terça-feira, 4 de outubro de 2022

Medicina e responsabilidade social



Há tempos quero falar sobre esse tema, porém, por se tratar de algo polêmico e que muitas vezes pode ser mal interpretado, relutei em escrever. 

Venho de uma família com 34 médicos, minha mãe tem 5 irmãos e 4 são médicos. Meu pai era médico reumatologista. Tenho tios, primos e até sobrinhos que já são médicos. Cresci nesse meio e ao longo dos anos fui observando a percepção sobre a Medicina mudando. 

Meu pai fez faculdade na UFRN, depois residência de clínica médica e reumatologia na UFRJ, na década de 70. A visão que ele tinha era de que a Medicina deveria ser um sacerdócio. A maioria dos meus tios cursaram Medicina na década de 80/90 e a visão de sacerdócio já começou a mudar, afinal, precisamos pagar as contas, ou seja, viver a vida, ou sobreviver.

Eu e minha geração de primos cursamos Medicina no começo dos anos 2000 (formei em janeiro de 2008). A visão de sacerdócio ficou para trás, na verdade, aqueles que assim enxergam a Medicina, são vistos como utópicos e até mesmo alienados. Minha geração é a a geração da Medicina baseada em evidência. Uma geração que começou a ver uma quantidade grande de médicos adentrando ao mercado. Além disso começamos a falar de judicialização médica. 

As próximas gerações ainda estamos analisando, mas o panorama não é nada agradável. Porém, só o tempo dirá. Serão médicos com outros ideais, ambições, outros valores. O quão negativo ou positivo isso será, só o tempo nos mostrará.

Mas o que TODAS essas gerações tem em comum? O objetivo final da Medicina é o bem-estar do paciente. É sanar ou aliviar o sintoma. É prevenir quando possível. E se tudo isso ocorre em prol do paciente, ele tem papel central na nossa formação.

Só somos médicos, porque um dia, alguém se dispôs a permitir que fizéssemos perguntas, examinássemos, sugeríssemos hipóteses diagnósticas para os nossos professores e por fim nossos mestres tomavam condutas. Para beneficiar o paciente.

Na maioria das vezes, na verdade, na grande maioria das vezes, esse paciente era/é alguém que depende do Sistema único de saúde. Alguém sem muitas posses, condições financeiras para pagar um plano de saúde. E aqui chego no ponto chave. Sem esse tipo de paciente, sequer teríamos formados. Gratidão a todos que passaram pelo meu caminho e em um momento difícil das suas vidas, permitiu que um pós-adolescente fizesse perguntas "sem nexo", examinasse seus corpos com alguns instrumentos  e depois repassasse aquilo para um professor diante de outros acadêmicos.

Aqui entra a questão da responsabilidade social. Tema espinhoso para os médicos da minha geração e que provavelmente será ignorado pelas próximas gerações. Aqui a questão é moral. A questão é o dever de gratidão a quem nos ajudou a estar aqui. 

Não tenho a intenção de querer falar que médicos devam doar parte do seu tempo para pessoas mais carentes. Cada um sabe onde o calo aperta. 

O intuito é despertar a seguinte pergunta: Eu seria o médico(a) que sou hoje se não fossem os pacientes do SUS? Como retribuir isso?

Anos atrás assisti à uma reportagem com o Senador Cristovam Buarque (DF) na qual ele falava que os médicos formados em universidades públicas deveriam ficar um período trabalhando no SUS, após formarem. Muitos abominam essa ideia mas é algo a se pensar.

Como retribuir aqueles que tanto nos deram?

Hoje, vou na contramão do que minha família defende e acho que TODO médico tem que ter a sua contribuição social, seja atendendo no SUS ou de forma filantrópica. Se os médicos valorizassem mais o SUS, provavelmente teríamos um SUS ainda melhor. Mas muitos preferem enxergar a Medicina como um comércio, focando apenas no lucro e esquecem da nossa responsabilidade social. 

Espero que as próximas gerações tenham um despertar na consciência e abram os horizontes para a forma de enxergar a Medicina. É inadmissível a Nutrologia ter menos de 1 dúzia de ambulatórios em TODO o território nacional. A Nutrologia é para todos e não apenas para uma pequena parcela da população.

No Centro-oeste há apenas 2 ambulatórios de Nutrologia, um em Brasília (uniceplac) coordenado pela Nutróloga Nádia Hubert e o de Aparecida de Goiânia, coordenado por mim. Não há o serviço de Nutrologia ambulatorial em Goiânia, nem em Campo Grande ou Cuiabá. No último Congresso Brasileiro de Nutrologia discutimos exatamente isso. Se existem mais de 1250 Nutrólogos no país, por que há poucos serviços de Nutrologia no SUS? A quem interessa ter poucos serviços de Nutrologia para atender a população ?

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo
CRM-GO 13.192 | RQE 11.915 / CRM-SC 32.949 | RQE 22.416 

1 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns Frederico!!! O Brasil precisa de mais médicos como você!!!

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