Hoje (14/11) comemoramos o dia mundial do Diabetes, uma condição vista como crônica e progressiva, uma jornada de manejo contínuo sem um destino final claro. No entanto, as pesquisas e diretrizes clínicas mais recentes estão reescrevendo essa narrativa.
A ciência revela uma realidade muito mais dinâmica e esperançosa, repleta de estratégias surpreendentes para prevenção, manejo e até mesmo remissão.
A seguir, explorei cinco fatos surpreendentes, baseados nas mais recentes evidências científicas, que estão redefinindo o que significa viver com diabetes tipo 2.
1. Surpresa #1: Diabetes Tipo 2 pode, sim, entrar em remissão.
Contrariando a antiga noção de que o diabetes tipo 2 era uma sentença perpétua, hoje a ciência comprova que a remissão é um objetivo alcançável. É importante diferenciar "remissão" de "cura". Remissão significa que os níveis de glicose no sangue voltaram ao normal (especificamente, uma hemoglobina glicada ou HbA1c inferior a 6,5%) e se mantiveram assim por um período prolongado (pelo menos 12 meses em estudos de referência) sem o uso de medicamentos antidiabéticos.
Os resultados de estudos de grande impacto, observados principalmente em indivíduos com diagnóstico recente, são claros e animadores:
- O estudo DIRECT, um ensaio clínico de referência, demonstrou que uma perda de peso significativa pode reverter o quadro. Entre os participantes que perderam mais de 15 kg, impressionantes 86% alcançaram a remissão do diabetes tipo 2.
- Corroborando essa descoberta, o estudo ADDITION-Cambridge acompanhou pacientes e descobriu que uma perda de peso superior a 10% logo no primeiro ano após o diagnóstico aumentava significativamente a probabilidade de entrar em remissão.
Isso sugere que há uma "janela de oportunidade" no início da doença, onde as células beta do pâncreas ainda podem recuperar sua função se o estresse metabólico causado pelo excesso de peso for revertido. Sempre friso isso para os pacientes, pois, essa informação transforma a perspectiva do tratamento: em vez de se conformar com um "manejo perpétuo", os pacientes agora têm um objetivo concreto, esperança e provavelmente vai se engajar mais no tratamento. Literácia em diabetes é crucial também, para termos um melhor resultado e uma remissão total.
2. Surpresa #2: O foco do tratamento mudou: é sobre proteger seu coração e rins, não apenas baixar o açúcar.
Historicamente, o principal objetivo no tratamento do diabetes tipo 2 era reduzir a hemoglobina glicada (HbA1c), o marcador do controle glicêmico médio. Embora isso continue sendo importante, as diretrizes mais atuais, como a da Sociedade Brasileira de Diabetes (versão que está no site de 2025), revelam uma mudança de paradigma fundamental.
Essa mudança de paradigma foi impulsionada por uma nova geração de estudos clínicos que provaram, de forma inequívoca, que certas classes de medicamentos poderiam reduzir drasticamente o risco de infartos, insuficiência cardíaca e progressão de doença renal. Lembrando que o que mata o diabético são as doenças cardiovasculares (infarto, AVC).
Então, com base nisso, a abordagem moderna tornou-se mais ampla, focada em um objetivo maior:
- A proteção cardiorrenal e o controle da obesidade.
Isso significa que, mesmo que o açúcar no sangue já esteja controlado, esses medicamentos são indicados para proteger os órgãos mais vitais.
O tratamento moderno visa prevenir as complicações que mais impactam a longevidade e a qualidade de vida, como infartos, acidentes vasculares cerebrais e doença renal crônica, não apenas controlar um número no exame de sangue.
3. Surpresa #3: Ficar muito tempo sentado é um fator de risco, mesmo que você se exercite.
Você vai à academia regularmente, mas passa o resto do dia trabalhando em uma mesa? A ciência tem um alerta: reduzir o "tempo sentado" (comportamento sedentário) é uma recomendação de saúde distinta e tão importante quanto a prática de exercícios físicos estruturados.
Eu e o Rodrigo (meu nutricionista) sempre explicamos para os pacientes, que na coxa há um grupamento de músculos denominado de quadríceps. Esse conjunto de músculos, são responsáveis por auxiliar no nosso controle glicêmico. Como ?
O paciente precisa entender que os nossos músculos funcionam como uma grande esponja de açúcar: depois que a gente come, boa parte da glicose que está circulando no sangue é puxada para dentro deles.
E como o quadríceps é um dos maiores grupos musculares do corpo, quanto mais forte e ativo ele é, maior a capacidade do organismo de “guardar” essa glicose de forma segura, em vez de deixá-la sobrando no sangue.
Quando o paciente faz exercícios que envolvem as pernas, como caminhar mais rápido, subir escadas, pedalar, agachar ou usar o leg press na academia, o quadríceps é muito recrutado (solicitado). Durante o movimento, o músculo “abre portas” especiais na sua membrana, que puxam glicose do sangue para dentro da célula muscular para virar energia.
O mais interessante é que esse processo acontece mesmo sem depender tanto da insulina, o que é excelente para quem tem resistência à insulina ou DM 2. Ou seja, o músculo trabalha como uma bomba natural, ajudando a baixar o açúcar no sangue durante e logo após o exercício.
Além disso, depois de um treino de pernas bem feito, o quadríceps fica com os estoques de glicogênio (a forma de reserva da glicose dentro do músculo) parcialmente “esvaziados”. O corpo então entende que precisa repor esse estoque. Nas horas seguintes ao exercício, ele fica mais sensível à ação da insulina e passa a direcionar a glicose que vem da alimentação principalmente para os músculos, e não para o fígado ou para o tecido de gordura.
Na prática, isso significa menos picos de glicemia pós-refeição, menor sobrecarga para o pâncreas e, com o tempo, melhor controle da glicose.
Por isso que eu e o Rodrigo (que além de nutricionista é Profissional da Educação física) frisamos que treinar pernas com regularidade melhora a saúde do corpo como um todo, mas principalmente o contole glicêmico.
Músculos mais ativos e fortes consomem mais energia ao longo do dia, mesmo em repouso, e ajudam a reduzir o acúmulo de gordura e a inflamação de baixo grau, que estão ligados à resistência à insulina. Durante a atividade física, o músculo libera substâncias chamadas miocinas, que conversam com outros órgãos e ajudam a regular o metabolismo. Isso se traduz em melhor controle da glicemia de jejum, da glicose após as refeições e, a longo prazo, em melhores resultados em exames como a hemoglobina glicada;
É por isso que tantos programas de tratamento de pré-diabetes e diabetes valorizam o fortalecimento de membros inferiores. Caminhadas em ritmo mais acelerado, bicicleta, exercícios de subir e descer degraus, agachamentos adaptados e treinos orientados de perna na academia podem ser ajustados para quase todas as idades e níveis de condicionamento. Não se trata de virar atleta, mas de entender que o seu quadríceps não é só um músculo para andar ou subir escada: ele é uma ferramenta poderosa de controle do açúcar no sangue. Cuidar bem das pernas, mantê-las ativas e fortes, é uma das formas mais inteligentes e naturais de proteger sua saúde metabólica.
Uma metanálise citada na Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) demonstrou de forma conclusiva que o tempo prolongado que uma pessoa passa sentada está associado a desfechos adversos, como maior risco de doença cardiovascular e de desenvolver DM2, independentemente do nível de atividade física que ela pratica. Em outras palavras, o exercício regular não anula completamente os malefícios de passar horas seguidas sentado.
A recomendação prática e acionável da SBD é clara: interromper o tempo sentado a cada 30 minutos. Isso é particularmente relevante na era do trabalho em escritório e home office. O foco da saúde metabólica se expande de "apenas ir à academia" para a necessidade de incorporar movimento ao longo de todo o dia, transformando pequenas pausas em poderosas ferramentas de prevenção.
4. Surpresa #4: A quantidade de sono importa e tanto a falta quanto o excesso são prejudiciais.
Dieta e exercício são os pilares clássicos do estilo de vida saudável, mas um terceiro pilar, muitas vezes subestimado, é igualmente crucial: o sono. A ciência agora distingue os efeitos do sono em dois cenários diferentes: a prevenção da doença e o manejo de suas complicações.
- Para quem já tem diabetes tipo 2, um estudo de grande porte (UK Biobank) demonstrou que durações de sono curtas (≤ 5 horas) e longas (≥ 10 horas) estavam associadas a um risco significativamente maior de eventos cardiovasculares e morte, em comparação com o sono ideal de sete horas.
- Para a população geral, outras evidências confirmam que dormir menos de 7 horas ou mais de 9 horas também eleva o risco de desenvolver a doença em primeiro lugar.
Essa descoberta amplia o conceito de autocuidado. A higiene do sono: criar uma rotina regular, garantir um ambiente escuro e silencioso, e priorizar a quantidade ideal de descanso, isso pode ser uma ferramenta, acessível e sem custo para o controle e a prevenção do diabetes.
5. Surpresa #5: Apenas exercício, mesmo sem alterar a dieta, já reduz drasticamente o risco futuro.
Uma das descobertas mais poderosas e talvez contraintuitivas da ciência recente é o poder intrínseco do exercício físico, isolado de outras mudanças no estilo de vida. Um estudo com 10 anos de acompanhamento ("Effect of Moderate and Vigorous Aerobic Exercise on Incident Diabetes") foi desenhado especificamente para isolar esse efeito.
Durante a intervenção de 12 meses, os participantes foram instruídos a não alterar suas dietas. O objetivo era medir exclusivamente o impacto da atividade física na prevenção do diabetes a longo prazo. Os resultados, uma década depois, foram notáveis:
- Em comparação com o grupo controle (sem exercício), o risco de desenvolver diabetes ao longo de 10 anos foi reduzido em 53% no grupo de exercício moderado e em 49% no grupo de exercício vigoroso.
Notavelmente, o benefício do exercício moderado foi ligeiramente superior ao do vigoroso, reforçando que a consistência na atividade física é um fator preventivo de imenso poder, acessível a um público ainda mais amplo. Este achado demonstra o poder inerente da atividade física na regulação metabólica e oferece uma via de ação potente para a prevenção, mesmo para indivíduos que encontram dificuldades em aderir a mudanças dietéticas rigorosas.
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui.

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