Sarcopenia: a combinação de perda de massa e força muscular que pode roubar a sua independência

 


A fraqueza silenciosa que rouba nossa independência

Sentir mais dificuldade para levantar da cadeira, subir escadas ou carregar uma sacola pode parecer algo “normal da idade”, mas nem sempre é. Muitas vezes, isso é o sinal de que o corpo está perdendo massa magra, tendo redução da força muscular e até talvez massa óssea. 

Essa perda não é apenas um detalhe estético; ela tem impacto direto na sua capacidade de viver com autonomia, fazer o que gosta e manter sua dignidade no dia a dia. E é importante frisar que isso  não acontece só com idosos, cada vez mais, vejo no consultório pacientes jovens com baixa muscularidade e perda de força muscular. E aqui tem ainda um adendo: portadores de obesidade jovens com essa sintomatologia. Obesos? Sim, uma entidade que a medicina denomina de obesidade sarcopênica. 

Perder músculo é como ir desmontando, pouco a pouco, a estrutura da casa em que moramos: por fora ela até parece de pé, mas por dentro vai ficando frágil. Quando deixamos para dar atenção apenas quando surgem quedas, fraturas ou dores, muitas vezes o prejuízo já é grande. A boa notícia é que, entendendo o problema, é possível intervir antes que a “casa” fique condenada. Por isso é importante ter um médico da sua confiança, seja nutrólogo, médico do esporte, endocrinologista, geriatra, ortopedista ou até mesmo reumatologista. Essas são as especialidades que melhor sabem diagnosticar e tratar a sarcopenia. 

Mas o que é sarcopenia?

Sarcopenia é o nome técnico dessa perda de massa e força muscular (veja bem, perda da muscularidade E da força muscular, ambos precisam estar ocorrendo para chamarmos de sarcopenia) associada à idade ou a doenças. 

Porém, o rótulo importa menos que o efeito real: ficar fraco significa perder liberdade. E ninguém quer depender de terceiros para sentar no vaso sanitário, higienizar-se, tomar banho, ir ao mercado ou brincar com um filho ou neto, se existe algo que possa ser feito hoje para evitar isso.

Hoje a ciência já mostrou que quanto mais fraco o “aperto de mão” (força de preensão palmar), maior o risco de morrer mais cedo. Quando falo isso no consultório os pacientes arregalam os olhos. Exagero? Infelizmente não. Isso já é bem consistente na literatura.

Há trabalhos com milhares de pessoas, em vários países, mostrando que a força com que você aperta a mão de alguém é uma espécie de “termômetro” da sua saúde geral, principalmente da sua musculatura. Quando os cientistas falam em “aperto de mão”, eles estão medindo a força das mãos com um aparelho chamado dinamômetro, que é o que todo nutrólogo tem no consultório, ou pelo menos deveria ter. Mas, na prática, essa medida não fala só da mão: ela reflete de forma indireta a força do corpo todo, o quanto você está ativo, como está sua alimentação e o quão “resistente” está o seu organismo. Por isso, hoje a força de preensão é considerada um dos sinais de envelhecimento saudável. O mais impressionante é que, em vários estudos, a força do aperto de mão previu melhor quem teria mais risco de morrer do que alguns exames tradicionais, como a própria pressão arterial. Pessoas com aperto de mão mais fraco, mesmo ajustando por idade, peso, pressão e outras doenças, aparecem com mais infartos, mais AVC, mais internações e mais mortes ao longo dos anos. É como se o corpo estivesse dizendo: “minha reserva está acabando”. Isso vale tanto para quem já tem doenças (como problemas cardíacos, câncer, doença renal) quanto para idosos em geral.

Na nutrologia hospitalar é comum o relato de alguns nutrólogos, que por exemplo, idosos com aperto de mão muito fraco costumam ficar mais tempo internados, perder mais independência e ter um risco maior de não voltar ao mesmo nível de funcionalidade que tinham antes.

Tem um estudo chinês publicado em 2024 com mais de 9500 participantes acima de 45 anos que durou de 2015 a 2018. Que corrobora com o que foi citado acima.
Importante: não é que “apertar fraco a mão” cause a morte. O aperto de mão é só um resumo de vários sistemas ao mesmo tempo: massa muscular, nervos, coração, pulmão, inflamação, nutrição e nível de atividade física. Quando tudo isso está ruim, a força cai. Quando você treina, se alimenta melhor e trata as doenças de base, essa força tende a melhorar. Por isso, muitos especialistas já tratam o aperto de mão como um “sinal vital” a mais, junto com pressão, batimentos e peso. Se o seu aperto de mão está fraco para a sua idade, esse é um recado claro do corpo: sua reserva muscular e funcional está baixa, e isso se associa a viver menos e com mais limitações.

Sarcopenia primária vs sarcopenia secundária

É crucial entender a diferença entre a Sarcopenia Primária, que está diretamente ligada ao processo natural do envelhecimento, e a Sarcopenia Secundária. Esta última pode ocorrer em qualquer idade e está associada a outras condições, reforçando que o problema não é exclusivo da idade avançada. Algumas causas secundárias incluem:
  • Condições de má absorção: Doença celíaca e Doença de Crohn,
  • Procedimentos médicos: Cirurgia bariátrica,
  • Inatividade: Períodos de repouso prolongado ou imobilidade,
  • Condições inflamatórias: Doenças agudas, como a COVID-19.

Sarcopenia, caquexia e fragilidade


No dia a dia, os termos sarcopenia, caquexia e fragilidade podem ser usados de forma intercambiável, mas clinicamente são distintos, ainda que possam se sobrepor.

Caquexia

A caquexia é uma síndrome complexa que ocorre como consequência de uma doença de base (como câncer ou insuficiência cardíaca). É causada primariamente por uma resposta inflamatória acentuada e envolve a perda significativa de peso, incluindo não apenas massa muscular, mas também gordura.

Fragilidade

Consiste em uma síndrome geriátrica mais ampla, caracterizada por disfunções cumulativas em múltiplos sistemas do corpo. Seus sintomas incluem perda de peso, exaustão, fraqueza e baixa capacidade funcional. A sarcopenia é um componente chave da fragilidade e pode contribuir para ela, mas não é a mesma coisa. Entender essa distinção é fundamental para o diagnóstico e tratamento corretos.

O Diagnóstico pode começar com um simples Teste de cadeira


O diagnóstico de sarcopenia pode parecer algo que exige tecnologia complexa, e de fato, métodos como o DEXA (Absorciometria por Raios-X de Dupla Energia que é o padrão-ouro) e a bioimpedância (BIA) são usados para confirmar a quantidade de massa muscular. No entanto, a suspeita inicial e a avaliação da força podem começar com ferramentas muito simples e acessíveis.

Um exemplo prático é o "Teste de Sentar e Levantar da Cadeira", que mede o tempo que uma pessoa leva para se levantar e sentar de uma cadeira cinco vezes consecutivas. Esse teste simples avalia a força da musculatura dos membros inferiores.

Outra ferramenta de triagem é o questionário "SARC-F", que faz perguntas diretas sobre a dificuldade em realizar tarefas como carregar 4,5 kg, caminhar, levantar-se, subir escadas e o histórico de quedas no último ano. Uma pontuação elevada nesses testes já justifica uma investigação mais aprofundada.

Outra maneira indireta é a dinamometria, na qual utilizamos um aparelho (dinamômetro) que serve para quantificar a força de prensa palmar (o paciente aperta o aparelho) ao máximo e aí registramos o valor encontrado.

Na prática clínica, isso é suficiente para começar a investigar as causas e começar a intervenção.

Músculo: seu órgão de proteção, e não só de aparência

Muitas pessoas ainda veem músculo apenas como “coisa de academia” ou de quem quer um corpo mais definido. Na prática, a musculatura funciona como um verdadeiro órgão de sobrevivência. Ela ajuda a proteger ossos, estabilizar articulações, manter o equilíbrio, controlar o açúcar no sangue e até sustentar o funcionamento adequado de órgãos vitais. 

Portanto, quando perdemos massa magra, não estamos apenas “afinando”: estamos enfraquecendo um sistema de defesa, produtor de uma dezena de substâncias (Miocinas) que aumentam a nossa vitalidade, longevidade, que tem ação cerebral, na nossa pressão arterial, na redução da glicose entre outras dezenas de funções. Músculo é qualidade de vida e quanto mais cedo começarmos a preservar nossos músculos, melhor. 

Os músculos também são o grande “tanque” onde o corpo armazena proteína funcional. Em situações de doença aguda, cirurgia, infecção ou estresse, é dali que o organismo retira aminoácidos para se recuperar. 

Se esse “estoque” já é pequeno, qualquer crise de saúde rouba ainda mais força, prolonga internações e torna a recuperação lenta e incompleta. É como tentar reformar uma casa sem ter material de construção.

Outro ponto importante é que a musculatura participa do controle do metabolismo como um todo. Ela ajuda a gastar energia, a usar a glicose de forma eficiente e a manter o peso sob mais controle. Quando há pouco músculo, o organismo queima menos calorias em repouso, favorecendo o ganho de gordura mesmo comendo pouco. Isso cria um cenário injusto: você sente que se esforça, mas o corpo não responde como antes.

O círculo vicioso: menos músculo, mais gordura, menos energia

Com o tempo, a perda de massa magra e força muscular pode caminhar junto com o aumento de gordura corporal, criando o quadro que citei no começo do texto, a obesidade sarcopênica. Por fora, a pessoa pode até parecer  gorda, mas por dentro está fraca, com músculos infiltrados por gordura (mioesteatose) e com baixa capacidade funcional. É um paradoxo perigoso: excesso de peso e, ao mesmo tempo, falta de força. Pensa que é raridade? Todos os dias me deparo com portadores de obesidade com esse quadro. 

A gordura em excesso, especialmente na região abdominal, não fica parada; ao contrário do que alguns pensam, ela é metabolicamente ativa. Além disso, ela produz substâncias pró-inflamatórias que agem como mediadores inflamatórios e amplificam a resposta inflamatória, perpetuando uma inflamação crônica de baixo grau. 

Ou seja, quanto mais gordura, mais inflamação; quanto mais inflamação, mais perda de músculo. O paciente entra em um círculo vicioso: sente cansaço, fica mais sedentário, se locomove menos, perde mais músculo, ganha mais gordura e a fraqueza só vai aumentando.

Esse quadro não é exagero teórico: na prática, ele significa maior risco de diabetes, pressão alta, apneia do sono, gota, dores articulares, problemas cardiovasculares e pior resposta a qualquer doença. E um adendo, no homem pode cursar com redução dos níveis de testosterona. O corpo vai perdendo a reserva funcional, aquele “fôlego extra” necessário quando algo sai do previsto. O resultado é um organismo mais vulnerável, que descompensa por motivos antes banais, como uma gripe ou uma queda em casa.

Consequências no dia a dia: quedas, fraturas e perda de autonomia

Um dos efeitos mais dramáticos da perda de massa magra e força muscular é o aumento do risco de quedas. Quando a musculatura das pernas está fraca, levantar da cadeira, manter o equilíbrio ao descer um degrau ou recuperar a postura depois de um tropeço se torna muito mais difícil. Uma queda que poderia ser evitada com musculatura forte se transforma em fratura, cirurgia e, às vezes, perda definitiva de independência.

Fraturas de quadril, punho ou coluna em pessoas com pouca massa muscular e ossos enfraquecidos (osteopenia ou osteoporose) costumam ter um impacto devastador. Não é apenas o osso que quebra; quebra também a rotina, os planos ( o plano de saúde também rs) e a confiança da pessoa em si mesma. Aquele medo de cair de novo faz com que o indivíduo se movimente menos, o que acelera ainda mais a perda muscular e a deterioração da saúde.

Outro efeito deletério é a redução da velocidade de marcha, isto é, do simples ato de caminhar. Pode parecer detalhe, mas a ciência já mostrou que andar devagar demais é um marcador de maior risco de hospitalização, declínio funcional e mortalidade. Caminhar com passo firme e seguro não é apenas uma questão de estilo; é um indicador de que o sistema músculo-esquelético e o metabolismo ainda estão preservados.

A perda de massa magra também interfere nas atividades básicas do dia a dia, como vestir-se, tomar banho, subir alguns degraus, alcançar objetos em prateleiras, dirigir ou até ir sozinho ao mercado. Quando essas tarefas começam a exigir ajuda, o impacto psicológico é enorme.

A sensação de ser um peso para a família, de deixar de ser aquela pessoa ativa que resolvia tudo, é profundamente dolorosa e, muitas vezes, evitável.

Cérebro, hormônios e emoções também enfraquecem

O músculo conversa o tempo todo com o resto do corpo, inclusive com o cérebro. Durante a contração muscular, são liberadas substâncias chamadas mioquinas, que têm efeito anti-inflamatório, ajudam na saúde do cérebro, colaboram com o equilíbrio hormonal e melhoram o humor. Quando você tem pouca massa magra e se movimenta pouco, essa “farmácia interna” quase não é acionada.

Não é raro que quem perde força e independência comece a se sentir mais triste, desmotivado e sem propósito. A limitação física reduz o contato social, diminui a participação em atividades prazerosas e reforça pensamentos de incapacidade. Em muitos casos, a depressão e a ansiedade caminham ao lado da sarcopenia, formando um combo que rouba vitalidade física e emocional. Não se trata de fraqueza de caráter, e sim de um corpo que está adoecendo por dentro.

Além disso, a perda de massa magra está associada a pior controle hormonal, como da insulina, testosterona, estrogênio e hormônios do crescimento e do estresse. Isso pode agravar sintomas como fadiga, baixa libido, alterações de sono, piora de dor crônica e maior dificuldade para perder gordura. O corpo vai entrando em um “modo econômico” de sobrevivência, em que quase tudo fica mais lento, incluindo a capacidade de se recuperar.

Como recuperar massa magra e força: primeiros passos práticos

A boa notícia é que, mesmo em idades avançadas ou após fases de doença, o músculo responde quando recebe os estímulos corretos. Não existe idade limite para ganhar força. Sarcopenia tem tratamento.

O pilar número um é o exercício de força, como musculação, treino funcional, exercícios com elástico ou com o próprio peso do corpo. O objetivo não é virar fisiculturista, e sim construir um corpo que aguente a vida. Treinos bem orientados, começando de forma gradual e adaptada, já fazem enorme diferença.

O pilar número dois é a nutrição adequada, especialmente o consumo suficiente de proteína ao longo do dia. Pessoas com pouca massa muscular geralmente precisam de mais proteína por quilo de peso do que adultos jovens, dentro do que é seguro para elas, sempre discutido com médico e nutricionista. Distribuir essa proteína entre as refeições, associar com uma boa ingestão de micronutrientes e manter um aporte calórico adequado é como garantir tijolos e cimento de qualidade para a obra.

Também é importante investigar causas secundárias da perda de massa magra, como doenças inflamatórias, problemas intestinais com má absorção, uso de certos medicamentos, alterações hormonais ou períodos prolongados de imobilidade. 

Em muitos casos, tratar a doença de base e ajustar o estilo de vida é o que permite ao músculo “acordar” novamente. Testes simples, como o teste de levantar da cadeira, a velocidade de marcha e questionários como o SARC-F já ajudam a identificar quem precisa de avaliação mais detalhada.

Por fim, recuperar massa magra e força muscular é, acima de tudo, recuperar projetos de vida. É poder caminhar até a padaria sem medo de cair, carregar o neto no colo, viajar, trabalhar, dançar, cuidar do próprio jardim. 

Fortalecer-se é uma forma concreta de dizer ao seu corpo: “eu ainda quero viver de maneira plena”. Não é sobre ter músculos grandes; é sobre ter músculos úteis, que sustentem a vida que você deseja levar.

“Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado com certeza vai mais longe.” – Clarice Lispector

Bibliografia

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Autor: 
Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica, clique aqui. 

Eu me chamo Frederico Lobo, sou médico nutrólogo titulado pela ABRAN, moro em Goiânia e desde 2006 produzo conteúdo sobre nutrologia, alimentação, metabolismo, prevenção de doenças e medicina do estilo de vida. Acompanhe meus materiais nas outras plataformas:

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