O Lipedema é uma condição crônica caracterizada pelo acúmulo anormal de tecido adiposo, principalmente nas pernas, e pode causar dor, inchaço e problemas de mobilidade. Embora o caminho para a compreensão e tratamento do lipedema tenha evoluído significativamente, a busca por terapias eficazes continua sendo um desafio para a comunidade médica e para as pessoas que convivem com esta condição.
Recentemente, a gestrinona, um esteroide sintético com propriedades androgênicas, antiprogestogênicas e estrogênicas fracas, tem sido explorada por alguns profissionais como uma opção terapêutica para o lipedema. Originalmente utilizada em tratamentos ginecológicos, como a endometriose, a gestrinona suscitou interesse por suas potenciais propriedades de alteração hormonal. No entanto, é fundamental esclarecer que, até o momento, não existem evidências científicas que respaldem o uso da gestrinona no tratamento do lipedema.
A Falta de Evidência Científica
A comunidade científica opera com base em evidências obtidas através de pesquisas rigorosas e estudos clínicos. Para que um tratamento seja considerado eficaz e seguro, ele deve passar por diversas fases de pesquisa, incluindo ensaios clínicos controlados que comprovem sua eficácia e segurança para uma determinada condição. No caso da gestrinona e seu uso potencial no tratamento do lipedema, a literatura médica atual não oferece suporte para tais práticas.
Uso Experimental e a Necessidade de Protocolos de Pesquisa
Qualquer consideração do uso da gestrinona como tratamento para o lipedema deve ser enquadrada dentro de um contexto experimental, sob a supervisão de um rigoroso protocolo de pesquisa científica aprovado por um comitê de ética médica. Isso significa que, antes de ser considerada uma opção viável, a gestrinona deve ser submetida a estudos clínicos que possam avaliar de forma objetiva seus efeitos, benefícios e riscos quando aplicada a pacientes com lipedema.
Posição da Associação Brasileira de Lipedema
A Associação Brasileira de Lipedema, comprometida com o bem-estar e a segurança de seus associados, recomenda não utilizar a gestrinona no tratamento do lipedema. Esta posição baseia-se na ausência de evidências científicas que justifiquem seu uso para essa finalidade. A associação enfatiza a importância de adotar abordagens terapêuticas baseadas em evidências e aprovadas por órgãos regulatórios, garantindo assim a segurança e a eficácia do tratamento para os pacientes com lipedema.
Conclusão
A jornada em busca de tratamentos eficazes para o lipedema é complexa e requer paciência, pesquisa e, acima de tudo, cautela. Enquanto novas terapias potenciais, como a gestrinona, podem surgir no horizonte, é essencial que a comunidade médica e os pacientes sigam princípios baseados em evidências e diretrizes éticas rigorosas. A Associação Brasileira de Lipedema permanece ao lado de seus associados, oferecendo orientação e apoio, enquanto continuamos a explorar e validar tratamentos seguros e eficazes para o lipedema.
Que o tema está na moda, todo mundo sabe, o que não te contam é que pouco se sabe ainda, sobre o tratamento realmente eficaz para o Lipedema.
Mas o que é lipedema? Como diferenciar lipedema de obesidade? Como se faz o diagnóstico de lipedema? Quais os tratamentos disponíveis para o lipedema?
Essas são apenas algumas das perguntas que recebo diariamente no meu consultório e no direct do instagram: @drfredericolobo e @draesthefaniagalmeida Se você não nos segue, sugerimos que siga. Sempre postamos informações confiáveis sobre saúde e bem-estar.
Antes de tudo, é preciso salientar que a doença não é nova, mas ganhou "fama" por conta de profissionais que querem vender soluções milagrosas. Se tem o esperto para vender solução, tem o bobo para comprá-la.
O lipedema (ou lipofilia membralis) é uma patologia inflamatória (de baixo grau) e crônica do sistema linfático e gorduroso. Nele há um acúmulo desproporcional de gordura, nas extremidades (membros, porém, especialmente nos membros inferiores).
Além desse acúmulo de gordura, o paciente queixa-se de desconforto na região do acúmulo, como por exemplo sensação de peso nas pernas, inchaço, dor e hematomas que surgem facilmente.
Por ter uma característica inflamatória (quando a biópsia dessa gordura é vista pelo patologista), vários profissionais postularam que uma dieta antiinflamatória e uso de nutracêuticos (antiiflamatórios e antioxidantes) poderiam auxiliar no tratamento.
Prevalência e confusão no diagnóstico
Descrito pela primeira vez na medicina nos anos 1940 nos Estados Unidos, o lipedema afeta 1 a cada 10 mulheres, o que soma cerca de 5 milhões de brasileiras. Ou seja, é uma doença de alta prevalência, porém de baixo reconhecimento e diagnóstico, sendo frequentemente subdiagnosticado ou confundido com obesidade ginecoide, linfedema ou mesmo insuficiência venosa. No mundo todo, acredita-se que acometa mais de 10% das mulheres.
Por levar a alterações na silhueta corporal, o quadro é frequentemente rotulado de questão estética, o que não é, pois trata-se de uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Sua inclusão na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) passou a vigorar em janeiro de 2022: EF02.2
Qual a fisiopatologia? Como surge?
Ainda não sabemos ao certo o mecanismo fisiopatológico do lipedema, porém, sabemos que há envolvimento de fatores hormonais e forte componente genético. Sendo mais comum em mulheres que em homens.
É comum o relato que o acúmulo iniciou na puberdade, após gravidez, uso de anticoncepcionais ou até mesmo após menopausa. Alguns pesquisadores correlacionam as alterações nos níveis de estrogênio e progesterona como gatilho para o desencadeamento. Esses hormônios estimulariam certos grupos de células de gordura a inflar de um modo anormal. Daí a condição ser praticamente exclusiva das mulheres.
Sabe-se que além do acúmulo de gordura (hiperplasia e hipertrofia dos acipócitos), existe uma maior prevalência de substâncias (citocinas) pró-inflamatórias. Isso provavelmente leva a alteração nos capilares, tornando-os frágeis, o que pode facilitar o surgimento dos hematomas. A infiltração gordurosa acaba alterando os vasos linfáticos e com isso ocorre uma hiperpermeabilidade, levando a uma retenção de líquidos. Além disso ocorre uma privação de oxigênio o que ocasiona dor e posteriormente fibrose local, o que torna a doença progressiva. Também há uma redução da mobilidade do membro, o que perpetua o processo.
Diagnóstico
Os critérios diagnósticos do lipedema, descritos por Wold et al. (1951) e modificados por Herbst, envolvem tendência a hematomas, aumento de volume dos membros simétrico e bilateral poupando pés e mãos e hipersensibilidade local. É importante salientar, que diferente da obesidade, no lipedema a circunferência dos membros não reduz após a perda de peso.
Critérios clínicos para o diagnóstico de lipedema:
Distribuição DESPROPORCIONAL da gordura corporal. Ou seja, acumulando mais em membros superiores ou inferiores
Nenhuma ou limitada influência da perda de peso na distribuição da gordura nos membros
Hipertrofia dos adipócitos bilateral, simétrica e desproporcional nos membros
Poupa preservação das mãos e pés (fenômeno do manguito)
Envolvimento dos braços aproximadamente 30%
Sinal de Stemmer negativo
Sensação de peso e tensão nos membros afetados
Dor à pressão e ao toque nos membros
Edema sem depressões
Tendência acentuada para formação de hematomas
Piora dos sintomas ao longo do dia
Não é melhora da dor ou do desconforto com a elevação dos membros
Telangiectasias e marcas vasculares visíveis ao redor dos depósitos de gordura
Hipotermia da pele
Ao exame físico a paciente pode apresentar:
Parte proximal do membro inferior:
Distribuição desproporcional de gordura
Gordura cutânea circunferencialmente espessada
Parte distal do membro inferior:
Espessamento proximal da gordura subcutânea
Espessamento distal da gordura subcutânea, acompanhado de peito do pé delgado (sinal do manguito)
Parte proximal do braço:
Gordura subcutânea significativamente espessada em comparação com a vizinhança
Parada repentina no cotovelo
Parte distal do braço:
Gordura subcutânea espessada, acompanhada de dorso da mão delgado (sinal do manguito)
Dentre as doenças associadas ao lipedema pode-se citar: linfedema, obesidade, doenças venosas, doenças articulares e o Transtorno do espectro de hipermobilidade (hipermobilidade articular) ou TEh.
Até 58% dos casos podem cursar com TEh Sendo muito comum em portadoras de Síndrome de Ehlers Danlos do tipo Hipermóvel. Essa coexistência reforça a contribuição de um distúrbio em tecido conectivo na fisiopatologia do lipedema. Para conhecer mais sobre a Síndrome de Ehlers Danlos (SEDh) clique aqui: https://www.ecologiamedica.net/2023/03/sindrome-de-ehlers-danlos.html
Classificação do lipedema e os estágios
Pode-se classificar o lipedema em 5 subtipos, a depender da distribuição de tecido adiposo:
Tipo I (aumento da deposição em quadris e coxas),
Tipo II (extensão até joelhos, principalmente em face interna),
Tipo III (até tornozelo), t
Tipo IV (acometimento de membros superiores): 30% dos casos
Tipo V (apenas porção inferior das pernas é afetada).
Também pode ser estratificado em 4 estágios considerando a gravidade:
Estágio 1 (pequenos nódulos subcutâneos palpáveis sem alterações cutâneas),
Estágio 2 (lipoesclerose nodular com irregularidades cutâneas),
Estágio 3 (pele com textura irregular em aspecto “casca de laranja” com macronodulações subcutâneas palpáveis),
Estágio 4 (lipolinfedema).
E qual o tratamento?
Alguns médicos e nutricionistas alardeiam por aí que existem protocolos de dietas, suplementos e até tratamentos hormonais para o lipedema. Entretanto, até o presente momento, não há evidências científicas que recomendam um tratamento medicamentos ou suplementos específicos para a patologia.
Apesar de existir um componente inflamatório, não existe uma dieta do lipedema.
As abordagens conservadoras (sem cirurgia), envolvem:
1) Controle do peso, 2) Alimentação saudável (nutricionalmente equilibrada, com boa ingestão de vegetais), 3) Medidas de alívio dos sintomas locais,
4) Evitar os fatores que pioram como por exemplo o uso de pioglitazona e prevenir a progressão da doença.
Os grandes artigos mais recentes de revisão sobre o tema, os autores são unânimes em informar que não existe medicamentoso, suplemento ou dieta específica para lipedema.
Infelizmente, nem sempre a Medicina terá todas as respostas que precisamos para todas as doenças. Mas isso não significa que possamos inventar tratamentos e protocolos apenas para lucrar com o desespero alheio. Necessitamos de mais pesquisa na área. O que não precisamos é de profissionais que tentam lucrar em cima de uma patologia de difícil tratamento e que ainda não é bem elucidada.
Cirurgia redutora de lipedema é atualmente a única técnica disponível para remover os tecidos anormais presentes no lipedema como: adipócitos, nódulos, matriz extra celular fibrótica e outros componentes não adipócitos. Ele também é o único tratamento que reduz a progressão da doença e idealmente deve ser instituído antes das complicações do lipedema surgirem. Portanto, mais um motivo para tomar cuidado com terapias alternativas, sob risco de perder o momento ideal para o tratamento respaldado, que até hoje ainda é o tratamento cirúrgico.
Estratégias terapêuticas propagadas nas redes sociais
Antioxidantes com N-acetilcisteína (NAC), Zinco, Selênio, Resveratrol, Ácido alfa lipóico (endovenoso): Ainda sem evidência
Antiinflamatórios com o ômega 3, quercetina, pycnogenol, curcumina: Ainda sem evidência
Tratamento do intestino com Glutamina, Cúrcuma, prebióticos, probióticos e enzimas digestivas: Ainda sem evidência.
Uso de vitamina D e B12: Ainda sem evidência, só repor nas deficiências e quando os níveis estiverem no limite inferior.
Aminas simpaticomiméticas como Venvanse e ritalina: teoricamente fariam contração de arteríolas levando a uma menor pressão intracapilar: sem evidência.
Dieta mediterrânea: devido o padrão "antiinflamatório" há alguns estudos mostrando melhora nos quadros leves, reduzindo a dor, melhorando a mobilidade e o inchaço.
Dieta cetogênica: melhora na composição corporal, relatos de caso evidenciando melhora da dor. Há alguns trabalhos com a VLCKD: Very low calorie ketogenic diet: Baixa evidência
Suplementos que teoricamente alterariam a composição corporal: quitosana, L-carnitina, Cromo, Efedrina, Sinefrina, Piruvato e Ácido linoleico conjugado: Ainda sem evidência
Drenagem linfática: pode atenuar os sintomas, aliviar a dor e reduzir o inchaço.
Uso de meias de compressão: pode aliviar o quadro, reduzir a dor e melhorar a mobilidade.
Lipoaspiração tumescente: Tratamento com maior evidência, nos quadros moderados a graves. Feita por cirurgião plástico experiente. Promove melhora significativa da mobilidade, da dor e do inchaço.
Deixo aqui a excelente aula de uma grande amiga endocrinologista e nutróloga, Dra. Tatiana Abrão
Fontes:
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Bonetti G, Herbst KL, Dhuli K, Kiani AK, Michelini S, Michelini S, Ceccarini MR, Michelini S, Ricci M, Cestari M, Codini M, Beccari T, Bellinato F, Gisondi P, Bertelli M. Dietary supplements for lipedema. J Prev Med Hyg. 2022 Oct 17;63(2 Suppl 3):E169-E173. doi: 10.15167/2421-4248/jpmh2022.63.2S3.2758. PMID: 36479502; PMCID: PMC9710418. https://www.jpmh.org/index.php/jpmh/article/view/2758/1022
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