Para explicarmos o que é a Doença Celíaca (DC), antes precisamos entender o que é o glúten?
Glúten é uma proteína de
serve que está presente no trigo. Mas frequentemente esse
termo é utilizado para denominar proteínas semelhantes que estão presentes na
cevada (Hordeína), no centeio (secalina). Ele é formado por duas proteínas: a glutenina e
gliadina. Sendo que a glutenina confere viscosidade e elasticidade,
enquanto que a gliadina é responsável pela extensibilidade da massa do pão.
O que é a Doença celíaca?
Consiste em uma doença do
intestino delgado (enteropatia) que acomete crianças e adultos geneticamente
predispostos, fazendo com que esses não tolerem nada que contenha glúten.
É uma doença sistêmica,
autoimune desencadeada pela ingestão do glúten. Caracteriza-se pela inflamação
crônica na mucosa intestinal, podendo levar a uma atrofia das vilosidades
intestinais e gerando uma má absorção intestinal de vários nutrientes, além de
manifestações clínicas.
Resumindo, na DC ocorre a
presença de:
-
Combinação de manifestações clínicas glúten-dependentes (sintomas e sinais)
-
Presença de anticorpos específicos para a DC:
anticorpo antitransglutaminase tecidual (TG2), anticorpo endomisial
(EMA) e anticorpo contra as formas deamidadas de peptídeos gliadina
-
Marcadores genéticos: HLA -DQ2 e HLA -DQ8
-
Presença da enteropatia
Aspectos epidemiológicos
Estima-se que acometa 1% da população da população mundial. De acordo com uma revisão sistemática e meta-análise publicada em 2018 DC é um problema de saúde pública global. Os seguintes dados são apontados:
- A prevalência global dessa condição é de 1,4% com base em achados sorológicos e 0,7% com base em achados de biópsia (soroprevalência de 1,4% e prevalência de 0,7% )
- A prevalência global de DC varia com sexo, idade, e localização geográfica.
- A prevalência global de DC tem aumentado ao longo do tempo, passando de 0,6% entre 1991 a 2000 para 0,8% entre 2001 e 2016.
Infelizmente, no Brasil ainda não temos um estudo multicêntrico que defina a prevalência da DC, mas estima-se com base na prevalência mundial que haja no Brasil hoje cerca de 2 milhões de celíacos, sendo que a grande maioria ainda não tem diagnóstico.
Fisiopatologia e fatores de risco
A fisiopatologia ainda não está muito bem estabelecida, mas sabe-se que fatores genéticos combinados a fatores ambientais favorecem o surgimento da DC.
Os fatores genéticos estão fortemente relacionados com o desenvolvimento da DC, que se trata de uma doença poligênica. A presença do HLA -DQ2 (alelos DQA1∗05/DQB1∗02) é identificada em 90 a 95% dos celíacos, e em 5 a 10% dos portadores da doença é identificada a presença do gene HLA -DQ8 (DQA1∗0301/DQB1∗0302). Embora a presença dos genes HLA -DQ2 e DQ8 para o desenvolvimento da DC seja fundamental, sua existência não é sinônimo de que um indivíduo desenvolverá, obrigatoriamente, a doença. Cerca de 30 a 40% da população mundial possui os genes HLA -DQ2 e DQ8; entretanto, apenas 2 a 3% desenvolvem a DC, o que indica que outros genes e fatores ambientais são necessários para que a doença se manifeste.
Fatores protetores (controversos):
Amamentação e exposição ao glúten após os 4 meses durante a introdução alimentar
Fatores de risco:
Ausência de aleitamento materno
Infecções gastrintestinais na infância
Modificações genéticas do trigo (controverso)
Processos industriais empregados para melhorar a qualidade dos alimentos, como a utilização de enzimas transglutaminase microbiana (mTG);
Padrões dietéticos ocidentais, que promovem o consumo de elevadas quantidades de glúten.
Existem algumas patologias que, recorrentemente, são associadas à DC; entre elas, citam-se:
Diabetes mellitus tipo 1 – 3 a 12%;
Síndrome de Down – 5 a 12%;
Doença autoimune da tireoide – > 7%;
Síndrome de Turner – 2 a 5%;
Síndrome de Williams – > 9 %;
Deficiência de imunoglobulina A (IgA) – 2 a 8%;
Doença autoimune do fígado – 12 a 13%.
O quadro clínico da DC
Manifestações clínicas podem ser divididas em:
Gastrintestinais:
- Diarreia crônica;
- Constipação crônica;
- Dor abdominal;
- Náuseas;
- Vômitos;
- Distensão abdominal.
Extra-intestinais:
- Déficits de ganho de peso e altura;
- Atraso na puberdade;
- Anemia crônica;
- Osteopenia ou osteoporose;
- Defeitos no esmalte dentário;
- Irritabilidade;
- Fadiga crônica;
- Neuropatia;
- Atrite/artralgia;
- Amenorreia;
- Aumento nos níveis das enzimas hepáticas;
- Abortamento de repetição
Classificação
Segundo as Definições de Oslo, a DC pode ser classificada de acordo com os sintomas identificados:
- Clássica – quando os sintomas são caracterizados pela presença de mal absorção intestinal, com ocorrência de diarreia, esteatorreias, vômitos, distensão abdominal, flatulência, perda de peso e déficit de crescimento;
- Não clássica – os sintomas são intestinais, porém não envolvem mal absorção, como no caso de pacientes que apresentam constipação e dor abdominal;
- Subclínica – os sintomas são extraintestinais, como quando há presença de anemia ferropriva, de anormalidades nas funções do fígado, osteoporose etc;
- Assintomática – nos casos em que há ausência de sintomas.
Diagnóstico
Pode ser dado pelo Nutrólogo, Gastroenterologista, Pediatra.
Importante salientar que o nutricionista não dá diagnóstico nosológico (doença), mas terá papel crucial no tratamento.
A Biópsia (6 fragmentos) de intestino delgado, até o momento, é considerada o método padrão-ouro para o diagnóstico da DC. Porém, pode apresentar falsos negativos.
+
A pesquisa de Auto-anticorpos:
- Anti-transglutaminase tecidual (TG2) IgA: o que solicitamos para triar
- Anticorpo endomisial (EMA) IgA,
- Anticorpo contra as formas deamidadas de peptídeos gliadina IgA
É importante salientar que durante a pesquisa para fechar o diagnóstico o paciente deverá estar consumindo glúten, para evitar falsos negativos.
Tratamento
O tratamento consiste na remoção total dos alimentos com glúten:
“Remoção total? Nem um pouquinho?” Não, nem um pouquinho. É remoção total.
Isso pode ser bastante difícil devido alguns fatores:
- A contaminação (cruzada) dos alimentos com o glúten, que ocorre quando os alimentos sem glúten entram em contato com os que contêm
- glúten no armazenamento ou na manipulação;
- Elevado custo dos produtos sem glúten;
- Restritas opções de produtos sem glúten.
A principal dúvida dos pacientes após o diagnóstico é: Quais são os alimentos permitidos para quem tem doença celíaca?
- Cereais: arroz, milho.
- Farinhas: mandioca, arroz, milho, fubá, féculas.
- Gorduras: óleos vegetais e animais, manteiga.
- Frutas: todas, ao natural e sucos.
- Laticínios: leite, manteiga, queijos e derivados.
- Hortaliças, raízes e leguminosas.
- Carnes e ovos: aves, suínos, bovinos, caprinos, miúdos, peixes, frutos do mar.
- Sementes e oleaginosas
E como o Nutrólogo vai te auxiliar?
Na minha prática, inúmeras vezes dei o diagnostico de doença celíaca ao acaso. Pacientes que vieram consultar devido diarréia ou intolerâncias alimentares. Porém, como atraio pacientes celíacos (meu nutricionista é portador), nos últimos anos tenho solicitado a anti-tranglutaminase IgA para quase todos os pacientes com doença celíaca. E o que mais me assusta é a quantidade de pacientes que recebem o diagnóstico já tardiamente, ou seja, na vida adulta.
No caso acima, falei de triagem, investigação de sintomas, mas uma vez já estabelecido o diagnóstico, como o Nutrólogo poderá ajudar um paciente celíaco? Para responder essa pergunta é preciso entender que essa enteropatia cursa com alteração na absorção de nutrientes, em especial de vitaminas e minerais. Portanto, faz-se necessário dosar alguns nutrientes específicos que comumente podem estar baixos nos celíacos. Além disso, esses pacientes podem apresentar outras doenças do trato digestivo ou doenças sistêmicas. Logo, deve-se investigar melhor esse paciente, acolher, ouvir atentamente as queixas. Fazer um recordatório alimentar e analisar se há risco nutricional.
Há ainda os riscos de uma dieta sem glúten não supervisionada. Ou seja, muitas vezes o paciente recebe o diagnóstico e por anos segue uma dieta que acredita ser adequada. Quando vem à consulta, detectamos vários déficits nutricionais. Esse é o principal papel do Nutrólogo na Doença celíaca.
O Nutrólogo com bom senso, assim como o gastro, encaminhará esse paciente para um nutricionista elaborar um plano alimentar nutricionalmente equilibrado. No meu caso, todos meus pacientes encaminho para o Rodrigo Lamonier, já que ele é o Nutricionista que treinei, atende comigo e entende muito de doença celíaca, por ser portador. Ou seja, conhece todos os desafios que o paciente encontrará.
O Rodrigo Lamonier atende presencial e online. Para agendar com ele
clique aqui.
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 / CRM-SC 32949 - RQE 22416