Mostrando postagens com marcador cognição. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador cognição. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 29 de agosto de 2023

Óleos essenciais durante o sono talvez possam melhorar a cognição (memória verbal) de idosos saudáveis



Em uma pesquisa controlada randomizada, os pesquisadores constataram que a exposição de idosos com função cognitiva normal ao aroma de óleos essenciais durante duas horas por noite ao longo de seis meses levou a uma melhora de 226% na memória, em comparação com um grupo controle que foi exposto a apenas uma quantidade ínfima do aroma.

Além disso, imagens de ressonância magnética funcional mostraram que os participantes submetidos ao "estímulo olfativo" apresentam uma melhora do funcionamento do fascículo uncinado esquerdo, uma área cerebral ligada à memória e à cognição, que normalmente passa por uma perda funcional gradual com o avançar da idade.

"Até onde sei, esse nível de melhora [da memória] é muito maior do que o observado em qualquer intervenção em idosos saudáveis. Além disso, também identifcamos a melhora significativa de uma via cerebral relacionada à memória em comparação com os idosos que não foram submetidos ao estímulo olfativo", disse ao Medscape o pesquisador sênior Dr. Michael Leon, Ph.D., professor emérito da University of California, nos EUA.

O estudo foi publicado on-line em 24 de julho no periódico Frontiers of Neuroscience: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnins.2023.1200448/full

A ‘supervia’ cerebral

O estímulo olfativo "é a exposição diária de indivíduos a vários aromas". Estudos com camundongos indicam que a técnica melhora a memória e a neurogênese, segundo os pesquisadores.

Um estudo anterior demonstrou que a exposição diária a óleos essenciais por 30 minutos durante três meses induziu a neurogênese no bulbo olfatório e no hipocampo.

"O sistema olfatório é o único sentido com uma 'supervia' direta [desde os receptores de estímulos olfativos] até as áreas cerebrais relacionadas aos centros de memória. Todos os outros sentidos só conseguem acessar essas áreas cerebrais através do que podemos chamar de 'vias cerebrais secundárias', e, portanto, têm muito menos impacto na manutenção da saúde desses centros de memória."

Quando o olfato é comprometido, "os centros de memória do cérebro começam a se deteriorar e, de forma oposta, quando alguém é submetido ao enriquecimento olfativo, suas áreas de memória se tornam maiores e mais funcionais", acrescentou o pesquisador.

A disfunção olfatória é o primeiro sintoma da doença de Alzheimer e também é encontrada em praticamente todos os distúrbios neurológicos e transtornos psiquiátricos.

"Contabilizei 68 entidades clínicas [relacionadas a alterações olfatórias], como anorexia, ansiedade, [transtorno de déficit de atenção/hiperatividade], depressão, epilepsia e acidente vascular cerebral. Na verdade, quando um indivíduo chega à meia-idade, podemos predizer a mortalidade por todas as causas desse paciente apenas com base na sua capacidade olfatória", disse o Dr. Michael.

Ele e sua equipe desenvolveram um tratamento eficaz para o autismo usando um enriquecimento ambiental focado na estimulação com aromas, além de estimular outros sentidos. "A partir desse momento, passamos a considerar a possibilidade de que o enriquecimento olfativo isolado pudesse melhorar a função cerebral."


Rosa, laranja, eucalipto e muito mais

No estudo, os pesquisadores selecionaram aleatoriamente 43 idosos de 60 a 85 anos para serem expostos no período noturno a aromas de óleos essenciais por meio de um difusor (n = 20; média de idade [desvio padrão] de 70,1 [6,6] anos) ou para participarem de um grupo controle com apenas uma quantidade mínima de aromas (n = 23; média de idade de 69,2 [7,1] anos) durante um período de seis meses.

O grupo experimental foi exposto a um único aroma por noite, dispersado no ambiente por meio de um difusor, durante duas horas todas as noites. Foram utilizados sete aromas agradáveis, alternados semanalmente: 
  • Óleo essencial de rosas
  • Óleo essencial de laranja
  • Óleo essencial de eucalipto
  • Óleo essencial de limão
  • Óleo essencial de hortelã-pimenta
  • Óleo essencial de alecrim
  • Óleo essencial de lavanda
Todos os participantes foram submetidos a uma bateria de testes no início do estudo, dentre eles o Miniexame do Estado Mental, que confirmou a normalidade da função cognitiva. 

No início do estudo e após um acompanhamento de seis meses, os participantes foram submetidos ao Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (TAAVR) e a três subconjuntos da terceira edição da Escala de Inteligência Wechsler para Adultos (EIWA-III).

A função do sistema olfatório foi avaliada por meio de um teste padronizado de avaliação do olfato (também conhecido como " Sniffin Sticks "), possibilitando que os pesquisadores determinassem se o estímulo olfativo teria melhorado o desempenho olfativo.

Os participantes foram submetidos à ressonância magnética funcional no início do estudo e após seis meses.

As imagens de ressonância magnética cerebral demonstraram uma "diferença clara e estatisticamente significativa de 226% entre os idosos submetidos ao enriquecimento olfativo e os idosos do grupo controle no desempenho no TAAVR, que avalia o aprendizado e a memória (interação grupo x ponto temporal; F = 6,63; P = 0,02; d de Cohen = 1,08; com um "grande tamanho de efeito").

Também foi detectada uma mudança significativa na difusividade média do fascículo uncinado esquerdo no grupo experimental em comparação com o controle (interação grupo x ponto temporal; F = 4,39; P = 0,043; h2p = 0,101; com um "tamanho de efeito médio").

O fascículo uncinado é considerado uma "via neural principal", conectando a amígdala basolateral e o córtex entorrinal ao córtex pré-frontal. Essa via se deteriora com o envelhecimento e em pacientes com Alzheimer. Além disso, "existem indícios de que ela desempenhe um papel na mediação da memória episódica, da linguagem e do processamento socioemocional, além da seleção de memórias concorrentes durante a evocação".

Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos com relação à capacidade olfativa.

Uma das limitações do estudo foi o tamanho reduzido da amostra. Os pesquisadores esperam que os achados "estimulem [a realização de] ensaios clínicos de grande porte para testar sistematicamente a eficácia terapêutica do enriquecimento olfativo no tratamento da perda de memória em idosos".

Resultados animadores, mas ainda preliminares 

Convidado a comentar o estudo pelo Medscape, o Dr. Donald Wilson, Ph.D., professor de psiquiatria pediátrica, neurociência e fisiologia, vinculado ao Child Study Center do NYU Langone Medical Center, nos EUA, disse que vários estudos "demonstraram que problemas relacionados ao olfato estão associados a alterações neurológicas/psiquiátricas e em alguns casos podem preceder outros sintomas de diversos distúrbios/transtornos, como o Alzheimer, a doença de Parkinson e a depressão”.

Pesquisas recentes sugeriram que essa relação possa ser "bidirecional", ou seja, a perda do olfato pode estimular a depressão e o transtorno depressivo pode levar a prejuízos no olfato, disse o Dr. Donald, que também é diretor e pesquisador sênior do Emotional Brain Institute, parte do Nathan Kline Institute for Psychiatric Research, nos EUA, e não participou do estudo.

Essa "interação bidirecional" pode levantar a possibilidade de que "a melhora do olfato possa repercutir em distúrbios não olfativos".

O artigo “agrega” achados de pesquisas anteriores para mostrar que o uso de aromas durante o sono pode melhorar alguns aspectos da função cognitiva e de circuitos cognitivos sabidamente importantes para a memória e a cognição, o que o Dr. Donald chamou de “um achado muito animador, embora ainda relativamente preliminar”.

Uma ressalva é que várias medidas da função cognitiva foram avaliadas e apenas uma (memória verbal) apresentou melhora substancial.

No entanto, existe "um interesse atual muito forte nos aspectos olfativos e não olfativos do treinamento olfatório, e a intervenção mostrada no estudo expande as possibilidades de treinamento durante o sono. Essa pode ser uma ferramenta poderosa na melhora e/ou na recuperação da função cognitiva se estudos longitudinais confirmarem esses achados", disse o Dr. Donald.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Ingestão de sal pode causar comprometimento cerebral independente de hipertensão

Aumento do sal, diminuição da função cognitiva

A grande ingestão de sal pode ter uma repercussão surpreendente na memória e no funcionamento cognitivo, independentemente do seu efeito sobre a pressão arterial, de acordo com um estudo com modelo animal publicado no periódico Nature Neuroscience.[1]

Depois de apenas algumas semanas, ratos alimentados com uma dieta rica em sódio apresentaram redução importante do fluxo sanguíneo para regiões do cérebro associadas ao aprendizado e à memória. Os ratos tiveram dificuldade de construir um ninho e lutaram para encontrar o caminho para sair de labirintos, visto que essa diminuição do fluxo sanguíneo parece comprometer tanto a cognição quanto a memória espacial.

Os pesquisadores – uma equipe da Weill Cornell Medicine, de Nova York – alimentaram os ratos com o equivalente a cerca de 6.000 mg de sal por dia com uma dieta humana. Em comparação, os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA recomendam que os norte-americanos limitem a ingestão de sal a cerca de 2.300 mg por dia, como parte de um plano de alimentação saudável.[2] De acordo com a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, a maioria de nós come quase 50% mais do que isso.

Embora a hipertensão, associada à ingestão elevada de sal, possa levar ao aumento do risco de acidente vascular cerebral e a demência[3], o primeiro autor, Dr. Costantino Iadecola, médico e diretor do Feil Family Brain and Mind Research Institute e Anne Parrish Titzell Professor of Neurology na Weill Cornell Medicine, não acredita que isto seja o que causou o declínio cognitivo observado no estudo.

“Essa foi a surpresa”, disse o pesquisador. “Verificamos que alimentar os ratos com uma dieta com alto teor de sal (8 a 16 vezes a dieta normal), o que corresponde aos mais altos níveis de consumo de sal nos seres humanos, é o que resulta na disfunção cognitiva. Os efeitos nocivos do sal sobre o cérebro são independentes do aumento da pressão arterial. Portanto, é a alta ingestão de sal na alimentação por si só que prejudica a função cerebral”.

O Dr. Iadecola acrescentou que há evidências na literatura corroborando a ideia de que estes resultados também se aplicam aos seres humanos.[4]

“Estudos epidemiológicos citados no nosso artigo demonstraram uma ligação significativa entre a ingestão de excesso de sal na alimentação e a doença cerebrovascular, o declínio cognitivo e a demência”, disse o pesquisador.

Resposta imunitária e o eixo intestino-cérebro

Os pesquisadores descobriram que os ratos que ingerem uma dieta rica em sal montaram uma resposta imunitária intestinal que aumentou os níveis de leucócitos. Isto teve um impacto negativo em outras células imunitárias, ao mesmo tempo aumentando a proteína interleucina-17 (IL-17), que diminui os níveis de uma substância fundamental para a saúde circulatória, o óxido nítrico.[4]

“Este efeito decorre do acúmulo no intestino de uma classe especial de linfócitos denominada células TH17, que produzem grandes quantidades de IL-17”, disse o Dr. Iadecola.

“A IL-17 entra na circulação sanguínea e compromete as células endoteliais no cérebro, que revestem os vasos sanguíneos cerebrais, e suprime a produção de óxido nítrico. A perda do óxido nítrico diminui a oferta de sangue para o cérebro e causa lesão neuronal, o que levará ao comprometimento cognitivo”.

O autor acrescentou que as bactérias do intestino também podem desempenhar um papel nesta reação imunitária mediada pelo sal, porque um estudo humano anterior havia observado o efeito direto delas sobre os linfócitos no intestino.[5]

Segundo o Dr. Iadecola, a conexão intestino-cérebro também pode ser prejudicada por outros fatores, como a gordura saturada, o açúcar e os adoçantes artificiais.

“Essa é uma possibilidade, mas ainda precisa ser determinado se esses fatores alimentares são prejudiciais ao serem absorvidos no intestino, entrarem na circulação e agirem diretamente nos vasos sanguíneos do cérebro, ou por induzirem uma resposta imunitária que resulta em efeitos nocivos, como descobrimos que é definitivamente o caso do sal na alimentação”, explicou.

Inibidor reverte o efeito

Para determinar que foram os altos níveis de IL-17 induzidos pelo sal, e não a hipertensão, que causaram o declínio cognitivo, Dr. Iadecola e colaboradores administraram para os ratos que comiam a dieta com alto teor de sal uma substância denominada inibidor Y27632 ROCK. Esta substância diminuiu os níveis da IL-17, o que fez com que os ratos voltassem a apresentar comportamento e cognição quase normais.

Por mais que isto possa ser promissor, existe uma diferença importante entre administrar essa substância para ratos ou para os seres humanos, de acordo com o Dr. Iadecola.

“Não sabemos se os danos nos seres humanos que têm consumido grande quantidade de sal na alimentação durante toda a vida são irreversíveis, comparado a apenas algumas semanas dos ratos”.

Sal a menos também poderia ser um problema
De acordo com o Dr. Michael Harrington, diretor de neurociência na Huntington Medical Research Institutes, em Pasadena, Califórnia, "o grupo de estudos Nowak[6] ] com humanos idosos foi feito com dosagens do sódio sérico e, embora os resultados sejam distorcidos em relação ao que seria a distribuição normal da população, eles mostram que níveis muito baixos ou muito altos de sódio no sangue não são bons para a função cognitiva e também se correlacionam à piora da função cognitiva”.

Entretanto, o Dr. Harrington ficou fascinado com as conclusões do estudo. “O grupo de ratos do Dr. Iadecola tem essa intrigante conexão intestino-cérebro, na qual o aumento do sal alimentar no intestino causa lesões aos capilares cerebrais por mediação imunológica, resultando em deterioração cognitiva. É incrivelmente interessante como a fisiologia mecanicista ficando um pouco fora de controle pode causar danos cerebrais”.

Isso reforça o arcabouço de pesquisas mostrando que a alimentação é um fator poderoso que influencia a saúde cognitiva. “Sabemos que uma dieta saudável é essencial para alguém com demência conseguir manter uma boa qualidade de vida e também evitar a perda de peso corporal, um efeito colateral comum do tratamento da demência, bem como das doenças neurológicas subjacentes”, disse Deborah R. Gustafson, PhD, professora do Departamento de Neurologia da State University of New York.

Deborah acredita que moderar a ingestão de sal é aconselhável, nem que seja apenas para prevenir o declínio cognitivo relacionado com a hipertensão. “Como a ingestão elevada de sal na alimentação está associada à hipertensão, pelo menos entre as pessoas sensíveis ao sal, então a maior ingestão de sal poderia estar associada a problemas cognitivos. Os dados observacionais são muito sistemáticos para a associação entre o risco de hipertensão na meia-idade com a demência”.

De acordo com um artigo de 2010 no American Journal of Hypertension[7], as lesões da substância cerebral causadas pela hipertensão de longa data estão associadas ao comprometimento cognitivo.

Dr. Iadecola conclui que, embora o papel pleno do sal na doença de Alzheimer e no declínio cognitivo esteja apenas começando a ser descoberto, “doenças específicas à parte, acredito que moderar a ingestão de sal é uma prática necessária para manter o cérebro saudável e evitar doenças cerebrais, especialmente nas populações em risco, como as pessoas com fatores de risco cardiovascular (diabetes, hipertensão, etc.), esclerose múltipla e doença inflamatória intestinal”.