quinta-feira, 24 de março de 2022

Fitoterápicos para emagrecimento - O que são? Onde nascem? O que fazem no nosso corpo?



Será que realmente existe algum fitoterápico para emagrecimento?

Em 2008 quando me formei, fui morar na Chapada dos Veadeiros, mais precisamente em Alto Paraíso de Goiás. Um sonho de adolescência, que tomou força durante os últimos 2 anos de faculdade. Então fui, com a cara e a coragem. Nunca tinha pisado na cidade. Foi uma ótima experiência, principalmente do ponto de vista médico. 

Sempre gostei de plantas, principalmente de estudar os benefícios dos vegetais na saúde humana. Aos 15 anos comprei meu primeiro livro de plantas. Na época já sabia que faria medicina, porém não via o livro com um ar médico/científico. Era algo meio místico, afinal era um livro de Paracelso. O título por si só já era algo nada científico: As plantas mágicas - botânica oculta.

Afinal para um adolescente, filho de um reumatologista cartesiano, falar em "poder das plantas" em 1998, era uma heresia. Meu pai era prescritor de corticóides, antiinflamatórios, imunonusupressores. Plantas como agente farmacológico era algo nebuloso no meu lar, pior ainda um livro de Paracelso. 

Lá fui eu, ler o livro. Gostei, mas sentia que se um dia eu quisesse prescrever plantas, aquele não era o caminho. A planta não podia ser mística, a planta obrigatoriamente deveria ser um amontoado de substâncias orgânicas, com ação em órgãos e tecidos. Ou seja, a planta deveria ser um fitoterápico, no qual o princípio ativo idealmente seria extraído e então entregue ao consumidor. 

Comprei outros livros e ao longo da faculdade fui lendo. Ainda leio e quanto mais eu leio, mais medo eu tenho de prescrever plantas. Hoje, aos 39 anos, não as enxergo como mágicas, inofensivas. Hoje eu sou prescritor, tenho um olhar médico. Por isso, afirmo categoricamente, quanto mais estudo fitoterapia, mais medo eu tenho. Mais percebo que preciso me aprofundar no tema e esperar que a ciência progrida nos estudos. 

Veneno de cobra, cocaína são naturais. Assim como plantas. Nem por isso deixam de ter seus riscos. A diferença entre o remédio e o veneno está na dose, já dizia Paracelso, (1493-1541) aquele médico, alquimista e filósofo suíço, autor do livro que li aos 15 anos. 

Quando morei na Chapada, um dos meus intentos era aprender com os nativos do cerrado, um pouco sobre fitoterapia. Então, já médico, eu me despi dos meus preconceitos e me permiti ouvir os nativos, em especial os ensinamentos dos Quilombolas Kalungas. Conhecimentos passados de geração para geração. Algo que contrastava com o que eu tinha estudado nos últimos 6 anos de faculdade. Aprendi bastante, mas, prescrever são outros 500, afinal, tenho amor ao meu CRM rs.

Final de 2008 quando retornei para Goiânia, comecei a atender em uma empresa e recebia visita dos representantes farmacêuticos. Foi meu primeiro contato com a indústria magistral (manipulação). Lembro que tinha uma pastinha sanfonada e nela guardava as lâminas que recebia de inúmeras farmácias. 

TODO DIA era uma lâmina diferente, principalmente com fitoterápicos. Promessas e mais promessas de efeito no emagrecimento. De 2008 a 2022 eu vi muita coisa, a diferença é que hoje eu rio na cara dos propagandistas. Eles tentam me "vender" o peixe deles, por educação ouço, mas depois faço algumas perguntas difíceis. Infelizmente, não sabem responder. Nem quando são farmacêuticos, quem dirá quem não tem formação na área (que é a maioria). 

A história se repete, ano após ano. Elegem alguma substância, financiam estudos repletos de falhas metodológicas, manipulam os resultados e está feito o bolo. Novo fitoterápico altamente promissor no emagrecimento. O médico recém-formado, assim como nutricionistas, acreditam e começam a prescrever. A farmácia lucra. E o ciclo recomeça, talvez no próximo ano, ou até mesmo no próximo semestre. 

Hoje olho e acho uma piada, sinto até compaixão da credulidade dos meus coleguinhas. A falta de crivo combinada a ingenuidade e muitas vezes uma vontade de prescrever algo inovador pro paciente. 

Então hoje, no meu globo repórter falaremos sobre os fitoterápicos de emagrecimento. 

O que são?
Onde nascem?
O que fazem no nosso corpo?
Como nos fazem perder gordura, emagrecer e sustentar essa perda de peso?

Primeiramente, devemos falar sobre o que seria uma substância ideal quando se trata de emagrecimento?

O remédio ideal deve:
1 - Estimular a quebra da gordura
2 - Induzir a queima da gordura
3 - Reduzir o apetite
4 - Aumento do gasto energético
5 - Ter o mínimo de efeitos colaterais ou adversos
6 - Ter bom custo benefício
7 - Evitar o reganho do peso eliminado
8 - Manter o peso do paciente dentro da meta recomendada de acordo com as comorbidades existentes 
9 - Evitar a progressão e surgimento de outras condições crônicas

Existe remédio (medicamento) com todos esses requisitos? Não.

Você acha que existirá um fitoterápico? Se existe, corra e conte pra Indústria farmacêutica. Eu te garanto que você ficará bilionário, ganhará um Nobel, entrará para os anais da medicina. 

Você acha mesmo, que se existisse algum fitoterápico com ação no emagrecimento a própria indústria farmacêutica já não teria patenteado e estaria por aí vendendo? 

A indústria gasta bilhões para investigar uma droga e o que até o momento consegue produzir são drogas que até conseguem inibir o apetite, estimular o gasto energético, mas com um custo alto ou com efeitos colaterais muitas vezes intoleráveis. 

Mas na crença de alguns, a farmácia de manipulação da esquina, tem uma plantinha ótima para te ajudar a emagrecer.

Teremos:
  • Um médico ou nutricionista "ingênuo" para te prescrever.
  • Você disposto a pagar, iludido achando que emagrecerá graças à plantinha.
  • E um outro profissional que em breve você recorrerá. 
  • O ciclo recomeçará. 
Deixa eu te contar uma coisa bem básica? Para que haja o emagrecimento, deve-se estimular a quebra dos triglicerídeos (lipólise) que estão dentro do adipócito e utilização de gordura como fonte de energia (beta-oxidação). 

Se houver apenas a lipólise sem a beta-oxidação, essa gordura não é utilizada para produção de energia e é armazenada no fígado.

Mas o processo de emagrecimento vai muito além de lipólise e beta-oxidação. A gênese da obesidade é multifatorial e o bom profissional está ciente disso. 

Existe fitoterápico que age na lipólise? Sim. 
Existe  fitoterápico que pode agir na beta-oxidação? Sim.
Que age nos 2 mecanismos de forma eficaz ? Não.
Existe fitoterápico que pode reduzir levemente o nível de ansiedade? Sim.
Existe fitoterápico que pode melhorar a insônia? Sim.
Existe fitoterápico que pode aumentar a disposição ou adaptar a pessoa a situações de estresse? Sim.
Existe fitoterápico que pode melhorar a saciedade? Sim.
Existe fitoterápico que pode auxiliar na motilidade intestinal? Sim.
Existe fitoterápico que pode reduzir levemente a retenção hídrica? Sim. 

Para a lipólise

Os alcalóides (compostos orgânicos extraído de algumas plantas) da família das metilxantinas, atuam na lipólise (via inibição de fosfodiesterase em adipócitos).

Mas o efeito clínico disso é bem pequeno. Diferente de drogas noradrenérgicas (anfempramona, femproporex) que tem efeitos mais proeminente na lipólise e também na inibição da fome.

As metilxantinas são alcalóides com alto poder estimulador do sistema nervoso central, encontradas principalmente no café, chá, guaraná e cacau), como a cafeína, teobromina e teofilina

No que tange a betaoxidação

Por exemplo, as catequinas, presentes na Camellia sinensis (chá verde, branco), capsinoides (como o capsiato presente em algumas pimentas), capsaicinóides (como a capsaicina presente nas pimentas), quercetina (cebola, brócolis, maçã) e resveratrol (uvas, vinho tinto, amendoim) possuem ações relativas a aumento da expressão mitocondrial. Ou seja, há indícios de aumento da beta-oxidação com o consumo deles. 

Isso é mensurado a partir do aumento de marcadores urinários de oxidação dos ácidos graxos, mas sem efeito clínico significativo. Por isso a gente pede para o paciente incluir esses alimentos na dieta. 

Tem fitoterápico que vai isoladamente te fazer emagrecer? Não.

Resumindo: fitoterápico para emagrecimento existe em Nárnia. 

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-GO 13192 - RQE 11915

7 comentários:

Unknown disse...

Excelente texto.

Pabline disse...

Que texto maravilhoso doutor!

Saulo Abreu disse...

Sinceramente, não sei o que passa na cabeça de alguns profissionais que prescrevem morosil e cactínea. Dois ativos sem evidência científica nenhuma e caros. Texto mega necessário. Parabéns ! Por mais nutrólogos como vc.

Anônimo disse...

Dr mas as vezes os médicos prescrevem vários fitoterapicos com ações diversas, com isso pode tratar a obesidade. Não ?

Leandro disse...

Post mega necessário !

Silvio Diego disse...

Sensatez tem nome, Dr. Frederico Lobo!
Amei. Parabéns

Anônimo disse...

Brilhante o texto. Parabéns doutor.

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