É notório que, nas últimas décadas, a Endocrinologia tem sido agraciada por inúmeras evoluções tecnológicas, principalmente no desenvolvimento de fármacos com alta potência para o controle do peso e, consequentemente, melhorando diversos parâmetros metabólicos, cardiovasculares, inflamatórios, renais, hepáticos, dentre outros.
Dito isso, enormes desafios têm sido impostos a nós, formadores de opinião e divulgadores da boa prática clínica, de forma ética e compreensível tanto para os colegas de profissão quanto para a sociedade civil.
Tem nos preocupado a crescente autoprescrição e a ausência da necessidade de receituário médico retido no que concerne aos análogos do receptor de GLP-1, com ênfase na semaglutida, gerando consequências gravíssimas à saúde pública no Brasil, a citar:
1. Muitos efeitos colaterais por uso abusivo em altas doses, sem qualquer tipo de orientação médica especializada.
2. O uso meramente recreativo dessas medicações por indivíduos que não possuem indicação clínica prevista em bula, aumentando os riscos de efeitos colaterais e maximizando a chance de desabastecimento nas farmácias para aqueles pacientes que realmente se beneficiariam dos análogos de GLP-1.
3. Indivíduos com baixo peso e transtornos alimentares graves, como anorexia nervosa, utilizando principalmente semaglutida, aumentando muito os riscos de desnutrição e internações hospitalares.
4. A falta de orientação médica para suspensão dessas medicações em casos de procedimentos anestésicos com necessidade de sedação, conforme recente orientação das diversas sociedades de anestesiologia por todo o mundo, aumentando o risco de broncoaspiração, uma vez que, sem orientação clínica, muitas vezes pode haver omissão por parte do paciente, já que este tende a desconhecer suas possíveis complicações.
5. Aplicação dos fármacos por profissionais médicos e não médicos em seus próprios consultórios, sem qualquer fiscalização ou adequação de armazenamento, cobrando altos valores, lesando o código de ética médica, que proíbe a venda de medicações nesse contexto.
6. Aumento do risco de falsificações e propaganda enganosa, inclusive de produtos ainda não disponíveis no Brasil, como a tirzepatida, podendo cursar com efeitos adversos graves, conforme foi noticiado pela imprensa nas últimas semanas, causando, inclusive, hospitalizações de pacientes submetidos a essa má prática clínica.
Devemos ter, portanto, como objetivo principal, mudar, via ANVISA, o tipo de receituário necessário para o uso dos análogos de GLP-1 e coagonistas GLP-1/GIP para o tratamento de diabetes mellitus e/ou obesidade:
a) Semaglutida via subcutânea 0,25; 0,5; 1,0; 1,7 ou 2,4 mg/semana.
b) Liraglutida via subcutânea 0,6; 1,2; 1,8; 2,4 ou 3,0 mg/dia.
c) Dulaglutida via subcutânea 0,75 ou 1,5 mg/semana.
d) Semaglutida via oral 3, 7 ou 14 mg/dia.
e) Tirzepatida via subcutânea 2,5; 5; 7,5; 10; 12,5; 15 mg/semana.
Acreditamos que a obrigatoriedade de receituário comum retido para esses fármacos trará muito mais segurança para os pacientes, da mesma forma que, no começo do século, isso ocorreu na prescrição de antibioticoterapia, sendo uma grande vitória para a Medicina no Brasil. É válido destacar também que a necessidade de prescrição médica e receituário para os análogos de GLP-1 e coagonistas GLP-1/GIP já é uma prática no mundo inteiro, sem reduzir seu acesso à população, inclusive incentivando uma maior frequência de seguimento com o especialista. Temos profunda convicção de que o caminho em nosso país deverá ser o mesmo.
A tendência é que, nos próximos anos, novos fármacos de alta potência no controle do peso cheguem ao mercado, e temos que estar preparados para evitar maiores complicações para nossos pacientes, protegendo-os de prescrições inadequadas e aumentando a capacidade de fiscalização desses receituários, coibindo falsificações e vendas fora do contexto das farmácias.
Enfatizamos que a ausência de necessidade de receituário retido para os análogos de GLP-1 é um grave problema de saúde pública, e uma solução célere é mandatória.