sábado, 16 de agosto de 2025

TDAH induzido - Dr. Andrey Rocca

Você acha que tem sintomas de TDAH?

Hoje em dia, muita gente tem se identificado com vídeos e memes de TDAH. A verdade é que a maioria dessas pessoas tem sintomas de desatenção induzidos pelo estilo de vida.

Somente 5% das crianças e 3% dos adultos de fato têm TDAH genético, o transtorno de desenvolvendo para o qual as mediações foram estudadas.

Muitos tem buscado esse diagnóstico, se definido a partir dele e isso pode inclusive confundir e atrapalhar a vida da pessoa. Além de ter muita gente vendendo essa “epidemia” aqui nas redes, que não é bem verdade pelos artigos.

Como estudo o tema há mais de 20 anos, desde que comecei o consultório de Nutrologia sempre atendi pacientes com suspeita de TDAH, visto que, muitos acreditam em uma abordagem Nutrológica para esse transtorno. O fato é, poucos nutrientes são efetivos para o TDAH, ou seja, apesar de termos alguns estudos, a maioria destes trabalhos são fracos e tem uma heterogeneidade nos resultados. Ou seja, não há evidência robusta que alguma vitamina, mineral, ácido graxo auxilie no TDAH. 

O que nos diz o OpenEvidence sobre o tema:

Há evidência clínica de que alguns suplementos, minerais e vitaminas podem exercer efeitos benéficos em sintomas do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), embora o grau de benefício e a robustez metodológica dos estudos variem consideravelmente.

Diversos ensaios clínicos randomizados e revisões sistemáticas indicam que micronutrientes (misturas de vitaminas e minerais) podem promover melhora global do funcionamento, especialmente em aspectos como regulação emocional, agressividade e sintomas de desatenção, com perfil de segurança favorável e baixa taxa de eventos adversos.[1-3] 

No entanto, os efeitos sobre sintomas centrais de hiperatividade/impulsividade tendem a ser modestos ou inconsistentes entre diferentes avaliadores.[2-3]

Estudos específicos com vitamina D e magnésio sugerem que a suplementação combinada pode melhorar parâmetros comportamentais e de saúde mental em crianças com TDAH, incluindo redução de problemas emocionais, comportamentais e sociais, embora sejam necessários estudos maiores e mais robustos para confirmar esses achados.[4]

Revisões sistemáticas e meta-análises apontam que antioxidantes como ômega-3, ômega-6, vitamina D, zinco, fosfatidilserina, resveratrol, pycnogenol, quercetina e fitoterápicos (ex.: Bacopa monnieri, Ginkgo biloba) podem ter efeitos positivos em sintomas de atenção, hiperatividade e funcionamento global, mas os resultados devem ser interpretados com cautela devido à heterogeneidade metodológica e à qualidade variável dos estudos.[5-7] 

Por exemplo, ômega-3 e vitamina D aparecem entre os suplementos mais eficazes e seguros em algumas análises, enquanto Bacopa monnieri e Ginkgo biloba mostram benefícios principalmente em sintomas de desatenção, mas são menos eficazes que estimulantes tradicionais.[5-6]

É importante ressaltar que, apesar dos potenciais benefícios, os suplementos não substituem o tratamento farmacológico padrão (como estimulantes), cuja eficácia é amplamente superior e bem estabelecida.[6][8] 

O uso de suplementos pode ser considerado como abordagem complementar, especialmente em casos de comorbidades emocionais ou quando há contraindicação ou recusa ao tratamento farmacológico, sempre sob supervisão clínica.

Em resumo, há evidência de benefício modesto de micronutrientes, vitaminas e alguns suplementos em sintomas de TDAH, principalmente em desatenção e regulação emocional, mas não há consenso para recomendação universal. A heterogeneidade dos estudos e a ausência de efeitos robustos sobre todos os domínios do TDAH exigem cautela na interpretação dos resultados e reforçam a necessidade de mais pesquisas de alta qualidade.[1-7]

1. Micronutrients for Attention-Deficit/­Hyperactivity Disorder in Youths: A Placebo-Controlled Randomized Clinical Trial. Johnstone JM, Hatsu I, Tost G, et al. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. 2022;61(5):647-661. doi:10.1016/j.jaac.2021.07.005.

2. Vitamin-Mineral Treatment Improves Aggression and Emotional Regulation in Children With ADHD: A Fully Blinded, Randomized, Placebo-Controlled Trial. Rucklidge JJ, Eggleston MJF, Johnstone JM, Darling K, Frampton CM. Journal of Child Psychology and Psychiatry, and Allied Disciplines. 2018;59(3):232-246. doi:10.1111/jcpp.12817. Leading Journal 

3. Vitamin-Mineral Treatment of Attention-Deficit Hyperactivity Disorder in Adults: Double-Blind Randomised Placebo-Controlled Trial. Rucklidge JJ, Frampton CM, Gorman B, Boggis A. The British Journal of Psychiatry : The Journal of Mental Science. 2014;204:306-15. doi:10.1192/bjp.bp.113.132126.

4. The Effect of Vitamin D and Magnesium Supplementation on the Mental Health Status of Attention-Deficit Hyperactive Children: A Randomized Controlled Trial. Hemamy M, Pahlavani N, Amanollahi A, et al. BMC Pediatrics. 2021;21(1):178. doi:10.1186/s12887-021-02631-1.

5. Safety and Efficacy of Antioxidant Therapy in Children and Adolescents With Attention Deficit Hyperactivity Disorder: A Systematic Review and Network Meta-Analysis. Zhou P, Yu X, Song T, Hou X. PloS One. 2024;19(3):e0296926. doi:10.1371/journal.pone.0296926.

6. Efficiency of Different Supplements in Alleviating Symptoms of ADHD With or Without the Use of Stimulants: A Systematic Review. Al Shahab S, Al Balushi R, Qambar A, et al. Nutrients. 2025;17(9):1482. doi:10.3390/nu17091482.  New Research

7. Use of Non-Pharmacological Supplementations in Children and Adolescents With Attention Deficit/­Hyperactivity Disorder: A Critical Review. Rosi E, Grazioli S, Villa FM, et al. Nutrients. 2020;12(6):E1573. doi:10.3390/nu12061573.

8. Editorial: Accumulating Evidence for the Benefit of Micronutrients for Children With Attention-Deficit/­Hyperactivity Disorder. Stevenson J. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. 2022;61(5):599-600. doi:10.1016/j.jaac.2021.08.008.

Assista ao vídeo do meu colega psiquiatra Dr. Andrey Rocca. 

 

Semaglutida recebe aprovação do FDA para MASH (esteato-hepatite associada à disfunção metabólica)

No fim do dia de ontem, a FDA concedeu ao Wegovy (semaglutida 2,4 mg) uma nova e importante indicação: o tratamento do MASH

Se há duas condições de saúde que exigem atenção dos médicos atualmente, essas são a esteato hepatite associada a disfunção metabólica, também conhecida como MASH, e a doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica, ou apenas MASLD

Estes termos podem parecer complicados, mas, simplificando, representam um grave acúmulo de gordura no fígado, que podem resultar em inflamação e danos às células hepáticas do órgão. 

Imagine seu fígado como um armazém que começou a guardar gordura em excesso. Isso pode levar a inflamação e danos, comprometendo o seu funcionamento saudável do órgão. Esse cenário representa a MASH e a MASLD. Elas estão se tornando cada vez mais comuns, principalmente na América do Sul, onde cerca de 30% da população têm essas condições. 

Os sintomas, em fase inicial, são silenciosos, por isso informação pode ser a peça-chave para identificar qualquer anormalidade e adotar os cuidados adequados.

Diferença entre gordura no fígado, MASH e MASLD

As doenças do fígado são divididas em três fases. 

Na primeira, encontramos a MASLD. É aqui que o fígado começa a acumular gordura. 

A segunda é a MASH, quando a gordura causa inflamação no fígado. 

E, já no estágio final, existe a fibrose, que são cicatrizes no fígado, podendo evoluir para a cirrose

Assim, a MASLD é a fase inicial e a MASH é a fase intermediária. o FDA aprovou a Semaglutida justamente para essa fase intermediária. 

Como podemos identificar a MASH e a MASLD?

Identificar a MASH e a MASLD pode ser um desafio, pois eles não costumam apresentar sintomas no estágio inicial da doença, que possam servir como alerta de que algo está errado. 

Uma maneira de rastrear essas condições é por meio de testes não invasivos, como o FIB-4 e a elastografia hepática

A elastografia é como um ultrassom que mede a rigidez do fígado e o FIB-4 é um cálculo que usa sua idade e alguns resultados de exames de sangue para estimar a saúde do fígado. Ambos ajudam os médicos a entender a condição do seu fígado sem necessidade de procedimentos mais invasivos.

Quais são os grupos de risco para MASH e MASLD?

Os grupos de alto risco para gordura no fígado incluem pessoas com diabetes tipo 2, obesidade, altos níveis de enzimas hepáticas, e aqueles que levam um estilo de vida sedentário e não saudável. Se você se enquadra nesse perfil, é recomendável um acompanhamento regular com o seu médico. 

Prevenção da MASH

A prevenção é a chave. Isso inclui manter um estilo de vida saudável, alimentação equilibrada e exercícios regulares. Além disso, é importante evitar alimentos ricos em gorduras trans, consumo excessivo de carboidratos refinados e gorduras saturadas. Em vez disso, prefira azeite de oliva, abacate, grãos, cereais integrais e frutas e legumes. Para atividade física, a recomendação é fazer pelo menos 150 minutos de exercício por semana. Pode ser uma caminhada no parque, andar de bicicleta ou dançar na sala de estar. O importante é se mexer!

Em termos medicamentosos temos agora duas medicações para MASH:  Rezdiffra (resmetirom) e a Semaglutida 2,4mg.

A indicação aprovada pela agência diz o seguinte: “Para o tratamento de esteato-hepatite associada à disfunção metabólica (MASH) não cirrótica, anteriormente conhecida como esteato-hepatite não alcoólica (NASH), com fibrose hepática moderada a avançada (compatível com estágios F2 a F3) em adultos.

A indicação para MASH foi aprovada em caráter acelerado com base na melhora de MASH e da fibrose. A manutenção da aprovação pode depender da verificação e descrição do benefício clínico em um estudo confirmatório.”

Isso faz do Wegovy o primeiro medicamento para obesidade com indicação para tratar doença hepática. É um marco porque o MASH é um problema de saúde grande e em expansão. A doença pode levar à falência hepática e ao câncer de fígado. Com a crescente prevalência da obesidade infantil, pode começar cedo na vida e passar despercebida até estágios avançados, quando se torna mais difícil de tratar.

📌 Uma necessidade médica não atendida

Até agora, apenas um outro medicamento havia sido aprovado para o tratamento do MASH: o Rezdiffra (resmetirom). Apesar de frequentemente falarmos que o Wegovy é caro, o preço do Rezdiffra é ainda mais elevado — chegando a US$ 4.800 por mês. Ainda assim, o medicamento tem tido forte adesão, com faturamento de US$ 213 milhões apenas no segundo trimestre deste ano pela Madrigal Pharmaceuticals. Assim como no tratamento da obesidade, há muito espaço para crescimento de terapias destinadas ao MASH, e é provável que outros medicamentos para obesidade também conquistem essa indicação.

⚕️ Uma complicação crônica de uma doença crônica

A real importância dessa nova indicação está em reforçar o entendimento de que tratar a obesidade não se resume a perder peso, mas sim a ganhar saúde. Por isso, exige terapia de longo prazo, já que obesidade e suas complicações são doenças crônicas.

Fontes:

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Tratamento da obesidade e prevenção de doença cardiovascular (Diretriz ABESO)

A prevalência global da obesidade mais do que dobrou nas últimas quatro décadas, e hoje afeta mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. Reconhecida como uma condição ligada a muitas doenças crônicas, a obesidade impacta diretamente na qualidade de vida e na redução da expectativa de vida. (1) 

Em 2021, a prevalência global da doença cardiovascular (DCV) atingiu 612 milhões de pessoas, representando 26,8% de todas as mortes mundiais, com um crescimento de 0,88% ao longo das últimas três décadas. Notavelmente, 79,5% de todos os anos de vida saudável perdidos ajustados às incapacidades foram atribuídos a 11 fatores de risco, sendo o índice de massa corporal (IMC) o que apresentou a maior associação. (2) Não obstante, estudos de prevalência mostram que dois terços das mortes relacionadas à obesidade são atribuíveis à DCV. (2,3)  Particularmente no Brasil, dados de 2025 sugerem que 68% dos adultos possuem IMC ≥25 kg/m², e que 31% dessa população esteja vivendo com a obesidade. Em 2021, houve 60.913 mortes prematuras associadas ao IMC elevado no país. (1)

A obesidade também é um dos principais determinantes da DCV. Estudos epidemiológicos prospectivos demonstram que a obesidade está associada a um risco elevado de eventos de doença arterial coronariana (DAC) e de mortalidade cardiovascular (CV). (4) Sua influência ocorre de forma indireta, através do aumento de fatores de risco CV tradicionais como diabetes tipo 2 (DM2), dislipidemia (DLP) e hipertensão arterial sistêmica (HAS), mas também por efeito direto do estado inflamatório induzido pela adiposidade na estrutura e função cardíacas. (5,6)

Diversas evidências epidemiológicas ligam a obesidade à DCV através do IMC. Uma metanálise envolvendo mais de 300.000 adultos evidenciou que as faixas de sobrepeso e obesidade definidas pelo IMC se associam a um risco elevado de DAC e de mortalidade CV.  Estudos observacionais e de randomização mendeliana também demonstram forte associação direta entre o aumento do IMC e a incidência e mortalidade por insuficiência cardíaca (IC). (7) 

Adicionalmente, as evidências demonstram que a obesidade abdominal está mais diretamente relacionada ao aumento do risco de doenças cerebrovasculares, coronarianas, e mortalidade CV. (5) Metanálises de grandes estudos de coorte evidenciam que a obesidade abdominal, medida pela circunferência da cintura, é forte preditora independente para morbidade e mortalidade em qualquer categoria de IMC. (5,6) Mesmo indivíduos com IMC abaixo de 30 kg/m2 podem apresentar risco cardiometabólico alto relacionado à escassez de gordura subcutânea gluteofemoral e ao acúmulo de gordura visceral, especialmente quando associado a outros fatores de risco. (8)  Desta forma, alternativas ao IMC como a circunferência da cintura, a relação cintura/quadril e a relação cintura-altura são recomendadas para evidenciar o possível aumento de gordura visceral. (9,10,11)

Historicamente, a abordagem terapêutica para a obesidade tem se centrado em intervenções relacionadas ao estilo de vida e opções farmacológicas com eficácia limitada. Contudo, a introdução da nova geração de medicações antiobesidade possibilitou a obtenção de perdas de peso mais significativas e sustentáveis. Ademais, com a complexidade crescente das opções terapêuticas disponíveis e os benefícios observados em desfechos ligados à síndrome cardiorrenal metabólica; tornou-se evidente a necessidade de novas ferramentas de estratificação que orientem a seleção do tratamento para cada situação clínica. (12,13)

Nesse sentido, esta diretriz visa estruturar o tratamento da obesidade em relação à prevenção da DCV, levando em consideração o risco CV e o estágio da obesidade. Este documento apresenta recomendações fundamentadas nas melhores evidências disponíveis, com o objetivo de auxiliar os profissionais de saúde na personalização da estratégia terapêutica mais adequada para as pessoas que convivem com obesidade.

METODOLOGIA:

A diretriz seguiu o método Delphi (14) para estabelecer recomendações a partir da coleta de opiniões de especialistas em rodadas sucessivas, na qual cada participante responde anonimamente e tem a oportunidade de reavaliar suas respostas à luz do feedback dos outros participantes.

Inicialmente, formou-se um grupo de 20 especialistas representantes das 5 sociedades (ABESO, SBD, SBEM, SBC e ABS). Destes, 5 formaram o grupo de trabalho (comitê gestor), que elaborou a estrutura da diretriz baseada em 25 recomendações, elaboradas com as melhores evidências disponíveis. 

Cada recomendação foi desenhada para abordar uma situação clínica específica, e recebeu um grau de recomendação que foi dado após votação do grande grupo. Foram realizadas 3 rodadas de votação por meio de uma ferramenta online, cujo resultado foi analisado estatisticamente pelo comitê gestor. Após a primeira rodada de sugestões, o texto base foi revisado e reescrito. Foram realizadas então a segunda e terceira rodadas para ajustes do texto, que foi subsequentemente ajustado para definição final dos graus de recomendação. Em seguida, a revisão da literatura foi atualizada e estruturada conforme o sumário de evidências que segue cada recomendação. Finalmente, o texto foi redigido para publicação.

Para acessar o documento na íntegra, clique aqui 



terça-feira, 29 de julho de 2025

Mentoria preparatória para a prova de título de Nutrologia

Hoje encerrei um capítulo da minha vida. A preparação de médicos para a prova de título de Nutrologia. Desde 2018, auxiliei centenas de médicos a passarem na prova de título, juntamente com minha sócia Amanda Weberling. Foi bom conhecer vários dos atuais afilhados durante as mentorias. Criar vínculos, tornar amigo e o mais gratificante, perceber o crescimento deles como profissionais. Isso me enche de orgulho, saber que valeu a pena ajudar um profissional a subir um degrau. 

Foi cansativo? MUITO, ainda mais se tratando de uma prova que considero injusta por inúmeras razões. Montar material, traduzir artigos, criar flashcards, atualizar banco de questões, mentoria semanal, as vezes até de 2h. Cansativo pra mim e pros mentorandos. 

Sofri? Sim, a cada edital publicado eu sofria por antecipação com os afilhados, afinal quando pego na mão é até o fim. Fui paternalista? Sim, mas valeu a pena. Sofri ao ver afilhado e amigo ser reprovado por décimos? MUITO. 

Mas no final valeu a pena. Termino com a sensação de dever cumprido. Torço muito para que os mentorandos desse ano sejam aprovados. Os apadrinhamentos continuam, porém, as mentorias não. Flashcards, banco de questões, guidelines, tradução dos guidelines estão disponíveis gratuitamente para os meus afilhados. A venda do e-book: Tô na Nutro continua e a seleção de afilhados continua, mas sem o dever de fazer mentoria. Continuaremos com o grupo de afilhados, discutindo casos e trocando experiência clínica.

Grato a cada um que depositou em mim a sua confiança.

Frederico Lobo


segunda-feira, 28 de julho de 2025

Será que ômega 3 ajuda no transtorno bipolar? Por Dr. Andrey Rocca

 

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Sopa básica de inverno



Inverno em uma parte do país, clima bom para tomar sopa à noite. Nessa época é comum os pacientes rejeitarem salada no período noturno, por conta do frio. Então, uma opção para não deixar de lado a alimentação saudável são as Sopas. Essa semana fiz uma antiga receita, ficou deliciosa e me toquei que ao longo desses 15 anos nunca a compartilhei aqui. Então #BoraTomarSopa.

Sopão de legumes com patinho 

Ingredientes: 
1kg de patinho cortado em cubos pequenos (igual para strogonoff)
5 Batata inglesa grande, cortada em cubos médios
2 cenouras cortadas em rodelas médias
2 abobrinhas verde ou italaliana cortada em rodelas médias
Milho cortado de 4 espigas 
100g de vagem 
2 tomates, cortado em cubos médios
5 cebolas cortadas em cubos pequenos
1 pé de brócolis cortado em partes menores
3 colheres de sopa de manteiga ou de óleo de girassol ou azeite
3 dentes de alho amassados
Pimenta do reino a gosto
Sal a gosto
Caldo de legumes Vero Brodo

Modo de preparo:
Em uma caçarola refogue a metade da cebola fatiada, quando começar a murchar acrescente o 1 kg de patinho. Mexa até formar uma mistura homogênea. Acrescente Pimenta do reino e sal. Quando a cebola começar a ficar dourada, acrescente 400ml do caldo Vero Brodo e 1 colher de sopa de manteiga ou óleo de girassol/azeite. Deixe ferver até o liquido começar a secar e a carne começar a ficar dourada. Acrescente 500ml de água bem quente e deixei fervendo.

Em uma outra caçarola, acrescente a outra metade da cebola picada, 1 colher de sopa de manteiga ou de óleo/azeite, refogue. Quando a cebola começar a dourar, acrescente 400ml do caldo de legumes e despeje: milho cortado, as vagens cortadas em cubos pequenos, os 2 tomares italianos picados em cubos, as cenouras e as abobrinhas. Para cobrir, acrescente mais 300ml de água fervente e deixe cozinhar por 15 minutos e vá mexendo. 

Na carne acrescente mais 200ml de caldo Vero Brodo e mexa por 15 minutos. Desligue o fogo.

Quando perceber que a cenoura já está al dente, acrescente a batata. Deixe ferver por 30 minutos, mas com auxílio de uma concha grande, vá colocando o caldo da carne aos poucos na sopa, até sobrar somente a carne com a cebola na caçarola. Reserve. Acrescente mais água fervente para dar volume na sopa. 

Aqui há duas opções, você pode acrescentar a carne na sopa ou deixar separada e pesar as porções de proteína. Como faço as marmitas de sopa, pego cada embalagem de 500g, coloco na balança e acrescento 100g de proteína.

Após a sopa pronta, já cozida e com a babata macia, deixo esfriar por 30 minutos, depois completo a marmita com mistura da sopa. Motivo? Preciso ter de 100g de proteína por marmita. 

Na caçarola da carne, acrescente 1 colher de sopa de manteiga e o brócolis, refogue e acrescente o alho amassado. Acrescente 2 colheres de sopa do brócolis em cada marmita. 



Obs 1: O gosto do brócolis é forte, então se você não gosta, não acrescente. Não o refogue junto da sopa, pois ele muda o gosto da sopa. 
Obs 2: O tomate dá uma cor para a sopa, porém, a deixa levemente ácida, se não gosta, não acrescente.
Obs 3: Dá para fazer com frango? Sim, mas não fica bom. Se quer proteína vegetal, dá para fazer com tofu, nesse caso acrescente a sopa primeiro na embalagem da marmita e depois coloque 150 de tofu cortado em cubos pequenos em cada embalagem. 
Obs 4: Essa receita rende 9 Marmitas de 500g. Dá para congelar por até 2 meses. 
Obs 5: A proporção sempre é: 3x a quantidade de batata inglesa, em proporção à quantidade dos demais vegetais, objetivo: não deixar com muito gosto de cenoura, vagem ou abobrinha. 
Obs 6: Dá para acrescentar couve-flor? Sim. Batata doce? Sim. Abóbora? Sim. Eu não gosto.

terça-feira, 22 de julho de 2025

Terapias combinadas com análogos de amilina e análogos de GLP-1 são altamente promissoras para tratamento da obesidade

O desenvolvimento de agonistas do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) levou a um progresso sem precedentes no tratamento da obesidade. Medicamentos altamente eficazes para perda de peso e diabetes mellitus tipo 2 (DM2) foram desenvolvidos tendo como alvo o receptor de GLP-1 juntamente com outros receptores relacionados (por exemplo, o agonista duplo dos receptores de GLP-1 e GIP, tirzepatida). Agora, outro alvo potencial para terapias antiobesidade mostra resultados promissores: a via da amilina.

A amilina é um hormônio peptídico secretado pelas células β pancreáticas, envolvido na regulação dos níveis de glicose no sangue e na promoção da saciedade. 

Análogos de amilina já demonstraram resultados iniciais promissores e bons perfis de segurança em ensaios clínicos de fase I e fase II. Agora, três novos ensaios clínicos demonstraram ainda mais a eficácia das terapias baseadas em análogos da amilina para obesidade. 

Dois desses estudos, REDEFINE 1 e REDEFINE 2, publicados no The New England Journal of Medicine, investigaram o mimético de amilina de longa duração cagrilintida em combinação com o já consagrado agonista do receptor de GLP-1, semaglutida (CagriSema). O terceiro ensaio, um estudo clínico de fase I publicado no The Lancet, avaliou o amycretin, um agonista de ação dupla que combina um mimético de amilina e um agonista do receptor de GLP-1.

O REDEFINE 1 foi um ensaio controlado randomizado, duplo-cego, de fase IIIa, que investigou a eficácia do CagriSema para perda de peso em participantes com obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²) ou sobrepeso (IMC ≥ 27 kg/m²) e pelo menos uma comorbidade relacionada à obesidade (exceto DM2). 

O estudo envolveu um total de 3.417 participantes: 2.108 receberam CagriSema, 302 receberam semaglutida em monoterapia, 302 receberam cagrilintida em monoterapia e 705 receberam placebo. “Havia quatro braços de randomização: CagriSema 2,4 mg/2,4 mg coadministrado, os monocomponentes, incluindo semaglutida isolada 2,4 mg e cagrilintida isolada 2,4 mg, e placebo”, explica Timothy Garvey, autor correspondente do estudo REDEFINE 1. “Era importante demonstrar que a combinação era mais eficaz do que cada um dos agentes isolados e todos foram superiores ao placebo.”

Os dois desfechos primários do estudo foram a mudança no peso corporal em relação ao início e a proporção de participantes que perderam mais de 5% do peso corporal durante a duração do ensaio (68 semanas), em comparação com o placebo. 

Os participantes que tomaram CagriSema tiveram uma redução média de 20,4% no peso corporal, em comparação com 3,0% com placebo, 14,9% com semaglutida isolada e 11,5% com cagrilintida isolada. Além disso, os participantes do grupo CagriSema foram mais propensos a atingir o limiar de perda de peso de 5% ou mais, assim como todas as metas secundárias de perda de peso (20% ou mais, 25% ou mais e 30% ou mais) em comparação com o grupo placebo. 

Embora 92,3% dos participantes do grupo CagriSema tenham apresentado efeitos adversos (predominantemente gastrointestinais), em comparação com 82,3% no grupo placebo, esses efeitos foram em sua maioria leves a moderados e diminuíram após a fase de escalonamento de dose.

O REDEFINE 2 avaliou a eficácia do CagriSema para perda de peso em participantes com sobrepeso ou obesidade (IMC ≥ 27) e DM2, com HbA1c de 7–10%. O CagriSema foi administrado a 904 participantes, enquanto 302 receberam placebo. A duração do estudo e os desfechos primários foram os mesmos do REDEFINE 1.

“Houve uma perda de peso significativa em pacientes com DM2 usando CagriSema, com uma perda média de peso de 15,7% (estimativa de produto do estudo), um dos melhores resultados que já vimos em pacientes com DM2”, diz Melanie Davies, autora correspondente do estudo REDEFINE 2. “Além disso, houve uma redução de 2,1% na HbA1c (estimativa de produto do estudo) a partir de um valor basal de 8% nesses participantes, demonstrando uma eficácia potente e impressionante na redução da glicemia.” No grupo CagriSema, 83,6% dos pacientes atingiram pelo menos 5% de perda de peso em relação ao início, em comparação com 30,8% no grupo placebo (P < 0,001). 

O CagriSema também reduziu os níveis de glicose plasmática em jejum e a necessidade de medicamentos para controle da glicose em maior grau do que o placebo. O perfil de segurança do CagriSema em pacientes com DM2 foi semelhante ao observado nos participantes do REDEFINE 1, com os efeitos adversos predominantemente gastrointestinais diminuindo após a fase de escalonamento de dose.

“O REDEFINE 1 em pacientes com obesidade e o REDEFINE 2 em pacientes com obesidade e DM2 demonstraram que o CagriSema está entre os medicamentos mais eficazes aprovados até hoje para perda de peso”, afirma Garvey. “Este ensaio, junto com o estudo-irmão (REDEFINE 1), apoiará o pedido de aprovação regulatória do CagriSema”, conclui Davies.

O terceiro estudo foi um ensaio de fase I, duplo-cego, controlado por placebo e de primeira administração em humanos, que avaliou a segurança, tolerabilidade e propriedades farmacocinéticas de doses únicas ascendentes de amycretin em comparação com placebo em um total de 144 participantes. Os pesquisadores concluíram que o amycretin foi seguro e bem tolerado, com um perfil de risco semelhante ao de outras terapias com análogos de amilina e agonistas do receptor de GLP-1. Eventos adversos ocorreram em 62% de todos os participantes, sendo principalmente gastrointestinais e de intensidade leve a moderada. Além disso, o amycretin demonstrou resultados promissores para os desfechos exploratórios de percentual de perda de peso e melhora de parâmetros metabólicos.

De forma geral, os resultados desses estudos demonstram que análogos de amilina combinados com agonistas do receptor de GLP-1 são uma via terapêutica altamente promissora para medicamentos de perda de peso, com potencial para oferecer maior redução de peso do que os miméticos de incretinas atualmente disponíveis, como semaglutida e tirzepatida.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Será que plantas crioulas têm mais nutrientes que as convencionais? Por Flávia Schiochet (O joio e o trigo)


É provável que sim, mas depende. A combinação de material genético, saúde do solo, manejo e clima não é um quebra-cabeça simples de montar. Até agora, ciência não tem resposta definitiva 

Há uns meses, uma embalagem de fubá chamou a atenção aqui na redação do Joio. Ela dizia que o milho crioulo tinha mais ferro que outras variedades de milho. Ficamos encucados: será que é uma característica das plantas crioulas ter mais nutrientes? E, se for, será que genética basta para que fruto, folha ou raiz tenha mais vitaminas e minerais, independentemente do solo e do manejo? Minha hipótese era que, provavelmente, sim. 

Algumas entrevistas e revisões bibliográficas depois, a resposta se desenhou com uma irônica clareza: na verdade, depende.  

“Crioula” é a denominação dada às plantas selecionadas ao longo de gerações de agricultores. Essa prática resulta em espécies que estão mais bem adaptadas ao local de sua domesticação, e não são registradas como sementes comerciais. 

A venda de sementes crioulas é permitida pela legislação brasileira entre agricultores familiares, e a norma não exige que o material genético crioulo tenha as mesmas taxas de germinação, vigor e pureza que as variedades comerciais registradas junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). 

Segundo os pesquisadores que o Joio ouviu, não é impossível que uma variedade crioula tenha mais vitaminas e minerais. Mas, nesse caso, a comparação do milho crioulo foi feita com qual das 744 variedades comerciais de milho que existem no Brasil? Essa informação, o rótulo não trazia.  

São três as principais variáveis que afetam o desenvolvimento das plantas: 
  1. O solo, 
  2. Sua genética,
  3. O clima. 
É o chamado sistema solo-planta-atmosfera – dessas três coisas, o ser humano consegue influenciar nas duas primeiras. A importância de cada um desses fatores varia de planta para planta. “Não é possível pontuar ou quantificar esses fatores porque isso dependerá de cada espécie vegetal”, resume Mauro Brasil, professor de Agronomia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).  

As variáveis intrínsecas aos seres vivos também são muitas e aumentam a complexidade da equação. Por exemplo, a genética da planta pode influenciar na absorção de minerais e, com isso, pode gerar frutos mais ricos. 

A noção de possibilidade é importante: nenhuma variável é determinante para o acúmulo ou a falta de nutrientes. A botânica é um quebra-cabeça de milhões de peças. E cada peça é também um quebra-cabeça com muitas outras.

A grosso modo, a composição nutricional tem macronutrientes, micronutrientes e compostos bioativos. Foi para entender como frutas, verduras, cereais, legumes e raízes formam sua composição nutricional que começamos essa apuração. E terminamos essa pesquisa com uma resposta bastante longa.  

Glossário 
  • Macronutrientes: Proteínas, gorduras e carboidratos 
  • Micronutrientes: Vitaminas (A, D e do complexo B, por exemplo) e minerais (cálcio, fósforo, ferro, sódio etc.) 
  • Compostos bioativos: Substâncias como os carotenóides, a quercetina, as antocianinas, o licopeno e os terpenóides, que são elaboradas pelas plantas para defesa e comunicação. São benéficas para o consumo humano por suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. 
“Os fatores que mexem com a composição nutricional do fruto são muito, muito variáveis, e muito difíceis de controlar. Não dá para cravar: ‘se eu fizer tal coisa, vai acontecer tal coisa’. A gente consegue ver tendências”, explica Eduardo Purgatto, professor e pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) e diretor-executivo do Centro de Pesquisa em Alimentos, o Food Research Center. Isso se explica pela agilidade com que os vegetais respondem aos estímulos do ambiente, da fauna, da flora e das condições climáticas. “Sendo um organismo que não tem mobilidade, ele tem que ter uma plasticidade enorme para conseguir fazer frente aos desafios que o ambiente traz. É um caso de sucesso evolutivo fantástico”, comenta Purgatto.  

Essa plasticidade é o que faz cada parte de uma mesma planta reagir de forma diferente ao mesmo tempo. Por exemplo: é comum que frutos de um lado da árvore que pega mais sol tenham uma composição diferente dos que estão sujeitos à luz indireta ou sombra. Além disso, é difícil construir um experimento que traga uma resposta definitiva, porque se testa uma variável por vez, para poder medir os resultados e entender o que os causou. Mas aí, quando for hora de repetir o experimento para testar outra variável, os estímulos não controláveis já mudaram: a incidência do sol não será mais a mesma, nem a umidade do ar, nem a amplitude térmica. E o resultado pode ser totalmente diferente do primeiro experimento, mesmo que seja feito em estufas e com clones das plantas.  

Em estudos que comparavam a concentração de nutrientes e antioxidantes em frutas cultivadas de formas distintas, os resultados variaram. Um experimento de 2021, na Grécia, com três tipos de uva apontou que uma variedade concentrou mais nutrientes que as outras, tanto no manejo orgânico quanto no convencional. Já um estudo feito no Irã, publicado em 2025, comparou seis frutas em manejo orgânico e convencional, e encontrou frutos com mais nutrientes, minerais e compostos bioativos no pomar orgânico – entre elas, um tipo de uva.  As conclusões de ambas as pesquisas começam da mesma forma: “os resultados sugerem”. 

Sugerir, outro verbo que, assim como poder, não bate o martelo.  O estudo iraniano cita experimentos similares com frutas e conclui: “Embora a literatura tenha mostrado diferenças entre alimentos orgânicos e convencionais, com os orgânicos em vantagem, as informações existentes permanecem insuficientes, necessitando de mais pesquisas para estabelecer conclusões definitivas.” O porquê de as uvas do experimento grego manterem as mesmas taxas de nutrientes e antioxidantes tanto no cultivo orgânico quanto no convencional é quase impossível de responder – os experimentos nunca mais serão repetidos do mesmo jeito. Pode ser o fato de as uvas serem de plantas em um vinhedo, enquanto o experimento iraniano foi em um pomar com outras espécies? Pode ser a composição dos solos, os microrganismos presentes, a umidade do ar? Ou a genética das videiras?  Pode, na verdade, ser tudo isso. 

Para explicar a complexidade desse quebra-cabeça, vamos passar por duas variáveis controladas pelo ser humano e entender o que é consenso científico e o que os pesquisadores ainda não conseguem responder. 

Solo, manejo e um pouco de estresse 

O solo é vivo. Em sua composição, há uma infinidade de bactérias, fungos, leveduras, insetos e outros seres vivos que interagem entre si e com as plantas. Essa complexidade é quase inteiramente invisível a olho nu, mas influencia a composição vegetal. Na agricultura, o solo é modificado pelo homem: corrigido, adubado e revirado para criar as condições ideais para um cultivo. Nisso, novas variáveis se somam ao quebra-cabeça: matéria orgânica, micro-organismos e minerais.  Em linhas gerais, cada espécie terá sua combinação ideal desses elementos. 

Caso não encontre essas condições, seu desenvolvimento ficará prejudicado, e isso se refletirá na composição nutricional. Outra questão é que, se a planta não cresce de forma saudável, é pouco provável que resista ao ataque de um inseto ou mesmo que produza frutos para continuar sua descendência.  Na revisão bibliográfica feita pela reportagem, o mais comum foi encontrar artigos que comparam o tipo de manejo, dividindo-o entre convencional e orgânico. 

Porém, essa classificação não é completamente descritiva de todas as decisões tomadas pelo agricultor.  A grosso modo, pode-se dizer que o manejo convencional pode usar adubação química e/ou orgânica, pode fazer rotação de culturas ou optar pela monocultura, e o uso de agrotóxicos é liberado.  Já o manejo orgânico não usa fertilizantes químicos, nem agrotóxicos. 

Mas o termo “orgânico” não proíbe, por exemplo, a monocultura – diferentemente da agroecologia, ciência que integra uma visão ecológica com a agricultura, em que a saúde do solo e a biodiversidade são tão importantes quanto a produção agrícola. Nos artigos, não há um detalhamento tão preciso das práticas convencional e orgânica, o que torna a comparação de resultados ainda mais complicada.  Essas combinações possíveis no manejo, somadas às combinações de clima e genética, aumentam a incerteza do que é, exatamente, que faz as plantas serem mais nutritivas.  

Há estudos que apontam que tanto o uso de fertilizantes químicos quanto orgânicos – ou mesmo uma combinação dos dois – trará concentrações similares de nutrientes. Um artigo de 2023 fez uma meta-análise de estudos que compararam formas de adubação. 

Os pesquisadores compilaram e analisaram dados de 551 experimentos, realizados entre 1972 e 2022 em todos os continentes.   Na agricultura, o solo é modificado pelo homem: corrigido, adubado e revirado para criar as condições ideais para um cultivo — e as combinações práticas são incontáveis. 

A conclusão foi que a aplicação de fertilizantes (principalmente o tipo químico nitrogênio, fósforo e potássio, combinado ou não com adubo orgânico) aumentou, em média, em 30,9% a produtividade e em 11,9% a qualidade nutricional dos alimentos do que culturas que não foram adubadas.  

No entanto, os resultados foram pouco expressivos nos solos mais pobres, que apresentavam pouca matéria orgânica. Isso porque os vegetais elaboram seus macronutrientes a partir de elementos presentes na matéria orgânica, que funcionam como blocos de construção: carbono, hidrogênio e oxigênio, principalmente; e algumas moléculas podem ter enxofre, nitrogênio e fósforo. É com essas peças que a planta monta açúcares, gorduras, proteínas e vitaminas. “Você não vai ver uma banana triplicar a quantidade de açúcar só porque ela está em uma região diferente da outra. Você não vai multiplicar por cinco a quantidade de lipídio no abacate só porque você mudou o regime de irrigação dele”, exemplifica Purgatto, da USP.  

O cenário muda quando se fala de vitaminas e minerais. Eles são as menores peças desse quebra-cabeça, e não são produzidos “do zero”, como os macronutrientes. A planta absorve os minerais através das raízes e os estoca em sua estrutura, mas também os usa para desenvolver outros compostos, como as vitaminas. Os resultados do experimento no Irã mostraram uma concentração maior de micronutrientes nas frutas orgânicas: as amoras apresentaram mais cálcio e potássio, e os figos tiveram maior teor de cobre, zinco e ferro que os cultivados na agricultura convencional.  

Ainda que o resultado tenha sido positivo para os orgânicos, os pesquisadores fecham a seção de resultados sem uma explicação causal. Apenas constatam o enigma botânico: “As variações observadas ilustram a diversidade intrínseca e a complexidade dos processos bioquímicos presentes em cada fruta, influenciados por diferentes práticas de manejo na horticultura, sejam elas orgânicas ou convencionais.”  

O manejo apresenta resultados mais consistentes nas pesquisas que estudam a produção de compostos bioativos. O licopeno, encontrado no tomate, e o betacaroteno, responsável pela cor alaranjada da cenoura, são exemplos dessas substâncias.  Elas são geradas pelas plantas em resposta aos estímulos e às adversidades do ambiente (sejam eles outras plantas, uma estiagem ou um inseto que quer comer suas folhas) e consideradas um “bônus” para a alimentação humana. Esses compostos não são nutrientes, nem minerais. Sua falta não causa deficiência nutricional, mas, ao consumi-los, a saúde humana se beneficia.  

Para entender a diferença na produção de compostos bioativos, vamos comparar duas situações completamente opostas – uma laranjeira em produção comercial e uma pitangueira silvestre.  A primeira é uma fruta asiática que, apesar de ser cultivada no Brasil todo, não está completamente adaptada aos biomas brasileiros. Seu cultivo é feito em um pomar de laranjeiras idênticas. 

O acesso à água e a correção do solo são feitos durante todo o ciclo da planta. Agrotóxicos ou outros produtos para controle de pragas podem ser aplicados para evitar ou conter algum ataque de inseto, fungo ou bactéria.  Cultivada assim, mesmo longe de seu bioma de origem, ela sofre pouco estresse: nenhuma praga, nenhuma estiagem, nenhuma competição por nutrientes. 

A planta terá acesso aos “blocos de montar” para criar açúcares, gorduras e proteínas e aos minerais para depositar em seus frutos. Inclusive, sua produtividade será maior que a de uma laranjeira sem manejo, que cresce cercada de outras espécies. Só que, justamente por responder a menos estímulos e ameaças, a laranja deste pomar comercial pode ter menos compostos bioativos, como vitamina C, ácidos fenólicos e carotenóides. 

Agora, pensando na pitangueira, uma espécie endêmica da Mata Atlântica. Mesmo em meio a um bosque, cercada de diversidade e sem manejo, ela vai produzir bem. Por ser uma planta adaptada, uma vez que evoluiu por milhares de anos no mesmo bioma, ela terá facilidade de responder aos estímulos que esse ambiente oferece. Ela é, na expressão botânica, uma planta rústica.  Sementes crioulas também são rústicas – neste caso, sua evolução foi guiada pelas gerações de agricultores que selecionaram as sementes a partir das características desejadas. E, por isso, acabam sendo fáceis de cultivar. 

Essa adaptação das variedades crioulas pode fazer com que a planta tenha mais facilidade em responder a estímulos e estresses. Com isso, pode produzir mais compostos bioativos e se manter saudável. Estando saudável, pode absorver melhor os nutrientes e minerais que precisa para seu desenvolvimento. E, assim, gerar frutos viáveis para continuar se propagando.  “Outro detalhe importante é a velocidade com que as culturas melhoradas atingem a sua produção. 

Um milho melhorado que leva 120 dias para ser colhido terá menos tempo para sintetizar e acumular nutrientes na matéria seca, quando comparado com o ciclo do milho crioulo, que pode levar até mais de 150 dias”, compara Brasil, da UFPR.  Então, sim, uma planta crioula pode ser mais nutritiva que uma convencional – desde que ela encontre todas as condições favoráveis para se desenvolver. 

No entanto, a diferença para a nutrição humana estará mais ligada à presença de compostos bioativos e à frequência de consumo de alimentos in natura do que o fato de ser crioula ou não a semente que originou aquela folha, fruto ou raiz.  

Genética, escolhas e perdas 

Eu até havia pensado que algumas variedades de plantas comerciais cultivadas de forma convencional seriam mais pobres nutricionalmente que as crioulas. Que, mesmo que fossem cultivadas sem agrotóxicos, elas seriam menos saudáveis. Na apuração, essa suposição caiu por terra. Isso porque… depende. 

Cereais como arroz, milho e trigo, que são a base da alimentação humana, foram domesticados há milhares de anos. Ao comparar as espécies cultivadas hoje, elas têm menos proteína e mais carboidratos do que as selvagens. “Obviamente que o ser humano acabou interferindo nisso, porque se passou a selecionar aquelas que davam mais saciedade, que está ligada diretamente ao teor de carboidrato que tem na planta”, explica Purgatto, da USP.  

Considerando uma alimentação adequada, a falta de proteína em um cereal não será um problema. A perda mais grave é a de diversidade de espécies a partir da Revolução Verde, na década de 1960 – a chamada erosão genética.  É algo que pesquisadores notaram logo na década de 1980. Foi quando os bancos de sementes e mudas passaram a ter mais espécies rústicas, crioulas e silvestres armazenadas – esses “acessos”, como são chamados, estão congelados em nitrogênio líquido ou plantados em campos de pesquisa. Eles são usados por melhoristas genéticos (de institutos de pesquisa ou de indústrias de sementes) para gerar novas variedades de plantas.  

Essa seleção acaba deixando alguma característica vantajosa de fora. “As culturas comerciais passam por um processo de melhoramento em que são submetidas a várias gerações de cruzamentos até se chegar naquilo que o melhorista pretendeu. 

Pode ser, por exemplo, uma planta mais resistente à seca. Mas, para chegar até aí, alguma característica genética pode ser perdida, como a capacidade de alto metabolismo e acúmulo de algum nutriente ou vitamina”, exemplifica Brasil, da UFPR. 

Ter um grande volume de plantas com DNA parecido diminui as possibilidades de recombinação de genes, o que interfere diretamente na resiliência das espécies. Por isso, a indústria de sementes e mudas é tão importante para o agronegócio: a seleção e o cruzamento genético trarão padrão e produtividade para a colheita, mas nem sempre produzirão sementes viáveis para novo plantio.  

A imensa variedade genética que existe em cada espécie fica clara quando olhamos para uma espécie que (ainda) não é comercial, como na experiência de Poliana Spricigo, engenheira agrônoma e professora na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Durante seu pós-doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), ela integrou uma equipe multidisciplinar para pesquisar a composição nutricional pós-colheita de frutos da Mata Atlântica. Uma delas era a uvaia, uma fruta amarela, de gosto azedinho e com uma semente arredondada.  

A uvaia não é considerada uma espécie comercial – ou seja, não há variedades caracterizadas e cadastradas no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem). Para plantá-la, é preciso conseguir a semente com algum agricultor ou pegá-la na natureza. Durante a pesquisa de campo, Spricigo encontrou incontáveis variações em cor, textura da polpa, tamanho do caroço e intensidade dos sabores. Apenas na fazenda de um colecionador, no município mineiro de Cabo Verde, ela se deparou com 41 tipos de uvaia. “Tem árvores mais eretas, outras mais arbustivas. 

Tem folha pequena e grande, verde clara ou escura, com fruto do tamanho da minha mão, outra que é um pinguinho de tão pequenininha. Tem umas com muita semente, outras com uma só. Tem uvaia amarela, alaranjada, amarelo fraco, com pele aveludada, com veio”, enumera. A partir daí, a equipe selecionou dez variedades para caracterizar e descrever sua composição nutricional. 

Foi o primeiro trabalho acadêmico a detalhar nutrientes e compostos bioativos da espécie.  Assim como a aparência da árvore e dos frutos é distinta, o “sistema imunológico” da planta também é. Spricigo e seus colegas encontraram variedades que sofriam mais com o ataque de ferrugem, enquanto outras, plantadas na proximidade, não sucumbiam ao fungo. 

As folhas de algumas queimaram com a geada, enquanto outras resistiram.  Na padronização para produção comercial, a resistência a pragas e a produtividade são desejadas em detrimento de outras características. No caso da uvaia, os pesquisadores observaram uma variedade que melhor se adequaria. Ela não tinha o perfil de sabor mais ácido, nem os teores mais altos de carotenoide, composto bioativo que dá as cores amarela e alaranjada. Mas produzia bem em campo e mantinha um teor relevante de todos os nutrientes e antioxidantes observados nas demais uvaias.  

A produção em grande escala necessita de previsibilidade e padrão, o que explica a opção por pouca variabilidade genética. “Para um cultivo comercial, a gente geralmente pega uma planta que é muito boa e faz clones dessa planta para ter frutos do mesmo tamanho, produção na mesma época, qualidade interna do fruto muito parecida”, comenta Spricigo, da Unesp. 

Há outras vantagens 

O rendimento em relação à densidade nutricional também é um critério importante para a alimentação humana: é preferível frutos maiores aos menores, mesmo que apresentem menos vitaminas e minerais por grama. Essa opção por cultivar espécies que têm mais polpa é anterior à ideia de agricultura comercial. 

Foi o que fez a humanidade chegar às versões atuais de frutas, como banana e abacate, milhares de anos antes de os melhoristas genéticos existirem. É isto que os guardiões de sementes crioulas continuam fazendo ao selecionar as plantas com as características desejadas. 

Os critérios são tão vastos quanto a subjetividade humana: pode ser a polpa, a resistência a pragas, a cor, o perfil de sabor, a adaptação à intempéries.  Sementes crioulas são importantes para a manutenção do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais, como o trabalho humano que as multiplica safra após safra.

Ainda que alguma variedade crioula possa ser menos nutritiva que uma convencional, a balança pesa para o seu lado por outros fatores. A agroecologia é um prisma onde se encontram inúmeras práticas. O manejo do solo para enriquecimento a partir de matéria orgânica e não fertilizantes químicos. 

O controle de pragas não é feito com agrotóxicos. Mesclam-se cultivos em um mesmo campo, dão descanso à terra ao intercalar as áreas de lavoura, deixam parte do que plantam para os animais também comerem. Na filosofia da agroecologia, reconhece-se a necessidade de tratar das desigualdades de gênero, etnias e raça a partir da justa remuneração e acesso à terra, conhecimento e tecnologias.  

A importância das sementes crioulas não é apenas a nutrição que ela proporciona aos seres humanos. Elas são importantes para a manutenção do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais, como o trabalho humano que as multiplica safra após safra.  

O mesmo raciocínio vale para as espécies silvestres, não domesticadas pelo humano: a importância delas não está no fato de ela ser útil para o ser humano ou não. Elas integram os ecossistemas e sustentam parte da vida na Terra, principalmente as não humanas.


Referência: SCHIOCHET, Flávia. Será que plantas crioulas têm mais nutrientes que as convencionais? , O Joio e O Trigo, São Paulo, 21 jul. 2025. Disponível em: https://ojoioeotrigo.com.br/2025/07/sera-que-plantas-crioulas-tem-mais-nutrientes-que-as-convencionais/. Acesso em: 21 jul. 2025.



domingo, 20 de julho de 2025

Pré-diabetes - Revisão (Nature, 2025)

Resumo

O pré-diabetes, ou hiperglicemia intermediária, representa um estágio preliminar no desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Além de apresentarem maior probabilidade de evoluir para DM2, indivíduos com pré-diabetes têm risco aumentado para diversas complicações vasculares e não vasculares. Ainda não há consenso sobre a estratégia ideal de rastreamento do pré-diabetes, sendo mais frequentemente utilizados a glicemia de jejum, a hemoglobina glicada (HbA1c) e o teste oral de tolerância à glicose. Os dois principais fenótipos do pré-diabetes — glicemia de jejum alterada e tolerância à glicose diminuída — podem representar fisiopatologias distintas, com história natural, risco de desfechos adversos e resposta ao tratamento também diferentes. A maior parte das evidências para o manejo do pré-diabetes concentra-se em intervenções no estilo de vida, com ou sem medicamentos, em indivíduos com sobrepeso ou obesidade e tolerância à glicose diminuída. Ainda não está claro se essas intervenções são benéficas em pessoas com glicemia de jejum alterada e em indivíduos com peso corporal normal, assim como permanecem incertas a relação custo-efetividade e a sustentabilidade do uso de farmacoterapia no tratamento do pré-diabetes. Programas nacionais de prevenção do DM2 em larga escala estão em andamento para avaliar se os benefícios das intervenções para o pré-diabetes podem ser traduzidos para a prática em nível populacional.

Introdução

O diabetes mellitus é um distúrbio metabólico e vascular caracterizado por hiperglicemia crônica associada a lesões celulares e vasculares, resultando em diversas complicações e associado a considerável morbidade e mortalidade precoce. No diabetes mellitus tipo 2 (DM2), a forma mais comum da doença, elevações progressivas nos níveis de glicose no sangue costumam ser detectadas antes que os valores de corte para o diagnóstico de diabetes sejam alcançados. Assim, os termos pré-diabetes ou hiperglicemia intermediária foram introduzidos para classificar indivíduos com níveis de glicose no sangue acima dos usados para definir a normoglicemia, mas abaixo dos limiares atuais para o diagnóstico de diabetes mellitus (Tabela 1). Existem múltiplas definições para as categorias de hiperglicemia intermediária (Caixa 1). 

Embora a OMS e a Federação Internacional de Diabetes utilizem o termo hiperglicemia intermediária como termo coletivo para todas essas categorias, neste Primer é usado o termo pré-diabetes, pois é mais familiar para médicos e comunidades. Indivíduos com pré-diabetes apresentam maior risco de desenvolver DM2, bem como complicações vasculares e outras, em comparação àqueles com níveis normais de glicose no sangue.

Pessoas com pré-diabetes e estágios iniciais de diabetes muitas vezes não apresentam sintomas, e o diagnóstico baseia-se inteiramente em valores pré-definidos de glicemia de jejum, glicemia 2 horas após teste oral de tolerância à glicose (TOTG) e/ou hemoglobina glicada (HbA1c). O pré-diabetes pode ser detectado usando uma ou mais dessas medidas: glicemia de jejum (após jejum noturno de pelo menos 8 horas), glicemia plasmática 2 horas após ingestão de 75 g de glicose (TOTG) ou HbA1c. Esta última pode ser explicada de forma simples como a proporção das cadeias β da hemoglobina às quais a glicose foi adicionada de forma não enzimática (glicada). Como os glóbulos vermelhos têm um tempo de vida de 2 a 3 meses, a HbA1c fornece uma estimativa dos níveis médios de glicose aos quais os glóbulos vermelhos estiveram expostos nesse período.

A glicemia de jejum alterada (IFG) é caracterizada por valores de glicemia de jejum acima do normal, mas não suficientemente elevados para diagnosticar diabetes mellitus. De forma semelhante, a tolerância à glicose diminuída (IGT) refere-se a indivíduos com valores de glicemia 2 horas após o TOTG acima do normal, mas não tão altos a ponto de justificar o diagnóstico de diabetes mellitus. O indivíduo pode apresentar IGT ou IFG isoladamente, ou uma combinação de ambos. A medida da HbA1c tem a vantagem, em relação aos níveis de glicose plasmática, de refletir o controle glicêmico de longo prazo e não sofrer variações diárias; no entanto, devido a limitações e armadilhas (por exemplo, em pacientes com anemia ou durante a gestação), a HbA1c não é universalmente aceita para diagnóstico de pré-diabetes. Os critérios diagnósticos para pré-diabetes baseiam-se em estudos epidemiológicos, mecanísticos e de intervenção que relacionam esses limiares ao risco de progressão para DM2 e doença cardiovascular (DCV) (Caixa 1).

Diante das centenas de milhões de pessoas com glicose elevada que muitos profissionais de saúde atendem, o conhecimento sobre pré-diabetes é de grande importância para o médico, pois o diagnóstico correto oferece uma oportunidade valiosa para monitoramento, educação e intervenção precoce, podendo alterar positivamente sua trajetória. Neste Primer, apresentamos uma visão ampla do pré-diabetes, discutindo sua epidemiologia, a compreensão atual de sua fisiopatologia, diagnóstico, implicações, manejo e propomos caminhos para novas pesquisas visando melhorar os desfechos para os pacientes.

Progressão para DM2

As diferentes formas de pré-diabetes variam em relação ao risco de progressão para diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Indivíduos com combinação de IFG (glicemia de jejum alterada) e IGT (tolerância à glicose diminuída) apresentam a maior incidência de DM2, seguidos por aqueles com IGT isolada e, por fim, por aqueles com IFG isolada, sem diferenças geográficas claras. A taxa de progressão do pré-diabetes para o DM2 também é influenciada por fatores de risco adicionais, que podem interagir para acelerar essa evolução, exigindo uma avaliação de risco abrangente e individualizada em pessoas com pré-diabetes.

Fatores de risco

Os fatores de risco para o pré-diabetes são os mesmos do DM2. Entre os fatores não modificáveis estão: idade avançada, sexo (IFG é mais comum em homens, IGT mais comum em mulheres, e a HbA1c geralmente é mais alta em mulheres), etnia ou raça (indivíduos brancos têm risco menor do que outras populações), histórico familiar, extremos de peso ao nascer e fatores genéticos. Fatores de risco modificáveis — muitos associados à vida urbana, desenvolvimento econômico e status socioeconômico — incluem inatividade física, dieta não saudável (por exemplo, bebidas açucaradas, alimentos ultraprocessados e alto consumo de carne vermelha), tabagismo e consumo excessivo de álcool. Outros fatores psicológicos e comportamentais incluem má qualidade do sono, estresse, ansiedade, depressão e baixa qualidade de vida. A obesidade (especialmente a obesidade central, refletida por maior circunferência da cintura) é um mediador importante dos efeitos de vários fatores de risco relevantes, além de estar associada a hipertensão arterial e alterações nos níveis lipídicos. Evidências indicam que existem diferenças entre os sexos na associação relativa dos fatores de risco para o pré-diabetes: obesidade central, dislipidemia, tabagismo e consumo de álcool são fatores chave em homens, enquanto hipertensão arterial e dietas de baixa qualidade têm importância relativamente maior em mulheres. Fatores de risco adicionais para mulheres incluem histórico de diabetes gestacional e síndrome dos ovários policísticos.

Morbidade e mortalidade

Uma revisão abrangente de 16 revisões sistemáticas mostrou que o pré-diabetes definido por IGT e IFG — mas não o definido por HbA1c — está associado a maior risco de mortalidade por todas as causas em comparação com a normoglicemia definida pela mesma medida. As razões postuladas para essa discrepância incluem o número reduzido de estudos envolvendo pré-diabetes definido por HbA1c, além da possibilidade de que uma HbA1c elevada seja uma medida menos robusta de hiperglicemia em indivíduos com normoglicemia e pré-diabetes em comparação com aqueles com diabetes. O risco de mortalidade por todas as causas, doença coronariana e AVC foi maior para IGT do que para IFG. A coexistência frequente do pré-diabetes com múltiplos fatores de risco (como obesidade, hipertensão arterial, dislipidemia, resistência à insulina — uma resposta subótima às ações da insulina —, baixa taxa de filtração glomerular estimada, albuminúria, doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica (MASLD), doença cardíaca isquêmica e insuficiência cardíaca) contribui para o risco elevado de múltiplas morbidades e morte precoce em pessoas com pré-diabetes.

Etiologia do pré-diabetes

A taxa de concordância de risco vitalício de quase 100% para DM2 em gêmeos monozigóticos destaca a importância dos fatores hereditários. Em linha com essa evidência, estudos de associação genômica ampla identificaram muitos loci genéticos ligados à biologia das ilhotas pancreáticas, do músculo esquelético e do tecido adiposo. Outros estudos relataram associações com escores de risco genético, implicando o papel das vias relacionadas às células β no desenvolvimento do pré-diabetes. No entanto, esses variantes genéticos explicam menos de 20% do risco de DM2, sugerindo que fatores demográficos — como idade, sexo, etnia, ancestralidade e modificações epigenéticas transgeracionais e perinatais precoces (por exemplo, ambiente intrauterino e extremos de peso ao nascer) — podem contribuir para a predisposição ao desenvolvimento de pré-diabetes. Além disso, fatores relacionados ao estilo de vida, condições ambientais e eventos ao longo da vida podem precipitar a progressão de normoglicemia para pré-diabetes e DM2, e podem ser modificados por diagnóstico precoce e intervenção.

Adicionalmente, a disbiose intestinal (ou seja, composição anormal da microbiota intestinal) altera a liberação de ácidos graxos livres de cadeia curta, proteínas, vitaminas e ácidos biliares secundários na circulação, podendo contribuir para resistência à insulina, pré-diabetes e DM2. Estudos em humanos com perda de peso forneceram evidências de que a redução da resistência à insulina e da massa de tecido adiposo visceral são os principais motores da remissão do pré-diabetes e do DM2, ressaltando, assim, o papel predominante da resistência à insulina e da disfunção do tecido adiposo no início e progressão do pré-diabetes.

O modelo de biologia integrativa para o desenvolvimento do DM2 postula que os eventos iniciais de resistência à insulina envolvem estresse mecânico local e hipóxia, levando à infiltração de macrófagos no tecido adiposo, contribuindo para sua disfunção. O tecido adiposo disfuncional é caracterizado por inflamação local e resistência à insulina, com lipogênese induzida pela insulina prejudicada, favorecendo a secreção de NEFA (ácidos graxos não esterificados) e adipocinas pró-inflamatórias em detrimento da secreção de adipocinas anti-inflamatórias (sensibilizadoras da insulina). No estudo Whitehall II, a redução dos níveis circulantes de adiponectina — uma adipocina sensibilizadora da insulina produzida pelo tecido adiposo subcutâneo maduro — observada décadas antes do início do DM2, apoia o papel da disfunção do tecido adiposo no pré-diabetes.

Com o tempo, essas alterações levam à resistência sistêmica à insulina, inflamação de baixo grau (subclínica) e acúmulo ectópico de lipídeos, caracterizado por adiposidade visceral e MASLD (doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica).

O pré-diabetes e a MASLD compartilham outras similaridades, como disbiose intestinal e adaptação mitocondrial prejudicada. Vale destacar a relação mútua entre MASLD e pré-diabetes, ilustrada por análises longitudinais que mostram um hazard ratio de 1,69 para pré-diabetes em indivíduos com MASLD.

Disglicemia e progressão para DM2

No pré-diabetes, ocorre uma elevação gradual da glicemia, apesar do aumento da secreção de insulina na presença de resistência à insulina. Assim, indivíduos com pré-diabetes frequentemente apresentam secreção de insulina de primeira fase insuficiente, compensada por aumento da secreção tardia para conter a hiperglicemia inicial. Essa sobrecarga excessiva da função das células β leva, eventualmente, à sua descompensação, resultando em hiperglicemia manifesta. Estudos utilizando TOTG, junto com avaliação de sensibilidade à insulina e função das células β, revelaram a heterogeneidade das trajetórias da disglicemia (níveis anormais de glicose no sangue).

O estudo britânico Whitehall II monitorou as mudanças na sensibilidade à insulina e nos níveis de glicose plasmática em funcionários públicos de ancestralidade europeia por quase duas décadas, no final do século XX (período marcado pelo início do aumento expressivo da obesidade no Reino Unido). Enquanto indivíduos que não desenvolveram diabetes apresentaram apenas um declínio gradual na sensibilidade à insulina corporal total, mantendo a função das células β estável, aqueles que evoluíram para DM2 exibiram sensibilidade à insulina significativamente reduzida mais de 10 anos antes do início do diabetes (Fig. 3). Essa sensibilidade reduzida foi acompanhada por aumento contínuo da glicemia de jejum e da glicemia pós-TOTG, embora ainda dentro da faixa normoglicêmica. Cerca de 6 anos antes do início do DM2, ocorreu um aumento acentuado da glicemia pós-carga, seguido (cerca de 2 anos antes do início do DM2) por aumento igualmente acentuado da glicemia de jejum.

Outros estudos de coorte relataram fenômenos semelhantes, com variações entre grupos étnicos que exibem padrões de tempo diferentes para essas mudanças.

Essas mudanças são acompanhadas por um modelo em múltiplas fases de disfunção das células β, ocorrendo em um contexto de resistência à insulina (Fig. 3). Esse achado destaca também a importância de identificar precocemente anormalidades na ação e secreção da insulina, antes do início de alterações dinâmicas que levam à hiperglicemia persistente.

Manejo

O principal objetivo no manejo do pré-diabetes é retardar ou prevenir o desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Estudos iniciais focaram na perda de peso por meio de intervenções no estilo de vida (incluindo modificações na alimentação e aumento da atividade física) ou na adição de metformina.

Desde a década de 2010, estudos demonstraram que novos medicamentos que promovem perda de peso, como agonistas do receptor de GLP1 e agonistas duplos GLP1–GIP, além da cirurgia metabólica, também podem retardar a progressão do pré-diabetes e/ou induzir sua regressão (Box 2).

Remissão do pré-diabetes

Tradicionalmente, a remissão é considerada no contexto do diabetes mellitus tipo 2 (DM2) já estabelecido. No entanto, buscar a remissão na fase de pré-diabetes é plausível, já que a função das células β pode estar melhor preservada nesse estágio, antes do DM2 se instalar.

Um subconjunto de indivíduos com pré-diabetes pode reverter espontaneamente para a normoglicemia mesmo na ausência de intervenções.

Embora esse fenômeno não comprometa os benefícios da prevenção do DM2 em estudos clínicos randomizados e controlados, a heterogeneidade na progressão do pré-diabetes para o DM2 deve ser considerada ao decidir a conduta mais apropriada. 

Melhorias no estilo de vida são benéficas em diversas condições de saúde e devem ser incentivadas independentemente do nível glicêmico. Da mesma forma, é fundamental abordar fatores de risco cardiovascular, como hipertensão e dislipidemia, de acordo com diretrizes locais.

Em uma revisão abrangente da Cochrane, que englobou 103 estudos de coorte prospectivos sobre pré-diabetes, 47 estudos relataram taxas de conversão para normoglicemia. Nesses grupos, as taxas de regressão para normoglicemia variaram de 33% a 59% em 1–5 anos, diminuindo para 17–42% em estudos com 6–11 anos de seguimento. O risco de progressão para DM2 e de regressão para normoglicemia apresentou variabilidade entre os estudos, em parte devido à falta de resposta à intervenção no estilo de vida e às diferenças nas definições dos subtipos de pré-diabetes, bem como à adesão e resposta às intervenções.

IFG isolado

A maioria dos estudos sobre intervenções no estilo de vida concentrou-se em indivíduos com IGT isolado ou com IGT associado a IFG. Em 2023, uma meta-análise examinou quatro ensaios envolvendo pessoas com IFG isolado, IGT isolado ou ambos.

Embora intervenções no estilo de vida tenham reduzido efetivamente o risco de diabetes naqueles com IGT, nenhum benefício claro foi observado em indivíduos com IFG isolado, sugerindo que programas estruturados para indivíduos com IFG isolado podem não ser custo-efetivos (Fig. 7).

A explicação para a falta de resposta relativa à intervenção intensiva no estilo de vida em indivíduos com IFG isolado não é clara e pode estar relacionada a diferenças na fisiopatologia entre IGT isolado e IFG isolado. 

Alterações na detecção de glicose, supressão prejudicada da glicogenólise ou captação excessiva de glicose com eficiência reduzida na síntese de glicogênio podem estar na base da patogênese do IFG isolado. Muitos indivíduos com IFG isolado também apresentam características de síndrome metabólica com resistência à insulina devido ao excesso e/ou depósito ectópico de tecido adiposo, especialmente aumento da gordura hepática. Nesses indivíduos, pode ser necessário um déficit calórico maior para reduzir o peso corporal e, assim, diminuir a progressão do IFG isolado para DM2.

Vale destacar que vários estudos mostraram que muitos indivíduos com IFG isolado podem voltar espontaneamente à normoglicemia.

Por outro lado, o IGT isolado está cada vez mais associado à resistência à insulina no músculo esquelético, além da redução da função das células β. Portanto, o treinamento físico para reduzir a resistência à insulina muscular e o uso de metformina para aumentar a secreção de insulina pós-prandial podem ser mais eficazes no IGT do que no IFG. Outra explicação — ainda não explorada — é a possibilidade de que indivíduos com IFG isolado sejam menos motivados a seguir as mudanças de estilo de vida prescritas. Existem diferenças bem documentadas nos perfis de idade e sexo entre IFG e IGT. Enquanto há uma relação clara entre idade avançada e maior prevalência de IGT, a prevalência de IFG é semelhante em todas as faixas etárias. Dada a maior conscientização em saúde em adultos mais velhos, indivíduos com IGT podem ter mais probabilidade de aderir e responder às orientações de mudança de estilo de vida.

Do ponto de vista populacional, preencher programas de intervenção com pessoas com IFG isolado pode não ter grande impacto na redução do risco de DM2. No caso de indivíduos com IFG, encorajá-los a adotar estilos de vida saudáveis pode ser suficiente, com foco no controle de outros fatores de risco, como hipertensão, para reduzir o risco de DCV. Assim, o TOTG deve ser utilizado para rastrear indivíduos com IGT para inclusão em programas estruturados de prevenção de DM2, enquanto mais pesquisas são necessárias para identificar intervenções que retardem a progressão do IFG isolado para DM2.

Intervenções farmacológicas

Diversos ensaios clínicos randomizados controlados por placebo avaliaram diferentes medicamentos (Tabela 3), incluindo metformina, troglitazona, acarbose, orlistate, pioglitazona, rosiglitazona, ramipril, voglibose, nateglinida, valsartana e liraglutida, para prevenir a progressão do pré-diabetes para o DM2. Embora alguns estudos tenham mostrado resultados favoráveis, é importante lembrar que o pré-diabetes não é universalmente aceito como uma doença. Nesse contexto, intervenções farmacológicas ou cirúrgicas permanecem não aprovadas em muitos países e a relação custo-efetividade ainda é incerta.

Metformina

Embora tenha sido demonstrado que a metformina previne a progressão para o DM2, a FDA não aprovou seu uso para essa indicação em clínicas, sendo atualmente usada off-label nos EUA e em outros países para esse fim. Nos estudos US-DPP e DPPOS, a eficácia da metformina variou, sendo maior em indivíduos com IMC ≥35 kg/m², indivíduos com IGT mais glicemia de jejum elevada, pessoas com menos de 45 anos, afro-americanos e mulheres com histórico de diabetes gestacional.

Quando o HbA1c foi utilizado para definir diabetes incidente, metformina e mudanças no estilo de vida tiveram eficácia semelhante, sem associações com a idade.

No China-DPP, que incluiu indivíduos com IGT e IFG (a maioria com IGT), metformina mais intervenção no estilo de vida foi mais eficaz do que apenas intervenção no estilo de vida, especialmente em homens, indivíduos mais jovens e com IMC mais elevado. Na análise de subgrupos, apenas os pacientes do grupo IGT demonstraram redução na incidência de DM2, com uma razão de risco de 0,83 (IC 95% 0,69–0,99).

No US-DPP, foi implementado um curto período de washout para avaliar a persistência dos efeitos da metformina após sua interrupção.

O estudo constatou que, ao interromper a metformina, a incidência de DM2 aumentou, sugerindo que grande parte de seu benefício é farmacológico e não persiste após a retirada. Ainda assim, mesmo após o washout, o grupo de intervenção apresentou uma redução de 24,9% no DM2 incidente. A duração do efeito da metformina após interrupção permanece incerta; porém, em um pequeno estudo com 20 indivíduos com IGT tratados com metformina versus 20 recebendo placebo, a metformina levou à melhora da tolerância à glicose que persistiu por até 6 meses após a interrupção.

A Associação Americana de Diabetes recomenda considerar a metformina para prevenção de DM2 em adultos de alto risco, incluindo aqueles com IGT (idades de 25–59 anos, IMC >35 kg/m²), glicemia de jejum elevada (≥6,1 mmol/l (110 mg/dl)), HbA1c alto (≥42 mmol/mol (6,0%) e histórico de diabetes gestacional, com base em evidências do US-DPP.

A metformina continua sendo uma intervenção barata, amplamente disponível e custo-efetiva para prevenção do diabetes mellitus em indivíduos de alto risco com pré-diabetes.

Embora os custos reais variem entre farmácias e coberturas de seguros, a Associação Americana de Diabetes relata que o custo médio nacional de aquisição de um suprimento de 30 dias de metformina genérica de liberação imediata 500 mg é de aproximadamente US$1, enquanto o preço médio de venda por atacado é em torno de US$87.

Em uma análise de custo-efetividade do DPP, o custo médico direto acumulado em 10 anos da metformina foi de aproximadamente US$2.300 por pessoa.

Embora avaliações detalhadas dos custos diretos para o paciente com uso de metformina em pré-diabetes sejam limitadas, as formulações genéricas são geralmente de baixo custo, embora as despesas individuais possam variar substancialmente conforme o seguro e o acesso.

Tiazolidinedionas

No US-DPP, a troglitazona foi utilizada como intervenção precoce e mostrou-se eficaz na prevenção do DM2; entretanto, a troglitazona foi descontinuada devido à toxicidade hepática (Tabela 3). O estudo TRIPOD (Troglitazone in Prevention of Diabetes), realizado em mulheres hispânicas com histórico de diabetes gestacional, mostrou uma redução de risco superior a 50% na incidência de DM2, mas foi encerrado precocemente quando o medicamento foi retirado do mercado. O estudo PIPOD (Pioglitazone In Prevention Of Diabetes), que deu seguimento ao TRIPOD, constatou que a pioglitazona preservou a função das células β, interrompeu o declínio observado no grupo placebo do TRIPOD e manteve a estabilidade da função das células β assim como a troglitazona. O ensaio ACT NOW (Actos Now for the prevention of diabetes), mostrou que a pioglitazona esteve associada a menor incidência de diabetes e maior reversão para tolerância normal à glicose em comparação com placebo (Tabela 3). No estudo DREAM (Diabetes Reduction Assessment with Ramipril and Rosiglitazone Medication), a rosiglitazona foi associada a menor incidência de diabetes em relação ao placebo.

No Canadian Normoglycaemia Outcomes Evaluation, a reversão para normoglicemia foi mais frequente no grupo metformina mais rosiglitazona do que no grupo placebo.

Por outro lado, no Beijing Prediabetes Reversion Program (BPRP), a pioglitazona não apresentou diferença em relação à intervenção no estilo de vida em termos de reversão para normoglicemia, sugerindo diferenças interétnicas nas respostas ao tratamento.

Inibidores da α-glicosidase

No estudo STOP-NIDDM (Study to Prevent Non-Insulin-Dependent Diabetes Mellitus), o grupo tratado com acarbose apresentou menor incidência de DM2 em comparação com o grupo placebo. De forma semelhante, o estudo ACE (China Acarbose Cardiovascular Evaluation) mostrou que a acarbose não apenas reduziu a progressão do diabetes mellitus, mas também aumentou a regressão para normoglicemia em indivíduos com IGT. Um estudo japonês relatou tendência semelhante com o voglibose.

Análises pós-hoc dos resultados do STOP-NIDDM sugeriram que a acarbose pode oferecer benefícios cardiovasculares em indivíduos com IGT.

Inibidores de SGLT2

Análises pós-hoc de ECRs que avaliaram os efeitos organoprotetores de inibidores de SGLT2 (como dapagliflozina e empagliflozina) em indivíduos com insuficiência cardíaca ou DRC sugeriram que esses medicamentos podem prevenir o surgimento de DM2, embora os resultados tenham sido inconsistentes.

Vale destacar que esses estudos de desfechos cardiovasculares não incluíram especificamente indivíduos com alto risco de diabetes mellitus, diferentemente dos estudos de prevenção com metformina e tiazolidinedionas.

Em uma análise agrupada dos estudos DAPA-CKD (Dapagliflozin and Prevention of Adverse Outcomes in Chronic Kidney Disease) e DAPA-HF (Dapagliflozin and Prevention of Adverse Outcomes in Heart Failure), a dapagliflozina foi associada a risco reduzido de DM2 incidente.

Os autores sugeriram que, além da perda de peso, a redução da resistência à insulina e a melhora da função das células β também podem contribuir para esse benefício.

No entanto, no EMPEROR-Preserved (Empagliflozin Outcome Trial in Patients with Chronic Heart Failure with Preserved Ejection Fraction), que recrutou participantes com insuficiência cardíaca e sem diabetes mellitus, a empagliflozina não reduziu a incidência de diabetes mellitus em comparação com placebo.

Resultados semelhantes foram relatados no EMPEROR-Reduced (Empagliflozin Outcome Trial in Patients with Chronic Heart Failure with Reduced Ejection Fraction).

Análogos de GLP1 e bi-agonistas: GLP1–GIP

Em grandes ECRs, o uso de agonistas do receptor de GLP1 e agonistas duplos GLP1–GIP para promover perda de peso teve impacto significativo na progressão do pré-diabetes (Tabela 3). No estudo SCALE (Satiety and Clinical Adiposity – Liraglutide Evidence), que avaliou os efeitos da liraglutida em pessoas com obesidade e pré-diabetes, a progressão de pré-diabetes para diabetes mellitus foi mais efetivamente retardada no grupo tratado em comparação com o placebo.

O estudo STEP-1 (Semaglutide Treatment Effect in People with Obesity-1) avaliou a eficácia da semaglutida na perda de peso em adultos com sobrepeso ou obesidade sem diabetes mellitus.

A reversão para normoglicemia foi significativamente mais frequente no grupo semaglutida do que no grupo placebo. No ensaio STEP-10, envolvendo 207 indivíduos com obesidade e pré-diabetes, a semaglutida aumentou as chances de regressão para normoglicemia em comparação com placebo.

O agonista duplo GLP1–GIP tirzepatida foi avaliado em 2.539 indivíduos com sobrepeso ou obesidade sem diabetes mellitus, dos quais 1.032 tinham pré-diabetes.

Ao final de 3 anos de seguimento, a progressão para DM2 ocorreu significativamente menos frequentemente nos participantes randomizados para tirzepatida do que naqueles que receberam placebo. A reversão para normoglicemia também foi mais frequente no grupo tirzepatida. Este estudo e outros ECRs apoiam a hipótese de que os efeitos de redução de peso da tirzepatida reduzem o risco de DM2, DCV, DRC e MASLD.

Uma revisão sistemática e meta-análise avaliou os efeitos de agonistas do receptor de GLP1 em oito ECRs (liraglutida em seis, exenatida e semaglutida em um cada).

Todos esses ECRs incluíram indivíduos com pré-diabetes (baseado em HbA1c ou OGTT). Cinco desses estudos indicaram que os agonistas do receptor de GLP1 aumentaram a probabilidade de regressão do pré-diabetes para normoglicemia em comparação com placebo (OR 4,56, IC 3,58–5,80). Em três estudos, o grupo GLP1 teve menores chances de desenvolver DM2 do que o grupo placebo (OR 0,31, IC 0,12–0,81).

Apesar desses resultados promissores confirmados em ECRs rigorosamente supervisionados, os efeitos de perda de peso foram perdidos com a descontinuação do tratamento. Dado seu alto custo, a relação custo-efetividade de agonistas de GLP1, agonistas duplos GLP1–GIP e outros medicamentos antiobesidade em desenvolvimento para prevenção e tratamento do diabetes permanece uma questão controversa.

Outros especialistas sugerem que o uso de curto prazo desses medicamentos, com reforços, pode fazer parte de uma estratégia multifatorial incluindo mudanças no estilo de vida e na dieta, embora os potenciais efeitos adversos do weight cycling (efeito sanfona) não devam ser ignorados. 

Diante do forte componente comportamental da obesidade e dos custos envolvidos na farmacoterapia de longo prazo, usar medicamentos como única estratégia para reduzir peso e prevenir diabetes mellitus e suas comorbidades provavelmente não é algo viável, sustentável ou acessível. Em vez de ‘prevenir’ o diabetes mellitus, esses medicamentos podem apenas estar ‘tratando’ a condição em um estágio mais precoce.

Vitamina D

A suplementação empírica de vitamina D pode ajudar a reduzir o risco de progressão para DM2 em adultos com pré-diabetes. Uma análise agrupada de três ECRs demonstrou que a suplementação de vitamina D não apenas retardou a progressão para DM2, mas também aumentou em 30% a probabilidade de regressão para normoglicemia em comparação com placebo.

Nas análises por intenção de tratar, a vitamina D reduziu o risco de DM2 incidente em 12% (não ajustado) e 15% (ajustado). Esses ensaios incluíram 4.190 adultos (≥18 anos) com pré-diabetes que receberam suplementação oral de vitamina D por pelo menos 2 anos. As intervenções incluíram colecalciferol (vitamina D3) no estudo Tromsø e no estudo D2d, e eldecalcitol (um análogo sintético do calcitriol) no estudo DPVD.

Embora a formulação ideal de vitamina D ainda não tenha sido determinada, o nível médio basal de 25-hidroxivitamina D entre os participantes foi de 63 nmol/l (25 ng/ml). Esses estudos mostraram que níveis sustentados mais altos de 25-hidroxivitamina D conferiram risco progressivamente menor de diabetes mellitus do que níveis endógenos mais baixos. Entretanto, um nível-alvo exato para redução ideal do risco de DM2 ainda não foi estabelecido. Outra revisão sistemática de 11 estudos, com níveis basais médios de 25-hidroxivitamina D variando de 12 a 28 ng/ml (30–70 nmol/l), também encontrou que a suplementação de vitamina D foi associada a menor risco de DM2 incidente, com risco relativo de 0,90 (IC 95% 0,81–1,00).

Dado seu baixo custo, perfil de segurança favorável e potencial para reduzir o risco de diabetes mellitus, a suplementação empírica de vitamina D pode ser uma consideração razoável para adultos com pré-diabetes.

Cirurgia metabólica

Atualmente, a cirurgia metabólica (bariátrica) é o tratamento mais eficaz para obesidade e costuma ser considerada para pessoas que não são elegíveis, recusam ou não respondem à farmacoterapia.

Indivíduos com pré-diabetes que se submetem à cirurgia metabólica têm alta probabilidade de retorno à normoglicemia, com risco reduzido de progressão para DM2, embora as taxas de sucesso variem de acordo com o tipo de cirurgia.

Em um estudo retrospectivo observacional de 4 anos, incluindo 669 indivíduos com obesidade e pré-diabetes (definido como HbA1c ≥5,7% e <6,5%) submetidos à cirurgia metabólica, as taxas de remissão do pré-diabetes — ou seja, retorno à normoglicemia — foram de 82%, 73%, 66% e 58% no primeiro, segundo, terceiro e quarto anos, respectivamente. 

Pacientes mais velhos (49–67 anos) tiveram menores chances de remissão do pré-diabetes a partir do terceiro ano de acompanhamento, em comparação com pacientes mais jovens (19–38 anos).

Em um estudo nos EUA que comparou os efeitos da cirurgia metabólica versus o cuidado usual na incidência de DM2 em indivíduos com obesidade de 21 a 65 anos, 3.060 preenchiam os critérios para pré-diabetes na linha de base. O grupo de cuidado usual teve risco relativo de progressão para DM2 de 33,7 em 1 ano (IC 95% 13,8–82,2) e de 138,8 em 3 anos (IC 95% 19,3–992,7) em comparação com o grupo cirúrgico.

Estudos de longo prazo também sustentam o custo-benefício da cirurgia metabólica em comparação com intervenções de estilo de vida e medicamentos. Isso se deve principalmente aos efeitos sustentados na perda de peso, evitando a escalada de tratamentos e custos de medicamentos. As taxas de progressão para DM2 foram menores 5 anos após a cirurgia em pacientes que perderam >25% do peso inicial do que naqueles que perderam <15% do peso durante o primeiro ano pós-operatório (4,7% versus 14,0%; P <0,001).
Essa progressão foi independente do peso inicial, idade e sexo.

Perspectivas

O pré-diabetes é uma condição heterogênea que aumenta o risco de DM2, bem como de doenças cardiovasculares (DCV) e outras complicações metabólicas. As discussões sobre os critérios diagnósticos e sobre a melhor ferramenta ou estratégia para identificar indivíduos com pré-diabetes continuam em andamento. 

Mais pesquisas são necessárias para identificar modalidades mais simples, como biomarcadores que não exijam jejum, para a detecção de pré-diabetes. As evidências atuais também sugerem que os dois fenótipos mais comuns de pré-diabetes — a glicemia de jejum alterada (IFG) e a tolerância à glicose diminuída (IGT) — têm bases fisiopatológicas diferentes e podem responder de forma distinta às intervenções. Em especial, são necessários esforços para entender por que a modificação do estilo de vida parece relativamente ineficaz na IFG e qual seria a estratégia de intervenção ideal para esses indivíduos.

Embora a mudança de estilo de vida permaneça a intervenção de escolha para a maioria das pessoas com pré-diabetes (especialmente IGT), o advento das terapias mais recentes para perda de peso (farmacológicas e cirurgia metabólica) oferece agora opções adicionais para alterar favoravelmente a história natural dessa condição. No entanto, essas terapias não podem ser recomendadas de forma universal, dado o tamanho do problema do pré-diabetes e suas implicações em termos de custo, segurança e aceitação pelo paciente. Além disso, muitos indivíduos não europeus apresentam pré-diabetes e DM2 sem obesidade, o que pode refletir outros mecanismos fisiopatológicos, como disfunção predominante das células β, que podem responder menos a estratégias centradas na redução de peso.

São necessárias mais pesquisas nesses grupos, que representam a maioria da população global com diabetes e pré-diabetes.

Os indivíduos que mais provavelmente se beneficiarão de qualquer forma de intervenção são aqueles com alto risco de progressão para DM2 e aqueles com indicações adicionais, como obesidade, DCV ou DRC. 

Dada a heterogeneidade em termos de fisiopatologia, história natural e respostas ao tratamento, mais pesquisas são necessárias para aumentar a precisão da previsão e da prevenção, estratificando os indivíduos com base no risco genético ou metabólico, para que as intervenções sejam direcionadas a quem mais possa se beneficiar. 

Sustentabilidade e preferências individuais também precisam ser consideradas, especialmente em contextos com recursos limitados, onde faltam dados sobre os benefícios das intervenções. Apesar desses desafios, enfrentar o problema global do pré-diabetes abre uma janela de oportunidade não apenas para prevenir o diabetes mellitus, mas também as comorbidades associadas, como as DCV.


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By Alberto Dias Filho - Digital Opinion Leader
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Embaixador das Comunidades Médicas de Endocrinologia - EndócrinoGram e DocToDoc