[Material exclusivo para médicos] Intolerância à frutose - o básico para o nutrólogo



Introdução e relevância clínica para a Nutrologia


A intolerância à frutose, sob a perspectiva da Nutrologia, deve ser compreendida não como um diagnóstico monolítico, mas como um espectro de condições que vão desde erros inatos do metabolismo, como a intolerância hereditária à frutose (IHF), até distúrbios funcionais de absorção intestinal, como a má absorção de frutose associada a síndromes de interação intestino–cérebro. 

Na prática clínica, esses quadros aparecem majoritariamente sob a forma de sintomas gastrointestinais inespecíficos, distensão, dor abdominal, alterações do hábito intestinal – frequentemente rotulados como “intolerância alimentar” de forma genérica. 

Para o médico que atua em Nutrologia, distinguir a base fisiopatológica por trás desse rótulo é fundamental para definir o grau de risco sistêmico, a profundidade da intervenção dietética e o nível de monitorização metabólica necessário em cada paciente.

Do ponto de vista dietético, a frutose é onipresente na alimentação moderna: além das frutas, está em diversos vegetais, em xaropes industrializados, em bebidas adoçadas, em produtos “sem açúcar” ricos em polióis e em múltiplos ultraprocessados, muitas vezes de consumo cotidiano. 

Em uma dieta ocidental típica, a ingestão diária de frutose pode facilmente atingir valores entre 20 e 60 gramas por dia, especialmente na presença de refrigerantes e sucos açucarados, o que faz com que a exposição a esse monossacarídeo seja volumosa e constante. 

Em indivíduos predispostos, essa carga é suficiente para saturar transportadores intestinais, intensificar a fermentação colônica e desencadear sintomas recorrentes que motivam peregrinação entre consultórios de gastroenterologia, nutrologia, alergologia e psiquiatria.

O interesse crescente por intolerâncias alimentares nas redes sociais e no mercado de testes “alternativos” contribuiu para um cenário de confusão conceitual, em que pacientes chegam ao consultório munidos de laudos sem validade científica, trazendo “diagnósticos” de intolerância a frutose, sacarose, sorbitol, lactose e uma longa lista de outros carboidratos. 

Nesse contexto, cabe ao nutrólogo resgatar a base fisiopatológica, reconhecer quais entidades têm respaldo em estudos clínicos e diretrizes e diferenciar aquilo que é uma verdadeira doença metabólica daquilo que é um distúrbio funcional modulável. 

Esse posicionamento crítico é essencial para evitar tanto intervencionismo excessivo quanto negligência frente a quadros de maior gravidade, como a IHF.

A partir dessa perspectiva, o objetivo deste texto é organizar de forma didática e científica os principais aspectos da intolerância à frutose sob três eixos: primeiro, o eixo metabólico hepático, no qual se insere a IHF; segundo, o eixo do transporte e absorção intestinal, onde se situa a má absorção de frutose e sua interface com FODMAPs; e, terceiro, o eixo neurogastrointestinal, em que frutose e outros carboidratos fermentáveis interagem com microbiota, permeabilidade, sensibilidade visceral e sintomas psicossomáticos. 

Em todos esses eixos, a Nutrologia é convocada a atuar de forma estruturada, vigilante e, ao mesmo tempo, flexível, equilibrando controle sintomático, preservação da microbiota e segurança nutricional em médio e longo prazo.

Espectro clínico: IHF versus má absorção de frutose


Do ponto de vista conceitual, é útil visualizar a intolerância à frutose em duas grandes extremidades de um espectro. 

De um lado, a intolerância hereditária à frutose (IHF), doença autossômica recessiva causada por mutações em ALDOB, responsável por quadros potencialmente fatais de hipoglicemia, convulsões, lesão hepática e renal, particularmente após introdução precoce de frutose, sacarose ou sorbitol na dieta infantil. 

Do outro lado, a Má absorção de frutose (MAF), condição funcional altamente prevalente, em que o problema central é a limitação do transporte intestinal desse monossacarídeo, com repercussões predominantemente luminais e sintomas gastrointestinais em adultos e crianças, sobretudo naqueles com síndrome do intestino irritável.

A IHF é um erro inato do metabolismo com base bioquímica bem definida, no qual a deficiência da enzima aldolase B impede a conversão adequada de frutose-1-fosfato em intermediários da glicólise e gliconeogênese. O acúmulo de frutose-1-fosfato nos hepatócitos e células renais leva à depleção de fosfato inorgânico, à inibição da glicogenólise e da gliconeogênese, à hipoglicemia e a um estado de toxidade celular que se manifesta clinicamente com insuficiência hepática, falência renal e, em crianças pequenas, risco de coma e morte. Trata-se, portanto, de uma entidade com risco sistêmico e necessidade de restrição absoluta de frutose e sacarose.

Já a má absorção de frutose não envolve uma deficiência enzimática hepática, nem dano estrutural primário aos enterócitos; o problema situa-se na fase de absorção no intestino delgado, mediada pelos transportadores GLUT5 e, em menor grau, GLUT2. 

Quando a oferta de frutose excede a capacidade desses transportadores, ou quando fatores como idade, inflamação, SIBO e disbiose reduzem sua eficiência, parte significativa da frutose atinge o cólon, é fermentada pela microbiota e produz os sintomas bem conhecidos: distensão, flatulência, borborigmos, dor abdominal tipo cólica, diarreia osmótica e, em alguns casos, constipação paradoxal.

Essas duas extremidades do espectro têm implicações diametralmente opostas para o manejo nutricional. Na IHF, a conduta é retirar rigidamente todas as fontes de frutose, sacarose e sorbitol, com foco na prevenção de descompensações metabólicas. 

Na má absorção, ao contrário, a estratégia é identificar limiares individuais de tolerância, reduzir a carga de frutose livre e de FODMAPs apenas até o ponto necessário para controle de sintomas e, em seguida, reintroduzir progressivamente alimentos a fim de preservar densidade nutricional, diversidade de microbiota e qualidade de vida.

Por fim, é importante enfatizar que, na prática ambulatorial nutrológica, a demanda gira majoritariamente em torno da má absorção de frutose e de sintomas funcionais recorrentes, muitas vezes associados a SII, dispepsia funcional e somatização. A IHF permanece como condição rara, vista em geral em centros de referência ou descrita em relatos de caso, mas que precisa ser lembrada porque o erro diagnóstico, tratando como “intestino irritável” um lactente ou lactente maior com hepatopatia progressiva, pode ser letal. O papel do nutrólogo inclui justamente reconhecer quando o quadro sai da esfera puramente funcional e passa a sugerir doença sistêmica.




Fisiopatologia da intolerância hereditária à frutose


Na IHF, a mutação no gene ALDOB leva à deficiência completa ou quase completa da isoforma hepática da aldolase, a aldolase B, enzima expressa principalmente em fígado, rim e intestino delgado, responsável pela clivagem da frutose-1-fosfato em diidroxiacetona-fosfato (DHAP) e gliceraldeído. Quando essa etapa é bloqueada, a frutose-1-fosfato acumula-se nos hepatócitos, consumindo fosfato inorgânico e ATP, inibindo a fosforilase do glicogênio e comprometendo tanto a glicogenólise quanto a gliconeogênese. 

O resultado é uma combinação de hipoglicemia, acidose, hiperuricemia e dano hepatocelular que pode evoluir com insuficiência hepática aguda ou crônica.

Estudos mais recentes em modelos murinos ALDOB-KO têm refinado esse entendimento, mostrando que a deficiência de aldolase B não só leva ao acúmulo de frutose-1-fosfato, mas também ativa a AMPD2, aumenta a produção de ácido úrico e promove disfunção mitocondrial e lipogênese de novo, aproximando o fenótipo de uma doença hepática gordurosa induzida por frutose. 

Esses achados conectam a IHF com mecanismos descritos em MASLD e síndrome metabólica relacionada à frutose, ainda que, clinicamente, o contexto e as doses envolvidas sejam distintos. Do ponto de vista da Nutrologia, isso reforça que, mesmo em pacientes bem controlados do ponto de vista sintomático, pode persistir um risco de esteatose e lesão hepática de base metabólica.

O rim também é órgão-alvo importante na IHF. O acúmulo de frutose e seus metabólitos no túbulo proximal pode levar a dano tubular, perda de fosfato, glicosúria, uricosúria e aminoacidúria, configurando um quadro de síndrome de Fanconi em alguns pacientes. 

Clinicamente, isso pode se manifestar como atraso de crescimento, raquitismo hipofosfatêmico, nefrocalcinose e redução progressiva da função renal. Para o nutrólogo, a implicação prática é que o manejo dietético na IHF não pode ser desenhado apenas com foco em “não passar mal com frutas”, e sim com foco em proteger fígado e rim a longo prazo, acompanhando eletrólitos, função renal, fosfato e parâmetros ósseos.

Outro elemento fisiopatológico relevante é a possibilidade de síntese endógena de frutose pela via poliol, em que a glicose é convertida em sorbitol e, posteriormente, em frutose pela sorbitol desidrogenase, especialmente em contexto de hiperglicemia, estresse osmótico e estados inflamatórios. 

Em teoria, mesmo na ausência de frutose alimentar, essa produção endógena poderia contribuir para um “ruído de fundo” de exposição a frutose-1-fosfato em pacientes com IHF, o que explicaria a persistência de esteatose hepática discreta em parte desses indivíduos, apesar de dieta rigorosa. A magnitude clínica desse fenômeno ainda é debatida, mas reforça o racional para manter acompanhamento metabólico contínuo, e não apenas orientar restrição dietética e dar alta.

Fisiopatologia da má absorção de frutose e relação com FODMAPs


Na má absorção de frutose, o foco desloca-se do hepatócito para o enterócito. Em condições fisiológicas, a frutose é absorvida no intestino delgado principalmente através do transportador GLUT5, localizado na borda em escova, e, em menor grau, via GLUT2, que pode ser translocado para a membrana apical em resposta a cargas elevadas de glicose e frutose. 

A capacidade de transporte de GLUT5 é limitada e saturável, variando conforme idade, genética, inflamação local, dieta habitual e composição da microbiota. Quando a carga luminal de frutose excede essa capacidade, a fração não absorvida progride para o cólon, onde será fermentada.

Essa fermentação colônica de frutose é realizada por bactérias anaeróbias que convertem o substrato em hidrogênio, metano, dióxido de carbono e ácidos graxos de cadeia curta (acetato, propionato, butirato). 

O aumento de gases intra-luminais promove distensão, aumenta a pressão intraluminal e estimula mecanorreceptores viscerais, gerando a sensação de “empachamento” e dor tipo cólica. Ao mesmo tempo, o efeito osmótico da frutose não absorvida atrai água para o lúmen, o que pode contribuir para diarreia aquosa ou, em alguns pacientes com colônica lenta e resposta adaptativa, para alternância com constipação. Essa combinação de distensão gasosa, alteração de motilidade e sensibilidade visceral é o núcleo da sintomatologia clínica.

Importante lembrar que, na prática, a má absorção de frutose raramente ocorre isolada. Frutose faz parte do grupo de carboidratos fermentáveis de cadeia curta, os FODMAPs (fermentable oligo-, di-, monosaccharides and polyols).  Na nossa prática, a maioria dos quadros de Má absorção de frutose são decorrentes de Supercrescimento bacteriano do intestino delgado (SIBO).

Pacientes com SII, por exemplo, frequentemente apresentam sensibilidade concomitante a frutanos, galacto-oligossacarídeos e polióis como sorbitol e manitol, de modo que a frutose é apenas uma peça de um mosaico mais amplo de fermentação exagerada e hipersensibilidade visceral. Isso explica por que intervenções dietéticas mais abrangentes, como a dieta low-FODMAP, tendem a ser mais eficazes do que apenas reduzir frutose isoladamente em subsetores de pacientes.

Além do papel mecânico e osmótico, há evidências de que frutose não absorvida pode modular a composição e a função da microbiota, influenciando produção de metabólitos com impacto sistêmico, como ácidos graxos de cadeia curta e derivados do triptofano. 

Estudos citados no material original mostram que depressão e sintomas de humor podem ser mais comuns em crianças e adultos com má absorção de frutose, com melhora após redução rigorosa desse carboidrato na dieta, possivelmente mediada por alterações nos níveis sanguíneos de triptofano e na sua metabolização pela microbiota. 

Essa conexão reforça a visão atual de que distúrbios de FODMAPs não são apenas problemas “locais do intestino”, mas componentes de um eixo microbiota–metabólitos–cérebro.

Epidemiologia, história natural e quadro clínico


Do ponto de vista epidemiológico, dados do material indicam que aproximadamente 30% dos adultos saudáveis apresentam má absorção de frutose quando expostos a doses inferiores a 50 g em testes de provocação, mas apenas cerca de 10% manifestam sintomas clínicos relevantes durante a sobrecarga. 

Isso mostra que a má absorção bioquímica é mais comum que a intolerância clínica, e que fatores como sensibilidade visceral, microbiota e contexto psicossocial modulam quem, de fato, se torna sintomático. 

Em pacientes com síndrome do intestino irritável, a prevalência de intolerância a quantidades usuais de frutose pode chegar a 70%, um valor muito superior ao da população geral e que justifica a alta demanda por intervenções dietéticas específicas nesse grupo.

A concomitância de intolerância à lactose e frutose é outro dado epidemiológico relevante, com estimativas de 20%–30% de sobreposição entre essas duas condições em algumas populações. Para o nutrólogo, isso implica que um paciente que chega ao consultório com queixa de distensão, gases e diarreia após consumir laticínios e frutas pode, na verdade, estar lidando com múltiplos substratos fermentáveis, e não apenas com um único açúcar “vilão”. 

A história natural nesses casos é muitas vezes marcada por dietas progressivamente mais restritivas, geralmente autoimpostas, com eliminação de laticínios, frutas, verduras e leguminosas, levando, a médio prazo, a déficit de fibras, vitaminas e minerais importantes.

Do ponto de vista clínico, as manifestações típicas da má absorção de frutose incluem inchaço e dor abdominal, diarreia ou constipação, borborigmos audíveis, eructações frequentes, flatulência excessiva, náuseas e, ocasionalmente, vômitos. 

Esses sintomas costumam ser desencadeados ou piorados após refeições ricas em frutose livre – como sucos de frutas, refrigerantes com xarope de milho rico em frutose, mel, algumas frutas específicas e produtos “diet” contendo sorbitol e podem ter impacto significativo na qualidade de vida, nas relações sociais e no desempenho profissional, especialmente em pacientes com hipersensibilidade visceral associada.

Um aspecto menos valorizado, mas clinicamente relevante, é a associação entre má absorção de frutose e sintomas de humor. A depressão pode ser mais comum em adultos e crianças com má absorção de frutose, e que esses sintomas podem melhorar com redução rigorosa da ingestão de frutose, possivelmente por aumento da disponibilidade de triptofano no sangue. 

Para o nutrólogo, isso amplia a necessidade de avaliar o paciente de forma biopsicossocial, integrando avaliação de humor, ansiedade, sono e qualidade de vida ao manejo das queixas gastrointestinais, e não restringindo a consulta ao “cardápio”.

Na IHF, como já mencionado, o quadro clínico é muito mais grave e sistêmico. Além dos sintomas de má absorção, distensão, dor abdominal, náuseas e esses pacientes podem desenvolver hipoglicemia grave, convulsões, coma, lesão permanente de fígado e rins, e, em crianças, evolução fatal se a exposição a frutose e sacarose se mantiver. 

História familiar de intolerância a açúcares, aversão marcada a doces ou episódios de hepatopatia inexplicada na infância são pistas importantes. O reconhecimento precoce e a introdução de restrição rigorosa de frutose, sacarose e sorbitol são determinantes para evitar sequelas irreversíveis.

Abordagem diagnóstica e limitações dos métodos disponíveis


No diagnóstico da IHF, o padrão-ouro atual é a identificação de variantes patogênicas bialélicas no gene ALDOB por meio de testes genéticos, idealmente incluídos em painéis de doenças metabólicas hepáticas. A biópsia hepática para avaliação da atividade de aldolase B tornou-se, nos últimos anos, uma ferramenta de exceção, utilizada apenas quando a genética não é acessível ou produz resultados inconclusivos, dado seu caráter invasivo e o risco associado. 

O exame de sobrecarga oral de frutose, historicamente utilizado, hoje é considerado inadequado e potencialmente perigoso em suspeita de IHF, uma vez que pode precipitar hipoglicemia, convulsões e insuficiência hepática aguda.

Na má absorção de frutose, a principal ferramenta objetiva é o teste respiratório de hidrogênio com frutose (HBT), cujo princípio baseia-se na detecção de gases produzidos pela fermentação colônica da frutose não absorvida. 

Em condições normais, a frutose é absorvida no intestino delgado; se isso não ocorre plenamente, o substrato atinge o cólon, onde bactérias convertem frutose em hidrogênio, metano e outros gases, que são absorvidos, circulam no sangue e são exalados pelos pulmões, podendo ser quantificados em amostras seriadas de ar expirado.

O protocolo descrito no texto inclui jejum de 8–12 horas, medida basal de hidrogênio, administração de 25 g de frutose em água (dose mais fisiológica que os 50 g usados em alguns testes antigos) e coletas de ar expirado a cada 15–30 minutos por até 180 minutos. 

Considera-se o teste positivo para má absorção quando há aumento de pelo menos 20 ppm de hidrogênio em relação ao valor basal, com pico geralmente entre 60 e 120 minutos. Se esse aumento se associa simultaneamente ao surgimento de sintomas típicos durante o teste – flatulência, cólicas, distensão, diarreia –, fala-se em intolerância à frutose, e não apenas em má absorção assintomática.

Como qualquer exame funcional, o HBT tem limitações relevantes. Cerca de 15%–20% da população é composta por “non-producers” de hidrogênio, indivíduos cuja microbiota não produz H₂ em quantidade detectável; nesses casos, o teste pode ser falsamente negativo, e a monitorização de metano ou o uso de HBT combinado (H₂/CH₄) pode aumentar a sensibilidade.

 Uso recente de antibióticos, laxantes, dietas ricas em alimentos fermentáveis e tabagismo também podem interferir, gerando falsos negativos ou positivos. Além disso, mesmo indivíduos saudáveis podem apresentar sintomas transitórios com cargas muito altas de frutose, o que reforça a importância de utilizar doses testadas mais baixas (como 25 g) para evitar superestimação de intolerância em pessoas sem doença.

Um aspecto crucial para o nutrólogo é não absolutizar o HBT. Ele é “muito sensível” para diagnóstico de má absorção mas não é perfeito na correlação com sintomas, em especial em crianças e pacientes com distúrbios funcionais intestinais. 

Alguns pacientes com HBT positivo permanecem relativamente assintomáticos no dia a dia, enquanto outros, com HBT negativo, referem melhora robusta de sintomas com redução de frutose e FODMAPs. Diante disso, diretrizes recentes enfatizam que a resposta clínica à intervenção dietética, em protocolos estruturados de restrição e reintrodução, é tão ou mais importante que um resultado isolado de HBT para guiar o manejo.

Consequências nutricionais e deficiências associadas


Do ponto de vista nutricional, talvez o ponto mais negligenciado na prática seja que a má absorção de frutose em si não é sinônimo de enteropatia com má absorção global de nutrientes; o risco real de deficiência decorre sobretudo das dietas restritivas prolongadas e mal planejadas que esses pacientes adotam, frequentemente por conta própria ou com orientações genéricas. 

A exclusão indiscriminada de frutas, sucos, vegetais, leguminosas e grãos integrais leva a redução importante da ingestão de:
  • Vitamina C, 
  • Folato, 
  • vitaminas do complexo B, 
  • Carotenoides, vitamina A, 
  • Vitamina E, 
  • Fibras,
  • Minerais como potássio, magnésio, ferro, zinco e cálcio, especialmente quando há também restrição de laticínios por suspeita de intolerância à lactose.
Geralmente zinco e vitaminas do complexo B, incluindo ácido fólico, estão diminuídos em parte da população com intolerância à frutose. Embora nem todos os estudos tenham desenho robusto, a combinação de ingestão reduzida de vegetais verdes, frutas e leguminosas com perda aumentada em casos de diarreia crônica torna biologicamente plausível a ocorrência de deficiências subclínicas. 

O déficit de zinco, por exemplo, pode comprometer imunidade, cicatrização, paladar e integridade de mucosas; já o déficit de folato e outras vitaminas do complexo B pode contribuir para anemia, fadiga, alteração cognitiva e neuropatias.

A vitamina C representa outro ponto de atenção óbvio em pacientes que “demonizam” frutas como parte de planos alimentares empobrecidos. A exclusão quase total de frutas e de parte dos vegetais ricos em vitamina C, se não compensada por outras fontes ou suplementação, pode levar a níveis séricos insuficientes e, em casos extremos, a quadro de escorbuto, como descrito em relatos de casos em crianças submetidas a dietas altamente restritivas por intolerâncias mal conduzidas. Embora raro, esse cenário ilustra o potencial iatrogênico de condutas de exclusão não supervisionadas por nutrólogo ou nutricionista.

No plano dos minerais, ferro, magnésio, potássio e cálcio são particularmente vulneráveis. A exclusão de leguminosas, vegetais verdes escuros, frutas e laticínios reduz a densidade mineral da dieta, e a presença de diarreia crônica pode aumentar perdas de magnésio e potássio. 

Em mulheres jovens e pacientes com múltiplas exclusões, isso se traduz em risco de anemia ferropriva, osteopenia e alterações de ritmo cardíaco, câimbras e fadiga relacionadas a eletrólitos. Em longo prazo, sobretudo se a dieta low-FODMAP ou “sem frutas” se perpetua por anos, a combinação de baixa ingestão de cálcio e vitamina D com baixa atividade física pode contribuir para fragilidade óssea.

O papel potencial da má absorção de frutose na redução de triptofano circulante é um fato, possivelmente mediada por alterações da microbiota e da absorção intestinal, o que pode repercutir sobre humor e sintomas depressivos. 

Do ponto de vista da Nutrologia, essa informação reforça a necessidade de avaliar também a qualidade da ingestão proteica (fontes de triptofano, como ovos, lácteos tolerados, carnes magras e leguminosas bem manejadas), o status de vitamina B6 e B12 e o contexto psicossocial, integrando o cuidado nutricional com psicologia e psiquiatria quando necessário.

## Manejo dietético na intolerância hereditária à frutose


Na IHF, a pedra angular do tratamento é a exclusão rigorosa e vitalícia de todas as fontes de frutose, sacarose e sorbitol da dieta, com foco na prevenção de hipoglicemia, crises metabólicas e lesão crônica de fígado e rins. Isso envolve não apenas eliminar frutas e sucos, mas também identificar e evitar vegetais com alto teor de frutose, mel, doces, bebidas adoçadas, conservas, xaropes, fórmulas infantis, alimentos industrializados e, especialmente, medicamentos que utilizem sacarose ou sorbitol como excipiente. A anamnese medicamentosa e a revisão de rótulos ganham importância crítica nesse cenário.

Diretrizes recentes sugerem que pequenas quantidades de frutose podem ser toleradas em alguns pacientes com IHF (por exemplo, até 40 mg/kg/dia em determinados protocolos), sem exacerbação evidente de parâmetros hepáticos, mas enfatizam que a liberalização deve ser feita com extrema cautela, idealmente em centros especializados. 

Ferramentas como transferrina deficiente em carboidratos (CDT) e quantificação de gordura hepática por ressonância magnética podem auxiliar na monitorização de exposição inadvertida e de esteatose subclínica, mas não substituem o princípio básico da “exposição mínima necessária”. Na prática do consultório geral, a conduta mais segura é manter restrição muito rigorosa e encaminhar casos complexos a serviços de referência em doenças metabólicas.

Do ponto de vista nutricional, o desafio na IHF é duplo: garantir aporte calórico adequado com carboidratos alternativos (glicose, amidos, maltodextrinas) e, ao mesmo tempo, evitar deficiências de micronutrientes decorrentes da exclusão de um amplo grupo de alimentos vegetais. Isso exige trabalho estreito com nutricionista experiente em doenças metabólicas, construção de listas detalhadas de alimentos permitidos e proibidos e, muitas vezes, uso de suplementação vitamínico-mineral individualizada, com atenção especial a vitaminas lipossolúveis, folato, ferro, zinco, cálcio e vitamina D.

Manejo dietético na má absorção de frutose


Na má absorção de frutose, o manejo dietético é mais flexível e centrado em três pilares: 
  1. Redução da carga de frutose livre e polióis, 
  2. Modulação global de FODMAPs quando indicado,
  3. Reintrodução gradual para identificar limiares individuais de tolerância. 
Os artigos reforçam que a redução da ingestão de frutose para níveis tolerados leva rapidamente ao alívio dos sintomas na maioria dos pacientes e que os melhores resultados são obtidos quando outros alimentos facilmente fermentáveis também são excluídos, conforme o conceito de FODMAPs.

Uma estratégia prática é iniciar com uma fase de restrição de curto prazo, de duas a quatro semanas, reduzindo frutose e outros FODMAPs de forma estruturada, seguida de reintrodução gradual e sistemática, com monitorização de sintomas e registro alimentar. 

Ensaios clínicos mostram que pacientes respondedores à dieta low-FODMAP podem, na fase de reintrodução, tolerar até 15 g/dia de frutose sem exacerbação significativa de sintomas, desde que a carga global de FODMAPs da dieta permaneça moderada. Esses dados ajudam a desconstruir a visão de que pacientes rotulados como “intolerantes” precisariam de restrição absoluta e perpétua de qualquer alimento que contenha frutose.

Outro ponto importante é aproveitar os mecanismos fisiológicos favoráveis à absorção. A absorção da frutose é facilitada pela presença de glicose na luz intestinal, o que explica por que muitos pacientes toleram sacarose (molécula composta de glicose + frutose) melhor do que frutose livre. 

Pacientes intolerantes à frutose raramente são intolerantes à sacarose e o uso de glicose imediatamente antes de refeições pode ser uma estratégia para reduzir sintomas em situações pontuais. Pequenas quantidades de frutose consumidas após refeições completas também costumam ser mais bem toleradas do que doses equivalentes em jejum.

Além das estratégias dietéticas, a isomerase de xilose surge como opcional terapêutico adjuvante, capaz de converter frutose em glicose no lúmen intestinal, reduzindo a quantidade de frutose que chega ao cólon e, potencialmente, o volume de gases produzidos.

Microbiota, low-FODMAP e implicações de longo prazo


A dieta low-FODMAP, amplamente utilizada em SII e má absorção de frutose, é efetiva para controle de sintomas, mas não é isenta de efeitos colaterais nutricionais e microbiológicos. A fase de restrição, quando prolongada, está associada à redução significativa de Bifidobacterium spp. na microbiota intestinal, o que preocupa pela associação dessas bactérias com efeito protetor em doenças inflamatórias intestinais e saúde mucosa. 

Embora a diversidade global e a produção de ácidos graxos de cadeia curta pareçam relativamente preservadas no curto prazo, o impacto de anos de restrição FODMAP intensa ainda não é totalmente conhecido.

Felizmente, a literatura recente apontam que essas alterações na microbiota são, em grande parte, reversíveis após reintrodução adequada de FODMAPs, desde que feita de forma gradual e personalizada. A restauração de frutas, vegetais, leguminosas e grãos integrais em quantidades compatíveis com a tolerância individual permite que Bifidobactérias e outros táxons benéficos se restabeleçam, sem perda do controle sintomático na maioria dos pacientes. Isso reforça a importância de ver a low-FODMAP como ferramenta temporária, e não como dieta definitiva.

Por fim, a abordagem da intolerância à frutose no consultório de Nutrologia deve sempre buscar um equilíbrio entre ciência metabólica, fisiologia digestiva e realidade psicossocial do paciente. Em IHF, a prioridade é proteção metabólica rígida, com restrição absoluta de frutose, sacarose e sorbitol, monitorização de fígado, rins e estado nutricional. 

Em má absorção de frutose, a prioridade é controlar sintomas com o mínimo de restrição necessário, preservar ou restaurar diversidade de microbiota, prevenir deficiências de micronutrientes e evitar a cronificação de padrões alimentares restritivos. Se essa lógica for respeitada, a Nutrologia deixa de ser sinônimo de “tirar comida” e passa a ser a especialidade que organiza, com base em evidências, um caminho de volta a uma alimentação variada, nutritiva e compatível com a fisiologia de cada paciente.

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Autores:
Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915
Dra. Christian Kelly Nunes Ponzo - CRM-ES 9683, RQE de Gastroenterologista: 6354, RQE de Nutrologia: 6355

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