Fadiga Adrenal: 5 razões pelas quais os médicos alertam que ela não existe (e o risco de acreditar nesse mito)
O Cansaço Nosso de Cada Dia
A sensação de cansaço, estresse e baixa energia é uma queixa quase universal na vida moderna. Em busca de respostas para esse esgotamento constante, muitas pessoas recorrem à internet e encontram um termo que parece explicar tudo de forma simples: "fadiga adrenal".
A popularidade do conceito é inegável. Uma pesquisa rápida revela mais de 114.000 resultados para "fadiga adrenal" em português e impressionantes 2.370.000 para "adrenal fatigue" em inglês. No entanto, apesar de sua onipresença online, a comunidade médica e as principais sociedades de endocrinologia rejeitam categoricamente essa ideia. Pior ainda, o mito já extrapolou a internet: hoje, no Brasil, existem mais profissionais de saúde recebendo formação sobre a suposta existência da doença em "cursos" e "palestras" do que aqueles que aprendem que ela não é comprovada.
Caso queira ler mais sobre fadiga, há alguns posts aqui no blog:
- Cansaço crônico: Um dos sintomas que mais aparece no consultório: https://www.ecologiamedica.net/2020/02/cansaco-cronico-um-dos-sintomas-que.html
- Fadiga versus síndrome da fadiga crônica: https://www.ecologiamedica.net/2024/03/fadiga-x-sindrome-da-fadiga-cronica.html
- Síndrome da fadiga crônica (Encefalomielite miálgica): https://www.ecologiamedica.net/2022/06/sindrome-da-fadiga-cronica.html
- [Conteúdo exclusivo para médicos] - Cansaço, fadiga e/ou fraqueza: queixa comum no consultório do Nutrólogo: https://www.ecologiamedica.net/2022/03/conteudo-exclusivo-para-medicos-cansaco.html
Os 5 Pontos de Alerta sobre a "Fadiga Adrenal"
1. Não é um diagnóstico médico real
A afirmação mais direta e importante é esta: "fadiga adrenal" não é uma condição médica reconhecida. Nenhuma sociedade de endocrinologia no mundo jamais comprovou ou aceitou sua existência como um diagnóstico válido. Os poucos estudos que utilizam o termo são de baixa qualidade metodológica e não atendem aos padrões mínimos de evidência científica, falhando em sequer propor uma causa para a suposta condição.
A Endocrine Society, uma das organizações médicas mais respeitadas globalmente, é inequívoca em seu posicionamento:
"A fadiga adrenal não é uma condição médica real. Não existem fatos científicos para suportar a teoria de que estresse físico, mental ou emocional esgote as glândulas adrenais e cause sintomas."
Essa falta de reconhecimento oficial significa que não existem critérios científicos padronizados para o diagnóstico. Isso abre portas para que profissionais usem métodos sem embasamento, criando uma "doença" onde ela não existe.
2. Os "sintomas" são tão vagos que servem para qualquer um
O termo foi cunhado em 1998 pelo naturopata James Wilson e popularizado através de um questionário com perguntas extremamente genéricas. Os sintomas listados são tão abrangentes que se aplicam a uma vasta parcela da população que vive a rotina agitada do século XXI.
Considere alguns exemplos dos "sintomas" propostos:
* Cansado sem razão aparente.
* Dificuldade em acordar de manhã.
* Necessidade de café ou doces para ter energia.
* Sentindo-se para baixo ou estressado.
Como esses sentimentos são extremamente comuns, o "diagnóstico" se torna uma armadilha, enquadrando pessoas saudáveis, mas cansadas, como portadoras de uma doença inexistente. É crucial destacar que o questionário de Wilson jamais foi validado cientificamente. Em contraste, a ciência utiliza ferramentas rigorosamente testadas, como o questionário SF-36 Vitality Scale, para medir o grau de fadiga de forma objetiva, demonstrando a diferença entre um instrumento clínico e uma ferramenta de marketing.
3. Os "testes" usados não são cientificamente válidos para este fim
Os defensores da "fadiga adrenal" frequentemente utilizam testes como o ritmo de cortisol salivar ou o cortisol sérico basal para firmar o diagnóstico. O problema não está apenas nos testes em si, mas nos critérios inventados para interpretá-los, com valores de referência que "diferem completamente da prática endocrinológica usual".
Em contraste, endocrinologistas usam testes funcionais robustos e bem estabelecidos para avaliar a real capacidade das glândulas adrenais, como o teste de estímulo com cortrosina (que avalia diretamente a reserva adrenal) ou o teste de tolerância à insulina (que mede a resposta do corpo a um estresse controlado). Estes são os métodos reconhecidos pela ciência para verificar se há, de fato, um problema hormonal.
O ponto central é que esses testes não validados não medem a verdadeira capacidade de reserva da glândula adrenal e, portanto, não podem determinar a causa da fadiga. Alterações nos níveis de cortisol tendem a ser uma consequência do cansaço, e não a sua causa. Um exemplo claro é a depressão maior, que pode alterar o ciclo do cortisol. Tratar o hormônio com base em testes inválidos não resolve a raiz do problema.
4. O "tratamento" proposto pode ser perigoso
O tratamento mais comum para a suposta "fadiga adrenal" é o uso de corticoides, como a hidrocortisona, em doses ditas "fisiológicas". Muitos pacientes relatam uma sensação temporária de bem-estar, mas isso não significa a cura de uma doença. Esse efeito é uma ação do próprio fármaco, que pode aumentar a disposição a curto prazo em qualquer pessoa.
O perigo real está nos riscos associados ao uso de corticoides, mesmo em doses baixas. O tratamento desnecessário aumenta o risco de problemas cardiovasculares e de osteoporose.
A experiência de pacientes que acreditaram no diagnóstico ilustra os perigos. Um relato anônimo em um blog médico descreve o caso de uma paciente que, após três meses de tratamento com hidrocortisona, não teve melhora alguma da fadiga. Em vez disso, desenvolveu estrias roxas pelo corpo, rosto arredondado, espinhas, pressão alta e glicemia alterada — sinais clássicos do excesso de corticoide no organismo.
5. Você pode estar ignorando uma doença de verdade
Os sintomas de cansaço e esgotamento são reais e merecem atenção médica séria. O maior perigo de aceitar um diagnóstico falso como "fadiga adrenal" é perder tempo precioso que poderia ser usado para investigar e tratar a causa real do problema.
Muitas condições médicas verdadeiras podem se manifestar com sintomas semelhantes. Ao focar em uma "doença fictícia", o diagnóstico correto pode ser adiado, com consequências potencialmente graves. Algumas das verdadeiras causas que podem estar por trás do cansaço incluem:
1. Síndrome da apneia obstrutiva do sono
2. Insuficiência adrenal (a doença real, que é rara e grave)
3. Depressão, ansiedade e outros diagnósticos de saúde mental
4. Trabalho excessivo (Burnout)
5. Hipotireoidismo
6. Anemia
7. Doenças autoimunes
É muito melhor investigar a fundo com um médico qualificado, mesmo que seja frustrante não encontrar uma causa imediata, do que se distrair com o tratamento de uma condição que não existe.
Conclusão: Mais Estudo, Menos Divulgação
Em resumo, a "fadiga adrenal" é um conceito que carece de comprovação científica. Seus sintomas são vagos, os testes usados para diagnosticá-la não são validados para esse fim, o tratamento proposto é arriscado e, o mais grave, o falso diagnóstico pode mascarar doenças reais.
Como conclui o endocrinologista Dr. Flávio A. Cadegiani em seu artigo sobre o tema, a postura correta diante do assunto deveria ser: "Mais estudo, menos divulgação, por enquanto, é a palavra de ordem."
Antes de aceitar um rótulo popular da internet para o seu cansaço, você já conversou com um médico sobre as verdadeiras causas do que está sentindo? A sua saúde merece uma investigação baseada em ciência, e não em mitos.
Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915 - Gostou do texto e quer conhecer mais sobre minha pratica clínica (presencial/telemedicina), clique aqui.

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