Entrevista com o Prof. Paulo Marçal - Engenheiro agrônomo e professor de Agronomia da UFG




De 2008 a 2012 sempre ia a uma feira de orgânico, realizada pelos Produtores da ADAO-GO (Associação dos agricultores orgânicos de Goiás), aos sábados, no Centro Cultural Mercado Popular da Rua 74, Setor Central. E nesse contexto, acabei conhecendo várias pessoas relacionadas ao movimento de agricultura orgânica, agrofloresta, permacultura. Na época, não tão difundido quanto hoje. 

Tinha um nome que era referência mas que nunca tive oportunidade de conhecer pessoalmente, um agrônomo chamado Paulo Marçal Fernandes. Todos falavam que era um forte nome no movimento, estudioso e defensor da agricultura orgânica. Um indivíduo da ciência (professor na escola de agronomia da UFG) e também produtor rural de orgânicos na cidade de Hidrolândia. 

Recentemente em um grupo de medicina culinária, discutíamos sobre tomate e entre pitacos e artigos um colega fez algumas perguntas. Logo me veio à mente que o Dr. Paulo saberia sanar aquelas dúvidas. Em 5 minutos consegui o contato e perguntei se ele poderia nos concender uma entrevista. Muito solícito rapidamente fizemos a entrevista. E é isso que trago hoje no blog. Em 2026 teremos dezenas de entrevistas. 



Entrevistador (Dr. Frederic Lobo): Dr. Paulo, grato por conceder essa entrevista. Desde 2010, mantenho um blog voltado à ecologia médica e à medicina ambiental. Ao longo desses anos, estudei bastante a questão dos agrotóxicos, embora tenha me afastado um pouco do tema gradativamente. Atualmente participo de um grupo de médicos interessados em medicina culinária e alimentação, e surgiram várias dúvidas importantes. Gostaria de começar perguntando sobre a eficácia da higienização dos alimentos na remoção de agrotóxicos. A higienização dos alimentos remove realmete os agrotóxicos? 

Entrevistado:
Esse é um dos maiores mitos em relação à alimentação. A maior parte dos agrotóxicos utilizados hoje tem ação sistêmica ou translaminar. Isso significa que eles penetram nos tecidos do fruto ou circulam pelo sistema vascular da planta. Uma vez dentro do alimento, não há nenhuma forma de higienização doméstica capaz de remover esses resíduos.

O que pode ser parcialmente retirado com lavagem são os chamados produtos de contato, que permanecem na superfície do alimento após a aplicação. No entanto, esses representam uma parcela pequena dos agrotóxicos utilizados e, em geral, são os menos perigosos. Tudo aquilo que já penetrou no fruto simplesmente não pode ser removido.

Entrevistador: Os defensivos agrícolas de hoje são os mesmos de décadas atrás ou houve alguma evolução?

Entrevistado: Houve uma evolução significativa. Nas décadas de 1960 e 1970, predominavam organoclorados, organofosforados e carbamatos, todos extremamente tóxicos. Depois surgiram os piretroides, que são menos tóxicos e ainda bastante utilizados, inclusive em produtos domésticos.
Mais recentemente, surgiram os reguladores de crescimento e os produtos fisiológicos, que atuam em mecanismos específicos dos insetos e são praticamente atóxicos para mamíferos. O grande problema é que, apesar da evolução tecnológica, as práticas agrícolas continuam praticamente as mesmas de 30 ou 40 anos atrás, com aplicações preventivas e sistemáticas, muitas vezes sem a confirmação da existência real de pragas ou doenças.

Entrevistador: Existe também uma questão cultural no uso desses produtos?

Entrevistado: Sem dúvida. Muitos produtores chamam agrotóxicos de “remédios”, e não de venenos. É comum ouvir perguntas como: “qual remédio eu uso para matar pulgão?”. Essa linguagem cria a falsa ideia de que o produto não causa outros problemas.
Isso foi incutido ao longo do tempo para suavizar a percepção de risco. Na prática, os mesmos produtos são usados indiscriminadamente em diversas culturas, sem critérios técnicos rigorosos, o que leva a uma contaminação muito elevada dos alimentos.

Entrevistador: E o que os dados oficiais mostram sobre essa contaminação?

Entrevistado: Os relatórios mais recentes da vigilância sanitária mostram números alarmantes. Em alguns alimentos, mais de 30% das amostras apresentam resíduos acima dos níveis toleráveis, chegando perto de 50%. E o mais preocupante é que esses “níveis toleráveis” não são totalmente compreendidos em termos de efeitos de longo prazo.
O consumo crônico, ao longo de anos, representa sempre um risco. Não sabemos exatamente quais serão as consequências dessa exposição contínua.

Entrevistador: Existe alguma forma segura de conciliar agrotóxicos e alimento limpo?

Entrevistado: Não. Quem utiliza agrotóxicos inevitavelmente deixa resíduos. Não há como oferecer um alimento realmente limpo ao consumidor usando esses produtos. É exatamente por isso que trabalhamos com produção orgânica: para fugir dessa lógica. Produto químico e alimento limpo não coexistem.

Entrevistador: O tomate costuma ser citado como um dos alimentos mais contaminados. Por quê?

Entrevistado: O tomate utiliza muitos produtos sistêmicos. Em algumas lavouras, são feitas duas ou três aplicações por semana. Existe a crença de que quanto mais se aplica, melhor será a aparência e a qualidade comercial do fruto. Isso leva a um uso completamente excessivo, com impacto direto na saúde do consumidor.

Entrevistador: Esses agrotóxicos estão associados a problemas de saúde?

Entrevistado: Sim, e a comparação com medicamentos é válida. Muitos efeitos colaterais só são descobertos após anos de uso. O mesmo ocorre com agrotóxicos. Não há como uma empresa prever todas as possibilidades de risco.

Muitos produtos já foram proibidos em outros países e ainda são permitidos no Brasil. Quando usados corretamente, os riscos seriam menores, mas a forma como são aplicados aqui aumenta muito os perigos.

Entrevistador: Existe controle efetivo sobre esse uso?

Entrevistado: Praticamente não. Não há análises sistemáticas de contaminação química do solo. O que existe são relatórios semestrais baseados em amostras coletadas no mercado. É um controle muito limitado diante da dimensão do problema.

Entrevistador: Esses relatórios ajudam o consumidor?

Entrevistado: Tenho dúvidas. Eles mostram listas de alimentos analisados, mas os níveis continuam muito altos em praticamente todos. A uva, por exemplo, aparece frequentemente entre os alimentos mais contaminados.

Entrevistador: E o chamado cultivo protegido, como em estufas?

Entrevistado: O cultivo protegido reduz a entrada de insetos, mas não elimina fungos e bactérias. No sistema orgânico, ele pode reduzir mais de 50% a necessidade de insumos. Já no cultivo convencional, mesmo dentro de estufas, continuam fazendo duas ou três aplicações semanais. Ou seja, a lógica de uso excessivo permanece.

Entrevistador: E quanto à hidroponia? Ela é uma alternativa mais saudável?

Entrevistado: Na prática, não. A hidroponia é um dos sistemas mais químicos que existem. Utiliza soluções nutritivas artificiais, muitas vezes ricas em nitratos, e ainda há pulverização de agrotóxicos. Em alguns aspectos, considero até pior do que o cultivo a campo.
Existe muita confusão. Algumas pessoas acham que o hidropônico é melhor, outras dizem que é o pior de todos justamente por não ter solo e depender totalmente da solução química. O fato é que não é porque é hidropônico que é saudável.

Entrevistador: Então, qual seria a alternativa mais segura?

Entrevistado: O modelo orgânico. Ele exclui fertilizantes químicos e agrotóxicos, prioriza o controle biológico, a nutrição adequada da planta e o equilíbrio do sistema. É possível, sim, produzir alimentos adequados ao consumo humano sem contaminação química relevante.

Entrevistador: Muito obrigado pela entrevista e pelos esclarecimentos.



Prof. Dr. Paulo Marçal 
Engenheiro agrônomo- UFG 
Mestre e doutor em Entomologia - USP/ESALQ
Professor Titular na Escola de Agronomia/ UFG por 36 anos (1986 a 2022)
Produtor Orgânico desde 2005



Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou da entrevista e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica, clique aqui. 

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