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terça-feira, 28 de maio de 2024

Cirurgia bariátrica: fazer ou não, eis a questão?


Dúvida super comum no meu dia-a-dia. Quem segue o meu blog/instagram/site sabe que coordeno um ambulatório de Nutrologia no SUS. Comecei em Janeiro de 2015, ou seja, quase 10 anos atendendo um grande volume de pacientes. E me orgulho muito disso, afinal o SUS é a melhor escola para quem quer realmente aprender a ser um bom médico. 

Um bom médico se faz com 5 pilares:
1) Conhecimento técnico-científico
2) Vivência: experiência atendendo
3) Escuta ativa
4) Atendimento humanizado
5) Anseio por ver o paciente melhorando ou amenizando a sua dor

A vivência é algo crucial na Nutrologia, pois, crescemos principalmente diante dos desafios, dos encontros com os pacientes enfermos. Desde 2018 estou contabilizando a quantidade de pacientes que atendi e que indiquei cirurgia bariátrica ou foram operados por indicação de outros profissionais. Só a título de curiosidade, somente a partir de 2022 que a prefeitura municipal de Aparecida de Goiânia passou a realizar  cirurgias bariátricas nos munícipes. Antes os pacientes faziam no Hospital Geral de Goiânia (HGG) ou por plano de saúde/particular. 

Contabilizei 948 pacientes submetidos a cirurgia bariátrica e que atendi desde 2018. Apesar de realizarmos apenas a Sleeve em nosso hospital (HMAP) a maioria dos pacientes foram submetidos ao Bypass em Y de Roux, ou seja, operaram no HGG ou por plano de saúde/particular. Depois, procuram o ambulatório de Nutrologia.

Mas por que estou contando essa questão epidemiológica? Simplesmente para mostrar que o que irei escrever abaixo não é fruto de vozes da minha cabeça. São constatações ao longo desses quase 10 anos. Ou seja, será que realmente vale a pena fazer cirurgia bariátrica?


Antes de tudo é preciso entender, quem é o paciente candidato à cirurgia bariátrica.

De acordo com Ministério da Saúde e  com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estão aptas à cirurgia bariátrica:
  • Pessoas com IMC acima de 40 – com ou sem doenças associadas (comorbidades), com falha no tratamento clínico após 2 anos. 
  • Pessoas com IMC maior que 35, com alguma comorbidade – pressão alta, diabetes, gordura no fígado, refluxo gastroesofágico, problemas articulares. E com falha no tratamento clínico após 2 anos. 
Tratamento clínico compreende-se: dieta, exercício físico e uso de medicação antiobesidade. 

Ok, o paciente está apto, e aí, eu indico ou não? Depende.



Tanto no consultório particular quanto no SUS, sou bem realista e exponho a eficácia do tratamento não cirúrgico da obesidade.

Dependendo do grau da obesidade, dificilmente alguns pacientes conseguirão emagrecer somente com dieta e exercício físico. Isso corrobora com os grandes estudos epidemiológicos e vejo se confirmando na prática clínica após quase 10 anos à frente do ambulatório, além dos 14 anos de consultório. Quando passamos a tratar com medicamentos, a taxa de sucesso já melhora consideravelmente, em especial com as novas drogas para tratamento da obesidade (análogos de GLP-1)

Mas e quem já tentou de tudo: dieta, exercício, múltiplas medicações e mesmo assim não teve resultado? Deve operar? Mais uma vez depende e aqui começa o nosso papo. 

Ao longo desses anos vi pessoas sem opção, ou seja, ou operavam ou morriam decorrente das complicações da obesidade. Também vi pessoas que sequer tinham tentado tratamento medicamentoso e preferiram operar. Resultados: bom para alguns, péssimo para outros.

Eu vi, ouvi, acolhi, prescrevi:
  • Pacientes que antes da cirurgia não faziam dieta, nem atividade física, não usaram medicação e acreditaram que a cirurgia faria milagre. Resultado: grande perda de peso, com posterior reganho e hoje precisam fazer dieta continuamente, atividade física e alguns utilizar medicação. 
  • Paciente que já tinha tentado dieta e atividade física, uso de medicação. Fez cirurgia, depositou toda confiança na cirurgia. Foi submetido à cirurgia. Teve perda de peso considerada ruim e continua tendo que fazer dieta, atividade física e usando medicação. 
  • Paciente que tinha indicação formal para a cirurgia, teve grande perda de peso, não recuperou o peso, mas começou a apresentar complicações decorrentes da cirurgia. Está magro(a) mas buscando tratamento para as complicações disabsortivas. 
  • Paciente previamente com transtornos psiquiátricos, que "burlaram" o acompanhamento com psicólogo e psiquiatra, recebendo autorização dos mesmos. Operaram, tiveram perda de peso, reganharam o peso, parcialmente ou totalmente, hoje cursam com transtornos psiquiátricos mais severos, que necessitam de medicação que favorece ganho de peso.
  • Pacientes que tinham indicação, operaram, tiveram perda ponderal significativa, aceitaram que teriam que fazer atividade física, dieta, policiamento por toda a vida e acompanhamento dos nutrientes. Com sucesso terapêutico.
  • Paciente que foi submetido a Sleeve (apenas redução do tamanho do estômago = gastroplastica vertical), não teve perda ponderal significativa, não fez dieta corretamente e nem praticou atividade física. O cirurgião indicou o bypass. Fez o bypass e teve perda de peso importante, mas com reganho posterior. 

Ou seja, já vi de tudo, mas a pergunta que não quer calar: "Mas você Dr. Frederico indica a cirurgia?". 

Depende. Depende do histórico do paciente e isso inclui:
  • Hábitos dietéticos: as preferências alimentares desse paciente, o padrão alimentar (hiperfágico, compulsivo, beliscador, comer emocional), capacidade de seguir restrições alimentares. 
  • Atividade física e exercício físico que esse paciente fez ao longo da vida. Se conseguirá praticar após a cirurgia. 
  • Antecedentes psiquiátricos: se tem alguma doença psiquiátrica de base. A história psiquiátrica familiar. Se já necessitou fazer uso de psicofármacos ou se faz uso. Esse paciente faz acompanhamento psicoterápico? Como ele lidará com o novo corpo? E se ele não alcançar o corpo idealizado, como reagirá? E se mesmo após a mudança corporal ele perceber que terá que continuar fazendo dieta, exercício e tomando medicação antiobesidade, qual será a reação dele?
  • As comorbidades que esse paciente apresenta. Já que algumas ortopédicas podem dificultar a prática de exercício, o que favorecerá uma grande perda de massa muscular e com isso piora das alterações ortopédicas. Ou arritmias mais severas que impossibilitam exercícios que elevam muito a frequência cardíaca. 
  • Suporte familiar: a pessoa terá auxílio de alguém no pós-operatório imediato e para reforçar a necessidade de acompanhamento periódico?
  • Poder aquisitivo: aqui é um ponto importante e muito negligenciado principalmente no SUS. Muitas equipes não informam a média de gastos que esse paciente terá. Tenho uma tabela que mostro o custo médio dos polivitamínicos e poliminerais que esse indivíduo terá que usar por toda a vida. Bons produtos não são baratos. E o pior, na maioria das vezes o paciente terá que usar não só o polivitamínico, mas também dose adicional de cálcio, vitamina D, B12 (via oral ou sublingual ou injetável), ferro endovenoso. As vezes suplementos proteicos. As vezes enzimas digestivas.


A vida é feita de escolhas e a vida do médico também. Mas cabe ao médico quando indicar algo, levar em conta todas essas variáveis. E por que falo isso? Por que já indiquei cirurgia e alguns pacientes se arrependeram.

Obviamente eles não me culpam, afinal a escolha é do paciente. Agi dentro da Medicina baseada em evidência. Nesses casos é risco-benefício. Paciente de quase 200Kg que se não fizesse a cirurgia provavelmente viveria menos, teria algum evento cardiovascular (infarto, AVC). 

Assim como contraindiquei a cirurgia por já conhecer o paciente de longa data, acompanhei a falha no tratamento clínico, mas insisti no tratamento medicamentoso. O paciente não quis mais e pediu o laudo para o Endócrino. Operou e hoje faz acompanhamento comigo, tendo que tratar os déficits nutrológicos, ouvir a cada 3 meses eu falando sobre importância do exercício, do controle dietético e alguns utilizando medicação. 

Ou seja, a cirurgia bariátrica salva vidas (de alguns) quando bem indicada. Porém, quando a indicação não é cautelosa, quando aspectos psiquiátricos/dietéticos são negligenciados, podemos no deparar com verdadeiros desastres e culminar na seguinte frase: "Essa cirurgia acabou com minha vida" ou " se arrependimento matasse".

Portanto, se você está aventando a cirurgia, seja cauteloso, procure um bom cirurgião e saiba que:
  • A parte mais importante do tratamento é aceitar que a obesidade é uma doença. Doença esta que é crônica, recidivante, INCURÁVEL, com forte componente genético e de causa multifatorial. Aceite que é uma doença e que suas ações determinam o sucesso do tratamento.
  • Você pode estar magro após a cirurgia, bem magro, seu corpo ainda terá as células de gordura (adipócitos). A vigilância deverá ser eterna. 
  • A cirurgia bariátrica não é a cura para obesidade e muito menos o último tratamento disponível. É uma modalidade terapêutica, comprovadamente eficaz de acordo com centenas de estudos, porém, é apenas o início de uma nova jornada. Se o paciente terá sucesso terapêutico ou não, dependerá de alguns fatores: aceitação da doença, mudança de mentalidade, prática regular de exercício físico, aumento da atividade física, dieta, psicoterapia.
  • Dieta será por toda vida, se você comer alimentos ricos em sacarose ou em gordura, você conhecerá uma sensação terrível, o famoso Dumping. Pelo menos nos primeiros 5 anos a minha recomendação é que você mantenha acompanhamento com um bom nutricionista com experiência na área. 
  • Exercício físic preferencialmente 300 minutos por semana, no mínimo 150 minutos. Por toda a vida. Comece logo quando o cirurgião liberar. Qual a mais indicada: musculação. "Ah mas eu odeio", vai ter que deixar de odiar. A musculação será o que evitará que você perca muita massa muscular durante o processo de emagrecimento e que ajudará a evitar que você reganhe o peso perdido. Lembre-se: Ad eternum.
  • A dieta deverá ser mais proteica. É super comum pós-bariátricos rejeitarem proteínas, principalmente animal. Então, lembre-se, proteína dietética é um dos determinantes do sucesso da cirurgia. Constatação de prática clínica ao longo desses anos. 
  • Dependendo da técnica utilizada: sleeve ou bypass você poderá ter maior ou menor déficits nutricionais. O sleeve é uma cirurgia restritiva, corta o estômago e com isso a absorção de ferro, B12 caem. Já o bypass além de cortar o estômago, o cirurgião faz um desvio, ou seja, ligando o novo estômago, lá embaixo, no jejuno. Ou seja, fica sem absorver uma série de nutrientes no intestino delgado e no começo do jejum, como por exemplo: Vitamina B1, B9, B12, Cálcio, Ferro, Vitamina D. Ou seja, pelo menos duas vezes ao ano terá que fazer um check-up nutrológico básico para saber como estão os nutrientes. 
  • Se o componente emocional foi crucial no surgimento da obesidade, não é porque emagreceu que ele deixará de existir. Então, faça psicoterapia por toda a vida. 
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 / CRM-SC 32949 - RQE 22416

sábado, 12 de agosto de 2023

Perda de peso clinicamente significativa incomum para a maioria dos adultos com sobrepeso: somente 1 em 10 com sobrepeso ou obesidade atinge 5% ou mais de perda de peso a cada ano

A perda de peso clinicamente significativa não era muito comum em adultos americanos com sobrepeso ou obesidade, sugeriu um estudo de coorte.

Em uma amostra de quase 18,5 milhões de adultos ambulatoriais acompanhados por 3 a 14 anos, a probabilidade anual de atingir uma perda de peso clinicamente significativa - definida como 5% ou mais - entre aqueles com sobrepeso e obesidade foi baixa, em apenas um em 10, relatou Lyudmyla Kompaniyets, PhD, do Centro Nacional de Prevenção de Doenças Crônicas e Promoção da Saúde do CDC em Atlanta, e colegas.

Essa probabilidade aumentou com a categoria de índice de massa corporal (IMC) inicial, de uma em 12 pessoas com sobrepeso inicial (uma em 14 homens e uma em 11 mulheres) para uma em seis homens e mulheres com um IMC inicial de 45 ou superior, observaram em JAMA Network Open.

A probabilidade anual ajustada de reduzir o IMC para a categoria de peso saudável foi alcançada em um em 19 indivíduos com sobrepeso e um em 1.667 pessoas com IMC de 45 ou superior.

Essa probabilidade foi maior entre as mulheres do que entre os homens (uma em 1.201 vs uma em 2.870).

Durante o período do estudo, 33,4% das pessoas com sobrepeso e 41,8% das pessoas com obesidade alcançaram uma perda de peso clinicamente significativa, enquanto apenas 23,2% e 2,0% desses adultos reduziram o IMC para a categoria de peso saudável, respectivamente, disseram os autores.

“Dados os benefícios para a saúde da redução de peso clinicamente significativa em qualquer nível de excesso de peso, 5% ou mais de perda de peso pode ser uma meta razoável para os esforços de controle da obesidade”, escreveram eles. “Os médicos e os esforços de saúde pública podem se concentrar em mensagens e encaminhamentos para intervenções que apoiem adultos com excesso de peso a alcançar e manter uma perda de peso clinicamente significativa”.

Kompaniyets e sua equipe notaram que não ficaram necessariamente surpresos ao ver que as mulheres tiveram uma maior incidência de perda de peso em qualquer peso inicial do que os homens, pois isso é consistente com pesquisas anteriores. Não apenas as mulheres tentam perder peso com mais frequência do que os homens, mas a cirurgia metabólica é historicamente muito mais comum em mulheres. Da mesma forma, medicamentos para perda de peso, como os agonistas do receptor GLP-1, tendem a induzir maior perda de peso em mulheres.

No entanto, Kompaniyets e seus colegas apontaram que os dados neste estudo em particular refletem uma "população que procura atendimento médico com sobrepeso ou obesidade, independentemente da intenção de qualquer indivíduo de perder peso" e, portanto, as pessoas que estão tentando ativamente perder peso podem experimentar maior reduções de peso.

Os dados para este estudo vieram do banco de dados de registros médicos eletrônicos ambulatoriais IQVIA e incluíram 18.461.623 pacientes com idades entre 17 e 70 anos (idade média de 54 anos); 56,7% eram mulheres, 72,3% eram brancos e 7,7% eram negros.

Todos os pacientes tinham no mínimo 3 anos de dados de IMC e foram acompanhados de janeiro de 2009 a fevereiro de 2022.

A probabilidade anual de uma perda de peso de 5% ou mais foi ligeiramente menor entre mulheres negras versus mulheres brancas, e ligeiramente maior entre homens negros versus homens brancos após o sobrepeso inicial, mas menor após obesidade grave inicial.

Não havia dados disponíveis sobre fatores que influenciam a perda de peso, como envolvimento em comportamentos intensivos de saúde e intervenções no estilo de vida, nível de atividade física, acesso a alimentos saudáveis ​​ou nutritivos, dieta ou determinantes socioeconômicos da saúde, o que foi uma limitação do estudo, os autores observado. 

Eles também disseram que não conseguiram diferenciar entre perda de peso intencional e não intencional.

“Compartilhar é se importar”
EndoNews: Lifelong Learning
Inciativa premiada no Prêmio Euro - Inovação na Saúde
By Alberto Dias Filho - Digital Opinion Leader
twitter: @albertodiasf instagram: diasfilhoalberto
Embaixador da Comunidade Médica de Endocrinologia - EndócrinoGram

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Doenças psiquiátricas e tempo após cirurgia bariátrica impactam no reganho de peso

A compulsão alimentar – ingestão descontrolada de grande quantidade de alimentos, sem apetite e quase sem mastigar, seguida por um sentimento de culpa e angústia – foi o transtorno psicológico mais associado ao reganho de peso em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, como mostra uma pesquisa de doutorado do Instituto de Psicologia (IP) da USP realizada em um hospital privado na cidade de João Pessoa (Paraíba).

O estudo envolveu 121 pacientes entre 18 e 65 anos, submetidos à cirurgia bariátrica no Centro de Tratamento Médico e Obesidade do Hospital Samaritano, na capital paraibana. Mais de 90% deles voltaram a engordar depois do procedimento cirúrgico, sendo que 16% apresentaram transtorno de compulsão alimentar leve e 6%, a forma grave. A coleta de dados foi obtida de forma on-line entre 2020 e 2022. A pesquisa ainda contou com uma revisão da literatura científica sobre o tema a partir de bases de dados nacionais e internacionais.

“A cirurgia bariátrica é considerada padrão ouro para o tratamento da obesidade mórbida, mas a recidiva de peso observada em alguns pacientes é preocupante sob o aspecto do desfecho em relação ao controle metabólico e nutricional”, explica ao Jornal da USP a autora do estudo, a enfermeira especialista no pós-cirúrgico de obesos mórbidos, Jogilmira Macedo Silva Mendes.

A obesidade é classificada de acordo com o Índice de Massa Corporal (IMC), calculado a partir da divisão do peso (em quilos) pela altura ao quadrado (em metros). Se o resultado for entre 25 e 29, a pessoa é considerada com sobrepeso; entre 30 e 34, é obesidade grau I; entre 35 e 39, é obesidade grau II; e igual ou superior a 40, é obesidade grau III. Os pacientes avaliados por Jogilmira Macedo haviam passado pelo procedimento cirúrgico há, pelo menos, três anos; sofriam de obesidade graus II e III (os tipos mais graves); e apresentavam reganho de peso de mais de 10% do valor perdido logo após a cirurgia.

O cálculo para o reganho de peso foi obtido por meio da diferença entre a maior perda alcançada pelo paciente após a cirurgia (denominado nadir) e o peso que ele voltou a ter (a recidiva). “É o momento ‘lua-de-mel’ pós-bariátrica, que corresponde a um período de mais ou menos 18 meses após a realização do procedimento cirúrgico, quando a pessoa perde mais peso, está mais motivada e disposta a seguir as recomendações médicas e nutricionais. Passado esse momento, o apetite, que estava reduzido, volta a crescer; o peso se estabiliza e depois passa a aumentar”, diz.

A pesquisa

Para avaliar os pacientes, Jogilmira Macedo utilizou questionários contendo perguntas relacionadas aos dados sociodemográficos e clínicos dos pacientes e três escalas – a de Compulsão Alimentar Periódica (Ecap), para avaliar a compulsão alimentar; a Ehad, para medir o nível de ansiedade e a depressão; e a Audit, para medir o consumo e provável dependência de álcool.

A Ecap é composta de 16 itens que avaliam a gravidade da compulsão alimentar dos pacientes levando em conta as manifestações comportamentais e os sentimentos e cognições envolvidos num episódio de compulsão alimentar. A classificação é feita de acordo com a pontuação obtida, sendo indivíduos com pontuação menor ou igual a 17 considerados sem compulsão; com pontuação entre 18 e 26, com compulsão moderada; e aqueles com pontuação maior ou igual a 27, com compulsão grave.

Também foram feitos cálculos porcentuais com o excesso de peso (EP) antes da cirurgia, da perda de excesso de peso (PEP) e do reganho de peso (RP), cruzando os dados referentes ao três momentos distintos: o peso pré-operatório (até 30 dias antes da cirurgia), o peso nadir (menor peso atingido pós-cirurgia) e o peso recidiva (peso recuperado em relação ao nadir).

Resultados

Feitas as correlações entre comorbidades psíquicas e reganho de peso, Jogilmira Macedo relata que, embora os pacientes apresentassem níveis variados de transtornos psíquicos (como ansiedade, depressão e alcoolismo), o que apresentou uma maior associação ao reganho de peso foi o transtorno de compulsão alimentar. De acordo com a escala Ecap, 16% tiveram a forma mais leve desse transtorno e 6% a forma grave. O porcentual de pessoas que voltaram a engordar após a cirurgia bariátrica (cálculo feito entre o menor peso atingido pelo paciente depois da cirurgia e a recidiva) foi de 92,4%.

A pesquisadora reforça a importância de um acompanhamento médico multidisciplinar dos pacientes antes, durante e após a cirurgia bariátrica, o que, em sua opinião, garantiria melhores resultados do procedimento.

“A cirurgia bariátrica controla a obesidade, mas não trata da dinâmica psíquica que leva a pessoa a usar a comida como mediadora para lidar com os seus conflitos. O corpo foi cuidado, mas as questões emocionais que levaram ao comportamento alimentar disfuncional podem persistir”, diz.

Tempo pós-cirúrgico e impacto na manutenção do peso
Para Leorides Severo Duarte Guerra, psicóloga e pós-doutoranda da Faculdade de Medicina (FMUSP), os transtornos psiquiátricos são comuns em pacientes com obesidade grave e podem afetar os resultados de perda de peso após a cirurgia bariátrica. No entanto, ela diz que a relação de longo prazo entre transtornos psiquiátricos e mudanças de peso ainda não está clara.

Em uma pesquisa que fez com 189 pacientes do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP, a psicóloga investigou essa associação ao longo de um período de oito anos (2011 a 2019). Segundo a pesquisadora, neste estudo, o aumento de peso após a cirurgia não ficou associado à presença dos transtornos psiquiátricos. “Observamos que os transtornos psiquiátricos – incluindo depressão e compulsão alimentar – tiveram uma tendência a aumentar após a cirurgia bariátrica, porém, o tempo decorrido pós-cirúrgico teve maior impacto na manutenção do peso do que os transtornos psiquiátricos. O aumento de peso ocorreu ao longo do tempo, independentemente dos transtornos psiquiátricos”, relata.

A pesquisa com os pacientes do HC foi orientada pelo professor Wang Yana Pang, médico psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital da Clínicas da FMUSP, e supervisão do professor Francisco Lotufo Neto, do Instituto de Psicologia.

Comorbidades psiquiátricas

Sobre o resultado do estudo realizado com pacientes no hospital na Paraíba, a psicóloga diz que, apesar da compulsão alimentar ser frequente entre pacientes com reganho de peso, ela não responde sozinha pelo problema porque os transtornos psiquiátricos são comórbidos.

“A compulsão alimentar é uma condição complexa e multifatorial e pode incluir diversos fatores, como emocionais, biológicos, ambientais, sociais, padrões alimentares disfuncionais e dietas restritivas. Cada indivíduo pode ter uma combinação única de causas subjacentes à sua compulsão alimentar”, diz.

“O acompanhamento de longo prazo e o suporte são cruciais para otimizar os resultados de perda de peso e tratar as comorbidades psiquiátricas em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica”, reforça.

A tese de doutorado Aspectos psicológicos associados ao reganho e excesso de peso tardios em pessoas submetidas a cirurgia bariátrica teve orientação do professor Francisco Lotufo Neto, do Instituto de Psicologia da USP, e foi defendida em julho deste ano. Um artigo de revisão foi publicado na Research Society and Development. Outro artigo, sobre perfil clínico de pacientes bariátricos, foi submetido à revista ABCD Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva.

domingo, 28 de maio de 2023

[Conteúdo exclusivo para Médicos e Nutricionistas ] - Guia Brasileiro de Nutrição em Cirurgia Bariátrica e Metabólica

A cirurgia bariátrica (CB) tem se mostrado uma opção de tratamento eficaz para promover a perda de peso a curto prazo, além de controlar e reverter diversas doenças, o que justifica a necessidade de ter um guia brasileiro para tal condição.

Nos últimos anos, observou-se no Brasil um aumento de quase 85% no número de procedimentos e, com isso, a necessidade de condutas nutricionais adequadas para garantir o sucesso da cirurgia também cresceu.

Para suprir a lacuna de recomendações específicas para a nossa população, foram elaboradas diretrizes que abordam os critérios estabelecidos para a realização da cirurgia bariátrica, bem como as novas indicações sugeridas pela Associação Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e pela Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade.

Foram incluídas recomendações para auxiliar na prática clínica individualizada dos nutricionistas brasileiros, no manejo nutricional de pacientes bariátricos, incluindo tratamento nutricional pré e pós-operatório, suplementação nutricional, hipoglicemia e hiperinsulinemia reativa, recorrência de obesidade, microbiota e doenças inflamatórias intestinais.

Recomendações nutricionais para pacientes submetidos a cirurgia bariátrica

A diretriz elenca uma série de recomendações que envolve tanto técnicas não-cirúrgicas e mais simples, como o balão intragástrico, como as técnicas cirúrgicas convencionais, incluindo fatores de indicação, métodos a serem considerados na avaliação nutricional e as principais recomendações no tratamento pré e pós cirúrgico.

Avaliação e diagnóstico nutricional

A avaliação nutricional deve ser realizada em todas as fases do tratamento e é fundamental conhecer o histórico do paciente, seus hábitos, tratamentos anteriores, presença de comorbidades, presença de transtornos alimentares, alergias, padrões alimentares e investigar o histórico familiar (obesidade ou outras condições crônicas).

Alguns aspectos devem ser levados em consideração:
  • Classificação de peso corporal: eutrófico/IMC normal (IMC 25 kg/m²), obesidade grau I (IMC 30 kg/m²) e obesidade grave (IMC ≥ 50 kg/m²).
  • Peso adequado: definido por meio da dedução do peso adequado (IMC 25 kg/m² × Altura² ou IMC 30 kg/m² × Altura²) com relação ao peso atual.
  • Circunferência da cintura: parâmetro para avaliar o risco de doenças cardiovasculares, com limitações devido à adiposidade na região (recomenda-se medir a circunferência considerando a maior protuberância, preferencialmente na altura do umbigo).
  • Circunferência da panturrilha: método para estimar a massa muscular e diagnosticar a sarcopenia do envelhecimento e obesidade sarcopênica, podendo ser afetada pelo excesso de gordura subcutânea ou acúmulo de fluidos (deve ser usada na ausência de edema).





Orientações nutricionais após a introdução de uma dieta sólida:
  • Introduzir gradativamente os alimentos sólidos;
  • Priorizar a mastigação;
  • Ingerir alimentos sempre cozidos (evitando alimentos crus);
  • Limitar a ingestão de pães e massas (aderem ao balão e podem causar halitose);
  • Ingerir ½ copo de água 30 minutos antes e após as refeições;
  • Evitar deitar-se após as refeições (aguardar pelo menos 2 horas);
  • Exercitar-se por 15 a 30 minutos diariamente (caminhadas e exercícios leves).

10 passos para uma manutenção de peso bem-sucedida:
  • Continuar o acompanhamento nutricional mensalmente ou a cada dois meses para manter a perda de peso (por seis meses);
  • Seguir as recomendações nutricionais (perda de peso insuficiente está associado à não adesão às recomendações e não cumprimento das orientações dietéticas);
  • Comer 3 refeições e 2 pequenos “lanches inteligentes” ao longo do dia;
  • Comer devagar e mastigar bem a comida;
  • Evitar alimentos ricos em açúcar e carboidratos simples e limitar o consumo de álcool 1-2 bebidas/semana;
  • A ingestão de líquidos deve ser de 8 a 10 copos de água/dia;
  • Ingerir proteínas de alto valor biológico em todas as refeições;
  • Monitorar o peso uma vez por semana;
  • Praticar exercícios físicos regularmente (pelo menos 3 vezes por semana), atingindo o objetivo de 10.000 passos/dia;
  • Evitar: lanches entre as refeições, se alimentar pouco antes de dormir, alimentos processados (batata frita, barra de cereais e biscoitos, pois a maioria desses alimentos contém ingredientes que estimulam o apetite e são ricos em sódio, gordura e carboidratos).

Para uma adequação alimentar completa, deve-se seguir os modelos My Plate e DASH, que recomendam refeições menores e ricas em proteínas, grãos integrais, vegetais, frutas e alimentos fontes de ômega 3, excluindo doces.

  • Proteína: entre 60 e 120g/dia, ou 1,5g/kg/dia de peso ideal para adultos, podendo ser maior em alguns casos (manutenção da massa magra).
  • Água: ingestão mínima de 1,5L de água por dia.
  • Carboidratos: no pós-operatório deve iniciar com 50g e aumentar gradativamente.
  • Fibras: pelo menos cinco porções/dia de frutas e vegetais frescos (400g), incluindo prebióticos.
  • Lipídios: 20 a 35%.
  • Comportamentos alimentares: mastigação adequada, alimentação consciente, saciedade, evitar líquidos durante as refeições e limitar o consumo de açúcares simples, bebidas gaseificadas e álcool.
Por que ter Guia Brasileiro de Nutrição em Cirurgia Bariátrica e Metabólica?

O Nutritotal conversou com a nutricionista Carina Rossoni, Doutora em Ciências da Saúde e uma das autoras desse guia para entender a sua importância para os profissionais brasileiros. Veja o que o ela nos disse sobre as cirurgias bariátricas e metabólicas no Brasil.

Carina, qual o perfil dos pacientes que buscam a cirurgia bariátrica no Brasil?

Perfil dos pacientes submetidos ou que têm acesso ao tratamento cirúrgico da obesidade no Brasil, são mulheres, jovens e homens com superobesidade, ambos que apresentam comorbidades associadas de forma elevada, tais como hipertensão arterial, diabetes, esteatose hepática, dislipidemia, síndrome metabólica, síndrome de apneia obstrutiva do sono, osteoartropatias, síndrome de ovários policísticos e demais.  Que realizaram inúmeros tratamentos para a redução do peso, com acompanhamento, por meio de dietas hipocalóricas e medicamentos, sem resposta considerando o quadro clínico de indicação para a cirurgia bariátrica e metabólica: IMC ≥ 35kg/m2 com comorbidades, ou IMC ≥ 40kg/m2.

Cabe destacar que, há 7 anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM), aprovou o tratamento cirúrgico do diabetes tipo 2, com critérios para a falha de tratamento e obesidade leve com IMC entre 30kg/m2 e 34,9kg/m2. Logo no ano passado, 7% de todas as cirurgias bariátricas e metabólicas realizadas no Brasil, 21.875 mil pessoas portadoras de DM2 foram beneficiadas (SBCBM, 2023).

Logo este perfil, amplia-se a medida que pessoas mais doentes, metabolicamente falando, possuem indicação de tratamento cirúrgico, com uma obesidade grau I.

Quanto o nutricionista é procurado para fazer uma carta de indicação para cirurgia, o que ele deve considerar?

Ele deve conhecer: história/curso das doenças (obesidade e/ou diabetes), tratamentos previamente realizados, história familiar, doenças associadas, aspectos sociais, econômicos e emocionais, rede de apoio, atividade laboral, prática de atividade física. E claro, avaliação nutricional formal e sistematizada: antropométrica, bioquímica, dietética, (padrão/comportamento alimentar) composição corporal, exame físico.  Conhecer o contexto, assim como estudar e muito sobre a obesidade/doenças metabólicas, os critérios de indicação de tratamentos.

Já a emissão do laudo nutricional para a cirurgia: além de constar as informações descritas acima, a descrição da evolução do tratamento nutricional no pré-operatório.

Qual é a importância de ter um guia nacional sobre o tema?

Nortear a prática clínica dos nutricionistas que atuam na área do tratamento da obesidade, em todas as esferas de atendimento em nutrição no Brasil, baseada em evidências científicas nacionais e internacionais, a fim de promover qualidade e segurança no tratamento das pessoas que vivem com esta doença tão grave e estigmatizada. Cabe destacar que neste guia além de estar adequado aos novos critérios, atualizados, de indicação  para a cirurgia bariátrica e metabólica, contempla: sistematização do tratamento nutricional a qual abrange desde a pré-admissão, pré-operatório e o pós operatório (adolescente, adulto, idoso, gestante e vegetarianismo), suplementação nutricional,  hipoglicemia e hiperinsulinemia reativa; recorrência da obesidade e o manejo nutricional nas doenças inflamatórias intestinais e microbiota.

Pensando na prática clínica, o que você considera essencial para que nutricionistas atendam esse público da melhor forma possível, pensando em proporcionar saúde e qualidade de vida a longo prazo?

Ter conhecimento sobre a doença obesidade, doença metabólica, sobre o que é! Compreender os aspectos fisiológicos do trauma, pois precisamos lembrar sempre que o nosso paciente é um paciente cirúrgico. Estar em constante atualização e aperfeiçoamento sobre a obesidade e o diabetes. Avaliação, diagnóstico e a intervenção nutricional nas doenças metabólicas.

Somente a partir do conhecimento (baseado em evidências) permite-se:

– Acolher este público, uma vez que são pessoas que vivem com doenças complexas (obesidade e diabetes) estigmatizadas, de difícil controle e redicivantes.

– Iniciar o processo de educação alimentar, e não reeducação, de acordo com a realidade de cada um e do que a CBM exige:  desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis e sustentáveis, associados aos bons hábitos de vida (atividade físicas) para a manutenção da remissão das doenças metabólicas a longo prazo.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

[Conteúdo para médicos e nutricionistas] - Mecanismos de perda de peso após cirurgia de obesidade

Resumo

A cirurgia de obesidade continua sendo o tratamento mais eficaz para a obesidade e suas complicações.

A perda de peso foi inicialmente atribuída à diminuição da absorção de energia do intestino, mas desde então tem sido associada a um comportamento apetitivo reduzido e um gasto energético potencialmente aumentado.

Os mecanismos implicados que associam o rearranjo do trato gastrointestinal com esses resultados metabólicos incluem o controle central do apetite, a liberação de peptídeos intestinais, a mudança na microbiota e os ácidos biliares.

No entanto, a combinação exata e o tempo dos sinais permanecem em grande parte desconhecidos.

Nesta revisão, levantamos pesquisas recentes que investigam esses mecanismos e buscamos fornecer insights sobre questões não respondidas sobre como a perda de peso é alcançada após a cirurgia bariátrica, que pode eventualmente levar a intervenções de perda de peso não cirúrgicas mais seguras ou combinações de medicamentos com cirurgia.

• Pontos Essenciais

  1. A cirurgia de obesidade induz perda de peso significativa, mas os mecanismos exatos permanecem obscuros.
  2. Mudanças na seleção de alimentos ocorrem após a cirurgia de obesidade e esse mecanismo pode complementar a redução da fome e o aumento da saciedade.
  3. O aumento do gasto energético pode ser um mecanismo que contribui para a perda de peso, mas os relatórios são controversos.
  4. A secreção elevada pós-prandial de peptídeos intestinais anoréxicos é considerada um mediador chave do aumento pós-operatório observado na saciedade.
  5. A cirurgia de obesidade induz um aumento na riqueza da microbiota intestinal, que pode desempenhar um papel direto no controle da adiposidade regulando o metabolismo lipídico

INTRODUÇÃO

A cirurgia de obesidade nas últimas 6 décadas tem sido bem-sucedida não apenas em fornecer um meio de alcançar uma perda substancial de peso, mas também em nos dar muitos novos insights sobre a fisiopatologia da obesidade. 

A cirurgia de obesidade foi descrita pela primeira vez na década de 1960, quando foi observado que pacientes com gastrectomia subtotal por câncer perderam uma quantidade considerável de peso.

Várias modificações na técnica levaram ao primeiro bypass gástrico laparoscópico em 1994 e ao estabelecimento das 3 técnicas mais utilizadas na prática clínica atualmente.

As 2 principais abordagens que são amplamente realizadas atualmente são bypass gástrico em Y-de-Roux (RYGB) e gastrectomia vertical vertical (VSG).

O BGYR envolve a criação de uma pequena bolsa gástrica (~30 mL) que é anastomosada ao jejuno proximal, que foi transectado a 30 a 75 cm do ligamento de Treitz, para formar o “membro alimentar”. 

A continuidade do intestino é restaurada através de uma anastomose jejuno-jejunal entre o membro alimentar e o membro biliopancreático excluído aproximadamente 75 a 150 cm distal à gastrojejunostomia.

Como resultado, a comida contorna a maior parte do estômago, todo o duodeno e o jejuno proximal. 

VSG envolve dividir o estômago ao longo de seu comprimento vertical para criar uma manga e remover ~75% de seu volume.

Embora diminuindo em popularidade, a banda gástrica ajustável (AGB) envolve a colocação de um anel de silicone ao redor do estômago proximal, abaixo da junção gastroesofágica. A pressão do anel é ajustada através de fluido injetado ou retirado de uma porta subcutânea (5).

A eficácia não é a mesma entre os procedimentos, já que o BGYR e o VSG causam mais peso do que o AGB.

Os pacientes se beneficiam não apenas da perda de peso, mas mais vitalmente de melhorias no controle glicêmico, redução da morbidade e mortalidade cardiovascular e redução da incidência de câncer.

Todos os 3 procedimentos não causam restrição mecânica com pouca ou nenhuma má absorção de macronutrientes. 

Em vez disso, a perda de peso se deve a mudanças na fisiologia da regulação do peso corporal.

Nesta revisão, exploraremos os mecanismos biológicos subjacentes à perda de peso. 

Não discutiremos os mecanismos subjacentes às melhorias glicêmicas/metabólicas, pois eles estão fora do escopo já amplo desta revisão. O impacto da cirurgia de obesidade no metabolismo parece ser predominantemente devido à perda de peso substancial e sustentada, mas dado o grande número de mecanismos que não estão relacionados à perda de peso, esperamos que o resultado metabólico benéfico em nível individual possa ser um composto da perda de peso, juntamente com mecanismos não relacionados à perda de peso.

Vamos nos concentrar em estudos mecanicistas em humanos e modelos animais com foco em BGYR, VSG e AGB, pois são as operações mais comumente realizadas. 

Embora os dados em animais nem sempre se apliquem a humanos, eles também levantam novas questões que podem ser respondidas em humanos e respondem a perguntas que não podem ser respondidas em humanos.

  • Mecanismos Subjacentes à Perda de Peso Após Cirurgia de Obesidade (RYGB, VSG, AGB)
  • Comportamento Alimentar
  • Redução na ingestão de energia

A teoria do setpoint apoia a noção de que a trajetória de peso corporal de um indivíduo durante a vida é predominantemente influenciada por sua composição genética, que interage com fatores não biológicos (por exemplo, sociais, psicológicos) para determinar o fenótipo final . 

Qualquer perda de peso abaixo ou acima do setpoint é percebida como um sinal de alarme pelas áreas do cérebro que regulam a ingestão e o gasto de energia, como o hipotálamo e o tronco cerebral.

Essas áreas estão localizadas nas áreas subcorticais do cérebro envolvidas na função automatizada, como respiração ou temperatura corporal. 

O hipotálamo e o tronco cerebral recebem sinais humorais e neurais contínuos e altamente precisos do tecido adiposo, estômago, intestino e pâncreas em relação aos estoques de energia corporal e à ingestão aguda de energia, respectivamente. 

Após a perda de peso, esses mensageiros mudam e sinalizam o esgotamento dos estoques de energia corporal, o que é desvantajoso do ponto de vista evolutivo. 

O caminho comum final desse mecanismo é a defesa do ponto de ajuste do peso corporal do indivíduo através de um aumento da fome e redução da saciedade, o que desencadeia as áreas de função executiva localizadas nas áreas corticais do cérebro para buscar e consumir alimentos.

Um bom exemplo de como esse sistema é ativado é a perda intencional de peso através de dietas restritivas calóricas. 

Pessoas em restrição calórica grave frequentemente relatam uma diminuição na fome e aumento na saciedade durante a fase aguda do balanço energético negativo. 

No entanto, a grande maioria tem dificuldade em manter o peso que perdeu quando ele se estabiliza durante a fase de balanço de energia estável. 

Isso apesar das áreas corticais do cérebro que controlam a contenção alimentar trabalhar intensamente para manter o peso corporal perdido. 

O aumento da fome e a diminuição da saciedade sinalizada pelo hipotálamo/tronco cerebral resultam em um aumento na ingestão calórica, o que eventualmente leva ao reganho do peso perdido e, em muitos casos, ao estabelecimento de um novo ponto de ajuste maior do que a linha de base original.

Ciclos repetidos desse processo aumentam o ponto de ajuste do peso corporal, tornando progressivamente mais difícil alcançar a perda de peso sustentada.

Consequentemente, qualquer terapia bem-sucedida de perda de peso e manutenção deve ser sofisticada o suficiente, do ponto de vista biológico, para neutralizar esse elaborado sistema de regulação do peso corporal.

A cirurgia de obesidade provou ser biologicamente muito sofisticada e, portanto, é uma terapia eficaz. 

Semelhante à restrição calórica durante a fase de equilíbrio negativo agudo, os pacientes após a cirurgia relatam uma diminuição da fome e aumento da saciedade.

A principal diferença entre a cirurgia de dieta e obesidade é que, após a cirurgia, o ponto de ajuste do peso corporal é reduzido em aproximadamente 20% a 30%.

A manipulação do estômago e do intestino delgado resulta em alterações favoráveis nos sinais humorais e neurais do intestino ao cérebro que são propícias à manutenção desse setpoint de peso corporal recém-estabelecido.

A comparação dos relatos dos pacientes e do peso real durante a fase de platô da perda de peso durante a dieta vs cirurgia de obesidade é intrigante. 

Mesmo após a cirurgia, os pacientes relatam um aumento “alarmante” na fome e diminuição da saciedade durante a fase de balanço energético estável e, de fato, isso se traduz tanto em maior ingestão de energia durante as refeições quanto em um aumento na frequência de refeições.

No entanto, o peso corporal aumenta apenas marginalmente e nunca atinge o valor pré-operatório na maioria dos casos. 

Enquanto neste novo setpoint, a intensidade dos sentimentos internos de fome e saciedade pode retornar a níveis quase pré-operatórios, a sinalização alterada do intestino atua continuamente para reduzir a ingestão total de energia durante um período de 24 horas, a fim de defender robustamente o novo normal.

Pacientes que perdem peso através da farmacoterapia (por exemplo, com agonistas do receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon [GLP-1]) relatam alterações muito semelhantes em seu apetite durante a fase aguda e crônica de sua jornada de perda de peso.

A única diferença é que o tamanho do efeito da farmacoterapia é menor do que o da cirurgia, e isso ocorre porque os medicamentos alteram apenas 1 ou algumas das vias de sinalização nos centros de apetite do cérebro.

A perda de peso após o desvio biliopancreático destaca ainda que os mecanismos pelos quais essas operações funcionam são fisiológicos e não de natureza “cognitiva”. 

Este procedimento é a operação mais eficaz para perda de peso, mas raramente realizada atualmente devido às complicações nutricionais graves associadas. 

O bypass intestinal muito longo neste procedimento resulta em má absorção franca de macronutrientes e perda de peso. 

Os centros de apetite cerebral detectam isso rapidamente e compensam aumentando a fome. 

Pacientes após o desvio biliopancreático geralmente consomem mais calorias em comparação com antes de sua operação. 

No entanto, mesmo essa hiperfagia não é suficiente para compensar a grave perda de calorias através do intestino, que é, portanto, o mecanismo dominante que causa a perda de peso.

• Correlatos neurais de redução na ingestão de energia.

O hipotálamo é uma área cerebral crítica que controla a ingestão e o gasto de energia por meio de 2 conjuntos de neurônios antagonistas: neurônios peptídeos relacionados à agouti (AgRP) para promover a fome e neurônios pró-opiomelanocortina (POMC) para promover saciedade (Fig. 1). 

O neuropeptídeo Y (NPY) é secretado pelos neurônios AgRP e é um fator orexígeno. A expressão gênica hipotalâmica de Agrp, Npy e Pomc muda após a cirurgia de BGYR, mas os achados não são consistentes e muitas vezes carecem de um modelo de restrição calórica pareado por peso. 

Os níveis de expressão de Agrp hipotalâmica em ratas obesas são regulados positivamente em comparação com controles enxutos, mas descem para níveis semelhantes aos animais magros após o BGYR. 

A expressão gênica de Pomc não muda. Um estudo recente investigou a expressão de NPY hipotalâmico e AgRP em camundongos obesos, seguindo o BGYR e comparou os resultados com um modelo pareado por peso. 

Durante as primeiras 2 semanas de pós-operatório, quando o pico de perda de peso foi observado, a expressão hipotalâmica dos genes Agrp e Npy não aumentou em comparação com camundongos submetidos a cirurgia simulada, sugerindo que os sinais compensatórios de fome nos camundongos RYGB não foram ativados.

Em contraste, quando a mesma quantidade de perda de peso foi alcançada por restrição calórica em um grupo diferente de camundongos, observou-se aumento da expressão de Agrp e Npy. 

Vale ressaltar que a expressão de Pomc não foi alterada em um grau semelhante ao Agrp, indicando que o BGYR suprime a resposta adaptativa de fome desencadeada pela perda de peso.

Da mesma forma, o VSG não altera a expressão dos genes Npy e Agrp em ratos obesos 4 semanas após a cirurgia.

Um estudo que comparou ratos obesos tratados com VSG e AGB 6 semanas após a cirurgia mostrou que a expressão hipotalâmica de Npy foi significativamente menor e a expressão de Pomc foi significativamente maior no grupo VSG.

Dados os momentos pós-operatórios semelhantes, quaisquer discrepâncias entre os achados desses estudos sobre Agrp, Npy e Pomc podem ser devidas à tensão de roedores, diferenças, tipo de dieta e tempo de exposição e variações na técnica cirúrgica.

O tronco cerebral é o outro ator-chave na supressão da fome induzida pela cirurgia de obesidade. 

O forte impulso orexígeno decorrente de neurônios arqueados AgRP/NPY pode resultar em parte da inibição de um circuito de anorexia alimentar igualmente forte organizado ao redor do núcleo parabraquial lateral e tronco cerebral.

A medição da ativação neuronal induzida por refeição por meio de c-Fos em camundongos obesos mostrou que o circuito de anorexia de tronco cerebral pode ter um papel potencial nas alterações neurais e comportamentais adaptativas envolvidas na forte supressão precoce da ingestão de energia após o BGYR.

Esses achados de modelos animais apoiam as observações de humanos em que a direção da mudança na expressão de neuropeptídeos no hipotálamo e tronco cerebral após BGYR e VSG é oposta à dieta e favorece a manutenção de um ponto de ajuste de menor peso corporal.

• Sinalização neural.

Acredita-se que o mecanismo de ação do AGB seja exclusivamente através da sinalização vagal. 

A injeção de fluido através da porta subcutânea aumenta a pressão extraluminal sobre as aferências vagais, enviando um sinal anorexígeno para o tronco cerebral, mesmo no estado de jejum.

Esse mecanismo é ainda mais exagerado através do aumento da pressão intraluminal fundal exercida pelo consumo de alimentos, levando à saciedade precoce durante uma refeição. 

É comum que os profissionais de saúde injetem progressivamente mais líquido no AGB em pacientes que não perdem peso suficiente. Isso eventualmente leva a restrições mecânicas e vômitos. Esta é uma complicação evitável que deve ser evitada e, em vez disso, uma decisão precoce deve ser tomada para remover o AGB em pacientes que não respondem. 

Mais pacientes não respondem ao AGB em comparação com o BGYR/VSG porque o AGB ativa apenas 1 sistema de sinalização para o cérebro, em oposição à infinidade de sinais anorexígenos após o BGYR/VSG. 

Um estudo em ratos sugeriu que os sinais transmitidos por aferências vagais do intestino delgado médio e inferior contribuem para a perda de peso corporal precoce induzida pelo BGYR e redução da ingestão de alimentos.

A interrupção das aferências vagais e/ou eferentes ocorre durante a cirurgia de BGYR e VSG; se isso afeta o apetite e a perda de peso pós-operatória ainda não está claro. 

Alguns estudos sugeriram que a técnica cirúrgica de poupação vagal afeta a perda de peso corporal em roedores e, portanto, o nervo vagal deve ser preservado durante a operação de bypass gástrico.

No entanto, existem dados limitados sobre o papel da dissecção do nervo vago no BGYR e VSG em relação ao peso corporal em humanos.

• Seleção de alimentos

Após a cirurgia de BGYR e VSG, mas não BGY, alguns pacientes também alteram sua seleção de alimentos.

Isso inclui uma mudança de preferência de alimentos doces e gordurosos com densidade energética para opções menos densas em energia. 

A maioria das pesquisas nessa área usou medidas indiretas de comportamento, como questionários, diários alimentares e relato verbal em sessões de memória. 

Embora estes tenham sugerido que a redução do consumo de alimentos densos em energia possa ser um mecanismo adicional de perda de peso após a cirurgia, eles também demonstraram grandes variações na resposta e heterogeneidade substancial nos achados.

Isso é particularmente perceptível nas medições de longo prazo do comportamento alimentar, 5 a 10 anos após a cirurgia, quando quaisquer mudanças precoces na seleção de macronutrientes tendem a se dissipar.

Apenas um pequeno número de estudos usou medidas diretas do comportamento alimentar, ou seja, observar as escolhas do participante durante uma refeição ad libitum ou uma tarefa de comportamento alimentar. 

As melhores evidências até agora sugerem que os pacientes que perderam mais peso foram aqueles que consumiram um menor percentual de alimentos com baixo índice glicêmico e baixo índice glicêmico, e maior percentual de proteína como proporção à sua ingestão calórica diária total.

A redução nas propriedades gratificantes dos alimentos é um dos mecanismos que sustentam as mudanças na seleção de alimentos (Fig. 2). 

Esse mecanismo tem sido investigado usando neuroimagem funcional. Os exames de ressonância magnética funcional e tomografia por emissão de pósitrons fornecem informações tanto sobre a direção da mudança quanto as áreas do sistema de recompensa cerebral que se correlacionam com as mudanças no comportamento alimentar observado ou relatado. 

Apesar das discrepâncias entre os estudos, há algum acordo de que há uma redução na ativação de áreas cerebrais que respondem às pistas envolvidas com propriedades gratificantes (por exemplo, fotos de alimentos) após BGYR e VSG.

O tamanho do efeito dessa redução é mais pronunciado após o BGYR em comparação com o VSG.

Os hormônios intestinais são mediadores subjacentes a essa observação, já que o bloqueio reverte parcialmente a redução na ativação dessas regiões cerebrais.

Isso está de acordo com dados animais e humanos que demonstram que hormônios intestinais, como o peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) e o peptídeo YY (PYY), não apenas reduzem a fome e aumentam a plenitude, mas reduzem as propriedades gratificantes dos alimentos através de sua ação direta em seus receptores em áreas de recompensa cerebral.

Deve-se notar que os achados funcionais de neuroimagem devem ser interpretados com alguma cautela, pois medem apenas correlatos neurais do comportamento alimentar, não do comportamento em si. 

Os paradigmas disponíveis também não permitem granularidade suficiente sobre se as respostas cerebrais medidas às imagens alimentares refletem um comportamento apetitoso ou consumatório.

A função gustativa alterada é outro mecanismo subjacente às mudanças na seleção de alimentos após BGYR e VSG. 

Com relação ao domínio sensorial do paladar, a acuidade para o sabor doce é aumentada apenas no pós-operatório imediato.

Portanto, é improvável que seja responsável por efeitos a longo prazo. Alterações seletivas no valor de recompensa apetitiva do sabor doce/gordurosa também foram relatadas em humanos 3 meses após o BGYR e o VSG, ou seja, durante a fase aguda do balanço energético negativo, mas esses achados não foram replicados em modelos animais de BGYR durante a fase de balanço energético estável.

A medição válida do valor de recompensa consumatória do paladar é desafiadora em humanos, pois depende inteiramente do uso de medidas indiretas, como uma escala analógica visual. 

Estudos usando uma escala analógica visual após a cirurgia do BGYR mostraram resultados discrepantes.

Há mais consistência na literatura de roedores, na qual as respostas orofaciais, um bom marcador de respostas consumatórias, aumentam para baixas concentrações de glicose e diminuem para altas concentrações de glicose após o BGYR.

O terceiro domínio da função gustativa é denominado preparação digestiva e a salivação é um marcador dessa resposta reflexa aos tastants. 

As taxas de salivação se correlacionam com os aspectos gratificantes do tastant e as pessoas com obesidade demonstram maiores taxas de salivação para controles de peso normal.

Tentativas foram feitas para medir as taxas de salivação após a cirurgia de obesidade, mas com resultados mistos.

A experiência do nosso grupo com a medição das taxas de salivação em humanos é que as metodologias disponíveis sofrem de baixa reprodutibilidade (dados não publicados).

A sinalização neural também contribui para mudanças no valor gratificante de gordura e açúcar após a cirurgia. 

Isso foi investigado em ratos obesos submetidos ao BGYR, pois foram encontrados produzem menos da molécula de saciedade gorda oleoiletanolamida no intestino delgado, e esse efeito foi associado a aumentos impulsionados pelo nervo vago na liberação de dopamina estriatal dorsal.

A inibição da sinalização local do receptor de dopamina-1 estriatal local de oleoileo, vagal e estriatal foi inibida, os efeitos benéficos do BGYR na ingestão de gordura e preferências foram revertidos.

A sinalização neural pós-ingestiva, na forma do que é amplamente conhecido como síndrome de dumping, pode contribuir para as reduções subjacentes no alto índice glicêmico ou alimentos gordurosos após o BGYR, e menos ainda após o VSG. 

Os pacientes relatam sensações desagradáveis de náuseas, sudorese e tonturas logo após o consumo de alimentos açucarados ou gordurosos, o que em algumas pessoas pode resultar em evitar o paladar condicionado.

Durante esse processo de aprendizado, esses sintomas desagradáveis são presumivelmente gerados através de deslocamentos osmóticos entre o intestino e a circulação e sinalização neural alterada. 

Esses sintomas geralmente estão associados à ingestão de alimentos específicos. Isso não leva à extinção completa desses alimentos do consumo regular, ou seja, aversão, mas sim sua evitação. 

Assim, os alimentos permanecem agradáveis ao sujeito, mas somente quando consumidos em quantidades menores.

Deve-se notar que a síndrome de dumping não está presente em todos os pacientes após o BGYR e pode ser que seu impacto se dissipa ao longo do tempo. Isso pode ser devido à adaptação intestinal que continua ocorrendo por anos após a cirurgia. O dumping é menos comum após VSG e AGB, operações que não envolvem bypass duodenal.

No geral, os dados disponíveis sugerem que as mudanças na seleção de alimentos ocorrem em uma proporção de pessoas após o BGYR e VSG, mas não após o GBA. 

No primeiro, esse mecanismo poderia complementar a redução da fome e o aumento da saciedade para causar perda de peso adicional. 

Se esse mecanismo persiste ao longo do tempo ou se dissipa após a adaptação intestinal permanece incerto. 

O processo de aprender a evitar alimentos que geram efeitos postestivos desagradáveis tem um impacto maior do que a função gustativa na formação das preferências alimentares após a cirurgia. Algumas das perguntas não resolvidas acima poderiam ser respondidas usando estadias residenciais em instalações que permitem que o comportamento alimentar humano esteja o mais próximo possível do normal. 

Tais experimentos poderiam ser conduzidos precoce e tardiamente após a cirurgia e complementados por estudos em modelos animais de cirurgia.

• Despesas de Energia

O aumento do gasto energético após a cirurgia de obesidade pode ser um mecanismo contribuinte para a perda de peso. 

O gasto energético de repouso foi medido em humanos após o BGYR, e os estudos mais recentes usando calorimetria indireta mostram que o gasto energético de repouso diminui no primeiro ano de pós-operatório, permanece estável ou até mesmo aumenta ligeiramente.

Essas alterações são relatadas como altamente dependentes da composição corporal do tecido do órgão, já que os pacientes com BGYR mantêm uma alta taxa metabólica maior de massa orgânica do que os controles não operados.

Além disso, a perda aguda de peso após a cirurgia de obesidade afetou a precisão das equações preditivas de gasto energético.

Um pequeno número de estudos usou calorimetria indireta de 24 horas, um método ideal para medir a oxidação do substrato, porque cada indivíduo pode se mover livremente, consumir refeições e praticar atividade física. 

Um estudo relatou que o gasto energético induzido pela dieta em pacientes 20 meses após o aumento do BGYR, o que resultou em uma contribuição aumentada para o gasto energético total ao longo de 24 horas, de uma média de 12,9 cal/min/kg para 14,7 cal/min/kg, quando corrigido para massa total de tecido, incluindo tecido adiposo total, massa corporal magra 

Outro estudo não relatou alterações no gasto energético induzido por dieta de 24 horas 11 semanas após o BGYR, embora isso não tenha sido corrigido para a massa tecidual total.

Nove anos após o BGYR, os pacientes apresentaram maior gasto energético induzido por dieta e gasto energético total de 24 horas em média 16,9 cal/min/kg do que os pacientes com gastroplastia vertical com bandas, um procedimento semelhante ao AGB, com 14,9 cal/min/kg.

Em um período de acompanhamento mais curto, o gasto energético de 24 horas diminuiu significativamente desde o início para 8 semanas após o tratamento em pacientes submetidos a BGYR, VSG, AGB e dieta muito baixa caloria, após ajuste para diminuições na massa livre de gordura e massa gorda. 

No entanto, esse efeito persistiu até 1 ano somente após o BGYR e VSG (RYGB, -124 ± 42; VSG, -155 ± 118 kcal/dia).

Além disso, os pacientes submetidos a desvio biliopancreático (consistindo de uma gastrectomia horizontal com reconstrução distal em Y-de-Roux, resultando em um membro alimentar de 250 cm e um canal comum de 50-100 cm) demonstraram aumento da termogênese induzida pela dieta (11,0% no início para 19,9% da ingestão calórica) e relacionada à atividade física. 

Um mecanismo que pode contribuir para o aumento do gasto energético durante uma refeição em humanos pode ser o aumento da utilização de glicose pelo intestino delgado hipertrofiado.

No entanto, o gasto energético absoluto é reduzido após a cirurgia em humanos e o aumento do gasto energético expresso por massa corporal total pode ser pelo menos em parte explicado pela mudança na composição corporal (ou seja, aumento da relação massa magra/gorda).

O tipo de dieta também pode afetar as medições do gasto energético. 

Um ensaio clínico randomizado em pacientes após perda de peso induzida por dieta mostrou que a redução da ingestão dietética de carboidratos aumenta o gasto energético durante a manutenção da perda de peso.

No entanto, a metanálise de 32 estudos de alimentação controlada com substituição isocalórica de carboidratos por gordura descobriu que tanto o gasto energético quanto a perda de gordura são maiores com menor gordura dietética.

Ao contrário das observações em humanos, a maioria dos estudos em modelos de roedores do BGYR relata um aumento no gasto energético total quando comparado com shams alimentados ad libitum e shams combinados com peso. 

Isso foi medido em diferentes momentos pós-operatórios usando calorimetria indireta ou fórmulas matemáticas validadas.

O VSG parece não induzir nenhuma mudança no gasto total de energia.

No entanto, a calorimetria indireta produz um erro absoluto de até 38% quando comparada com a calorimetria direta padrão.

Um estudo recente usou uma combinação de calorimetria direta e indireta sensível para superar essa limitação e demonstrou um aumento no gasto energético de repouso após o BGYR, mas não o VSG.

O tecido adiposo marrom (BAT) é um dos principais players na regulação do metabolismo energético por termogênese e depuração de triglicérides e desempenha um papel nas mudanças no gasto energético após a cirurgia de obesidade. 

Uma diminuição no conteúdo de triglicérides, juntamente com o aumento da proporção de BAT no depósito de gordura supraclavicular, foi encontrada em mulheres 6 meses após o BGYR e o VSG.

No entanto, o papel das BAT no gasto energético após a cirurgia de obesidade tem sido estudado principalmente em roedores. 

A expressão de genes termorregulatórios BAT importantes, como a proteína-1 desacoplamento (UCP-1) permanece inalterada após o BGYR, mas está reduzida em animais pareados com peso com restrição calórico e que o duodeno ignorado tem um papel fundamental no perfil metabólico pós-operatório observado.

O volume e a atividade metabólica das BAT, registrados por tomografia por emissão de micropósitrons/tomografia computadorizada, aumentaram após o BGYR, mas não após o AGB e o VSG.

Um mecanismo proposto para a atividade metabólica das BAT é um aumento observado no hormônio do crescimento/fator de crescimento semelhante à insulina-1, que regula a diferenciação de adipócitos.

Ao contrário do VSG, o BGYR causa um aumento na taxa metabólica total de repouso, bem como um aumento específico na atividade do nervo simpático esplâncnico e “marrom” da gordura mesentérica visceral via sinalização endocanabinóide no intestino delgado.

Embora estudos in vivo sejam vitais para desvendar os mecanismos de diferença de gasto energético após a cirurgia de obesidade, é importante notar a diferença de espécies entre camundongos e ratos, bem como as diferenças de cepas em uma única espécie. 

Há também diferenças entre roedores e BAT humanas, em termos de localização de depósitos, tecido adiposo bege e quantidade de BAT e capacidade termogênica.

Apesar disso, o conteúdo e a função UCP1 são semelhantes entre BAT humana e de camundongo.

No geral, ainda não está claro a partir das evidências existentes em que medida, se é que, a perda de peso pós-operatória é impulsionada pelo aumento do gasto energético após BGYR e VSG vs restrição calórica dietética, já que o metabolismo energético está intimamente associado às mudanças de peso corporal. 

A discrepância nos valores de gasto energético relatados nos estudos discutidos pode de fato ser devida a diferenças na dieta, composição corporal do paciente e medição do gasto energético. 

Essas incertezas nos sugerem que a contribuição fisiológica do gasto energético para a perda de peso após BGYR e VSG é pequena em comparação com a contribuição dominante da ingestão energética reduzida.

• Mediadores Subjacentes a •Mudanças na Consumo e Despesas de Energia Após Cirurgia de Obesidade

• Hormônios intestinais

Os hormônios intestinais são secretados em resposta à ingestão de nutrientes e regulam o balanço energético e a homeostase da glicose, sinalizando para o pâncreas, mas também por ação direta e indireta no tronco cerebral e nos núcleos arqueados hipotalâmicos.

Dois hormônios intestinais anorexígenos que têm sido amplamente investigados após a cirurgia de obesidade são GLP-1 e PYY, que são secretados pelas células L enteroendócrinas em todo o trato gastrointestinal.

Tanto o GLP-1 quanto o PYY estão elevados pós-prandialmente após BGYR e VSG, e a secreção aumentada tem sido hipotetizada como um mediador chave do aumento pós-operatório observado na saciedade.

As concentrações de jejum não mudam significativamente, sugerindo que não são os mecanismos subjacentes à redução da fome.

A ausência de restrição mecânica no nível da anastomose gastrojejunal após o BGYR permite a rápida entrega de nutrientes ao jejuno e ao íleo, onde o maior número de células L enteroendócrinas (principalmente secretoras de GLP-1) está localizado, desencadeando a secreção aumentada de hormônios intestinais anorexígenos.

 Estes exercem sua ação no tronco cerebral/sistema hipotalâmico através da estimulação de aferências vagais intestinais e atravessando a barreira hematoencefálica. 

Apesar da ausência de bypass intestinal, acredita-se que o VSG envolva o mesmo mecanismo através do rápido esvaziamento do remanescente gástrico de alta pressão, criando assim um bypass intestinal funcional. 

No entanto, o aumento pós-prandial nos hormônios intestinais anorexígenos após a VSG é menor do que o observado após o BGYR.

Isso pode explicar diferenças na eficácia da perda de peso das 2 intervenções e no reganho substancial de peso após o VSG no acompanhamento a longo prazo. 

Apesar da rápida entrega persistente de nutrientes para o intestino delgado distal, não há diminuição compensatória no número de células L após o BGYR.

Em contraste, após a adaptação intestinal, o número de células L aumenta, amplificando ainda mais a sinalização anorexigênica. 

A densidade de células enteroendócrinas no intestino delgado distal não muda, pois o volume intestinal também aumenta através da hipertrofia.

O bloqueio combinado do GLP-1 e do PYY por infusão única de antagonistas aumenta a ingestão de energia, apontando para o papel supressor do apetite em humanos após o BGYR.

Esses achados estão de acordo com experimentos nos quais a administração do análogo de somatostatina octreotide após BGYR e ABG em humanos resultou na supressão da secreção pós-prandial de PYY e GLP-1 e redução na ingestão de energia apenas no grupo BGYR.

A infusão crônica do antagonista seletivo do receptor GLP-1 exendina-(9-30) no ventrículo cerebral lateral aumentou significativamente a ingestão de energia e o peso corporal em ratos RYGB e sham-operados, enquanto a infusão crônica de um antagonista seletivo do receptor Y2 não teve efeito em nenhum dos grupos.

No entanto, camundongos deficientes em GLP-1R obesos (GLP-1–/–) perderam a mesma quantidade de peso corporal e massa gorda e mantiveram um peso corporal igualmente menor do que camundongos selvagens, seguindo o BGYR.

Essa observação indica baixa importância do GLP-1R na regulação do apetite e isso foi confirmado bloqueando a ação periférica e central do GLP-1R em camundongos RYGB e sham obese usando exendina-(9-30), o que não reverteu o efeito de perda de peso do BGYR ou influenciou o ganho de peso corporal semanal em camundongos sham.

Da mesma forma, camundongos deficientes em receptores Y2 obesos (PYY-/–) também responderam de forma semelhante ao BGYR em comparação com camundongos selvagens por até 20 semanas após a cirurgia, com hipofagia inicial e perda de peso corporal sustentada. 

Camundongos knockout Y2-R pareados com peso mostraram as mesmas melhorias no BGYR que as observadas em camundongos selvagens, sugerindo que a sinalização PYY através do receptor Y2 por si só não é responsável pelos efeitos supressores de apetite e redução de peso corporal do BGYR.

No entanto, a administração aguda de exendina-(9-30) com um antagonista seletivo do Y2-R aumentou a preferência alimentar rica em gordura aditivamente em ratos obesos operados por BGYR, mas não em ratos obesos induzidos por dieta sham.

Isso está de acordo com estudos em humanos e indica um efeito diferencial de antagonistas quando administrados isoladamente vs em combinação, bem como agudamente vs infundidos cronicamente. 

Isso também contrasta um efeito adquirido associado à infusão de antagonistas em comparação com o estado genético associado à deficiência do receptor Y2 ou receptor GLP-1 em modelos knockout.

Estudos recentes se concentraram em 2 hormônios intestinais adicionais, oximomodulina e glicentina; produtos do gene pré-proglucagon também liberados do enteroendócrino em resposta ao trânsito alimentar. 

A oximomodulina é um agonista duplo dos receptores de glucagon e GLP-1 que pode atuar aditivamente no GLP-1 para reduzir a ingestão de alimentos e o apetite.

A sequência da proteína Glicentina contém a sequência de oximomodulina e, embora seu papel biológico ainda não esteja claro, hipotetiza-se que seja o mais estável dos peptídeos de proglucagon e, portanto, possa servir como o melhor marcador da secreção de hormônios das células L, como o GLP-1.

Os níveis pós-prandiais de oxintomodulina e glicentina aumentaram significativamente 3 meses após VSG ou BGYR, mas não após o AGB, em humanos, e essas concentrações elevadas foram positivamente associadas à sensação de saciedade e perda de peso.

Esses resultados foram posteriormente replicados por Nielsen et al., que relataram que níveis circulantes elevados de oximomodulina e glicentina previram perda de peso e estavam positivamente associados a uma diminuição da preferência por alimentos com densidade energética.

As alterações na concentração plasmática do hormônio orexígeno grelina após o BGYR permanecem controversas. 

Estudos em humanos demonstraram que os níveis hormonais estão aumentados, diminuídos ou permanecem os mesmos.

Os resultados dos estudos que medem a grelina após VSG estão demonstrando de forma mais consistente uma diminuição nas concentrações pós-prandial do hormônio.

Assim, a contribuição das reduções de grelina na perda de peso pode ser mais relevante após a VSG do que o BGYR.

• Ácidos Biliares

Há muito tempo se sabe que os ácidos biliares desempenham um papel importante na absorção lipídica dietética e no catabolismo do colesterol e demonstraram aumentar o gasto energético promovendo a ativação intracelular do hormônio tireoidiano.

A função do ácido biliar é mediada por 2 receptores intestinais primários, o receptor 5 da proteína G Takeda (TGR5) e o receptor X farnesoide A (FXR). Esses receptores estimulam a liberação pós-prandial dos fatores de crescimento de fibroblastos 19 e 21 (FGF19/21).

O FGF19 é liberado do intestino delgado pós-prandialmente e diminui a secreção ácida biliar, enquanto o FGF21 é secretado pelo fígado durante o jejum e tem um papel na manutenção da homeostase energética, além de controlar o metabolismo da glicose e lipídios (Fig. 3). 

Os níveis circulantes de FGF19 mostraram-se menores em pessoas com obesidade do que em indivíduos controle saudáveis, enquanto a administração de FGF19 humano em camundongos obesos induziu uma diminuição significativa dose-dependente da massa corporal, que foi associada a uma diminuição nas concentrações de triglicérides, bem como aumento da oxidação de ácidos graxos e massa de tecido marrom. 

Após a liberação do FGF19, o papel da ativação subsequente do receptor neuronal de FGF também foi associado à regulação do peso corporal, pois sinaliza um estado de energia repleto aos neurônios hipotalâmicos AgRP/NPY.

Em contraste, o FGF21 está elevado em pessoas com obesidade e camundongos obesos são insensíveis à administração exógena de FGF21, sugerindo que a obesidade é um estado resistente ao FGF21.

No entanto, a sensibilidade ao FGF21 é restaurada em humanos após a perda de peso.

Embora não estejam diretamente correlacionadas com a obesidade, as variantes do FGF21 estão associadas ao aumento do consumo de doces, já que os níveis plasmáticos de FGF21 aumentam agudamente após a ingestão oral de sacarose. 

Isso indica que o FGF21 pode influenciar o comportamento alimentar.

Os ácidos biliares totais e o FGF19 aumentam após BGYR e VSG em humanos e roedores.

Especificamente, os ácidos biliares séricos conjugados com glicina aumentaram agudamente após o BGYR em humanos, enquanto os ácidos biliares conjugados e não conjugados aumentaram após o VSG, um efeito não replicado em um grupo controle de restrição calórica não operado.

O aumento do ácido biliar é sustentado 5 anos após a cirurgia, com níveis mais altos associados a maior perda de peso e menor colesterol total.

Além de seu papel no aumento do gasto energético e na oxidação de ácidos graxos, acredita-se que os ácidos biliares tenham um efeito inibitório do apetite, pois estimulam a secreção de GLP-1 e PYY.

No entanto, os ácidos biliares séricos, a concentração de FGF19 e GLP-1 diminuíram em pacientes que alcançaram perda de peso induzida pelo estilo de vida, apontando ainda mais para o fato de que as mudanças no peso corporal induzidas pela dieta e cirurgia de obesidade são desencadeadas por diferentes mecanismos.

Existem discrepâncias em relação ao momento pós-operatório do aumento do ácido biliar, já que alguns estudos relatam um efeito agudo e outros observam um aumento gradual 1 ano após a cirurgia.

As concentrações de FGF21 após a cirurgia permanecem mais controversas entre diferentes estudos, possivelmente porque as mudanças de concentração e sensibilidade circulantes se mostram secundárias à perda de peso, que pode diferir amplamente.

Um corpo crescente de evidências sugere que os ácidos biliares circulantes atuam como moléculas sinalizadoras que controlam sua própria síntese e múltiplas vias metabólicas, visando o fator de transcrição FXR e a proteína de membrana TGR5. 

A FXR parece ser fundamental na perda de peso pós-operatória, pois controla a transcrição de genes envolvidos na síntese de ácidos graxos e triglicérides e no metabolismo de lipoproteínas e promove o escurecimento do tecido adiposo.

Estudos in vivo envolvendo ruptura genética de FXR em camundongos submetidos a VSG demonstraram que o receptor é um alvo molecular para efeitos benéficos da cirurgia, pois contribui para a manutenção da perda de peso após VSG. 

Especificamente, camundongos VSG knockout FXR consumiram mais energia do que controles sham-operados, sugerindo que a sinalização FXR é necessária para a repressão da hiperfagia rebote após a restrição calórica inicialmente alcançada pelo VSG.

Estudos em camundongos também investigaram o papel do receptor TGR5 na perda de peso pós-operatória, pois sua ativação pode aumentar a secreção de GLP-1 pós-prandial no intestino inferior.

Semelhante aos estudos de FXR, camundongos knockout TGR5 demonstraram perda de peso reduzida após VSG. 

Além disso, a análise da composição corporal não revelou diferenças entre camundongos selvagens do tipo TGR5 knockout sham e VSG 14 semanas após a cirurgia, indicando que o TGR5 é necessário para manter a perda de peso e a redução da massa gorda após o VSG.

Um possível mecanismo disso é uma separação mitocondrial impulsionada pelo TGR5 e turnover de tecido adiposo branco para bege, já que a administração de miméticos de ácido biliar seletivos para TGR5 a camundongos alojados termoneutros levou ao aparecimento de marcadores de adipócitos bege e a um aumento no conteúdo mitocondrial.

No entanto, nem todos os estudos relatam uma redução da perda de peso após VSG e BGYR em camundongos knockout TGR5.

Uma possível explicação para isso é a taxa de reganho de peso após a cirurgia de obesidade e, como resultado, o tipo e o tempo de exposição à dieta rica em gordura em camundongos pré-operatórios. 

A maioria dos estudos que investigaram o papel dos receptores TGR5 e FXR foi realizada em modelos animais, e seus papéis podem ser diferentes em humanos.

No geral, o papel dos ácidos biliares na perda de peso pós-operatória ainda não está totalmente compreendido. 

Como a extensão em que o gasto energético impulsiona a redução de peso após a cirurgia de obesidade ainda não está clara, a capacidade dos ácidos biliares de aumentar a secreção de GLP-1 e o papel do FGF19 nos neurônios hipotalâmicos AgRP/NPY indicam um efeito anoréxico indireto como o principal curso de ação após o  RYGB e VSG.

• Microbiota intestinal

A microbiota intestinal tem um papel vital tanto na colheita de energia quanto no gasto energético. Elas podem metabolizar carboidratos complexos indigestos por fermentação, levando à produção de ácidos graxos de cadeia curta, bem como controlar a absorção de nutrientes.

A microbiota intestinal também desempenha um papel na capacidade termogênica das BAT e no turnover de adipócitos beges, já que camundongos sem microbiota intestinal têm termogênese dependente de UCP1 prejudicada no frio, e a gavagem oral do metabólito bacteriano butirato foi capaz de resgatar o efeito com o recrutamento de BAT.

A obesidade é frequentemente caracterizada por disbiose intestinal, conforme definido por modificações substanciais na composição da microbiota intestinal e baixa riqueza gênica microbiana.

Firmicutes e Bacteroidetes são os 2 microfilos intestinais dominantes associados à obesidade, e a relação Firmicutes/Bacteroidetes se correlaciona com o aumento do peso corporal.

Juntos, esses filos representam 90% do microbioma, com os demais grupos separados principalmente em Actinobacteria, Proteobacteria e Verrucomicrobia.

Akkermansia muciniphila da classe Verrucomicrobia também foi correlacionada com obesidade em humanos.

O mecanismo pelo qual a cirurgia de obesidade atinge a perda de peso pode incluir alterações na microbiota intestinal. 

A transferência da microbiota intestinal de camundongos tratados com BGYR para camundongos não operados e livres de germes resultou em perda de peso e diminuição da massa gorda nos animais receptores quando comparados com os receptores da microbiota induzida por cirurgia simulada.

Em ratos transplantados com a microbiota do BGYR, essa diminuição na adiposidade e no peso corporal não foi associada a uma mudança na ingestão de alimentos, sugerindo ainda que a microbiota intestinal associada ao BGYR aumenta o gasto energético ou reduz a capacidade de colher energia dos nutrientes.

O transplante de fezes de pacientes após BGYR ou gastroplastia vertical em bandas para camundongos livres de germes promoveu redução da deposição de gordura e ganho de peso quando comparado a um grupo controle colonizado com fezes de pacientes com obesidade.

Camundongos colonizados com microbiota cirúrgica de obesidade também apresentaram um quociente respiratório mais baixo, indicando diminuição do uso de carboidratos como combustível.

Embora estudos em humanos tenham relatado diferenças na microbiota intestinal no pós-operatório, a extensão dessas alterações varia. 

Isso pode ser devido a critérios de inclusão do paciente, como estado de glicemia e medicação, mas também dieta e tipo de procedimento. 

No entanto, estudos em humanos demonstram consistentemente um aumento na diversidade, organização espacial e estabilidade da microbiota intestinal e, especificamente, nas Proteobactérias após BGYR (Tabela 1). 

A diversidade da microbiota intestinal é uma medida de quantas espécies diferentes existem e quão uniformemente distribuídas elas estão na comunidade intestinal, e a baixa diversidade é um sinal de disbiose.

Alguns estudos também relataram uma diminuição nos filos Firmicutes e Bacteroidetes em humanos e ratos após o BGYR.

O aumento na diversidade, estabilidade e resiliência da microbiota intestinal é importante, já que um grande número de associações entre a microbiota intestinal e a regulação gênica do tecido adiposo já 3 meses após a cirurgia foram relatadas, demonstrando ainda que a microbiota intestinal pode desempenhar um papel direto no controle da adiposidade regulando o metabolismo lipídico. 

Além disso, a microbiota intestinal leva à produção de ácidos graxos de cadeia curta, que estimulam a secreção de GLP-1 via receptor de ácido graxo livre-2 e, portanto, também podem reduzir a ingestão de energia.

Uma diminuição nas Proteobactérias foi registrada em pacientes após VSG e AGB.

Esse efeito diferencial entre VSG e BGYR pode ser resultado da exclusão duodenal no BGYR, já que o bypass duodenal-jejunal com ressecção gástrica mínima em ratos obesos aumentou a riqueza e a abundância microbiana quando comparados com ratos tratados com agonistas GLP-1R.

Isso também foi observado em humanos após o tratamento com o revestimento endoscópico duodenal-jejunal bypass.

A comparação do AGB, perda de peso induzida farmacologicamente e BGYR demonstrou que, em perda de peso semelhante, a maior alteração na diversidade da microbiota intestinal ocorreu após o BGYR.

Apesar do efeito positivo na perda de peso através de uma combinação de mecanismos discutidos acima, o BGYR é incapaz de reverter totalmente a diminuição da riqueza gênica microbiana intestinal e as alterações composicionais observadas em pacientes com obesidade.

Intervenções como transplante fecal de doadores magros para pacientes com obesidade revelaram que os efeitos benéficos para redução de peso estão ligados a alterações nos metabólitos plasmáticos e impulsionados pela composição basal da microbiota fecal.

Além disso, a alteração da diversidade da microbiota intestinal acelera o reganho de peso pós-dieta, sugerindo que as abordagens direcionadas ao microbioma podem ajudar a aumentar a perda de peso após a cirurgia ou prevenir o reganho de peso.

• Genética e Cirurgia da Obesidade

A seleção de pacientes para cirurgia (“medicina personalizada”) pode fornecer um refinamento adicional para os procedimentos existentes e pode levar à identificação de genes ou vias que podem fornecer alvos terapêuticos úteis. 

Estudos gênicos candidatos exploraram papéis para o receptor de melacocortina-4, revelando maior perda de peso em pacientes cuja obesidade é em parte impulsionada por mutações neste gene. 

Um estudo de associação genômica mais recente relatou 17 polimorfismos de nucleotídeo único na perda de peso 2 anos após o BGYR, implicando papéis para o receptor de 5-hidroxitriptamina 1A e outros genes. 

Não está claro se a força e o número dessas associações são substanciais o suficiente para fornecer poder preditivo.

• Conclusão

As manipulações anatômicas durante os procedimentos cirúrgicos de obesidade mais usados causam perda de peso por meio de mudanças na biologia do intestino. 

A sinalização alterada do intestino para o cérebro, o órgão responsável pela doença da obesidade, facilita a redução da ingestão de energia e, em algumas pessoas, mudanças na seleção de alimentos. 

O aumento ou a inalteração do gasto energético no contexto da perda de peso também pode contribuir para a defesa de um novo setpoint de peso corporal. 

Os mecanismos precisos subjacentes a essas mudanças profundas não são completamente compreendidos.

O desvendamento da fisiologia indescritível do intestino após a cirurgia ajudará a otimizar os procedimentos cirúrgicos, desenvolver terapias não cirúrgicas, abordar o reganho de peso após a cirurgia, mas também entender a fisiopatologia da própria doença da obesidade.

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