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quinta-feira, 9 de março de 2023

TRF1 acolhe recurso do CFM e proíbe anúncio de especialização apenas com pós-graduação



O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) acolheu argumentos do CFM e proibiu que médicos com pós-graduação se anunciem como especialistas. Dessa vez, foi em julgamento de mérito de ação civil pública proposta por uma associação de pós-graduandos.

No entendimento do Conselho, referendado pelo Justiça, ao anunciar um título de pós-graduação lato sensu o profissional induz o paciente à confusão, fazendo-o acreditar que ele é especialista.

Para o CFM, conforme a legislação em vigor, apenas podem se anunciar especialistas os médicos detentores de títulos concedidos pelas residências médicas credenciadas pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) ou por sociedades médicas vinculadas à Associação Médica Brasileira (AMB).

De forma complementar, o CFM entende que o médico titulado deve possuir o Registro de Qualificação de Especialidades emitido por CRMs para divulgar sua qualificação. Acesse AQUI mais informações sobre a decisão.



sábado, 12 de novembro de 2022

O efeito manada na Medicina

Eu me formei dia 21/01/2008, exatamente 1 mês antes do meu aniversário. Em 2023 completarei 15 anos de formado e o texto de hoje é sobre o tempo. O passar do tempo e as paisagens que vi ao longo dessa estrada, tanto do lado direito, quanto do lado esquerdo.



Por volta de 2005 descobri que eu gostava de nutrientes, ou seja, no meu caminho profissional, eu tinha certeza que prescreveria mais nutrientes que medicamentos. Em 2008 após formar, meu foco era nos nutrientes. Naquela época, raramente nutricionista prescrevia. O assédio por parte das farmácias de manipulação existia, mas nem de longe é da forma atual. Então em 2008 os representantes farmacêuticos me mostravam ativos milagrosos, "a novidade da novidade". Eu, recém-formado, sem malícia nenhuma, sem senso crítico, ouvia aquilo e pouco questionava. Então prescrevi faseolamina, cassiolamina, l-carnitina, BCAA, glutamina. Poucos nutricionistas prescreviam isso naquela época. 

Em 2009 a moda da vez era o chá verde. Centenas de estudos sendo publicados. Eu tomava o chá verde, o chá branco, o chá preto, o chá de todas as cores do arco-íris. Todos oriundos da camelia sinensis. Cadê o bem-estar? Nunca senti. Mas os estudos mostravam benefícios. É ruim? É, mas vamos tomar. Mente forte, corpo forte. 

Já em 2010 brotou no lado direito da estrada a famigerada ração humana. Animais racionais também deveriam ser alimentados com ração humana. Na verdade, toda aquela gororoba ruim, já era utilizada por uma "galera natureba", mas sequer tinha nome. Porém, a indústria, dessa vez a alimentícia, viu ali uma oportunidade. Então, eu prescrevia (mesmo sendo ruim), tu prescrevias, eles prescreviam. Mesmo, sendo ruim de ingerir. Mas, não bastava ter a ração humana, no segundo semestre surgiu nas prateleiras de supermercado, a "nova novidade" para emagrecimento. Um óleo valioso, 50 reais um frasquinho de 300 ml. O óleo de coco. Com promessas milagrosas e revolucionárias. Eu usava. Meu olfato não suportava a fumaça feita na cozinha. Mas diziam ser bom, meus ídolos indicavam no twitter e eu ignorante acreditava. Anos mais tarde eu viraria inimigo do óleo valioso. Em 2011 o alimento da vez era a semente de chia. Chia com agrotóxico, chia orgânica... a chia revolucionaria a sua saúde. 

2012 a indústria tinha que inovar. Precisavam de um novo alimento que auxiliasse no emagrecimento. Mas não podia ser algo barato, que nasce facilmente nas terras tupiniquins. A indústria queria lucrar, médicos e nutricionistas estavam sedentos por algo diferente. A indústria pegou então uma fruta chamada Goji berry e começou a propagar um monte de benefícios.

Chá verde, chá branco, chá preto, ração humana, óleo de coco, chia, linhaça, já dava pro pessoal começar a montar lojas de produtos naturais. Dito e feito, foi um boom no surgimento dessas lojas. Tudo a granel, do jeito que a ANVISA e os fungos gostam. Tinha gente lucrando a rodo nessa estrada, principalmente os donos de lojas. 

Comerciantes lucrando, os prescritores também queriam lucrar. Eis que começa o verdadeiro efeito manada em 2014. Dieta do hCG. A indústria pensou: " e se a gente deixar a pessoa comendo só 500kcal por dia e aplicar uma injeção de hormônio de grávida? Será que o pessoal emagrecerá?". Pagaram para ver e deu certo. Um monte de médico prescrevendo, mas também um monte de paciente se sentindo lesado. Nessa altura do campeonato eu já não era tão inocente. Dessa água não beberei e nunca bebi. Pelo contrário, tudo que eu achava de trabalho mostrando os riscos de tal prática, eu publicava no meu instagram. Na época eu já fazia a pós de Nutrologia da ABRAN e via meus ídolos (os ídolos do twitter viram inimigos) condenando essa e mais outras práticas. Mas o assunto aqui são negócios que vi ao longo dessa estrada. Negócios que despertaram o efeito manada. A dieta hCG foi super bem sucedida, mas depois caiu no ostracismo.

Se a dieta hCG emagrecia era pela restrição calórica, então em 2015 vamos relançar uma prática milenar, para substituí-la. Nasceu ali a fama meteórica do Jejum intermitente. Efeito manada ativado. Vivi o começo, o meio e vivencio o fim da estratégia terapêutica. Mas tinha gente que lucrou muito com o hCG querendo continuar lucrando. Só falar para o paciente ficar sem se alimentar em uma janela de horas não daria certo. 

Pro negócio dar certo a gente tem que criar o problema e vender a solução. Já diziam os sábios do marketing digital. 

Então em 2016 começou a estourar a prescrição de hormônios esteroides anabolizantes para fins estéticos. A estrada começou a ficar sombria. Isso coincidiu com uma quantidade (nunca antes vista) de médicos recém formados caindo no mercado de trabalho. Deu para observar perfeitamente o efeito manada acontecendo. Pessoas despreparadas, indicando preparações manipuladas e a cereja do bolo sendo anabolizantes. Será que é lucrativo? 

De 2017 a 2019 presenciávamos fórmulas kilométricas de suplementos e os pacientes atordoados perguntando se aquilo que fora prescrito pelo colega (componente do efeito manada) era realmente necessário. 

Começou a pandemia e surgiu algo ainda mais lucrativo, a terapia com injetáveis. Algo extremamente lucrativo mas sem reconhecimento da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), obviamente. 

E em 2021 foi o ápice do efeito manada: Chip da beleza, implantes hormonais. 

Resultado: várias sociedades médicas de especialidades se posicionando contra a prática de modulação hormonal, utilização de hormônios para fins estéticos, soroterapia quando o trato digestivo está funcionante. 


Em 2022 presenciamos profissionais sem habilitação em cirurgia, realizando Remodelação glútea.

O futuro? Incerto, mas o que vejo cotidianamente é que não importa o quão anti-ética ou pobre em evidência seja a prescrição de uma terapia, uma boa parte dos médicos não querem ficar para trás. 

Não importa se as principais sociedades médicas relacionadas a área se posicionam contra... Não importa se tais terapias podem ter riscos severos e gerar sequelas para os pacientes... Prescrevem! Pouco importa se sociedades médicas ligadas à AMB necessitam preparar uma carta conjunta pedindo providências ao CFM... prescrevem. Muito menos importa se o CFM proíbe através de resoluções tais práticas... prescrevem!

E o que vemos é que há inúmero$ outros motivos para e$$e tipo de pre$crição. 

Quais as próximas modas?


Autor:
Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo
CRM-GO 13192 - RQE 11915
CRM-SC 32.949 - RQE 22.416

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

É caro emagrecer?


Há alguns meses conversei com colegas do movimento Nutrologia Brasil sobre um movimento paralelo chamado Nutrologia Para Todos (NPT). Com foco em desmistificar que a Nutrologia é elitizada e inacessível para a maioria das pessoas. 

A especialidade apesar de muitos terem interesse em deixá-la restrita à uma pequena parcela da população, deveria (pelo menos eticamente/moralmente falando) ser para todos, independente da classe social. Esbarramos em um grande percalço: preço de alimentos, suplementos e medicamentos. 

Infelizmente poucos ainda conseguem comprar uma variedade de alimentos in natura, de boa qualidade. Menos ainda são aqueles que conseguem ter acesso a suplementos e/ou medicamentos. E aí? Como ficaria o processo de emagrecimento de pessoas menos favorecidas economicamente?  Como eu faço no ambulatório de Obesidade no SUS? Quais estratégias que traçamos a fim de se alcançar um emagrecimento saudável, sustentável, não iatrogênico ?

Primeiramente, faz-se necessário esclarecer que uma das coisas que encarece o tratamento da obesidade é a multidisciplinaridade. A participação de uma equipe mínima composta por Médico, Nutricionista, Psicólogo, Profissional da Educação física gera obviamente melhor adesão e resultados. Mas na prática, para grande parte da população isso fica inacessível, até mesmo para a classe média. Existe um mundo ideal e temos o mundo real.


Alternativa 1: a básica
Passar em consulta com o médico para diagnóstico das comorbidades, bem como tratá-las. O Médico então direcionará para um nutricionista prescrever um plano alimentar. Isso consigo no SUS, já que temos uma equipe multidisciplinar. Pelo plano de saúde também consegue-se. 
Orientar a prática de exercício físico e atividade física. Mudança no estilo de vida. Se detectados fatores emocionais que fortemente influenciam no quadro, recomendar busca por psicoterapia. No SUS conseguimos, porém a psicoterapia não fica sendo semanal. Por planos de saúde também. 
Utilizar medicações on-label , eficazes e com poucos efeitos colaterais. 

Alternativa 2: a intermediária
Passar em consulta com o médico para diagnóstico das comorbidades, bem como tratá-las ou encaminhar para outros colegas. Direcionamento para o nutricionista para o planejamento de plano alimentar e retornando no mesmo mensalmente.
Orientar mudança no estilo de vida. 
Recomendar que o paciente procure um profissional da Educação física (personal ou academia) para receber a prescrição de um treinamento personalizado. Praticando o exercício pelo menos 3 vezes na semana.
Indicar Psicoterapia, já que na maioria das vezes, os fatores emocionais interferem no processo de emagrecimento. Frisando a necessidade dessa terapia ser no mínimo quinzenal
Utilizar medicações on-label , eficazes e com poucos efeitos colaterais. 

Alternativa 3: a ideal
Passar em consulta com o médico Nutrólogo ou Endocrinologista para diagnóstico das comorbidades, bem como tratá-las ou encaminhar para outros colegas. 
Iniciar acompanhamento quinzenal com Nutricionista, que adote um plano alimentar personalizado e que forneça estratégias nutricionais a fim de se alcançar sucesso no processo.
Orientar mudança no estilo de vida baseado nos pilares da chamada "Lifestyle Medicine", medicina do estilo de vida. Ou seja, técnicas da terapia cognitivo comportamental para aumentar a adesão do paciente ao tratamento e sustentar as mudanças no estilo de vida.
Recomendar que o paciente procure um profissional da Educação física (personal ou academia) para receber a prescrição de um treinamento personalizado. Praticando o exercício pelo menos 5 vezes na semana.
Indicar Psicoterapia, sendo que as sessões deverão ser realizadas semanalmente, afinal a fala pode ser terapêutica. Detectar gatilhos que impedem o sucesso no processo de emagrecimento, bem como implementar estratégias para evitá-los. 
Utilizar medicações on-label , eficazes e com poucos efeitos colaterais. 

Alternativa 3: a utópica
Passar em consulta mensal com o médico Nutrólogo ou Endocrinologista para verificar a adesão ao tratamento, bem como os resultados alcançados.
Manter acompanhamento quinzenal com Nutricionista.
Orientar mudança no estilo de vida baseado nos pilares da chamada "Lifestyle Medicine".
Manter acompanhamento diário com profissional da Educação física (personal).
Manutenção da Psicoterapia, duas vezes na semana. 
Ter um profissional para preparar todas as refeições prescritas pelo nutricionista. Que essas refeições sejam palatáveis, saborosas, variadas, nutricionalmente equilibradas. 
Contar com apoio de profissionais que trabalhem com técnicas de Mindful eating e profissionais que ensinem técnicas de manejo de estresse.
Utilizar medicações on-label , eficazes e com poucos efeitos colaterais. 

Tudo isso tem um custo e o fator custo faz muitos pacientes desistirem do tratamento. Infelizmente. 

Alimentação

Com a alta da inflação, alimentos mais protéicos estão custando cada vez mais caro e com isso a incorporação deles a uma dieta fica difícil. O preço de ultraprocessados é bem inferior e assim se tornam opção mais barata. O Governo não aumenta a tributação sobre ultraprocessados e nem reduz a que incide sobre alimentos in natura. 

Alternativas: sempre escolher alimentos in natura de produtores locais, respeitando a sazonalidade. Lembrar que alimentos protéicos devem ser incorporados ao café da manhã, almoço e jantar. Vegetais devem ser a base da nossa alimentação e se respeitarmos a sazonalidade, podemos adquirir alimentos com um preço reduzido. 

Prática de exercício físico

Se você não tem condições de pagar um personal, tente treinar em uma academia. Se também não tem condições de pagar uma academia nesse momento, opte por praticar exercícios em áreas públicas. Mas assegure-se que não está lesionando suas articulações. O Ideal é passar por um ortopedista antes, já que a obesidade pode gerar uma sobrecarga articular. Lembre-se, o efeito da prática de exercícios no emagrecimento é baixo. Mas promove saúde. Lembre-se também que tão importante quanto o exercício, é a atividade física que faz ao longo do dia. Portanto, mova-se. 

Psicoterapia

Os aspectos emocionais percebo que são os maiores sabotadores de um processo de emagrecimento. Por isso nas minhas aulas, coloco a psicoterapia como base no tratamento da obesidade. Esbarramos no fator custo. Temos no SUS? Sim, mas a fila é grande e geralmente são sessões mensais. Temos pelos planos de saúde? Sim e agora (2022) são sessões ilimitadas. Gosto de recomendar pelo menos semanal. Mas e se você não tem plano de saúde e não consegue pelo SUS? Há várias clínicas que tem serviço gratuito ou a preço social. Vale a pena procurar o Conselho Regional de Psicologia do seu estado e verificar.

Medicações antiobesidade

Infelizmente, ainda temos poucas medicações disponíveis para tratamento da obesidade no SUS. Na verdade depende de região para região. On-label (recomendação em bula) são poucas unidades federativas que disponibilizam Sibutramina e Orlistat. Por aqui, nenhuma dessas medicações estão disponíveis e aí sobram apenas antidepressivo que entram em tratamento off-label, exemplo Fluoxetina, Sertralina, Bupropiona ou anticonvulsivantes como o Topiramato. Porém, muitas vezes o SUS só libera a medicação para o tratamento on-label. Exemplo: bupropiona para cessar tabagismo. Topiramato para Enxaqueca... Ou seja, é complicado. Drogas mais modernas, como Semaglutida ou Liraglutida, acho que dificilmente serão incorporadas ao SUS, nos próximos anos. 

Discuta com o seu médico a opção que se adequa ao seu bolso. O paciente precisa ser transparente e informar o médico sobre limitações financeiras, para escolherem em comum acordo aquilo que poderá ser seguido. A relação precisa ser de confiança.

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915