polimérica com teor moderado de gordura (NE padrão).

A diretriz aponta uma eficácia da nutrição enteral exclusiva, podendo ser recomendada no tratamento de remissão em crianças e adolescentes com doença de Crohn ativa leve, evitando-se apenas em casos de colite ulcerativa em adultos ou crianças.

Pacientes que apresentem diarreia grave devem ser monitorados em relação à débito de fluidos e sódio urinário e em casos de estomas contínuos de alto débito, podem ser necessárias infusões parenterais (fluidos e eletrólitos).

Em pacientes com DII, todo esforço deve ser feito para evitar a desidratação:
  • Pacientes com DC e com fístula distal e baixo débito: geralmente podem receber todo o suporte de NE, já em pacientes com DII com déficits nutricionais, devem ser implementadas intervenções para prevenir a síndrome de realimentação (de fosfato e tiamina principalmente).
  • Pacientes com CU grave: a NE pode ser recomendada como terapia de suporte, em contrapartida, deve-se evitar a NP (a menos que o paciente não possa ser alimentado de outra forma).

Aspectos cirúrgicos da nutrição na DII

Fase pré-operatório: Recomenda-se avaliar o estado nutricional e realizar intervenções dietéticas em pacientes com desnutrição ou com risco nutricional, enquanto pacientes submetidos à cirurgia eletiva, podem ser tratados seguindo o protocolo de recuperação aprimorada (ERAS). Recomenda-se ainda a exclusão do jejum pré-operatório a partir da meia-noite.

Fase perioperatório: Em pacientes cirúrgicos que apresentem desnutrição no momento da cirurgia ou que não estiverem aptos a reiniciar a dieta oral adequadamente dentro de sete dias no pós-operatório., deve-se iniciar a administração da terapia nutricional médica imediatamente, recomendando ainda:

  • A suplementação nutricional oral: quando impossibilitados de ingerir suas necessidades energéticas/proteicas apenas com alimentação normal.
  • A combinação de NE e NP: quando impossibilitados de atender a <50% das necessidades de energia/nutrientes somente com ingestão oral e enteral por mais de sete dias.
  • Lembrando que diagnosticada a desnutrição perioperatória, a cirurgia deve ser adiada por 7 a 14 dias, recomendando-se início imediato da terapia nutricional (suplemento oral, NE ou NP).
  • Pacientes cirúrgicos com doença de Crohn devem obter suporte nutricional precoce, a fim de evitar possíveis riscos de complicações pós-operatórias, e em particular, aqueles que apresentem insuficiência gastrointestinal prolongada, deve-se optar obrigatoriamente à administração da NP.
  • Pacientes com colite ulcerativa devem receber uma estratégia nutricional individualizada, considerando estado nutricional e gravidade da doença.

Fase pós-operatório: A ingestão alimentar normal, suplementação ou nutrição enteral deve ser iniciada logo após a cirurgia, optando pela administração de água e eletrólitos de acordo com as necessidades individuais, garantindo estabilidade hemodinâmica.

Modulação da microbiota

Probióticos: de uma forma geral, os probióticos não devem ser recomendados para tratamento da DC, seja na fase ativa ou para prevenção na fase de remissão e recorrência pós-operatória da doença. Por outro lado, servem como alternativa para pacientes com CU (submetidos à terapia com ácido 5-aminossalicílico) e na prevenção de pouchite.

Prebióticos: a terapia prebiótica não deve ser recomendada para tratamento nas DC e CU, na doença ativa ou manutenção da remissão, não havendo recomendações também na pouchite.

Antibióticos: não há recomendação de administração de antibióticos para o manejo da DC. Porém, são indicados na CU (incluindo doença aguda grave), tanto na fase ativa como na manutenção da remissão, podendo ser utilizados somente como terapia inicial na puchite aguda (ciprofloxacina e metronidazol).

Transplante de microbiota fecal: não há recomendação para transplante de microbiota fecal na DII.
Recomendações dietéticas e outras específicas para a fase de remissão

Nesta fase de remissão, a dieta enteral e parenteral não devem ser consideradas terapias primárias, recomendando-se priorizar padrões alimentares saudáveis, evitando gatilhos nutricionais individuais (neste caso, a dieta deve ser ajustada).

Em geral, a suplementação também não é indicada (principalmente de ácidos graxos n-3), embora casos pontuais exijam a administração de alguns tipos de vitaminas:
  • Vitamina B12: quando há queixa de íleo ressecado ou diagnóstico de deficiência de vitamina B12.
  • Vitamina B9: pacientes tratados com sulfassalazina e metotrexato.
Suplementações ou dieta enteral: para pacientes diagnosticados com desnutrição, impossibilitado de seguir aconselhamento dietético.

A prática de atividade física adaptada (principalmente treinos de resistência) deve ser encorajada em todos os casos, com o objetivo de recuperação da massa muscular e melhora no desempenho.

A diretriz propõe recomendações específicas para pacientes com DII, em alguns casos:
  • Obesidade: monitoramento, sendo recomendado a redução do peso nesta fase de remissão (se estável) e aconselhamento para seguir as diretrizes atuais de obesidade.
  • Gestação: monitoramento do estado de ferro e níveis de vitamina B9 e se diagnosticado a deficiência, deve-se suplementar adicionalmente.
  • Lactação: monitoramento do estado nutricional e suplementação, se necessário.

Referência: BISCHOFF, A. S.; BAGER, B. P.; ESCHER, C. J.; et al. ESPEN guideline on Clinical Nutrition in inflammatory bowel disease. Clinical Nutrition Journal, vol. 42, Mar. 2023

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

28/02 - Dia Mundial das doenças raras


De acordo com Ministério da Saúde, as doenças raras são aquelas que atingem no máximo 65 pessoas a cada 100.000. Existem mais de 6.000 doenças raras descritas, acometendo de 260 a 450 milhões de pessoas no mundo, sendo mais de 13 milhões no Brasil. Assim, quando consideradas em conjunto, doenças raras são mais comuns do que imaginamos.

80% das doenças raras são consideradas genéticas, causadas por alterações em genes ou cromossomos. Triagens neonatais genéticas, como o Teste da Bochechinha, são essenciais para detectar as doenças raras o mais rápido possível, pois os sintomas podem demorar a aparecer e causar danos irreversíveis.

Apesar de não existir cura para a maioria das doenças raras, o acompanhamento médico especializado pode proporcionar mais qualidade de vida ao paciente e o tratamento pode incluir desde acompanhamento multidisciplinar até o uso de medicamentos órfãos.

Entre as diferentes intervenções médicas nas doenças raras, o tratamento nutricional é uma abordagem que pode auxiliar algumas dessas doenças. Para algumas é parte essencial do tratamento, já para outras pode ser coadjuvante ao tratamento medicamentoso/enzimático.

Alguns grupos de doenças raras, como Erros Inatos do Metabolismo, Deficiência do Metabolismo de vitaminas e até algumas doenças gastrointestinais podem se beneficiar da abordagem nutricional via suplementação de vitaminas e minerais ou restrição alimentar. Para saber mais, e antes de iniciar qualquer tratamento, é importante consultar um geneticista e/ou nutrólogo.

O Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 199/2.014, instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprovou as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e instituiu incentivos financeiros de custeio.

Panorama:
  • Há cerca de 7 mil doenças raras descritas, sendo 80% de origem genética e 20% de causas infecciosas, virais ou degenerativas;
  • 13 milhões de brasileiros vivem com essas enfermidades;
  • Para 95% não há tratamento, restando somente os cuidados paliativos e serviços de reabilitação;
  • Estimam-se 5 casos para cada 10 mil pessoas;
  • Para chegar ao diagnóstico, um paciente chega a consultar até 10 médicos diferentes;
  • A maioria é diagnosticada tardiamente, por volta dos 5 anos de idade;
  • 3% tem tratamento cirúrgico ou medicamentos regulares que atenuam sintomas;
  • 75% ocorrem em crianças e jovens;
  • 2% tem tratamento com medicamentos órfãos (medicamentos que, por razões econômicas, precisam de incentivo para serem desenvolvidos), capazes de interferir na progressão da doença.
Dentre as principais doenças raras nutricionais temos:

1) Erros inatos do metabolismo: São distúrbios de natureza genética que, em geral, correspondem a um defeito em enzima produzido pelo organismo e que causa interrupção de uma via metabólica. Esses erros inatos do metabolismo (EIM) promovem alguma falha de síntese, degradação, armazenamento ou transporte de moléculas no organismo levando a vários problemas para a saúde indivíduos que têm EIM.
  • Amiloidose ATTR hereditária (hATTR)
  • Biotinidase
  • Cistinose
  • Cushing
  • Doença de Pompe
  • Fenilcetonúria
  • Fibrose Cística
  • Displasia Cleidocraniana
  • Doença de Fabry
  • Doença de Gaucher
  • Hiperoxalúrias Primárias (HP)
  • Homocistinúria
  • Imunodeficiências Primárias
  • Mucopolissacaridoses
  • Mucopolissacaridose Tipo I
  • Mucopolissacaridose Tipo II
  • Mucopolissacaridose Tipo III
  • Mucopolissacaridose Tipo IV
  • Mucopolissacaridose Tipo VI
  • Mucopolissacaridose Tipo VII
  • Paramiloidose
  • Porfiria hepática aguda
  • Porfiria eritropoiética congênita
  • Síndrome Cri-Du-Chat
  • Síndrome do X Frágil
  • Tirosinemia tipo 1
Outras doenças raras e que envolvem aspectos nutricionais:
– Doença de Crohn;
– Fibrose cística;
– Insuficiência pancreática exócrina;
– Intolerância hereditária à frutose
– Osteogênese imperfeita;
– Síndrome do intestino curto

Deficiência de Biotinidase

Deficiência de Biotinidase (DB) é um erro inato do metabolismo de herança autossômica recessiva. Na DB, a capacidade de obtenção da vitamina biotina a partir dos alimentos está prejudi cada. Consequentemente, o funcionamento das carboxilases que dependem da biotina como coenzima é afetado. Além disso, a biotina não  pode ser reutilizada a partir das carboxilases quando elas são degradadas (Baumgartner e Suormala, 2000).
Existem duas formas da doença de acordo com a atividade residual da biotinidase: a deficiência total – menos de 10% da média da atividade sérica normal da biotinidase e a deficiência parcial – 10 a 30% da média da
atividade normal. No mundo, estima-se que a incidência da DB seja de 1 para 60 089 recém-nascidos e que as incidências de DB total e parcial sejam semelhantes entre si (Wolf, 1991). O Brasil parece apresentar uma alta frequência da doença embora existam poucos estudos sobre esta frequência e os que existem apresentam resultados ainda discrepantes. Neto et al. (2004) descreve uma incidência no país de 1 para 9000 recém-nascidos enquanto que, no Estado do Paraná, Pinto et al. (1998) relata 1 por cada 62 500 recém-nascidos e, especificamente, no município paranaense de Maringá de 1 para 6843, segundo Luz et al. (2008).
Manifestações neurológicas (hipotonia muscular, letargia, convulsões mioclônicas, ataxia) são os sinais clínicos iniciais mais frequentes. Além disso, sintomas respiratórios (estridor, hiperventilação e apneias) ocorrem com frequência (Baumgartner et al., 1989). Rash cutâneo e alopécia são achados característicos da doença, no entanto, eles podem ocorrer mais tardiamente ou até mesmo não ocorrer em alguns pacientes (Wastell et al., 1988; Wolf et al., 1985; Wolf, 2001). De modo geral, há uma grande variabilidade nas manifestações clínicas e na idade de apresentação dos sintomas (do período neonatal até à adolescência) (Baumgartner et al., 1985; Wolf et al., 1998), o que gera um grande risco de atraso no diagnóstico (Grunewald et al., 2004). Pacientes com diagnóstico tardio podem apresentar retardo.
psicomotor, leucoencefalopatia, perda auditiva e atrofia óptica, que podem ser irreversíveis e, até mesmo, fatais (Ramaekers et al., 1992; Weber et al., 2004; Wolf et al., 2002).
O diagnóstico de DB pode ser realizado a partir da suspeita clínica e confirmado pela medida da atividade da biotinidase no soro (Wolf et al., 1983;
Wastell et al., 1984). A detecção de pacientes ainda assintomáticos pode ser feita por triagem neonatal (teste do pezinho). Nesse caso, a avaliação da atividade enzimática é realizada em cartão de papel filtro impregnado com sangue. Quando o resultado for indicativo de DB, a confirmação é dada pela medida no soro (Heard et al., 1984). É recomendado que o teste seja realizado, ao mesmo tempo, nos pais do paciente e num indivíduo não relacionado, para auxiliar na interpretação e distinguir a verdadeira deficiência, de uma diminuição da atividade devido ao transporte ou manipulação da amostra
(Cowan et al., 2010).
Após a confirmação do diagnóstico, o tratamento deve ser instituído sem demora, inclusive para os assintomáticos, pois os pacientes tornam-se de ficientes em biotina poucos dias após o nascimento (Baumgartner et al., 1985). O tratamento consiste em suplementação oral de biotina livre (disponível em cápsula, comprimido e preparação líquida) ao longo de toda vida. Todos os indivíduos devem ser tratados, independente do grau da deficiência (total ou parcial) (Wolf, 2010).
Invariavelmente, os pacientes tratados com biotina apresentam melhoras, embora os problemas de atrofia óptica, perda auditiva e retardo no desenvolvimento não sejam revertidos completamente. Além disso, as crianças identificadas por triagem neonatal têm os sintomas prevenidos com a terapia
(Wolf, 2010).

Para saber mais
www.deficienciadabiotinidase.com
www.institutocanguru.org.br
http://biotinidasedeficiency.20m.com

Fenilcetonúria

APKU, ou Fenilcetonúria, foi inicialmente descrita em 1934 pelo médico norueguês Asbjorn Fölling. Este foi o primeiro erro inato do metabolismo a ser oficialmente associado à presença de deficiência mental.
A FAL é um aminoácido essencial e indispensável à síntese proteica em tecidos de mamíferos. Apenas uma proporção de sua ingesta normal é usada para a síntese de proteínas. A maior parte é oxidada, primariamente, em tirosina (TIR) e uma porção menor em outros metabólitos, primariamente, o ácido fenilpirúvico. A FAL é convertida em TIR pela enzima fenilalanina hidroxilase (PAH) tendo como cofator a tetraidrobiopterina (BH4). O cofator BH4 é reciclado para a função como um catalisador na enzima de hidroxilação, uma rota que requer a ação da proteína de estimulação da PAH. A reação de hidroxilação da L-Fenilalanina (L-Fal) envolve quantidades eqüimoleculares de L-Fal, BH4 e oxigênio, sendo os produtos tirosina, didrobiopterina quinonóide (qBH2) e água.
A didrobiopterina redutase (DHPR) é a enzima que catalisa a regeneração do BH4. Essa reação é dependente de NADH. A FAL é convertida, por descarboxilação e transaminação, a metabólitos que são livremente excretados. O bloqueio da rota principal de catabolismo da fenilalanina provoca acúmulo desta e de seus metabólitos (fenilpiruvato, fenilactato, fenilacetato) no sangue e demais tecidos.
O diagnóstico clínico da doença é difícil, porque a criança começa a apresentar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, associado ou não à convulsão e outras anormalidades, apenas por volta do 3.° ao 6.° mês de idade. Pela dificuldade do diagnóstico clinico precoce, o diagnóstico laboratorial através da triagemneonatal é de extrema importância. No Brasil, a triagem pode ser feita tanto em laboratórios privados, como no sistema público de saúde.
O teste de triagem neonatal deve ser coletado após as primeiras 48 horas de  vida, ou seja, após o início da alimentação com proteínas. Os resultados alterados devem ser confirmados em uma segunda coleta, através de amostra em papel filtro, soro, sangue total ou urina (de acordo com a metodologia empregada no laboratório especializado). Os casos confirmados devem então ser encaminhados para tratamento e investigações adicionais em serviços de referência.
O diagnóstico é feito pela detecção de altos níveis sanguíneos de FAL, preferencialmente através de métodos quantitativos como a análise fluorimétrica, método enzimático e a espectrometria de massa in tandem.
A hiperfenilalaninemia é definida por níveis plasmáticos de FAL acima de 120μM/l (2mg/dl). Também pode ser definida como a razão fenilalanina/tirosina sangüínea persistentemente maior do que três (a variação normal para concentrações sangüíneas sendo: a de fenilalanina 0,58 a 2 mg/dl ou 35 a 120μM/l e a de tirosina 0,67 a 2,2 mg/dl ou 40 a 130μM/l). Por este motivo, recomenda-se dosagem simultânea de tirosina.
Podemos classificar as hiperfenilalaninemias em Fenilcetonúria clássica ou Hi perfenilalaninemia maligna, Fenilcetonúria leve, persistente benigna, transitória ou materna. Existe ainda a Deficiência de Tetrahidrobiopterina (BH4), determinada pela deficiência do co-fator BH4, necessário para a ativação da PAH. Nestes pacientes observamos deficiência mental grave, convulsões, irritabilidade e sinais do tipo parkinsonismo. Como o co-fator BH4 é também necessário para a conversão da tirosina em dihidroxifenilalanina e de triptofano em 5-hidroxitriptofano, precursores da dopamina, as manifestações clínicas são mais graves do que na Fenilcetonúria clássica, e não são corrigidas apenas pela restrição dietética da fenilalanina.
O tratamento para PKU, inicialmente inexistente, foi determinado em 1953 por um médico alemão na universidade de Birminghan, que introduziu uma terapia dietética com baixos teores de fenilalanina, utilizada até hoje. Na atualidade, vive-se um momento “efervescente” nas pesquisas com PKU, com surgimento de novas alternativas terapêuticas, permitindo elevar a atividade residual da PAH, ou mesmo, ter sua função substituída, alternativas que permitem reduzir a entrada da FAL excessiva no cérebro. Estas possibilidades talvez permitam a liberação de alguns pacientes de sua restrição dietética. Estes avanços servem como pano de fundo para a pesquisa atual e futura, e talvez permitam corrigir os defeitos enzimáticos em PKU. Certamente ainda mais avanços estarão presentes num futuro próximo.
Fenilcetonúria

Para saber mais
portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pcdt_fenilcetonuria.pdf
www.apofen.pt
www.pkuacademy.org

Mucopolissacaridoses

As Mucopolissacaridoses (MPS) são doenças genéticas que fazem parte do grupo dos erros inatos do metabolismo (EIM). São causadas pela deficiência de enzimas lisossômicas especificas, que afetam o catabolismo dos glicosaminoglicanos (GAGs). Os GAGs não degradados acumulam-se nas células de vários órgãos e sistemas, enquanto que o excesso é excretado na urina do paciente afetado. 
Tal acúmulo levará a um quadro multissistêmico e progressivo, com uma série de sinais e sintomas que podem incluir o comprometimento dos ossos e articulações, das vias respiratórias, do sistema cardiovascular e de muitos outros órgãos e tecidos, incluindo, em alguns casos, as funções cognitivas. Características comuns às MPS são o engrossamento progressivo das feições, opacificação de córneas, infecções de vias aéreas de repetição, aumento do fígado e baço, acometimento de válvulas cardíacas, rigidez / anomalias articulares e alterações no crescimento, entre outras. 
Como a maioria dos EIM, as MPS são herdadas em caráter autossômico recessivo, exceto a MPS II (Hunter), com herança ligada ao cromossomo X. A incidência das MPS varia de 1,9 a 4,5 casos em 100 000 nascimentos.
Apesar da primeira descrição em 1917, as bases bioquímicas das MPS só foram elucidadas entre as décadas de 50 e 60. Mais tarde foram identificadas as bases moleculares e os subtipos. 11 defeitos enzimáticos causam sete tipos diferentes de MPS: 
MPS I (Hurler/Scheie), MPS II (Hunter), MPS III-A, III-B, III-C, III-D (Sanfilippo A,B,C,D), MPS IV-A, IV-B (Morquio A,B), MPS VI (Maroteaux-Lamy), MPS VII (Sly) e MPS IX. 
Importante também ressaltar que nem sempre o quadro clinico é idêntico num mesmo tipo de MPS, havendo formas mais graves e mais leves do espectro. A base principal para o diagnóstico é a suspeita clínica, geralmente aventada devido à combinação de vários sinais/sintomas. Diante da suspeita, testes específicos precisam ser solicitados para confirmação de MPS. Testes de triagem urinários podem indicar a excreção de GAGs; avaliação mais especifica dos GAGs urinários (em dosagem quantitativa e avaliação qualitativa dos tipos de GAGs excretados) pode sugerir fortemente a MPS e apontar para tipos específicos. A confirmação diagnóstica, no entanto, é dada pela dosagem da atividade da enzima deficiente em laboratórios de referência, que pode ser efetuada em plasma, leucócitos, tecidos ou até em papel filtro (casos específicos).
Antes dos avanços da biotecnologia e possibilidades especificas de terapia, o tratamento das MPS tinha como único foco a antecipação e prevenção de complicações, com suporte multidisciplinar, aspecto ainda fundamental no manejo desse grupo. A partir da década de 80, o transplante de medula óssea/células tronco hematopoiéticas foi proposto como tratamento das MPS, sendo hoje recomendado primordialmente para formas graves de MPS I (Hurler) diagnosticadas precocemente. Na década de 90, novo desenvolvimento, focado em terapias direcionadas para a restauração da atividade da enzima deficiente, fez com que a Terapia de Reposição Enzimática (TRE) pudesse tornar-se uma realidade. Tal estratégia terapêutica já está disponível para uso clínico nas MPS I, II e VI e na fase final de desenvolvimento para o tipo IV-A. A TRE é administrada por via intravenosa, em infusão de 3-4 horas, semanalmente, e vem modificando a historia natural da doença em grande parte dos pacientes tratados.
Outras estratégias terapêuticas em investigação incluem o tratamento da MPS III-A e do déficit cognitivo na MPS II, através de administração da enzima diretamente no sistema nervoso central, além de estratégias visando a inibição da síntese de GAGs ou do resgate da atividade enzimática com moléculas pequenas. Cabe ressaltar que, até ao momento, mesmo para os tipos nos quais a TRE está disponível, tal terapia deve ser considerada parte do tratamento, sendo de grande importância o diagnóstico precoce e o manejo adequado das manifestações multissistêmicas das MPS, visando ganhos ainda maiores na qualidade de vida.

Para saber mais
www.ufrgs.br/redempsbrasil/index.php
www.aliancabrasilmps.org.br

Osteogênese imperfeita

A Osteogênese Imperfeita (OI) é uma doença hereditária do tecido conectivo causada por mutações nos genes COL1A1 e COL1A2, que  resultam num prejuízo da qualidade ou da quantidade do colágeno tipo 1, que é a proteína mais abundante do osso. Estas mutações comprometem a estrutura do osso, uma vez que o colágeno consiste no material elástico do osso, sobre o qual os cristais formados a partir do cálcio e fósforo são depositados. 
Em 1978, Sillence propôs a classificação da OI em 4 tipos: I, II, III e IV. Excluindo-se o tipo II (em que a gravidade leva ao óbito fetal ou nos primeiros dias de vida), o tipo III representa a forma mais grave da doença, manifestando-se por deformidades ósseas progressivas (em membros superiores e inferiores, e tórax), fraturas recorrentes (que ao consolidarem resultam em deformidades), dentinogenesis imperfecta (em que os dentes têm aspecto amarelado e serrilhado), escleras (“branco dos olhos”) de coloração normal ou azulada e grave comprometimento do crescimento. No tipo III, as deformidades podem ser observadas já ao nascimento, com intensidade moderada. 
Neste tipo de OI a gravidade das lesões dos ossos geralmente impede a movimentação independente dos pacientes ou exige o uso de equipamentos de auxílio para a deambulação. No tipo IV, o quadro clínico é menos intenso do que no tipo III, caracterizando-se por deformidades ósseas leves a moderadas, fraturas recorrentes, baixa estatura de intensidade variável, dentinogenesis imperfecta, e escleras de coloração normal ou azulada. 
Os tipos III e IV são consideradas formas graves de OI. Por outro lado, o tipo I é o mais leve, tendo como principais características a estatura normal, membros sem deformidade (ou com deformidade leve), escleras azuladas e, raramente, dentinogenesis imperfecta. Na OI, pode haver comprometimento da audição, especialmente nos tipos I e III. 
Nos últimos anos, novos tipos de OI foram descritos (tipos V, VI, VII e VIII), representando formas moderadas a graves da doença (com fraturas frequentes, deformidades e baixa estatura) e nas quais não há mutações nos genes COL1A1 e COL1A2. Nos tipos V a VIII, observam-se as seguintes particularidades: no tipo V, as fraturas podem resultar na formação de calos ósseos proeminentes; no tipo VI, há diminuição da incorporação de cálcio e fósforo no osso cortical e trabecular (mas não na placa de crescimento, de forma a não haver sinais de raquitismo) e elevação da fosfatase alcalina sérica; no tipo VII, as lesões afetam mais
intensamente a parte proximal dos ossos longos (úmero e fêmur), caracterizando rizomelia; no tipo VIII há lesões com aspecto radiológico de “pipoca” nas metáfises e epífises de membros inferiores. A OI é transmitida de modo autossômico dominante (tipos I, III, IV, V) ou recessivo (tipos VI, VII e VIII), enquanto que, no tipo II, ambos modos de transmissão são possíveis. Desde as publicações do professor Glorieux e seus colaboradores em 1998 e 2000, os pacientes pediátricos com formas graves de OI têm sido tratados com o pamidronato de sódio (PS). O PS é um medicamento que reduz a atividade dos osteoclastos, células responsáveis pela reabsorção do osso.
O tratamento da OI inclui também a administração por via oral de cálcio (nos pacientes com ingestão inadequada de leite e derivados) e vitamina D (nos pacientes com insuficiência ou deficiência em vitamina D). A fisioterapia tem papel fundamental no tratamento dos pacientes com OI por possibilitar melhora da massa óssea e do quadro clínico, através da promoção de atividades físicas que estimulam a formação óssea. Os familiares e pacientes também devem ser orientados quanto ao uso de medicamentos analgésicos quando da ocorrência de fraturas. A consulta com geneticista é importante, já que permite aos pais saberem o
risco de recorrência da doença em futuras gestações.
Devemos enfatizar que, apesar das limitações físicas impostas aos pacientes com formas graves de OI, a sua inteligência é absolutamente normal, ou mesmo acima da média. Assim, é inadmissível que estas crianças e adolescentes não frequentem a escola, devendo receber o suporte necessário tanto para o transporte à unidade de ensino quanto para o acesso à sala de aula. Para finalizar, é importante que os pais sejam adequadamente orientados e apoiados quando do nascimento de criança gravemente afetada. Com frequência, a fragilidade dos ossos faz com que os pais evitem contato físico com o recém-nascido.

Para saber mais
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pcdt_osteogenese_imperfeita.pdf
www.aboi.org.br
www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/114.pdf

Tirosinemia

A Tirosinemia tipo I, também denominada Tirosinemia hepato-renal é causada pela deficiência da enzima Fumarilacetoacetato hidrolase (MIM 276700). Trata-se de uma doença metabólica hereditária, de padrão de herança autossômico recessivo. A frequência é de aproximadamente 1:100 000 nascidos vivos, com uma incidência significativamente maior em Quebec, no Canadá. O bloqueio enzimático resulta no acúmulo de metabólitos tóxicos com a formação de succinilacetona, maleilace toacetato e fumarilacetato. A apresentação clínica pode ser aguda, antes dos 6 meses de vida, levando à falência hepática grave, vômitos, sangramento, sepse, hipoglicemia, tubulopatia renal (síndrome Fanconi renal), crises de dor (crises porfíricas), extrema irritabilidade e hepatomegalia. A forma de apresentação crônica, de manifestação acima de 1 ano, apresenta-se com hepatomegalia, cirrose, retardo crescimento, raquitismo, hematomas, tubulopatia renal crônica, neuropatia, crises de dor porfírica e adenomas hepáticos e hepatocarcinoma. Alguns casos podem apresentar cardiomiopatia e manifestações neurológicas.
O diagnóstico é obtido através da dosagem quantitativa de aminoácidos no sangue, em que os níveis de tirosina e metionina se encontram aumentados. A análise de ácidos orgânicos na urina pode demonstrar a presença de succinilacetona e derivados 4-OH-fenilatico, sendo estes os principais marcadores bioquímicos da doença. Alguns pacientes podem apresentar aumento urinário de porfirinas e ácido δ-aminolevulinico. Tanto nas formas neonatais e infantis a alfa-fetoproteína está aumentada no soro.
O diagnóstico diferencial cursa com outras doenças hepáticas, em particular hepatite neonatal, defeitos da cadeia respiratória mitocondrial, galactosemia, intolerância à frutose e doenças da síntese dos ácidos biliares.
O tratamento da tirosinemia tornou-se revolucionário após a introdução da Nitisinona (NTBC) 1(–2) mg/kg, em 2 doses, um inibidor da 4-OH-fenilpiruvato dioxigenase que bloqueia o acúmulo dos metabolitos tóxicos gerados pelo defeito enzimático de causa genética. A resposta clínica é rápida, podendo notar melhora clínica e laboratorial em 48 horas, após o início da medicação. O tratamento deve ser continuo e sem interrupção. A dose é individualizada.
Além da NTBC, é necessário manter uma dieta restrita em tirosina e fenilalanina, através do uso de fórmulas metabólicas especificas para tirosinamia. Os valores de tirosina devem ser mantidos entre 200-400 umol/l. O transplante de fígado está indicado somente para os casos de diagnóstico tardia com lesões hepáticas irreversíveis. O prognóstico da doença tem sido muito bom nos pacientes com diagnóstico precoce (antes de 1 mês), utilizando nitisinona e dieta restrita em tirosina e fenilalanina. A monitorização clínica é necessária, com realização de exames bioquímicos e avaliações clínicas periódicas com um especialista em doenças metabólicas.

Para saber mais
www.diagnosticoprecoce.org/doencas/Tirosinemia.htm
www.ufpa.br/eim/documentos/tirosinemia.pdf
www.sbtn.org.br/anais_evento_2010/trabalhos/triagem/poster/P097.pdf

Xantomatose Cerebrotendínea

A Xantomatose Cerebrotendínea é uma doença do grupo dos erros inatos do metabolismo, caracterizada pela deficiência de 27-hi droxilase hepática, levando ao acúmulo de colestanol e colesterol nos diferentes tecidos. Estima-se que afete 1:50 000 indivíduos em todo o mundo.
As manifestações clínicas são observadas em diversos órgãos. Nos olhos, cata ratas surgem ainda na infância. O sistema cardiovascular é afetado com o aparecimento de ateroesclerose prematura e consequentemente infarto agudo do miocárdio. O depósito de lipídeos em tendões, sobretudo no tendão de Aquiles, leva
à observação de xantomas tendíneos a partir da adolescência. As manifestações neurológicas são proeminentes com a observação de quadros que variam desde déficit cognitivo até demência, surgindo tardiamente. Sintomas extrapiramidais tais como parkinsonismo e distonia também são observados. Ataxia cerebelar e paraparesia espástica são sintomas que comumente se iniciam entre 20-30 anos de idade. O esqueleto também pode ser afetado com o surgimento de osteoporose.
A condição deve ser suspeitada em todo paciente com xantomas tendíneos, ou crianças com catarata e/ou diarreia inexplicadas e adultos com sintomas neurológicos progressivos tais como demência, ataxia cerebelar e alterações psiquiátricas. Os exames de imagem de sistema nervoso central podem auxiliar a suspeita. Na ressonância nuclear magnética de encéfalo, observa-se atrofia cerebelar e cortical difusas, alterações de sinal em substância branca e lesões cerebelares focais bilateralmente.
O diagnóstico é feito principalmente pela dosagem de colestanol no plasma.
Além do aumento de colestanol, observa-se dosagem de colesterol normal ou pouco elevada e diminuição de ácido quenodesoxicólico. Os precursores dos ácidos biliares tais como o 7α-hidroxicolesterol mostram-se elvados. A dosagem de atividade enzimática não é necessária na maioria dos casos. O sequenciamento do gene CYP27A1, o único associado à condição, identifica 90%
dos indivíduos com a doença sendo, por vezes, necessário o uso de técnicas complementares de biologia molecular O tratamento com ácido quenodesoxicólico tem mostrado bons resultados, sobretudo no que tange a reversão de sintomas neurológicos e deve ser iniciado o quanto antes, como forma de evitar principalmente a ocorrência de infarto do miocárdio.
A Xantomatose Cerebrotendínea é uma condição de herança autossômica recessiva. O adequado aconselhamento genético deve ser oferecido à família visto que o risco de recorrência é de 25% na irmandade.

Centros de tratamento
Hospital Universitário Gaffrée e Guinle – Rio de Janeiro/RJ
Hospital de Clínicas USP – Ribeirão Preto/SP.

Para saber mais
www.scielo.org
www.radarciencia.org/xantomatose
www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?lng=PT&Expert=909