terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Cientistas identificam neurônios que controlam o apetite

A obesidade é um dos problemas de saúde que mais atingem a população, causando males diversos, desde complicações cardíacas a cânceres. Fatores sociais e biológicos levam ao excesso de peso, acreditam especialistas. Cientistas de Israel tentam esmiuçar a faceta cerebral do problema com a ajuda de uma avançada técnica de análise neural. Descobriram 50 novas células e determinaram estruturas que estavam relacionadas ao consumo exagerado de alimentos. O trabalho foi divulgado na última edição da revista britânica Nature Neuroscience e pode abrir as portas para mais descobertas sobre o funcionamento do cérebro e contribuir com o desenvolvimento de tratamentos contra transtornos alimentares.

Diante da complexidade do cérebro, os pesquisadores resolveram sair em busca das células neurais responsáveis pelo apetite. “Muitas funções já foram mapeadas para grandes regiões neurais. Sabemos, por exemplo, que o hipocampo é importante para a memória e que o hipotálamo é responsável por funções básicas, como comer e beber. Mas não sabemos quais tipos de células presentes nessas regiões são responsáveis por cada tarefa”, explica ao Correio John Campbell, autor principal do estudo e pesquisador do Centro Médico Beth Israel Deaconess (BIDMC, em inglês).

Eles usaram um sistema chamado Drop-seq, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A tecnologia possibilita a análise computadorizada avançada de tecidos neurais. Com ela, Campbell e a equipe conseguiram catalogar, em ratos, mais de 20 mil células cerebrais (50 delas até então desconhecidas) em uma região do hipotálamo chamada arqueado e no complexo de eminência medial, área responsável por controlar o apetite, entre outras funções. “Embora esperássemos encontrar alguns novos tipos de neurônios arqueados, fiquei pessoalmente surpreso ao descobrir tantos. Afinal, o arqueado é apenas uma região do hipotálamo do rato e, provavelmente, contém menos de 1% das células cerebrais dele. No entanto, havia muita diversidade nessa região — encontramos quatro vezes mais tipos de neurônios do que se conhecia”, conta Campbell.

Após a identificação das células cerebrais, os cientistas resolveram observar como elas agiam nos ratos em situações distintas e relacionadas a comportamentos alimentares: comer à vontade, seguir dieta rica em gorduras e jejuar durante a noite. A tecnologia permitiu diferenciar os estados energéticos variados, ou seja, quais células trabalhavam e quais se mantinham desligadas em cada momento. “Às vezes, a identidade verdadeira de uma célula não é descoberta até que você a coloque em um certo estresse. Em condições de jejum, por exemplo, podemos ver que existe uma diversidade adicional de resposta dentro de um grupo determinado. Percebemos isso quando elas respondem a esse importante estado fisiológico”, explica Linus Tsai, também autor do estudo e pesquisador do BIDMC.

Cláudia Barata Ribeiro, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação (ABMFR), acredita que os resultados do trabalho poderão ajudar a melhor entender como a obesidade ocorre, mecanismo não completamente compreendido. “Hoje, temos uma cultura que fala que o que eu vou ingerir é usado como energia e o que sobra vira gordura acumulada, mas não é tão simples assim, depende de outros fatores, como a microbiota, que tem sido bastante estudada pode influenciar esse sistema”, ilustra a médica, que não participou do estudo.

Ao determinar as células e os genes que foram sensíveis às mudanças de alimentação, os cientistas acreditam que, com esses dados, poderão fornecer uma série de alvos para o tratamento da obesidade. “Conhecendo todos os genes que cada tipo de célula expressa, poderemos projetar novos medicamentos para tratamento terapêutico. Agora, por exemplo, podemos encontrar receptores que são expressos em células que controlam a fome, mas não em células que controlam a pressão arterial, que também já foi relacionado ao hipotálamo. Remédios que visam esses receptores seriam capazes de controlar o apetite sem quaisquer efeitos colaterais nocivos à pressão arterial”, detalha Campbell.

Ao relacionar os resultados do experimento feito com os roedores aos dados do genoma humano, os cientistas também conseguiram encontrar dois neurônios ligados ao peso corporal. A intenção é esmiuçar ainda mais esses dados e encontrar maneiras de manipular as células. “Identificamos marcadores genéticos para cada tipo de célula. Agora, ferramentas genéticas podem ser desenvolvidas para manipular experimentalmente cada uma e aprender mais sobre sua função. Pesquisas anteriores mostraram, por exemplo, que o hipotálamo arqueado pode controlar a temperatura corporal e a função cardiovascular — talvez algumas das novas células que encontramos possam ser as responsáveis por essas funções”, adianta o autor.

Outras áreas

Cláudia Barata Ribeiro também ressalta que a pesquisa traz novos dados sobre um órgão complexo. “Essa região analisada controla várias funções importantes, mas muitas células que estão lá ainda são desconhecidas. Essas são informações novas que podem ajudar em outras descobertas futuras, e o uso dessa tecnologia pode abrir portas para que outros grupos de células possam ser desvendados”, acredita a neurologista.

Os cientistas israelenses disponibilizaram os dados on-line do estudo para ajudar outros interessados em estudar o tema. “A maneira clássica de fazer ciência é fazer perguntas e testar hipóteses. Mas o cérebro é tão complexo que nem sequer sabemos o quanto não sabemos. Essa informação preenche algumas das incógnitas para que possamos fazer novas hipóteses. Esse trabalho levará a muitas descobertas que, sem esses dados, as pessoas nunca saberiam sequer fazer a pergunta”, ressalta Bradford Lowell, também autor e pesquisador da BIDMC.

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2017/02/11/interna_ciencia_saude,572924/cientistas-identificam-neuronios-que-controlam-o-apetite.shtml

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