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quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Contaminação por microplástico: nenhuma bebida está livre

Introdução e impacto ambiental dos microplásticos

O tema dos microplásticos e disrupção endócrina tem ganhado destaque na saúde pública mundial. Essas partículas microscópicas, provenientes da degradação de materiais plásticos, já foram identificadas em bebidas, alimentos, ar atmosférico e até no organismo humano. O que antes parecia um problema restrito ao meio ambiente agora se configura como uma preocupação médica, levantando questões sobre toxicidade, bioacumulação e potenciais doenças relacionadas. Algo que falo aqui no blog desde 2010. 

Estudos recentes realizados na França pela ANSES (Agência Nacional de Segurança Alimentar, Ambiental e Saúde Ocupacional) demonstraram que todas as amostras de bebidas avaliadas apresentavam contaminação por microplásticos. Isso inclui desde a água engarrafada até vinhos comercializados em garrafas de vidro, quebrando o mito de que embalagens “nobres” estariam livres desse tipo de poluente. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0889157525005344

A produção global de plásticos cresceu exponencialmente desde a década de 1950, sendo os descartáveis os maiores responsáveis pelo aumento da poluição. A degradação desses resíduos gerou a disseminação de micro e nanoplásticos em todos os ecossistemas. Já se identificou sua presença em profundidades oceânicas de até 10 mil metros, bem como nas geleiras do Himalaia e até em nuvens atmosféricas.

No contexto europeu, dados do projeto MICROSOF revelaram que cerca de 75% dos solos franceses já apresentam contaminação por microplásticos. Isso reforça a ideia de que a exposição humana não ocorre apenas pela água ou pelos oceanos, mas também pela cadeia alimentar terrestre. Esses fragmentos podem atingir frutas, vegetais e até grãos cultivados em solos contaminados.

O grande problema é que os microplásticos, muitas vezes invisíveis a olho nu, podem penetrar em diferentes órgãos de exposição, incluindo pulmões, cólon e pele. Estudos ainda mais recentes sugerem que eles também alcançam estruturas como placenta, rins, testículos e até o cérebro, levantando preocupações sobre efeitos neurológicos de longo prazo.

Um dado alarmante que tem sido discutido em congressos internacionais é que até 0,5% da massa cerebral poderia conter microplásticos em populações altamente expostas. Além disso, análises demonstram que a quantidade dessas partículas nos pulmões aumenta com a idade, sugerindo sua persistência e bioacumulação no organismo humano.

Embora ainda haja lacunas sobre o real impacto toxicológico, já se observa associação entre exposição a microplásticos e doenças cardiovasculares e gastrointestinais. Alguns estudos preliminares apontam maior risco de câncer gástrico, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral em populações com altos níveis de contato.

A toxicidade não se limita ao plástico em si. Muitas dessas partículas contêm ou absorvem do ambiente mais de 4 mil substâncias químicas perigosas, incluindo ftalatos, bisfenóis e metais pesados. Isso amplia o risco, pois os microplásticos funcionam como “esponjas tóxicas”, capazes de transportar contaminantes para dentro do corpo humano.

O consumo de microplásticos ocorre principalmente por meio da ingestão de bebidas e alimentos contaminados. Estudos já demonstraram sua presença em água potável, água engarrafada, refrigerantes, cervejas, chás gelados, frutas, vegetais, arroz, ovos e carnes. Essa ampla distribuição torna quase impossível evitar a exposição sem mudanças profundas em políticas públicas e processos industriais.

A análise detalhada das bebidas comercializadas na França mostrou que até mesmo marcas tradicionais e bem estabelecidas apresentaram contaminação. As concentrações variaram entre 2,9 microplásticos por litro na água engarrafada até mais de 100 partículas por litro em refrigerantes e sodas limonadas. Isso confirma que não há produto “seguro” do ponto de vista de pureza plástica.

Bebidas, embalagens e contaminação por microplásticos

Uma das descobertas mais surpreendentes foi que as garrafas de vidro não estão isentas da contaminação. Pelo contrário, muitas apresentaram níveis até mais altos de microplásticos em comparação com bebidas envasadas em plástico ou lata. Isso ocorre porque as cápsulas metálicas que selam essas garrafas sofrem abrasão, liberando fragmentos microscópicos durante o armazenamento. A análise polimérica dos microplásticos encontrados em vinhos e cervejas comercializados em vidro demonstrou que a composição correspondia ao material das cápsulas e tampas. Essa relação sugere que o problema não está apenas na bebida ou no processo de envase, mas também na cadeia de armazenamento e vedação.

A boa notícia é que medidas simples, como a lavagem das cápsulas antes do engarrafamento, reduziram significativamente a contaminação. Isso mostra que mudanças em protocolos industriais podem ter impacto direto na diminuição da ingestão de microplásticos pela população. No entanto, tais medidas ainda não são padronizadas globalmente. O caso dos vinhos apresentou uma exceção interessante. Bebidas seladas com rolhas de cortiça tiveram níveis consideravelmente mais baixos de microplásticos em comparação com aquelas com cápsulas plásticas ou metálicas. Esse achado reforça o valor de métodos tradicionais e sustentáveis na redução da exposição a contaminantes modernos.

Nos refrigerantes e sodas, as concentrações variaram bastante, chegando a valores superiores a 100 partículas por litro em algumas marcas. Isso é preocupante, pois tais bebidas são consumidas em larga escala por todas as faixas etárias, incluindo crianças e adolescentes, que podem ter maior suscetibilidade aos efeitos tóxicos dos microplásticos. Outro ponto crítico é a presença de microplásticos na água potável, tanto engarrafada quanto de torneira. Essa rota de exposição é universal, atingindo praticamente toda a população mundial. Estudos realizados em outros países, incluindo Brasil, China e Estados Unidos, confirmaram a presença de partículas plásticas em diferentes sistemas de abastecimento público.

Além da ingestão, há a via da inalação. Pesquisas já identificaram microplásticos em partículas suspensas no ar de grandes cidades, o que significa que a poluição atmosférica não se limita mais a gases e poeira, mas também a fragmentos de polímeros. Uma vez inalados, esses materiais podem se depositar nos pulmões e permanecer por décadas. A pele também pode atuar como porta de entrada. Cosméticos, cremes esfoliantes e sabonetes com micropartículas plásticas contribuem para o acúmulo no ambiente e aumentam a possibilidade de absorção dérmica. Ainda que a absorção cutânea seja considerada baixa, a exposição crônica pode representar risco adicional, especialmente em populações sensíveis.

A maior preocupação, entretanto, é o potencial dos microplásticos atravessarem barreiras biológicas críticas. Estudos apontam que essas partículas podem alcançar a placenta, expondo o feto ainda durante a gestação. Também já foram detectadas em sangue humano, o que sugere capacidade de distribuição sistêmica e possível depósito em órgãos vitais. A identificação de microplásticos no cérebro humano é um dos achados mais recentes e alarmantes. Pesquisadores observaram que essas partículas conseguem atravessar a barreira hematoencefálica, levantando hipóteses sobre sua contribuição em processos neurodegenerativos. Esse tema tem sido cada vez mais discutido em congressos médicos e pode redefinir a compreensão da neurotoxicologia ambiental.

Riscos à saúde, doenças associadas e perspectivas futuras

As evidências atuais apontam que os microplásticos podem atuar como cofatores no desenvolvimento de doenças crônicas. Estudos já associaram sua presença ao aumento de processos inflamatórios sistêmicos, maior estresse oxidativo celular e até aceleração da aterosclerose. Essas alterações biológicas podem explicar o risco aumentado de doenças cardiovasculares observado em populações altamente expostas.

Em relação ao sistema gastrointestinal, análises sugerem que os microplásticos podem alterar a microbiota intestinal, favorecendo disbiose. A longo prazo, essa modificação da flora intestinal pode contribuir para condições como síndrome do intestino irritável, colite inflamatória e até câncer colorretal. Isso abre um campo importante de pesquisa em gastroenterologia.

No sistema endócrino, os microplásticos carregam compostos com reconhecido potencial desregulador hormonal, como ftalatos e bisfenol A. Essas substâncias podem interferir na fertilidade, no metabolismo e até no risco de doenças como obesidade e diabetes tipo 2. Ou seja, o impacto vai muito além da toxicidade mecânica das partículas.

Há também preocupação crescente sobre o papel dos microplásticos no sistema neurológico. Sua capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica sugere que possam estar envolvidos em processos neurodegenerativos, como Alzheimer e Parkinson. A neuroinflamação induzida por partículas estranhas é um dos mecanismos propostos para explicar esses riscos. A toxicidade varia de acordo com o tamanho das partículas. Nanoplásticos, por serem ainda menores, têm maior probabilidade de penetrar em células e organelas, gerando disfunção metabólica direta. Esse detalhe reforça a necessidade de estudos específicos que diferenciem os efeitos de micro versus nanoplásticos no organismo humano. Do ponto de vista científico, uma grande limitação é a ausência de padronização nos métodos de análise. Diferentes pesquisas utilizam técnicas variadas para identificar e quantificar microplásticos, dificultando a comparação de resultados. Essa falta de uniformidade impede o estabelecimento de valores de referência claros sobre níveis seguros de exposição.

Outro ponto é a dificuldade em determinar se os efeitos nocivos se devem às partículas plásticas em si ou às substâncias químicas adsorvidas em sua superfície. Essa distinção é crucial, pois pode definir estratégias de mitigação, seja pelo controle da produção de polímeros específicos ou pela limitação do uso de aditivos tóxicos. Apesar das incertezas, a comunidade científica concorda que a prevenção deve começar agora. Reduzir o consumo de plásticos descartáveis, melhorar os processos de reciclagem e incentivar alternativas sustentáveis são medidas fundamentais para conter a contaminação ambiental e, consequentemente, diminuir a exposição humana.

Para a saúde pública, será essencial desenvolver estratégias de monitoramento populacional. Exames de rastreio, estudos longitudinais e vigilância epidemiológica poderão esclarecer a real dimensão dos efeitos dos microplásticos na saúde humana, ajudando médicos e autoridades a formular recomendações baseadas em evidências.

Em síntese, os microplásticos deixaram de ser apenas uma preocupação ambiental e se tornaram uma questão médica. Estão presentes no ar que respiramos, na água que bebemos e nos alimentos que consumimos. Seus potenciais impactos à saúde, que vão de doenças cardiovasculares a alterações neurológicas, tornam urgente o debate e a pesquisa sobre esse novo inimigo invisível do século XXI.


Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Microplástico na saúde: como lidar com a contaminação humana em meio à poluição desenfreada

Os microplásticos — definidos como partículas com menos de 5 milímetros — já foram encontrados em alguns dos locais mais remotos da Terra: na neve próxima ao pico do Everest e em amostras de água do local mais profundo do oceano, a Fossa das Marianas. No corpo humano, é encontrado onde quer que seja procurado: na placenta, na corrente sanguínea, no leite materno e nos pulmões. Um estudo publicado no periódico JAMA Network Open mostrou que as micropartículas podem ser encontradas também no cérebro.

Pesquisadores brasileiros utilizaram Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) para analisar o cérebro de 15 indivíduos com idades que variaram de 33 a 100 anos e o microplástico foi encontrado no bulbo olfatório de oito deles. Ao todo, foram 16 tipos de polímeros sintéticos encontrados, sendo o polipropileno, tipo de plástico usado em embalagens, móveis, baldes e, para-choques de automóveis, o mais comum. Foi o primeiro registro de plástico encontrado no cérebro humano.

Engenheiro ambiental e primeiro autor do estudo, o Dr. Luis Fernando Amato-Lourenço, Ph.D., vinculado à Freie Universität Berlin, na Alemanha, e à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), alerta sobre efeitos tóxicos em longo prazo, como inflamação e respostas imunológicas adversas. "Microplásticos podem servir como vetores de contaminantes químicos, como metais pesados e compostos orgânicos, que podem causar danos adicionais aos tecidos neurais."

Segundo o pesquisador, os potenciais riscos para a saúde são danos neurológicos decorrentes de processos inflamatórios e estresse oxidativo, que podem estar associados à exposição prolongada a microplásticos e seus contaminantes. Ainda, o pesquisador afirmou que estudos em animais já indicam que essas partículas podem causar inflamação no cérebro.

Tratado global

Ao mesmo tempo que o cenário é preocupante para a saúde humana e para o planeta, as medidas de prevenção que podem ser tomadas individualmente não são suficientes para evitar por completo a contaminação. Enfrentar a poluição plástica demanda a adoção de medidas em escala global.

"Estamos em uma sociedade viciada em plásticos. As pessoas tomam água em garrafas descartáveis, usam copos e talheres descartáveis. Há um uso inconsequente do material. Uma parte significativa da sociedade não se importa, mas é sabido que estamos caminhando em direção ao colapso", disse a Dra. Thais Mauad, médica patologista afiliada à FMUSP e coordenadora do estudo.

Microplástico na saúde: como lidar com a contaminação humana em meio à poluição desenfreada - Medscape - 30 de outubro de 2024.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Como os microplasticos atingem nosso sistema respiratório?

Com estudos recentes tendo estabelecido a presença de partículas nano e microplásticas nos sistemas respiratórios de populações humanas e de aves, um novo estudo da Universidade de Tecnologia de Sydney (UTS) modelou o que acontece quando as pessoas respiram diferentes tipos de partículas de plástico e onde acabam.

A equipe de pesquisa usou a dinâmica computacional de partículas de fluidos (CFPD) para estudar a transferência e deposição de partículas de diferentes tamanhos e formas, dependendo da taxa de respiração.

Os resultados da modelagem, publicados na revista Environmental Advances, identificaram pontos de acesso no sistema respiratório humano, onde as partículas de plástico podem se acumular, na cavidade nasal, na laringe e nos pulmões.
Os principais tipos são fabricados intencionalmente, incluindo uma grande variedade de cosméticos e produtos de cuidados pessoais, como pasta de dente.

Os secundários são fragmentos derivados da degradação de produtos plásticos maiores, como garrafas de água, recipientes de alimentos e roupas.

Extensas investigações identificaram os têxteis sintéticos como uma das principais fontes de partículas de plástico transportadas pelo ar, enquanto o ambiente externo apresenta uma infinidade de fontes que abrangem aerossóis contaminados do oceano para partículas originárias do tratamento de águas residuais.
A modelagem da equipe descobriu que a taxa de respiração, juntamente com o tamanho e a forma de partículas, determinada onde no sistema respiratório as partículas de plástico seriam depositadas. As taxas de respiração mais rápida levaram a uma maior deposição no trato respiratório superior, particularmente para microplásticos maiores, enquanto a respiração mais lenta facilitou a penetração mais profunda e a deposição de partículas nanoplásticas menores.