[Conteúdo exclusivo para médicos] - Tireóide e o peso




A relação entre os hormônios tireoidianos e o controle do peso corporal é reconhecidamente complexa e multifacetada. Embora a disfunção da tireoide induza alterações de peso clinicamente significativas, a restauração do eutireoidismo não garante um retorno ao estado basal pré-doença. Pelo contrário, a literatura demonstra que o tratamento das tireoidopatias é mais comumente associado a um ganho de peso gradual. De forma paradoxal, a resolução do hipertireoidismo, uma condição caracterizada por perda de peso acentuada, está tipicamente associada a um aumento líquido do peso corporal ao longo do tempo, para um patamar substancialmente acima da linha de base pré-tratamento.

O objetivo deste relatório é analisar os mecanismos, as implicações clínicas e as estratégias terapêuticas relacionadas às alterações de peso no hipotireoidismo e hipertireoidismo. Com base na literatura científica atual, examinaremos como essas condições alteram o gasto energético, a composição corporal e o apetite, e avaliaremos criticamente a resposta ponderal às terapias convencionais.

Esta análise começa com a elucidação dos mecanismos fisiopatológicos que fundamentam a influência dos hormônios tireoidianos na regulação do peso, um pré-requisito essencial para a interpretação das manifestações clínicas observadas.

Mecanismos Fisiopatológicos da Regulação de Peso pelo Hormônio Tireoidiano


A compreensão dos mecanismos centrais e periféricos pelos quais os hormônios tireoidianos regulam o metabolismo e o peso é de importância estratégica para a prática clínica. É essa base fisiopatológica que permite interpretar adequadamente as manifestações clínicas das tireoidopatias e gerenciar as expectativas dos pacientes em relação ao tratamento.

Mecanismos Periféricos


O hormônio tireoidiano ativo, triiodotironina (T3), modula diretamente a taxa metabólica basal (TMB), o gasto energético, o consumo de oxigênio e a termogênese. Seus efeitos nos tecidos periféricos são mediados pela biogênese mitocondrial, pelo aumento da expressão da enzima ATPase Na+/K+ e pela indução de proteínas de desacoplamento, que geram calor em vez de ATP. No metabolismo lipídico, o T3 regula o turnover de lipídios nos adipócitos, estimulando a lipólise e a oxidação de ácidos graxos. Além disso, o hormônio tireoidiano é um ativador crucial do tecido adiposo marrom (BAT), promovendo a termogênese adaptativa. Esse processo é mediado pela indução da desiodase tipo 2 no BAT, que aumenta a conversão local de T4 em T3 e ativa a expressão da proteína de desacoplamento 1 (UCP1).

Mecanismos Centrais


Além de sua ação periférica, os hormônios tireoidianos influenciam diretamente o sistema nervoso central para regular o apetite e o comportamento alimentar. Núcleos hipotalâmicos, incluindo o ventromedial (VMH), o paraventricular (PVN) e o arqueado, são responsivos ao T3, modulando o balanço energético. Estudos em modelos animais demonstram que o T3 estimula o apetite; a injeção de T3 diretamente no VMH de ratos, por exemplo, resultou em um aumento de quatro vezes na ingestão de alimentos. Evidências sugerem que esse efeito é mediado pela interação com neuropeptídeos orexígenos, como o neuropeptídeo Y (NPY), no núcleo arqueado.

A integração desses mecanismos fisiopatológicos explica por que a deficiência hormonal, como no hipotireoidismo, resulta em uma cascata de eventos que favorecem o ganho de peso.

Análise Clínica: Hipotireoidismo e Ganho de Peso


O ganho de peso é uma manifestação clássica do hipotireoidismo. Contudo, a magnitude desse ganho é geralmente modesta, e os resultados do tratamento com reposição hormonal em relação à perda de peso são variáveis, frequentemente não correspondendo às expectativas dos pacientes.

Apresentação Clínica e Magnitude do Ganho de Peso


A associação entre a função tireoidiana e o peso é observada mesmo em variações dentro da faixa de normalidade. Estudos populacionais robustos, como o Framingham Offspring Study e um estudo dinamarquês, demonstram uma correlação positiva entre os níveis de TSH e o Índice de Massa Corporal (IMC), mesmo com níveis de TSH no limite superior da normalidade. No hipotireoidismo manifesto (franco), o ganho de peso é leve a modesto e de etiologia multifatorial. Ele resulta da redução do gasto energético e da termogênese, da fatigabilidade que diminui a atividade física e, notavelmente, do acúmulo de glicosaminoglicanos hidrofílicos no interstício, resultando em edema e retenção de fluidos (mixedema). Esta fisiopatologia explica diretamente por que a perda de peso inicial com o tratamento é primariamente decorrente da excreção de água, e não da redução de massa gorda.

Alterações de Peso com o Tratamento do Hipotireoidismo


A resposta do peso corporal à terapia com levotiroxina é frequentemente mais discreta do que o esperado. A normalização dos níveis de TSH resulta, na maioria dos casos, em uma perda de peso modesta, e alguns estudos não relatam alteração significativa no IMC. Um estudo seminal de Karmisholt et al. demonstrou que a perda de peso observada após o tratamento de um hipotireoidismo moderadamente severo foi atribuível quase inteiramente a uma diminuição da massa magra, consistente com a excreção do excesso de água associada à resolução do mixedema, e não a uma redução da massa gorda. Este achado é clinicamente crucial, pois explica por que a balança mostra uma perda de peso inicial, enquanto a composição corporal em termos de adiposidade permanece inalterada, um ponto fundamental no manejo das expectativas do paciente. Adicionalmente, terapias combinadas (levotiroxina + liotironina) ou o extrato de tireoide dessecado não demonstraram consistentemente promover maior perda de peso em ensaios clínicos randomizados.

A reversão incompleta do ganho de peso no hipotireoidismo é o primeiro indicador de uma tendência clínica mais ampla. O cenário do hipertireoidismo, paradoxalmente, reforça essa observação de forma ainda mais dramática.

Análise Clínica: Hipertireoidismo e Alterações de Peso


A perda de peso é uma consequência metabólica profunda do hipertireoidismo. No entanto, a prática clínica revela um paradoxo notável: após o tratamento bem-sucedido, muitos pacientes experimentam um ganho de peso substancial que, frequentemente, excede o peso basal pré-doença, representando um desafio clínico significativo.

Perda de Peso e Alterações na Composição Corporal


Tanto o hipertireoidismo subclínico quanto o manifesto estão associados à perda de peso. Essa perda é sistêmica e envolve reduções clinicamente importantes de massa gorda, massa muscular e massa óssea. A magnitude da perda ponderal é modulada por um balanço delicado entre o aumento acentuado da taxa metabólica, que impulsiona o catabolismo, e um aumento compensatório do apetite e da ingestão calórica, que pode atenuar o processo.

Ganho de Peso Pós-Tratamento


A evidência de que o tratamento do hipertireoidismo leva a um ganho de peso significativo é robusta. Estudos demonstram a magnitude desse efeito; um deles relatou um ganho de peso mediano de 9,0 kg em 12 meses após o início da terapia. Vários fatores estão associados a um maior risco de ganho de peso expressivo:

* A utilização de modalidades de tratamento definitivo, como tireoidectomia e iodo radioativo, está associada a maior ganho ponderal.
* A ocorrência de um período de hipotireoidismo iatrogênico durante o tratamento prediz um ganho de peso mais acentuado.
* A necessidade subsequente de terapia de reposição com levotiroxina é um fator de risco para ganho de peso.
* Pacientes com IMC pré-tratamento mais elevado tendem a ganhar mais peso após a terapia.
* O sexo feminino também está associado a um maior ganho de peso pós-tratamento.

Durante a recuperação, há um aumento tanto da massa magra, com reposição da massa muscular perdida, quanto da massa gorda. Estudos documentaram aumentos significativos na gordura visceral e subcutânea. Este padrão de recuperação, com acúmulo de gordura visceral, é metabolicamente preocupante e sublinha a necessidade de vigilância para o risco cardiometabólico a longo prazo, mesmo após a resolução da tireotoxicose.

Esta realidade clínica complexa exige a consideração de dois cenários adjacentes: as alterações de peso em indivíduos eutireoideos e a prática inadequada do uso de hormônio tireoidiano como agente de emagrecimento.

Considerações Clínicas Adicionais


Para fornecer um quadro clínico completo, é fundamental abordar as alterações de peso em indivíduos eutireoideos e a utilização inadequada de hormônios tireoidianos para perda de peso.

Alterações de Peso em Estado Eutireoideo


Mudanças de peso substanciais ocorrem na ausência de disfunção tireoidiana, reforçando a natureza multifatorial da regulação ponderal. Fatores não hormonais com grande influência incluem:

* O envelhecimento e as mudanças metabólicas associadas influenciam a composição corporal ao longo da vida.
* A menopausa está associada a alterações hormonais que favorecem o ganho de peso e a adiposidade central.
* Fatores genéticos e epigenéticos predispõem os indivíduos a diferentes trajetórias de peso.
* O estilo de vida, incluindo dieta, atividade física e padrões de sono, é um determinante primário do peso corporal.

Dados sugerem que pacientes pós-tireoidectomia, mesmo mantidos em eutireoidismo, podem ganhar mais peso do que controles. No entanto, os achados de meta-análises são conflitantes: enquanto uma aponta para um maior ganho em subgrupos específicos, outra não encontra diferenças substanciais em comparação com controles. Esta controvérsia sugere que, embora a ausência da glândula tireoide possa ser um fator, o manejo do peso nesses pacientes permanece dominado por fatores não tireoidianos, reforçando a abordagem multifatorial.

Hormônio Tireoidiano como Agente para Perda de Peso


O uso de hormônio tireoidiano para perda de peso em indivíduos eutireoideos ou a indução de tireotoxicose iatrogênica em pacientes com hipotireoidismo são práticas que devem ser condenadas. Esta estratégia carece de eficácia, é contrária às boas práticas clínicas e expõe os pacientes a riscos inaceitáveis de tireotoxicose, como arritmias cardíacas e perda de massa óssea. O desenvolvimento de agentes tireomiméticos seletivos, como o resmetirom — aprovado para o tratamento da doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica (MASLD) — oferece uma abordagem mais direcionada. Contudo, embora melhore o perfil lipídico e a fibrose hepática, não foi demonstrado que o resmetirom tenha efeito sobre o peso corporal.

A análise dessas considerações adicionais nos permite formular conclusões gerais e delinear suas implicações diretas para a prática clínica.

Conclusões e Implicações para a Prática Clínica


A relação entre a função tireoidiana e o peso corporal é intrincada e não linear. Embora a disfunção da tireoide seja uma causa estabelecida de alterações de peso, a tendência clínica mais proeminente observada ao longo do tempo, após o diagnóstico e tratamento tanto do hipotireoidismo quanto do hipertireoidismo, é um ganho de peso líquido.

As principais conclusões deste relatório podem ser sintetizadas nos seguintes pontos:

1. O ganho de peso no hipotireoidismo é geralmente modesto, e sua reversão com o tratamento é incompleta, sendo limitada principalmente à excreção de fluidos e não à redução da massa gorda.
2. O tratamento do hipertireoidismo está consistentemente associado a um ganho de peso que frequentemente ultrapassa o basal pré-doença, com aumento tanto da massa magra quanto da gorda.
3. A manipulação do eixo tireoidiano em indivíduos eutireoideos não é uma estratégia viável ou segura para o controle de peso e está associada a riscos significativos.

Do ponto de vista clínico, a principal implicação é a necessidade de educação do paciente. É crucial alinhar expectativas realistas sobre as alterações de peso esperadas após o início do tratamento. Embora a otimização da função tireoidiana seja a base terapêutica, o manejo do peso em pacientes com tireoidopatias deve, invariavelmente, incorporar abordagens convencionais. Isso inclui modificações no estilo de vida, o uso de medicamentos aprovados para perda de peso e, quando indicado, a cirurgia bariátrica. Restaurar o eutireoidismo é um passo fundamental, mas não substitui uma abordagem abrangente e multifatorial para a gestão do peso corporal.

Artigo: Jonklaas, J. The complexity of the relationship between thyroid disease and body weight. Nat Rev Endocrinol (2025). https://doi.org/10.1038/s41574-025-01190-0

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