[Conteúdo técnico para médicos] - Consumir Carboidrato a noite favorece ganho de peso? O que dizem as evidências acerca da Crononutrição?
As evidências sugerem que ingerir carboidratos à noite está associado ao ganho de peso, principalmente através de mecanismos relacionados ao desalinhamento circadiano, alterações metabólicas e aumento da ingestão calórica total. Estudos epidemiológicos demonstram que o consumo de alimentos durante a noite biológica está associado a maior risco de ganho de peso ao longo do tempo.[1]
Em um estudo com adultos jovens, indivíduos com maior percentual de gordura corporal consumiram a maioria de suas calorias 1,1 hora mais próximo ao início da secreção de melatonina (que marca o início da noite biológica) comparado a indivíduos magros, independentemente do horário do relógio.[2]
Os mecanismos propostos incluem alterações metabólicas desfavoráveis. Um ensaio clínico randomizado cruzado demonstrou que jantar tardio (22h) induziu intolerância à glicose noturna, reduziu a oxidação de ácidos graxos e diminuiu a mobilização de gordura, especialmente em pessoas que dormem mais cedo.[3]
Outro estudo controlado mostrou que alimentação tardia aumentou a fome, diminuiu o gasto energético durante a vigília e alterou a expressão gênica no tecido adiposo em direção ao aumento da adipogênese.[4]
Quanto à qualidade dos carboidratos, dados do NHANES (2003-2016) mostraram que maior ingestão de carboidratos de baixa qualidade no jantar versus café da manhã foi associada a maior risco de obesidade abdominal e IMC elevado.[5]
Um estudo prospectivo com 136.432 participantes demonstrou que aumentos na ingestão de grãos refinados e vegetais amiláceos foram associados a maior ganho de peso (0,8 kg e 2,6 kg por 100 g/dia, respectivamente), enquanto grãos integrais, frutas e vegetais não amiláceos foram associados a menor ganho de peso.[6]
O horário das refeições também influencia a ingestão calórica total. Comer mais tarde e mais próximo ao horário de dormir foi associado a maior número de ocasiões alimentares e maior ingestão calórica diária total.[7]
Além disso, a American Heart Association reconhece que o consumo inadequado de alimentos durante a noite biológica é uma fonte de desalinhamento circadiano associada ao aumento do peso corporal.[8]
A qualidade dos carboidratos consumidos à noite parece ser mais importante que a quantidade, com carboidratos de alto índice glicêmico (simples/refinados) produzindo efeitos metabólicos mais adversos do que carboidratos de baixo índice glicêmico (complexos) quando ingeridos no período noturno.[9][10]
Estudos demonstram que o consumo noturno de carboidratos de alto índice glicêmico está associado a piores desfechos metabólicos. Um estudo prospectivo com adolescentes mostrou que maior índice glicêmico no período noturno foi relacionado ao aumento do índice de esteatose hepática na vida adulta jovem, enquanto maior consumo de carboidratos de baixo índice glicêmico à noite foi associado a menor índice de esteatose hepática.[10]
Além disso, maior consumo de carboidratos de alto índice glicêmico à noite foi associado a menor sensibilidade à insulina.[10]
O horário noturno amplifica os efeitos negativos dos carboidratos de alto índice glicêmico. Um ensaio clínico randomizado demonstrou que refeições de alto índice glicêmico consumidas à noite (20h) produziram níveis de glicose significativamente mais elevados comparados a refeições de baixo índice glicêmico no mesmo horário.[11]
Outro estudo confirmou que mesmo refeições compostas por ingredientes de baixo índice glicêmico consumidas à noite (20h e meia-noite) resultaram em maior área sob a curva de glicose e insulina pós-prandial comparadas à mesma refeição consumida pela manhã.[12]
Os mecanismos envolvem a regulação circadiana do metabolismo da glicose.A tolerância à glicose e a sensibilidade à insulina são maiores pela manhã comparadas ao período noturno.[9][12]
Uma meta-análise de estudos pós-prandiais agudos demonstrou resposta glicêmica significativamente menor durante o dia comparada à noite após refeições idênticas (SMD = -1,66; IC 95%, -1,97 a -1,36; p [12]
Quanto à composição dos carboidratos, o índice glicêmico é o melhor preditor isolado dos níveis de glicose pós-prandial, explicando até 90% da variância.[13]
Grãos refinados, produtos de batata e açúcares adicionados digerem rapidamente e têm alto índice glicêmico, enquanto vegetais não amiláceos, leguminosas, frutas inteiras e grãos integrais tendem a ter índice glicêmico moderado ou baixo.[14][15]
Estratégias preventivas devem enfatizar a qualidade dos carboidratos, especialmente no período noturno. A evidência sugere que evitar grandes quantidades de carboidratos de fontes de alto índice glicêmico à noite pode melhorar os perfis de glicose pós-prandial e reduzir o risco de diabetes tipo 2.[16][10]
O consumo noturno de carboidratos afeta a qualidade do sono e os hormônios reguladores do apetite de maneira dependente do tipo de carboidrato, com carboidratos de alto índice glicêmico produzindo efeitos distintos sobre melatonina, leptina e grelina comparados aos carboidratos de baixo índice glicêmico.
Efeitos na Qualidade do Sono
Carboidratos de alto índice glicêmico consumidos 4 horas antes de dormir reduzem significativamente a latência do sono (tempo para adormecer) de 17,5 para 9,0 minutos comparado a carboidratos de baixo índice glicêmico.[17]
Uma meta-análise confirmou que dietas com baixo teor de carboidratos aumentam moderadamente a duração e proporção do estágio N3 do sono (sono profundo), enquanto dietas ricas em carboidratos prolongam a duração e proporção do sono REM.[18]
Entretanto, dietas ricas em carboidratos de baixo índice glicêmico melhoram a qualidade geral do sono. Um estudo com dietas isocalóricas mostrou que uma dieta com baixa proteína e alto carboidrato (LPHC) resultou em melhor eficiência do sono, menor latência do sono (15,8 para 11,4 minutos) e menor latência REM comparada a uma dieta com alta proteína e baixo carboidrato.[19]
Além disso, dietas com alto índice glicêmico foram associadas a maior risco de insônia em mulheres na pós-menopausa (OR: 1,16 para incidência).[20]
Efeitos nos hormônios reguladores do apetite
O comportamento alimentar noturno altera significativamente os perfis de grelina, leptina e melatonina. Um estudo crossover demonstrou que comer à noite (≥25% das calorias após 21:30h) aumentou significativamente os níveis de leptina (p=0,007) e grelina (p[21]
Em indivíduos com síndrome do comer noturno, os níveis noturnos de grelina foram significativamente menores entre 01:00-09:00h comparados a controles (p=0,003), refletindo o aumento da ingestão noturna.[22] Outro estudo mostrou que a atenuação do aumento noturno de leptina pode contribuir para despertares noturnos e ingestão alimentar associada, pois o aumento de leptina normalmente suprime o apetite e ajuda a manter o sono.[23]
O alinhamento entre sono e refeições influencia a regulação hormonal do apetite. Quando tanto o sono quanto as refeições ocorreram tardiamente, as concentrações noturnas de grelina foram menores.
Mecanismos Propostos
A qualidade dos carboidratos pode afetar o sono através de alterações nos níveis de triptofano plasmático, precursor da serotonina e agente indutor do sono.[17]
Carboidratos de alto índice glicêmico podem causar picos glicêmicos noturnos que fragmentam o sono, enquanto carboidratos de melhor qualidade (grãos integrais, frutas, vegetais) foram associados a menor risco de insônia.[20]
A diminuição da melatonina associada ao consumo noturno pode estar relacionada ao aumento do hormônio liberador de corticotropina (CRH), que suprime a secreção de melatonina.[23]
Refeições de difícil digestão consumidas tarde da noite também aumentam a atividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, medida pela resposta do cortisol ao despertar.[25]
Referências do Open Evidence
1. The Impact of Meal Timing on Risk of Weight Gain and Development of Obesity: A Review of the Current Evidence and Opportunities for Dietary Intervention. Davis R, Rogers M, Coates AM, Leung GKW, Bonham MP. Current Diabetes Reports. 2022;22(4):147-155. doi:10.1007/s11892-022-01457-0.
2. Later Circadian Timing of Food Intake Is Associated With Increased Body Fat. McHill AW, Phillips AJ, Czeisler CA, et al. The American Journal of Clinical Nutrition. 2017;106(5):1213-1219. doi:10.3945/ajcn.117.161588.
3. Metabolic Effects of Late Dinner in Healthy Volunteers-a Randomized Crossover Clinical Trial. Gu C, Brereton N, Schweitzer A, et al. The Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism. 2020;105(8):dgaa354. doi:10.1210/clinem/dgaa354.
4. Late Isocaloric Eating Increases Hunger, Decreases Energy Expenditure, and Modifies Metabolic Pathways in Adults With Overweight and Obesity. Vujović N, Piron MJ, Qian J, et al. Cell Metabolism. 2022;34(10):1486-1498.e7. doi:10.1016/j.cmet.2022.09.007.
5. The Associations Between Evening Eating and Quality of Energy and Macronutrients and Obesity: The National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), 2003-2016. Hou W, Wang W, Sun C. Nutrition Journal. 2025;24(1):33. doi:10.1186/s12937-025-01094-9.
6. Association Between Changes in Carbohydrate Intake and Long Term Weight Changes: Prospective Cohort Study. Wan Y, Tobias DK, Dennis KK, et al. BMJ (Clinical Research Ed.). 2023;382:e073939. doi:10.1136/bmj-2022-073939.
7. Meal Timing Influences Daily Caloric Intake in Healthy Adults. Reid KJ, Baron KG, Zee PC. Nutrition Research (New York, N.Y.). 2014;34(11):930-5. doi:10.1016/j.nutres.2014.09.010.
8. Role of Circadian Health in Cardiometabolic Health and Disease Risk: A Scientific Statement From the American Heart Association. Knutson KL, Dixon DD, Grandner MA, et al. Circulation. 2025;. doi:10.1161/CIR.0000000000001388.
9. Carbohydrate Intake and Circadian Synchronicity in the Regulation of Glucose Homeostasis. Zhao L, Hutchison AT, Heilbronn LK. Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care. 2021;24(4):342-348. doi:10.1097/MCO.0000000000000756.
10. Carbohydrates From Sources With a Higher Glycemic Index During Adolescence: Is Evening Rather Than Morning Intake Relevant for Risk Markers of Type 2 Diabetes in Young Adulthood?. Diederichs T, Herder C, Roßbach S, et al. Nutrients. 2017;9(6):E591. doi:10.3390/nu9060591.
11. Meal Timing and Macronutrient Composition Modulate Human Metabolism and Reward-Related Drive to Eat. Chamorro R, Kannenberg S, Wilms B, et al. Nutrients. 2022;14(3):562. doi:10.3390/nu14030562.
12. Effect of Meal Timing on Postprandial Glucose Responses to a Low Glycemic Index Meal: A Crossover Trial in Healthy Volunteers. Leung GKW, Huggins CE, Bonham MP. Clinical Nutrition (Edinburgh, Scotland). 2019;38(1):465-471. doi:10.1016/j.clnu.2017.11.010.
13. Time of Day Difference in Postprandial Glucose and Insulin Responses: Systematic Review and Meta-Analysis of Acute Postprandial Studies. Leung GKW, Huggins CE, Ware RS, Bonham MP. Chronobiology International. 2020;37(3):311-326. doi:10.1080/07420528.2019.1683856.
14. The Carbohydrate-Insulin Model of Obesity: Beyond “Calories In, Calories Out”. Ludwig DS, Ebbeling CB. JAMA Internal Medicine. 2018;178(8):1098-1103. doi:10.1001/jamainternmed.2018.2933.
15. Low-Carbohydrate Diets and Cardiometabolic Health: The Importance of Carbohydrate Quality Over Quantity. Sievenpiper JL. Nutrition Reviews. 2020;78(Suppl 1):69-77. doi:10.1093/nutrit/nuz082.
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25. Effects of Late-Night Eating of Easily-or Slowly-Digestible Meals on Sleep, Hypothalamo-Pituitary-Adrenal Axis, and Autonomic Nervous System in Healthy Young Males. Uçar C, Özgöçer T, Yıldız S. Stress and Health : Journal of the International Society for the Investigation of Stress. 2021;37(4):640-649. doi:10.1002/smi.3025.


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