segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Dores crônicas: os desafios do educador físico para recuperar a saúde do atleta

 No ambiente esportivo, seja ele amador ou profissional, a busca por otimização do rendimento é uma constante. Atletas de todos os níveis tentam superar suas marcas a cada treinamento. Mas nem sempre os resultados atendem as expectativas. É comum a ocorrência de lesões e dores crônicas quando a intensidade dos exercícios aumenta bruscamente.

Em casos assim, a atuação do profissional de educação física é fundamental. E uma das ferramentas que podem auxiliar a recuperação da saúde do atleta é a combinação entre reabilitação neuromuscular e treinamento funcional.

Personalizar o atendimento é um dos principais desafios para quem trabalha com educação física. Isso porque, aos poucos, o público se dá conta de que circuitos padronizados e repetitivos (comuns em academias) não têm ajudado a atingir ou manter resultados competitivos no esporte.

Nesse contexto, cabe ao profissional de educação física elaborar uma entrevista minuciosa para o aluno recém-chegado, podendo ainda aplicar pequenos testes com exercícios. A estratégia aponta os pontos fortes e fracos de cada aluno.

Com essas informações em mãos, o planejamento de aulas fica muito mais assertivo, sobretudo quando o aluno relata dores crônicas ou está saindo de uma lesão e precisa recuperar o ritmo da prática esportiva.

Estudo de caso

Jocelito Fernando Moraes, 52 anos, era atleta de ginástica aeróbica esportiva nos anos 1990. Por conta das atividades, ele desenvolveu dores lombares decorrentes de uma lesão após o encurtamento dos flexores de quadril. A condição desencadeou a compensação do quadril em outros pontos, gerando uma hérnia inguinal, umbilical e discal, também responsáveis pela dor crônica.

Mesmo após fisioterapia e diversas tentativas de reabilitação, a dor persistiu até 2018. Moraes, que também é educador físico, encontrou uma maneira de controlar a dor e melhorar seu desempenho quando foi buscou atualização profissional.

Ele realizou o curso Reabilitação Neuromuscular e Treinamento Funcional elaborado por Ivan Jardim, um especialista no tema. “Na primeira sessão com Ivan, já fiquei livre da dor por três horas. Quando ela voltou, foi mais fraca e gradativamente desapareceu” comenta.

Reabilitação nas dores crônicas

A estratégia de Jardim para a reabilitação está na atenção aos trilhos anatômicos, como são conhecidas as conexões internas entre os músculos e a rede fascial. São “caminhos” responsáveis pela estabilidade de movimentos e compensação postural. Por vezes, alguns músculos são inibidos pela dor e não desempenham suas funções de movimentação e equilíbrio corretamente. Isso leva ao recrutamento compensatório de outras áreas – como joelho, quadril e ombro, por exemplo. “O que o Ivan faz é reativar essa musculatura que havia sido inibida”, explica Moraes.

Um dos procedimentos adotados por Jardim para a liberação miofascial é o protocolo FNP (Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva). A estratégia consiste num padrão de técnicas de contrações musculares do tipo concêntricas, excêntricas e isométricas. As ações são combinadas com exercícios de resistência gradual, ajustados para a necessidade individual do aluno.

No caso de Moraes, Jardim usou a seguinte combinação:

  • Liberação miofascial (manual e com acessórios);
  • Alongamento para conduzir as fibras de volta para o lugar;
  • Ativação isométrica com estática (utilizando borracha para a condução e resistência do movimento).
A dor, por si só, gera ansiedade. E a condição piora em casos crônicos, como o de Moraes. A reabilitação neuromuscular, assim, também tem papel regenerativo. Isso porque os exercícios exigem alta concentração (em função da persistência dos movimentos) combinada à respiração. A prática lenta e gradual dos movimentos estimula a neuroplasticidade. Ou seja, o cérebro se adapta à nova experiência e reaprende a forma correta do movimento.

Treinamento funcional

É comum alunos procurarem academias ou profissionais particulares em busca do treinamento funcional. Muitas pessoas, no entanto, encaram a técnica como um dos caminhos mais curtos para emagrecer, alcançar definição corporal ou melhorar resultados competitivos no esporte. O problema é que a aplicação de exercícios aleatórios sem uma anamnese inicial pode levar a lesões, dores crônicas ou agravar condições pré-existentes.

O caso de Moraes reflete a totalidade da reabilitação neuromuscular e do treinamento funcional. Aqui, o levantamento feito por Jardim sobre a condição de Moraes foi essencial para determinar a melhor rotina e prepará-lo para voltar à ativa. “Pode-se dizer que é um trabalho multidisciplinar. O próprio Ivan pede aos alunos uma avaliação ortopédica para assegurar que não há fratura e dar continuidade ao treinamento de forma segura”, explica Moraes.

O treinamento funcional aplicado à reabilitação neuromuscular, portanto, consiste na adaptação de exercícios de acordo com o perfil de cada aluno. Além de manter ativas as musculaturas antes inibidas, a prática previne novas lesões ao fortalecer regiões sensíveis.

“Não existe exercício contraindicado, mas existe aluno contraindicado àquele exercício”, afirma Moraes. “É preciso devolver o equilíbrio para que a pessoa possa voltar à sua condição física plena.”

Segundo ele, após ter começado as aulas, as crises de dores crônicas não atingem picos acima do nível dois (numa escala de 0 a 10) – bem inferiores às de nível oito com que conviveu durante mais de 20 anos. “Além dessa melhora, conhecer a reabilitação neuromuscular e o treinamento funcional me tornou um profissional muito melhor. Não tive essa preparação na graduação”, comenta.

Entre os benefícios apontados estão:

– Atendimento personalizado: “Atendo no máximo três alunos por vez, cada um desenvolvendo atividades diferentes de acordo com suas necessidades”, explica.

– Protocolo de anamnese: capacidade de identificar a origem dos problemas de cada aluno, a necessidade de encaminhamento para especialistas e melhor planejamento de exercícios adequados.

– Autonomia do aluno: assim como Moraes já conhece o treinamento adequado para seu caso, os alunos também passam a otimizar o treinamento reduzindo o risco de LER (Lesão por esforço repetitivo).

sábado, 25 de setembro de 2021

Gorduras Saturadas Dietéticas e Saúde: As Diretrizes americanas são Baseadas em Evidências?

Artigo disponível no Nutro PDFs

Resumo

Na última década, quase 20 artigos revisaram a totalidade dos dados sobre gorduras saturadas e desfechos cardiovasculares, que, ao todo, demonstraram falta de evidências rigorosas para apoiar recomendações contínuas para limitar o consumo de ácidos graxos saturados ou substituí-los por ácidos graxos poliinsaturados. Infelizmente, esses artigos não foram considerados pelo processo que levou aos mais recentes EUA. Diretrizes Dietéticas para Americanos, a política nutricional nacional do país, que recentemente reconfirmou sua recomendação de limitar as gorduras saturadas a 10% ou menos da ingestão total de energia, com base em evidências insuficientes e inconsistentes. A continuação de um limite na ingestão de gordura saturada também não considera os efeitos importantes da matriz alimentar e o padrão alimentar geral em que os ácidos graxos saturados são consumidos.

1- .  Introdução

Desde a introdução das Diretrizes Dietéticas dos EUA para Americanos (DGA) em 1980, a política nacional de nutrição tem consistentemente aconselhado limitar o consumo de gordura saturada como uma estratégia central para reduzir o risco de doença cardiovascular aterosclerótica (DCV).

Ácidos graxos saturados são definidos como as moléculas que são “saturadas” por hidrogênio, sem quaisquer ligações duplas.

Eles são encontrados em todos os alimentos, mas estão especialmente concentrados em laticínios, carnes vermelhas e os chamados óleos tropicais.

Em 1990, a DGA adicionou um limite específico limitando essas gorduras a 10% das calorias, que se manteve desde então, incluindo a recente 9ª edição da DGA lançada no final de dezembro de 2020 pelos Departamentos de Agricultura e Saúde dos Estados Unidos  e Serviços Humanos (USDA-HHS).

As diretrizes são atualizadas a cada cinco anos, e a política deve, de acordo com a lei dos EUA, servir ao “público em geral” e refletir “a preponderância do conhecimento científico e médico que está em vigor no momento em que o relatório é  preparado”.

Esta revisão tem como objetivo abordar o conhecimento atual sobre os efeitos das gorduras saturadas na dieta sobre doenças cardíacas, bem como a consideração desses dados por Comitês Consultivos de Diretrizes Dietéticas (DGACs) recentes.

2. Perspectiva histórica das recomendações de gorduras saturadas na dieta

A hipótese de que as gorduras saturadas causam DCV surgiu no final da década de 1950, quando cientistas observaram que essas gorduras tendem a elevar a concentração de colesterol sérico total, que por sua vez era considerado um potente fator de risco para doenças cardíacas.  

Ancel Keys, um fisiologista da Universidade de Minnesota, postulou que as gorduras saturadas junto com o colesterol da dieta eram as principais causas das doenças cardiovasculares, e sua “hipótese dieta-coração” foi adotada por grupos importantes, incluindo a American Heart Association.

Na época, as evidências que apóiam esse conselho consistiam principalmente de um estudo observacional que comparou o nível de ingestão de gorduras saturadas com desfechos de doenças cardíacas em sete países e envolveu 12.763 homens na Europa, Estados Unidos e Japão.

Este estudo registrou dados dietéticos em menos de 5% dos participantes, correspondendo a um total de cerca de 500 indivíduos, ou menos de 100 participantes por país.

O estudo alegou uma associação entre o consumo de gordura saturada e doenças cardíacas, mas como o Estudo de Sete Países (SCS) não foi um ensaio clínico, não pôde demonstrar causa e efeito.

Ainda assim, o estudo foi enormemente influente no campo da nutrição por seu trabalho inovador e abrangente, embora várias deficiências metodológicas tenham sido identificadas posteriormente, incluindo a seleção não aleatória de países para o estudo, a inclusão apenas de homens, a coleta de dados dietéticos de menos de 5% da amostra total, o uso de métodos não padronizados e não validados para coleta de dados dietéticos, a falta de abordagens estatísticas contemporâneas para minimizar confusão e métodos inconsistentes de seguir.

Os resultados do SCS nunca foram analisados de forma independente, e existem vários estudos mais recentes usando abordagens semelhantes que não conseguiram confirmar suas conclusões, conforme descrito a seguir.

Reconhecendo a necessidade de dados de ensaios clínicos mais rigorosos, governos em todo o mundo, incluindo os EUA, Suécia, Finlândia e Austrália, realizaram grandes ensaios clínicos randomizados e controlados (RCTs) nas décadas de 1960 e 1970.

Ao todo, esses estudos testaram a hipótese de dieta cardíaca em cerca de 67.000 pessoas.

Eles normalmente testaram níveis de ácidos graxos saturados (SFA) considerados padrão na época (entre 12 e 18,3% das calorias) versus quantidades mais baixas (7,7-11,2%), com substituição de SFA por ácidos graxos poliinsaturados (PUFA)  a partir de óleos vegetais.

PUFAs suplementares foram adicionados às dietas experimentais, de modo que a proporção desses dois tipos de ácidos graxos (PUFA: SFA, conhecida como "proporção P: S") diferiu muito, de um mínimo de 0,17 no grupo de controle para um alto  de 2,44 no grupo experimental (p.8).  

Esses ensaios foram especialmente importantes porque, durando entre 1 e 7 anos, foram considerados longos o suficiente para avaliar o impacto nos resultados clínicos de longo prazo, ou seja, “endpoints difíceis”, como ataques cardíacos e morte.

Esses resultados são considerados mais confiáveis na formulação de políticas de saúde pública em comparação com estudos que usam “desfechos intermediários”, como colesterol ou medidas inflamatórias, que são considerados marcadores de risco. Tomados em conjunto, esses estudos básicos constituem os maiores e mais longos testes experimentais da hipótese dieta-coração nos últimos 60 anos, desde que a hipótese foi introduzida.  

Notavelmente, a hipótese da dieta cardíaca ganhou ampla aceitação nas décadas de 1970 e 1980, mas os resultados da totalidade desses ensaios não forneceram suporte para a hipótese, como muitos críticos da época apontaram.

Talvez por esse motivo, os resultados dos ensaios clínicos foram amplamente ignorados.

Uma análise da rede de citações de 2018 de RCTs descobriu que "o viés de citação era comum" de 1969 a 1984, com 82% das revisões apoiando a hipótese dieta-coração citando apenas um ensaio clínico a favor da hipótese, enquanto ignorava três estudos com resultados contraditórios.

Em 1977, o Comitê Selecionado de Nutrição e Necessidades Humanas do Senado dos Estados Unidos publicou as metas dietéticas para os Estados Unidos, amplamente conhecidas como o relatório McGovern .

A meta # 5 de sete era "reduzir o consumo de gordura saturada para representar cerca de 10% da ingestão total de energia ..." Este relatório levou ao estabelecimento da política do USDA-HHS, as Diretrizes Dietéticas para Americanos, publicadas pela primeira vez em 1980 e todos os  5 anos desde então.  A primeira edição das Diretrizes emitiu sete recomendações, uma das quais aconselhava os americanos a “evitar muita gordura, gordura saturada e colesterol” sem recomendar uma meta numérica específica.

Como mencionado, 1990 e todos os DGAs subsequentes incluíram uma meta de gordura saturada de 10% do total de calorias ou menos.

Esses 40 anos de diretrizes nunca incorporaram as descobertas sobre a gordura saturada surgidas dos ensaios clínicos conduzidos nas décadas de 1960 e 1970, conforme discutido a seguir.

A falta de uma resposta aos dados sobre a gordura saturada contrasta com a posição revisada do DGA em resposta a dois outros corpos de evidências científicas para refletir com mais precisão os dados.

A recomendação da DGA de 1980-2000 para consumir menos de 30% de calorias como gordura foi substituída em 2005 pela Permissão Dietética Recomendada do Institute of Medicine de 20 a 35% de calorias como gordura [16] (p. Viii).

Da mesma forma, a recomendação de 300 mg de colesterol por dia foi abandonada em 2015 e, embora o 2020 DGA agora afirme que os padrões alimentares saudáveis são "mais baixos em colesterol", uma revisão sistemática do próprio USDA sobre o tema do colesterol dietético especificamente para o 2020 DGA  concluiu que há “evidências insuficientes” para vincular a ingestão de colesterol dietético aos níveis de colesterol no sangue (Parte D, Capítulo 9, p. 12). 

O 2020 DGA, portanto, contém mensagens conflitantes, embora a revisão sistemática seja mais rigorosa e, portanto, represente a conclusão mais confiável.

2.1.  Avaliações dos dados do ensaio clínico

De acordo com uma revisão narrativa da literatura relevante, até o momento houve pelo menos 10 revisões dos ECRs abordando os efeitos da gordura saturada da dieta nas DCV, com conclusões variáveis.

Essas revisões que encontraram um efeito desfavorável das gorduras saturadas em eventos cardiovasculares incluíram o Estudo do Hospital Mental Finlandês, em 4000 homens e mulheres, que mostrou uma redução significativa de ataques cardíacos e mortes entre homens na dieta experimental em um dos dois hospitais incluídos no estudo, mas esse efeito não foi observado no outro hospital, ou para as mulheres no estudo.

Este estudo também foi amplamente reconhecido como não sendo randomizado e, portanto, foi excluído da maioria das revisões posteriores sobre gorduras saturadas.

Uma revisão sistemática atualizada pelo grupo Cochrane em 2020 sobre gorduras saturadas relatou que a redução de gorduras saturadas na dieta reduziu os eventos de DCV, mas não teve efeito nos sete endpoints de DCV restantes, incluindo mortalidade total, mortalidade CVD, doença cardíaca coronária (CHD) mortalidade, ataques cardíacos fatais, ataques cardíacos não fatais e eventos de CHD.

Mesmo o efeito significativo das gorduras saturadas nos eventos CVD tornou-se não significativo quando submetido a uma análise de sensibilidade que incluiu apenas ensaios clínicos que reduziram com sucesso o consumo de gordura saturada, excluindo aqueles que pretendiam reduzir a gordura saturada, mas não tiveram sucesso.

Assim, efetivamente não houve achados significativos na revisão Cochrane de 2020, o que é consistente com uma revisão Cochrane anterior sobre este tópico, em 2015.

Além disso, os dados coletivos de RCT não descobriram que essas gorduras causaram aumento da mortalidade.

Em geral, portanto, existem sérias preocupações em relação à aplicação dos dados RCT para apoiar a recomendação de um limite específico para ingestão de gordura saturada na dieta.

2.2.  Avaliações dos dados observacionais

Estudos observacionais ou epidemiológicos podem demonstrar associações com desfechos de doenças, mas só podem ser usados para sugerir relações de causa e efeito quando uma série de critérios, como consistência e força de associação, são atendidos.

Dados observacionais sobre a relação do consumo de gordura saturada com CHD foram coletados desde 1957, começando com os esforços de George Mann, da University of Vanderbilt School of Medicine, que supervisionou a coleta de dados dietéticos de uma amostra de 1.049 pessoas do original Framingham Study 

Mann e colegas relataram que, embora homens e mulheres consumissem aproximadamente 28% do total de calorias de gorduras animais, não havia “nenhuma sugestão de qualquer relação entre a dieta e o desenvolvimento subsequente de CHD”.

Esses resultados dietéticos,compreendendo a Seção 24 do estudo de Framingham, não foram publicados, um descuido que Mann explicou mais tarde como parte de um maior desprezo por evidências contraditórias a fim de sustentar um “dogma dieta / coração”.

Coletas subsequentes de dados observacionais ao longo do tempo agora incluem informações sobre cerca de 350.000 indivíduos.

As revisões deste grande corpo de evidências começaram em 2010 com uma meta-análise de Siri-Tarino et al., que concluiu que os dados observacionais disponíveis não fornecem “nenhuma evidência significativa para concluir que a gordura saturada da dieta está associada a um risco aumentado de CHD ou DCV”.

Desde então, houve pelo menos oito meta-análises de estudos observacionais prospectivos sobre a relação entre gordura saturada e doenças cardíacas, e esses estudos geralmente não encontraram associações significativas entre o consumo dessas gorduras e DCC.

A maioria excluiu o AVC como um desfecho em suas análises.

Duas das meta-análises usaram modelagem estatística (em oposição à substituição experimental em um estudo randomizado) para simular a substituição de SFAs por PUFAs e encontraram uma associação com um risco menor de doença cardíaca.

No entanto, como observado acima, os estudos observacionais em si são incapazes de demonstrar conexões causais.

Além disso, eles têm limitações significativas, incluindo o potencial de confusão residual ou "viés de aderente saudável", a falta de informações disponíveis sobre todos os confundidores potenciais, erro de medição na avaliação do consumo alimentar habitual, viés de desejabilidade social, acompanhamento incompleto  de participantes e vieses de publicação.

Uma recente revisão de revisões, ou "revisão geral" dos dados observacionais relatou que a substituição de SFA por PUFA "não reduziu de forma convincente os eventos cardiovasculares ou mortalidade" e que "deve-se considerar que a hipótese de dieta cardíaca é de validade incerta.”

3. O papel do colesterol LDL

Evidência adicional usada para apoiar a recomendação contínua para limitar o consumo de gordura saturada vem da capacidade bem demonstrada dos SFAs para aumentar a concentração de colesterol LDL, que se torna evidente quando os SFAs são substituídos por PUFAs.

No entanto, ao contrário da redução do colesterol LDL com medicamentos, a redução do colesterol pela dieta não tem se mostrado confiável para reduzir os desfechos cardiovasculares.

Os primeiros ensaios básicos, por exemplo, documentaram reduções consistentes no colesterol total em comparação com as mudanças mínimas nos grupos de controle, indicando um alto nível de conformidade (p. 9), mas mesmo assim, a evidência para benefícios em períodos mais longos  o termo desfechos clínicos de DCV é inconclusivo.

Outra explicação para porque as reduções na concentração de colesterol LDL induzidas pela restrição de gordura saturada não mostraram reduzir o risco cardiovascular é que a diminuição do colesterol LDL reflete principalmente níveis reduzidos de partículas grandes de LDL.

Conforme revisado em outro lugar, essas partículas têm uma associação mais fraca com o risco de doença cardíaca em comparação com pequenas partículas de LDL que tendem a ser menos afetadas pela restrição de gordura saturada.

Além disso, a ingestão de gordura saturada aumenta os níveis de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL), melhorando a proporção do colesterol total para HDL, que é um marcador robusto de risco de DCV.

Assim, devido aos efeitos complexos e múltiplos das gorduras saturadas nos lipídios do sangue, a dependência apenas do colesterol LDL como um indicador do risco de DCV mediado por SFA é excessivamente simplista.

4. Diretrizes dietéticas atuais dos EUA para gorduras saturadas

Para o processo DGA de 2020, o USDA excluiu da consideração todas as revisões sistemáticas conduzidas fora da agência, optando por confiar em novas revisões realizadas pela equipe do USDA. 

Assim, os cerca de 20 artigos de revisão sobre gorduras saturadas mencionados acima, publicados durante a última década por cientistas “externos”, foram excluídos da consideração.

Especialistas externos tentaram apresentar esta evidência por meio de comentários escritos ao USDA, apontando a mudança dramática no pensamento sobre gorduras saturadas na comunidade científica, uma mudança que implicava que a ciência neste tópico não pode mais ser considerada.

O DGAC 2020 discutiu brevemente esses comentários em uma reunião pública (p. 37), mas não reconheceu as divergências científicas significativas sobre este tópico em seu relatório final.

Por outro lado, o DGAC de 2015 considerou sete artigos de revisão externa, mas houve alguns descuidos nesta revisão de 2015.

Por exemplo, o DGAC de 2015 excluiu um artigo com resultados nulos sobre gorduras saturadas e, em vez disso, confiou fortemente  em um artigo de revisão que incluiu o Finnish Mental Hospital Study, que, como discutido anteriormente, não foi randomizado e relatou resultados exclusivamente negativos sobre SFAs e doenças cardíacas.

O DGAC 2015 também incluiu um artigo de revisão que analisou exclusivamente o ácido linoléico, não as gorduras saturadas.

Desde o início do DGA em 1980, nenhum DGAC jamais tentou sua própria revisão sistemática inovadora dos ensaios básicos das décadas de 1960 e 1970.

A revisão mais recente, feita pelo DGAC 2020, concluiu que há evidências “fortes” para continuar a limitar a ingestão de gordura saturada e para substituir SFAs por PUFAs em particular.

Esta conclusão baseou-se em dados de RCT mostrando que a substituição de SFAs por PUFAs poderia reduzir as concentrações de colesterol total e LDL (pp. 16–17), sem mencionar a limitação de depender apenas de uma medida substituta como o colesterol LDL, conforme descrito acima e apesar da ampla discussão sobre esse assunto na literatura científica.

O DGAC também relatou que o aumento de SFA por si só tem um efeito positivo no colesterol HDL e que substituí-lo por PUFA tem efeitos “predominantemente nulos” no colesterol HDL (p.16). 

Como observado acima, este efeito sobre o colesterol HDL é um indicador que pode compensar qualquer impacto negativo suposto sobre o CVD do efeito do SFA no colesterol LDL.

Para os achados de eventos cardiovasculares e mortalidade por DCV, bem como mortalidade total, o DGAC optou por se basear exclusivamente em estudos observacionais, apesar da existência de ECRs mais rigorosos sobre o tema.  

Conforme descrito acima, os estudos observacionais não podem ser usados para estabelecer uma relação de causa e efeito, exceto ao cumprir critérios estritos, principalmente quando a força da associação é muito forte e consistente.

No entanto, a força geral das associações encontradas entre SFAs e vários desfechos cardiovasculares e mortalidade não foi relatada na revisão DGAC e, portanto, não pode ser avaliada.

A consistência das descobertas também é incerta.

Para a conclusão primária do DGAC, ou seja, que as gorduras saturadas devem ser limitadas a 10% das calorias, a revisão sistemática do USDA sobre o assunto revisou um total de 39 estudos, todos observacionais, sobre SFA (Tabela S1).

Destes estudos, 25 têm resultados nulos ou negativos, ou seja, descobriu-se que as gorduras saturadas não têm efeito sobre os desfechos de DCV ou CHD, ou seu consumo foi associado a um risco menor (p. 43-45).

O DGAC também analisou onze estudos sobre SFA e AVC, oito dos quais tiveram resultados nulos e três dos quais constataram que maiores ingestões de SFA estavam associadas a um menor risco de AVC.

Assim, 88% das descobertas não apoiavam a conclusão da DGAC sobre gorduras saturadas e vários desfechos de doenças cardíacas.

O mesmo foi encontrado com os estudos que examinaram alimentos com alto teor de SFA.

Dezesseis estudos, ou 94% do total, observaram que os alimentos lácteos, incluindo a manteiga, não tiveram associação ou foram negativamente associados aos resultados de CHD (ou seja, maior ingestão de laticínios foi associada a menor risco de CHD).  

Para a carne, cinco estudos não mostraram associação e quatro mostraram uma associação positiva.  

Essas análises não incluíram o estudo PURE, porque não atendeu aos critérios de inclusão do USDA de “dados apenas em países classificados como alto ou muito alto em desenvolvimento humano”  (p. 385).

O estudo PURE, que observou 135.335 indivíduos de 18 países em cinco continentes, juntamente com duas revisões sistemáticas de estudos observacionais, um dos quais incluiu 598.435 indivíduos, todos concluíram que o maior consumo de gordura saturada não está associado ao aumento do risco de doença cardíaca coronária, embora esteja associada a um menor risco de acidente vascular cerebral.

A segunda recomendação do DGAC sobre gorduras saturadas, para substituir SFA por PUFA, também parece ter se baseado exclusivamente em estudos observacionais  (p. 385).

A contabilização do relatório desses estudos é um tanto confusa, mas entre eles, identificamos cinco estudos com base em modelagem matemática de supostos efeitos na saúde, não observações diretas de eventos, alegando que a substituição de SFA por PUFA estava associada a menores eventos de DCV ou CHD.  

Sete estudos, no entanto, encontraram resultados nulos ou que a substituição de PUFA por SFA foi benéfica.

Os dois estudos de substituição de AVC tiveram resultados nulos ou relataram um maior risco de mortalidade por AVC quando PUFA foi modelado para substituir SFA.

A maioria das comparações, portanto, não encontrou um benefício conclusivo sobre as doenças cardíacas da substituição de SFA por PUFA.

Assim, a preponderância de evidências, conforme resumido aqui (Tabela S1), não apóia a recomendação da DGAC de limitar a ingestão de gordura saturada ou substituir SFA por PUFA.

Fazer uma recomendação “forte” com base em evidências fracas e contraditórias não atende aos padrões científicos para diretrizes.

As conclusões baseadas na revisão de dados sobre gorduras saturadas também parecem ser inconsistentes com a exigência estatutária do Congresso dos EUA para que o DGA seja baseado na “preponderância do conhecimento científico e médico que é atual no momento do relatório está sendo preparado ”.

Este estatuto também exige que o DGA seja para o "público em geral", mas o relatório da DGAC observa que os estudos sobre gorduras saturadas relatando raça ou etnia foram conduzidos principalmente "nos EUA ou na Escandinávia", com "participantes predominantemente brancos ou caucasianos. ”Que eram adultos saudáveis de meia-idade ou mais velhos com sobrepeso e sem DCV no início do estudo (pp. 41–42).  

Esta amostra não pode ser vista como representativa da população racial e etnicamente diversa nos EUA, onde quase metade é não branca e 60% da população foi diagnosticada com uma ou mais doenças crônicas.

5. Importância da Matriz Alimentar e Dieta

As gorduras saturadas estão cada vez mais sendo vistas como parte da matriz alimentar e dos padrões dietéticos nos quais aparecem naturalmente, ao invés de um nutriente isolado.

Queijo e iogurte, por exemplo, contêm não apenas gorduras saturadas, mas também outros ácidos graxos, proteínas, a membrana do glóbulo de gordura do leite, potássio e uma série de nutrientes essenciais, incluindo cálcio, fósforo, vitaminas A, D e B12, riboflavina, niacina e ácido pantotênico. 

Esses nutrientes interagem entre si e um pode desempenhar um papel na absorção efetiva do outro. 

Por exemplo, vitaminas solúveis em gordura, como A e D, requerem gordura para absorção. 

Além disso, a falta de relações consistentes dos alimentos com o risco de DCV com base em seu teor de gordura saturada é provavelmente devido em parte à variação nos efeitos da matriz alimentar geral e ao conteúdo variável de ácidos graxos saturados específicos nesses alimentos, bem como aos padrões dietéticos em que são consumidos.

O conceito de matriz ganhou destaque em uma declaração de consenso internacional de 2010.

A implementação de diretrizes baseadas em alimentos ao invés de nutrientes foi promovida pela Organização para Alimentos e Agricultura (FAO), que declarou que hoje, “mais de 100 países” desenvolveram ou estão atualmente desenvolvendo “diretrizes baseadas em alimentos”.

Essas diretrizes reconhecem que as pessoas consomem alimentos, não nutrientes e, além disso, que consomem muitos desses alimentos em várias quantidades e combinações entre si.

Além da matriz alimentar, o padrão alimentar geral, particularmente o nível de carboidratos, tem um impacto importante na forma como a gordura saturada é metabolizada.

Por exemplo, se a redução da ingestão de gordura saturada é alcançada pelo consumo de mais carboidratos, é provável que haja um efeito adverso no risco de DCV.

Por outro lado, a maior ingestão de gordura saturada no contexto de uma dieta pobre em carboidratos promove menos estimulação da insulina e maior oxidação da gordura saturada.

Foi demonstrado que tais dietas com baixo teor de carboidratos resultam repetidamente em menor acúmulo de ácidos graxos saturados circulantes e melhora do diabetes, bem como do status de risco cardiometabólico.

As Diretrizes Dietéticas dos EUA também se afastaram das recomendações baseadas em nutrientes, especificamente com relação à gordura total, embora o DGA não o tenha feito para a gordura saturada.

O Comitê, entretanto, “reconheceu a importância do crescente corpo de pesquisas sobre ácidos graxos específicos, matriz alimentar e fontes de gorduras, gordura explicitamente saturada” [(Parte D, Capítulo 9, p. 23).

6. Conclusões

Múltiplas revisões das evidências demonstraram que uma recomendação para limitar o consumo de gorduras saturadas a não mais do que 10% do total de calorias não é apoiada por estudos científicos rigorosos.

É importante ressaltar que nem esta diretriz, nem aquela para substituir gorduras saturadas por gorduras poliinsaturadas, considera a questão central dos efeitos na saúde de diferentes fontes alimentares dessas gorduras.

A revisão do DGAC 2020 que recomenda a continuação dessas recomendações, em nossa opinião, não atendeu ao padrão de “preponderância da evidência” para esta decisão.

Artigo
Arne Astrup, Faidon Magkos, Dennis M. Bier, J. Thomas Brenna, Marcia C. de Oliveira Otto, James O. Hill, Janet C. King, Andrew Mente, Jose M. Ordovas, Jeff S. Volek, Salim Yusuf, Ronald M. Krauss,
Saturated Fats and Health: A Reassessment and Proposal for Food-Based Recommendations: JACC State-of-the-Art Review, Journal of the American College of Cardiology, Volume 76, Issue 7, 2020, Pages 844-857, ISSN 0735-1097, https://doi.org/10.1016/j.jacc.2020.05.077.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0735109720356874


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EndoNews: Lifelong Learning
Inciativa premiada no Prêmio Euro - Inovação na Saúde

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

'Chip da beleza': implante hormonal não tem aprovação das Sociedades médicas oficiais, pode alterar o clitóris e mudar a voz

Para ler a reportagem acessehttps://g1.globo.com/bemestar/viva-voce/noticia/2021/09/22/chip-da-beleza-implante-nao-tem-aprovacao-pode-alterar-o-clitoris-e-mudar-a-voz-veja-10-pontos.ghtml

Os primeiros níveis de colesterol são importantes para eventos de vida posterior


Quatro estudos de coorte juntos aumentam as evidências de risco semelhante ao "pack-year"

A exposição ao colesterol LDL (LDL-C) na idade adulta mais jovem previu eventos cardiovasculares posteriores, independentemente do colesterol na meia-idade, mostraram grandes coortes observacionais.

A doença cardíaca coronariana se correlacionou significativamente com LDL-C cumulativo (HR 1,57, P=0,01 para tendência), bem como LDL médio ponderado no tempo (HR 1,69, P<0,001 para tendência) em quatro estudos e uma mediana de 16 anos de acompanhamento.

O risco foi visto tão baixo quanto 100 mg/dL, muito abaixo dos limiares atuais de tratamento, Yiyi Zhang, PhD, do Columbia University Medical Center, em Nova York, e colegas relataram na JAMA Cardiology.

“Os achados sugerem que a manutenção de um nível ideal de LDL-C durante a idade adulta jovem e média pode minimizar o risco ao longo da vida de doenças cardiovasculares ateroscleróticas", concluíram os pesquisadores.

As diretrizes de colesterol recomendam estatinas para adultos jovens com idades entre 20 e 39 anos abaixo de um LDL de 190 mg/dL somente quando há histórico familiar de doença cardiovascular aterosclerótica prematura, diabetes de longa data ou múltiplos fatores de risco.

Os achados "sugerem que o paradigma atual endossado por diretrizes de adiar o tratamento de elevações leves e moderadas dos níveis de LDL-C em adultos jovens não apenas perde uma oportunidade crítica de prevenção, mas também permite desnecessariamente que o risco relacionado a lipídios se acumule por décadas", escreveu Ann Marie Navar, MD, PhD, do Centro Médico

O conceito é semelhante aos anos-maço de tabagismo, observaram em um editorial que acompanha o artigo. 

Isso não é surpresa, "ainda que exatamente quando começar a terapia hipolipemiante não foi bem demarcado. Lesões ateroscleróticas se desenvolvem lentamente ao longo de muitos anos, se não décadas."

Navar e Fonarow concluíram que "se a comunidade clínica pode apoiar o tratamento da hipertensão no início da vida para prevenir os riscos a longo prazo de pressão arterial elevada, os achados do estudo de Zhang et al. sugerem que um paradigma semelhante deve ser considerado para o LDL-C".

O estudo incluiu 18.288 participantes de quatro estudos: Estudo de Risco de Aterosclerose em Comunidades, Estudo de Desenvolvimento de Risco de Artéria Coronariana em Adultos Jovens, Framingham Heart Study Offspring Cohort e o Estudo Multiétnico de Aterosclerose.

A inclinação do LDL-C não foi associada à doença coronariana após o ajuste para os níveis de LDL de meia-idade, escreveram os pesquisadores, "provavelmente porque em um determinado nível de LDL-C durante a meia-idade, os indivíduos que atingiram uma inclinação mais íngreme podem ter uma área menor sob a curva ou exposição cumulativa ao LDL-C.

Não foram observadas associações com o risco de acidente vascular cerebral isquêmico ou insuficiência cardíaca, embora esses desfechos sejam menos frequentes do que os desfechos da doença coronariana, que estavam significativamente ligados ao risco.

Os pacientes incluídos tinham duas ou mais medidas de LDL-C com pelo menos 2 anos de intervalo entre 18 e 60 anos, com pelo menos uma na meia-idade entre 40 e 60 anos. 

Os participantes foram acompanhados por uma mediana de 16 anos a partir de sua visita índice com uma idade mediana de 56 anos.

As limitações do estudo incluíram o uso de imputação múltipla para estimar exposições a longo prazo ao LDL-C, porque os estudos de coorte tinham faixas etárias de matrícula restritas sem medição direta dos níveis de LDL-C durante a idade adulta jovem e média.

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sexta-feira, 17 de setembro de 2021

O risco da comida "torradinha"

Os produtos de glicação avançada (AGEs, do inglês, advanced glycation end-products) são formados por meio da reação de glicação não enzimática de escurecimento, também conhecida como reação de Maillard. Trata-se de uma grande variedade de substâncias formadas a partir de interações amino carbonilo, entre açúcares redutores ou lipídios oxidados e proteínas, aminofosfolipídeos ou ácidos nucléicos. 

Os principais AGEs formados no organismo são: carboximetil-lisina, carboxietil-lisina, pentosidina, pirralhinha e dímeros de glioxal e metilglioxal.

O risco da comida "torradinha"

O acúmulo de produtos de glicação avançada (AGEs) nos tecidos e órgãos pode causar complicações graves e promover o desenvolvimento/progressão de diversas doenças, como complicações vasculares, sarcopenia e piora da função renal. ⁣
Hoje vamos falar de mais uma problema de saúde que pode estar associado aos AGEs: o câncer! ⁣
Foi sugerido que o acumulo de AGEs leva a complicações associadas ao câncer, sendo a agregação proteica (interação anormal entre proteínas causada por mudanças estruturais) um dos principais mecanismos envolvidos. ⁣
Os AGEs são metabólitos altamente reativos que, além de gerar respostas inflamatórias e estresse oxidativo, causam disfunção e modificações estruturais nas proteínas. Essas modificações podem afetar, por exemplo, a proteína p53, que é supressora de tumor, além de outras importantes reguladoras de processos celulares (como a p63 e p73). Proteínas mutadas aumentam sua capacidade de se agregar, facilitando o processo de agregação proteica. ⁣
Além disso, devido a falta de oxigênio, os tumores tendem a depender principalmente do metabolismo anaeróbico da glicose. Para compensar esse suprimento de energia ineficiente, os tumores apresentam uma taxa mais alta de captação de glicose e glicólise, o que leva ao aumento da formação de AGEs e aumenta ainda mais a progressão do câncer, criando um ciclo vicioso que se retro-alimenta. ⁣
A associação entre AGEs, agregação de proteínas e progressão de tumores é suportada por estudos que identificaram agregados proteicos e maior expressão de receptores de AGEs (RAGEs) em biópsias de tumores humanos, sendo estes associados positivamente a maior atividade metastática em experimentos com células cancerígenas. ⁣
Portanto, conclui-se que o acúmulo de AGEs está relacionado ao aumento da resposta inflamatória e da agregação proteica, processos que parecem desempenhar um papel importante na formação e progressão de tumores.

Autor: Prof. Valentim Magalhães - Nutricionista

Referência: Haque E, Kamil M, Hasan A, et al. Advanced glycation end products (AGEs), protein aggregation and their cross talk: new insight in tumorigenesis. Glycobiology. 2019;30(1):49-57. doi:10.1093/glycob/cwz073

A nova ciência sobre como queimamos calorias

Como isso poderia mudar nossa compreensão sobre, para começar, doenças crônicas, envelhecimento e obesidade?

É simples, muitas vezes nos dizem: Tudo o que você precisa fazer para manter um peso saudável é garantir que o número de calorias que você ingere permaneça igual ao número de calorias que você gasta. Se você ingerir mais calorias ou energia do que usa, você ganha peso; se a saída for maior que a entrada, você o perde.  Mas, embora estejamos frequentemente conscientes de que queimamos calorias quando estamos malhando, 55 a 70 por cento do que comemos e bebemos na verdade serve para alimentar todas as reações químicas invisíveis que ocorrem em nosso corpo para nos manter vivos. 

“Pensamos no metabolismo apenas como um exercício, mas é muito mais do que isso”, diz Herman Pontzer, professor associado de antropologia evolutiva na Duke University.  

“É literalmente o total de quão ocupadas suas células estão ao longo do dia.”  Descobrir o gasto total de energia informa quantas calorias você precisa para se manter vivo. Mas também informa “como o corpo está funcionando”, diz Pontzer. “Não há medida mais direta disso do que o gasto de energia.”

Embora os cientistas venham estudando o metabolismo por pelo menos um século, eles não foram capazes de medi-lo com precisão suficiente - em condições do mundo real, em um número suficiente de pessoas, em uma faixa de idade ampla o suficiente - para ver como ele muda ao longo da vida humana  período. É claro que quanto maior uma pessoa é, mais células ela tem e, portanto, mais calorias totais ela queima por dia. Mas tem sido muito mais difícil avaliar se variáveis ​​como idade, sexo, estilo de vida e doença influenciam nossa taxa de gasto de energia. 

Essa falta de dados levou a suposições enraizadas na experiência pessoal: por exemplo, que mudanças hormonais significativas, como as que ocorrem durante a puberdade e a menopausa, fazem com que nosso metabolismo acelere ou desacelere, levando-nos a queimar mais ou menos calorias por dia; ou que os homens têm metabolismos inerentemente mais rápidos do que as mulheres, porque parecem capazes de perder peso com mais facilidade;  ou que nosso gasto de energia diminui na meia-idade, iniciando um ganho de peso gradual e inevitável. “

Estou na casa dos 40 anos; eu me sinto diferente do que me sentia aos 20 anos - eu também compro ”, diz Pontzer.  “Toda essa intuição nunca foi respaldada por dados.  Parecia tão certo.”

No mês passado, no entanto, um artigo publicado na Science por Pontzer e mais de 80 co-autores revelou que muito do que pensávamos que sabíamos sobre o metabolismo estava errado. 

Usando dados previamente coletados de mais de 6.400 indivíduos com idades variando de 8 dias a 95 anos, e ajustando o tamanho do corpo e a quantidade de gordura e músculos presentes, eles descobriram que nosso metabolismo geralmente passa por quatro fases distintas da vida. 

O metabolismo dos recém-nascidos se assemelha ao dos adultos. Então, quando eles têm cerca de um mês de idade, sua taxa metabólica começa a aumentar rapidamente, até entre 9 e 15 meses, é mais de 50 por cento maior do que a de um adulto - o equivalente a um adulto queimando cerca de 4.000 calorias por dia.  (O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos estima que, em média, as mulheres adultas precisam de 1.600 a 2.400 calorias por dia e os homens adultos entre 2.000 e 3.000 calorias.) Nesse ponto, entre 1 e 2 anos de idade, o gasto de energia começa a diminuir  e continua caindo até aproximadamente os 20 anos. 

A partir daí, permanece estável pelos próximos 40 anos, mesmo durante a gravidez e a menopausa; você queima calorias tão eficientemente aos 55 quanto aos 25. Por volta dos 60 anos, o gasto de energia começa a cair novamente e continua diminuindo até o fim de nossas vidas. 

Os homens, observaram os pesquisadores, não têm metabolismos inatamente mais rápidos do que as mulheres; em vez disso, eles tendem a queimar mais calorias por dia para seu tamanho, porque normalmente têm uma proporção maior de músculo, que usa mais energia do que a gordura.

O estudo “aborda uma lacuna realmente significativa em nossa compreensão da fisiologia humana básica”, diz Richard Bribiescas, professor de antropologia da Universidade de Yale. “É realmente importante não apenas para a ciência básica, mas porque o metabolismo - como utilizamos a energia em nosso corpo - é absolutamente central para qualquer compreensão de doença ou bem-estar.”

Os pesquisadores já conseguem calcular o total de calorias que queimamos medindo a quantidade de dióxido de carbono que emitimos como subproduto. 

Mas normalmente os sujeitos devem estar em um laboratório para se submeter aos testes necessários, de modo que os resultados mostram apenas seu metabolismo em repouso, em um momento no tempo. Só na década de 1980 um método para medir o metabolismo durante a vida diária, chamado de “água duplamente marcada”, começou a ser usado para as pessoas. 

Os participantes recebem água na qual os elementos de hidrogênio e oxigênio são “marcados” com o uso de isótopos. A diferença no número de nêutrons em seus núcleos permite que sejam detectados.  Depois de beber, os indivíduos retomam as atividades regulares e fornecem algumas amostras de urina (ou sangue ou saliva) em uma semana. 

O gasto de energia é calculado medindo a taxa na qual os participantes eliminam o hidrogênio rotulado, que passa intacto pelo corpo, versus o oxigênio rotulado, parte do qual é exalado como dióxido de carbono, um produto residual da transformação do combustível em energia de nossas células. 

A proporção de oxigênio rotulado que está faltando permite que os pesquisadores descubram quanto dióxido de carbono foi emitido e, portanto, o gasto calórico.

Trabalhar com água duplamente rotulada é caro. Apenas cerca de nove laboratórios no mundo o empregam regularmente, diz Jennifer Rood, diretora executiva associada de núcleos e recursos do Pennington Biomedical Research Center, que é afiliado à Louisiana State University, e autora do artigo da Science. Um único estudo feito com água duplamente rotulada normalmente inclui menos de 100 pessoas, o que não é suficiente para ver os padrões de toda a população. 

Mas em 2014, os laboratórios que o utilizam tiveram a ideia de criar um banco de dados para reunir o máximo possível de medições de água duplamente marcadas dos últimos 40 anos. O banco de dados ainda crescente, que sustenta o artigo da Science, inclui amostras de dezenas de países e culturas, desde coletores de alimentos na Tanzânia até passageiros em Manhattan. 

“Em termos de escala e escopo, isso não tem precedentes”, diz Rozalyn Anderson, professora de medicina da Universidade de Wisconsin-Madison e autora de um comentário publicado com o estudo.

O tamanho e a diversidade da amostra permitiram aos pesquisadores ver um padrão comum em como o metabolismo muda com a idade. 

Mas ainda havia uma enorme variação nas taxas metabólicas dos indivíduos, destacando o papel significativo que outros fatores, como genes e estilo de vida, provavelmente desempenham em determinar por que pessoas do mesmo tamanho com hábitos semelhantes podem ter gastos de energia diários muito diferentes. 

Eventualmente, Pontzer diz, mapear as características universais do metabolismo humano vai estreitar as possíveis razões para essas disparidades.

O artigo já levanta uma série de questões. Por exemplo, como os metabolismos substancialmente mais rápidos das crianças e os mais lentos dos adultos mais velhos influenciam as recomendações nutricionais e as dosagens de medicamentos? E qual é a ligação entre o declínio do metabolismo por volta dos 60 anos e o aumento correspondente das doenças crônicas? “Deve haver algum interruptor que liga em uma criança de 1 mês que diz: 'Eu tenho que aumentar o gasto de energia muito alto', e então algo que diz: 'Agora tenho 60, não vou ser tão eficiente quanto eu era '”, diz Rood.  “O que são esses interruptores?  Acho que essas são as chaves para o envelhecimento. ”

Na verdade, diz Anderson, já existem drogas em uso que influenciam o metabolismo das pessoas e que aumentam a expectativa de vida em camundongos. 

Os pesquisadores teorizaram que as células que envelhecem usam menos energia porque estão fazendo menos reparos e manutenção necessários para prevenir doenças. Mas, observa Bribiescas, simplesmente aumentar a taxa metabólica de pessoas mais velhas "não vai ser uma solução mágica para lidar com muitas doenças" por causa do estresse que coloca em outros sistemas do corpo: "Se você adicionar mais energia, você pode simplesmente fazer com que as coisas desmoronem ainda mais rápido.”

Saber quando o metabolismo muda naturalmente, porém, deve ajudar os pesquisadores a refinar seus conceitos de saúde em todas as idades. “É como olhar para o estágio de lagarta versus estágio de borboleta”, diz Bribiescas. “O que estamos vendo aqui é que você é um organismo completamente diferente de quando você tem 5 anos de idade quando você tem 50.” 

Isso contrasta com a tendência da ciência de considerar todos os humanos como “uma bolha genérica de células” que são fundamentalmente iguais, acrescenta. “Este estudo em particular vai chamar a atenção para a compreensão dessas nuances importantes.”

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Associação de Hipotireoidismo e Depressão Clínica

 

TEXTO EXCLUSIVO PARA MÉDICOS

Associação de Hipotireoidismo e Depressão Clínica: Uma Revisão Sistemática e Metanálise

Pergunta: Existe uma associação de hipotireoidismo e autoimunidade tireoidiana com depressão?

Achados 

Nesta revisão sistemática e metanálise de 25 estudos, incluindo 348 014 participantes, houve uma associação moderada de hipotireoidismo evidente e, menos subclínico, com depressão clínica; essa associação é mais forte em indivíduos do sexo feminino do que no masculino. Não foi encontrada uma associação estatisticamente significativa da positividade verificada de anticorpos tireoidianos peroxidase e depressão clínica.

Significado 

Uma forte conexão entre hipotireoidismo e depressão não foi evidente nesta análise; no entanto, uma possível relação dose-efeito, especialmente em indivíduos do sexo feminino, deve ser investigada mais detalhadamente.

Resumo

Importância 

O hipotireoidismo é considerado uma causa ou um forte fator de risco para depressão, mas estudos recentes fornecem evidências conflitantes sobre a existência e a extensão da associação. Também não está claro se a ligação se deve em grande parte à depressão subsindrômica ou se vale para a depressão clínica.

Objetivo 

Estimar a associação de hipotireoidismo e depressão clínica na população em geral.

Fontes de Dados 

As bases de dados PubMed, PsycINFO e Embase foram pesquisadas desde o início até maio de 2020 para estudos sobre a associação de hipotireoidismo e depressão clínica.

Seleção de Estudos 

Dois revisores selecionaram independentemente estudos epidemiológicos e de base populacional que forneceram Classificação Estatística laboratorial ou Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde diagnósticos de hipotireoidismo e diagnósticos de depressão de acordo com critérios operacionalizados (por exemplo, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais ou Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) ou pontos de corte em escalas de classificação estabelecidas.

Extração e Síntese de Dados 

Dois revisores extraíram dados de forma independente e avaliaram estudos com base na Escala Newcastle-Ottawa. Razões de chances (OR) resumidas foram calculadas em metanálises de efeitos aleatórios.

Principais Resultados e Medidas 

Os desfechos coprimários pré-especificados foram a associação da depressão clínica com hipotireoidismo ou autoimunidade.

Resultados 

De 4350 artigos selecionados, 25 estudos foram selecionados para metanálise, incluindo 348 014 participantes. Hipotireoidismo e depressão clínica foram associados (OR, 1,30 [IC 95%, 1,08-1,57]), enquanto a OR para autoimunidade foi inconclusiva (1,24 [IC 95%, 0,89-1,74]). 

As análises de subgrupo revelaram uma associação mais forte com hiperespeito do que com hipotireoidismo subclínico, com ORs de 1,77 (IC 95%, 1,13-2,77) e 1,13 (IC 95%, 1,01-1,28), respectivamente. 

Análises de sensibilidade resultaram em estimativas mais conservadoras. 

Em uma análise post hoc, a associação foi confirmada em indivíduos do sexo feminino (OR, 1,48 [IC 95%, 1,18-1,85]), mas não em indivíduos do sexo masculino (OR, 0,71 [IC 95%, 0,40-1,25]).

Conclusões e relevância 

Nesta revisão sistemática e metanálise, o tamanho do efeito para a associação entre hipotireoidismo e depressão clínica foi consideravelmente menor do que se supunha anteriormente, e a associação modesta foi possivelmente restrita ao hipotireoidismo evidente e indivíduos do sexo feminino. 

A autoimunidade por si só pode não ser o fator impulsionador dessa comorbidade.

Introdução

Os sintomas de hipotireoidismo e depressão se sobrepõem em parte, mas há décadas, uma ligação mais específica entre ambos os distúrbios tem sido discutida.

Pesquisas neurobiológicas descobriram alguns mecanismos de hormônios tireoidianos no cérebro, fornecendo possíveis explicações para uma interação com o humor.

Além disso, processos imunológicos podem fornecer uma ligação entre tireoidite autoimune e depressão.

Uma meta-análise de 20186 relatou uma associação substancial da depressão subclínica e clínica com a autoimunidade hipotireoidiana. 

Com uma razão de chances (OR) de 3,31, Siegmann et al estimaram que a cada ano, mais de 20% dos pacientes com tireoidite autoimune experimentam depressão. 

Esta metanálise tem sido criticada, por exemplo, por sua combinação de estudos de base populacional com resultados de ambulatórios, com seu viés em relação a pacientes mais gravemente afetados.

Como os autores associaram o estado tireoidiano a qualquer alteração nos escores de depressão, incluindo e especialmente mudanças abaixo dos pontos de corte para depressão clinicamente relevante, o significado prático dos resultados é incerto.

Em contraste, outra metanálise relatou apenas uma associação fraca e não significativa de hipotireoidismo e depressão (OR, 1,24). 

No entanto, embora este estudo seja uma metanálise individual de dados de pacientes, foi baseado em apenas 6 estudos e se restringiu ao hipotireoidismo subclínico.

Como resultado, a existência e a extensão de uma associação entre hipotireoidismo e depressão clínica ainda não estão claras. 

Além disso, se houve tal associação, não se sabe se hipotireoidismo ou autoimunidade é a força motriz. 

Portanto, realizamos uma revisão sistemática e metanálise de estudos que apresentam dados sobre hipotireoidismo (subclínico ou evidente) e depressão clínica. 

Para reduzir o viés de seleção, restringimos a metanálise a estudos epidemiológicos e de base populacional.

Discussão

Nossa análise produziu 3 resultados principais. (1) Há uma associação moderada de hipotireoidismo evidente e menos subclínico com depressão clínica. (2) Não há associação estatisticamente significativa da positividade verificada de anticorpos TPO com depressão clínica. (3) Encontramos uma associação mais forte de hipotireoidismo e depressão clínica em indivíduos do sexo feminino do que em indivíduos do sexo masculino.

• Hipotireoidismo e Depressão

O hipotireoidismo e a depressão clínica estão associados a uma OR de 1,3 e ainda menores quando apenas estudos com baixo risco de viés são incluídos ou, se possível, o viés de notificação é levado em consideração. 

No entanto, há evidências de uma relação dose-efeito, conforme indicado por uma OR de cerca de 1,1 para hipotireoidismo subclínico e 1,8 para hipotireoidismo franco.

A extensão da associação é mais fraca do que o que às vezes parece ser assumido na prática clínica e, em parte, na pesquisa psiquiátrica. 

Também está em desacordo com o trabalho de Loh et al,4 que estimaram que a associação de hipotireoidismo subclínico e depressão seja de 2,35 em sua metanálise. 

No entanto, eles analisaram um número menor de estudos (n = 15) e estudos mistos de caso-controle e coorte. 

Em nossa opinião, a divisão entre estudos de caso-controle e coorte precisa ser fortemente enfatizada.

Estudos de caso-controle são frequentemente realizados em centros de atendimento terciário com preponderância de casos graves, não representativos da população em geral. 

Para evitar o viés inerente aos estudos de caso-controle, Wildisen et al realizaram uma metanálise de dados individuais de pacientes verificados em 6 estudos de base populacional. 

Ao contrastar probandos subclínicamente hipotireoidianos e eutireoidianos, eles estimaram que os primeiros pontuaram uma média de 0,29 (IC 95%, -0,17 a 0,76) pontos acima no Inventário de Depressão de Beck, menos de 0,5% da largura da escala, irrelevante na visão dos autores.

Em comparação com a medição contínua da depressão por Wildisen et al, focamos em um desfecho dicotômico: depressão clinicamente relevante, conforme definido pelos autores do estudo. 

Estatisticamente, é aconselhável usar resultados contínuos. No entanto, com medidas contínuas, como a Hamilton Rating Scale for Depression, diferenças estatisticamente significativas entre indivíduos com e sem hipotireoidismo podem ser clinicamente sem importância, desde que as diferenças permaneçam abaixo dos limites patológicos. 

Nesse sentido, o uso de pontos finais contínuos corre o risco de criar resultados falso-positivos.

No entanto, nossos resultados estão de acordo com Wildisen et al. Zhao et al estimaram uma maior associação de hipotireoidismo subclínico e depressão (OR, 1,75 [IC 95%, 0,97-3,17]), embora de significância limítrofe. 

Vale ressaltar que eles incluíram menos e menores estudos e mediram maior heterogeneidade, indicando a natureza preliminar de seu resultado.

• Autoimunidade e Depressão

Não encontramos uma associação estatisticamente significativa de autoimunidade e depressão. 

Até onde sabemos, esta é a primeira meta-análise com foco em amostras da população em geral com status de anticorpos TPO documentado. 

Nossos achados estão em desacordo com uma meta-análise recente publicando um OR de 3.3. 

Esta seria uma associação muito forte, como indicado pela projeção de Siegmann et al de que, anualmente, mais de 20% dos pacientes com hipotireoidismo autoimune experimentam depressão. 

Com nossos resultados, os números estão na faixa de 7% a 9%, pouco acima da prevalência populacional.

Vale ressaltar as diferenças entre as 2 abordagens; ao restringir nosso estudo a estudos epidemiológicos, esperamos que nossos resultados sejam menos vulneráveis a vieses decorrentes do uso de amostras de clínicas de endocrinologia ou psiquiatria. 

Restringimos nossas análises à positividade verificada de anticorpos TPO, enquanto Siegmann et al consideraram o hipotireoidismo em geral uma proxy para a autoimunidade e incluíram 35 168 indivíduos, em oposição a 47 707 na presente investigação.

Em nossa amostra de estudos, o status de anticorpos TPO foi medido em indivíduos com eutireoidismo, exceto nas investigações de Engum et al e Pop et al.

Portanto, excluímos ambos os estudos em uma análise de sensibilidade e descobrimos que os resultados ainda são retidos; o OR caiu ligeiramente para 1,23 (IC de 95%, 0,87-1,73) sem atingir significância estatística.

Nosso resultado pode refletir em parte a preponderância do hipotireoidismo subclínico em indivíduos com positividade de anticorpos TPO, mas também pode ter influência em considerações fisiopatológicas, em particular tendo em vista as análises negativas considerando viés de relato, estudos de baixo risco de viés e estudos de base populacional no sentido estrito. 

Possivelmente, não é o distúrbio do sistema imunológico que explica a comorbidade. 

O hipotireoidismo pode funcionar de forma diferente. Vias mais específicas à parte, estudos realizados por Patten et al mostram que, de maneira inespecífica, muitos distúrbios crônicos aumentam o risco de ter depressão.

• Diferencial de Sexo

Uma análise post hoc confirmou a associação de hipotireoidismo e depressão em indivíduos do sexo feminino (OR, 1,5), mas não em indivíduos do sexo masculino (OR, 0,7). 

Esse possível gradiente pode ser causado por diferenças fisiológicas. Em um ensaio clínico randomizado, a tiroxina complementar suprafisiológica em pacientes com depressão e transtorno bipolar foi eficaz em indivíduos do sexo feminino, mas não no sexo masculino.

Por outro lado, indivíduos do sexo feminino com hipotireoidismo subclínico não se beneficiaram em relação aos sintomas depressivos quando receberam tiroxina antenatal em comparação com placebo.

De qualquer forma, esse achado pode ser falso positivo porque os resultados foram relatados por sexo em apenas 4 estudos e o sexo foi incluído em ajustes em vários estudos.

• Limitações

A inclusão de uma infinidade de estudos levou a variações no desenho do estudo e nos métodos de avaliação. 

Por exemplo, o estudo de Benseñor et al foi realizado com funcionários públicos. No entanto, consideramos improvável que tal seleção introduza viés. Não investigamos riscos absolutos, e um viés diferencial parece improvável nos estudos incluídos. No entanto, em uma análise de sensibilidade, restringimos nossa estimativa resumida a estudos estritamente baseados na população, e os resultados não mudaram substancialmente (eTabela 2 no Suplemento). 

Outra limitação surge dos diferentes processos de recrutamento de estudos. A maioria das amostras consistiu em amostras aleatórias ou registros completos da população, e outras, como Bould et al, recrutaram participantes de um ambiente de atenção primária ou ambulatorial, possivelmente introduzindo vieses. 

Tranquilamente, deixar de fora tais estudos não mostrou resultados substancialmente diferentes.

Várias investigações incluíram pacientes tomando medicação tireoidiana, o que pode ter obscurecido uma associação de hipotireoidismo subjacente com depressão. 

No entanto, quando contrastamos estudos com vs aqueles sem ingestão de medicação tireoidiana, encontramos uma associação mais forte com medicação (eTabela 2 no Suplemento). 

Portanto, nesses estudos, a medicação tireoidiana pode ser um indicador de distúrbio tireoidiano grave, em vez de um tratamento bem-sucedido da depressão.

Além disso, vários estudos usaram valores de corte para casos, mas, em sentido estrito, os pontos de corte representam uma variedade de sintomas e não entidades diagnósticas. 

No entanto, eles servem ao seu propósito como aproximações razoavelmente boas em grandes estudos epidemiológicos, conforme discutido, por exemplo, no artigo de Engum et al da Noruega. 

No entanto, realizamos uma análise de sensibilidade restrita a esses estudos e encontramos apenas diferenças marginais em relação à análise principal (eTabela 2 no Suplemento).

A heterogeneidade entre os estudos, medida por I2, foi substancial em várias análises. Estudos únicos exerceram uma forte influência no I2, mas sua eliminação da análise não mudou significativamente os principais resultados. É importante ter em mente que, com grandes tamanhos de amostra, como em nosso estudo com um N combinado próximo a 350 mil indivíduos, espera-se que o I2 seja grande. Um indicador de heterogeneidade independente do tamanho da amostra é o tau, e o fato de o tau ser baixo apoia a robustez de nossos achados (Tabela 2; eTabela 2 no Suplemento). 

Em suma, enquanto os intervalos de confiança e ainda mais os intervalos de previsão mostram que efeitos maiores ou menores continuam sendo uma possibilidade, as evidências atuais sugerem uma associação moderada de hipotireoidismo e depressão clínica.

Não podemos tirar conclusões sobre o hipotireoidismo na gravidez porque, em nossa amostra de estudos, os gestantes foram frequentemente excluídos com base na suposição de que o hipotireoidismo na gravidez difere do observado na população em geral. 

Recentemente, no entanto, Minaldi et al publicaram uma metanálise especificamente sobre gravidez e período pós-parto e encontraram uma associação semelhante ao nosso resultado. 

Nos 5 estudos resumidos, a razão de risco de desenvolver depressão pós-parto entre indivíduos que foram positivos para anticorpos TPO em comparação com aqueles não afetados foi de 1,49 (IC 95%, 1,11-2,0). 

Assumindo uma relação causal, pelos números deste estudo, 1 em cada 21 indivíduos do sexo feminino com anticorpos TPO experimentará depressão pós-parto devido à sua condição tireoidiana. 

Tendo como pano de fundo a prevalência geralmente assumida de 10% a 15% de depressão pós-parto, o achado apoia a prática clínica atual, porque nos indivíduos que deram à luz recentemente, o pessoal de saúde precisa estar ciente da depressão incidente.

Como foi necessário calcular associações para muitas das amostras incluídas, os tamanhos dos efeitos diferem em graus de ajuste. 

Tentamos compensar isso incluindo tamanhos de efeito minimamente ajustados. Isso, por sua vez, pode ter levado a uma superestimação das associações.

• Conclusões

Talvez seja hora de reconsiderar o paradigma de uma forte conexão entre hipotireoidismo e depressão. 

Os resultados de outros grupos e nossos próprios achados indicam que a contribuição do hipotireoidismo para a pandemia de depressão é provavelmente pequena. 

Esta é uma boa notícia para pacientes com hipotireoidismo ou, em particular, com autoimunidade tireoidiana. 

No aconselhamento, podemos não ser capazes de descartar a depressão como uma comorbidade, mas ela não está aparecendo grande como uma ameaça muito provável. 

Em relação à pesquisa, parece que a autoimunidade não é um forte impulsionador de sintomas afetivos. 

Um elo mais promissor parece ser o nível de hormônios tireoidianos e distúrbios do eixo hipotalâmico da hipófise adrenal/hipotalâmica da hipófise. 

Finalmente, nossos resultados apontam para um possível efeito do sexo na interação do hipotireoidismo e depressão.

Fonte: 
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A falácia do ser saudável só porque não usa medicamentos e sim suplementos

Ao longo de quase 15 anos de consultório percebi que tenho um público bem peculiar. A grande maioria dos meus pacientes são "naturebas" e as hipóteses que levanto para isso são diversas. 

Relutei em escrever esse artigo pois talvez não saberia as palavras corretas para expressar o que sinto, porém, percebo que chegou a hora. Então senta que lá vem verdades difíceis de se engolir.

Ninguém é melhor/superior porque não faz uso de uma medicação alopática. Ninguém é superior/melhor porque faz uso de suplementos.

Confuso? Não se eu explicar o contexto...

É de praxe meus pacientes por serem "mais naturebas" acreditarem que quem faz uso de medicações alopáticas estão intoxicados com substâncias estranhas ao nosso corpo. Como se estivessem intoxicados com drogas. Mero julgamento preconceituoso. 

O engraçado é que esses mesmos pacientes acreditam que por estarem utilizando suplementos (em sua maioria por autosuplementação) estão mais saudáveis e livres de substâncias químicas no corpo. Ledo engano. Mais uma fez, mero julgamento preconceituoso e dessa vez acrescento: ignorante. 

As pessoas esquecem que:
  1. A grande maioria das formulações ditas "naturais" possuem conservantes e isso inclui uma série de substâncias que podem ser deletérias para o ser humano se utilizadas em longo prazo. Vocês acham mesmo que um nutriente ficará 1 ano em um pote, sem puxar umidade se não tiver algum agente que combata isso? 
  2. Os polivitamínicos/poliminerais que alguns se gabam em utilizar, na verdade podem estar fazendo mal, pois de acordo com o solo da região, alguns minerais podem já estar disponíveis excessivamente pela alimentação. Não raro, no cerrado encontramos pacientes com excesso de cobre, principalmente quando utilizam polivitamínicos. Por isso sempre deixo claro: Polivitamínicos tem indicações muito específicas.
  3. As cápsulas desses suplementos ou fórmulas muitas das vezes tem pigmentos, corantes artificiais.
  4. Muitos desses suplementos quando são em sachês levam edulcorantes sintéticos, conservantes, corantes artificiais e que podem ser deletérios para a saúde humana quando utilizados em longo prazo. 
  5. Geralmente quem decide ser "natureba" e utilizar vários suplementos por conta própria acaba utilizando inúmeras cápsulas/sachês e isso tudo ao longo do dia pode levar a uma ingestão alta dessas substâncias estranhas para o nosso organismo.
  6. A indústria farmacêutica gera resíduos e é obrigada a tratar esses resíduos. Está submetida legislação ambiental no Brasil e em outros países. Vocês sabiam que a maior parte dos insumos farmacêuticos de farmácias de manipulação são oriundos da Índia de China? Que eles geram alto impacto ambiental e nas próximas décadas veremos o preço de minerais e vitaminas subir por conta da poluição gerada para a fabricação dos mesmos? Ou seja, a ingestão de tais substâncias pode não ser tão sustentável e ecologicamente correto.
  7. As vezes o que usa medicação alopática ingere apenas a droga que está na medicação, mas no restante o dia ingere apenas comida de verdade ou poucos ultraprocessados. 
  8. Hormônios naturais não existem, todos são sintéticos, bioidênticos ou não. Hormônio natural somente o que o bicho homem produz. 
Sendo assim, caro leitor natureba, não se iluda achando que é superior por que faz uso de vários suplementos. 

O ideal mesmo é que consigamos adquirir todos os nutrientes pela alimentação ou que se  quando utilizarmos fórmulas, que seja com o mínimo de substâncias adicionadas ao produto. Resumindo, o produto mais limpo possível. 

Autor: Dr. Frederico Lobo - Médico Nutrólogo - CRM-13192, RQE 11915



Estudo conclui que a taxa de elevação do IMC em crianças quase dobrou durante a pandemia



A taxa de mudança no índice de massa corporal em crianças quase dobrou de março a novembro de 2020 em comparação com a taxa de mudança de IMC antes da pandemia de Covid-19, de acordo com um estudo publicado na quinta-feira no relatório do Centers for Disease Control and Prevention dos EUA sobre morbidade e mortalidade.

A equipe do CDC usou um banco de dados de prontuários médicos para comparar as mudanças no IMC em 432.302 crianças dos EUA entre 2 e 19 anos antes e durante a pandemia. 

O IMC é uma medida que usa dados de altura e peso para rastrear mudanças no peso em relação à altura.

Todas as crianças do estudo experimentaram aumentos significativos em sua taxa de mudança de IMC durante a pandemia, exceto as crianças com baixo peso, constatou o relatório.

O aumento foi especialmente alto em crianças mais novas e com obesidade.
"As crianças em idade pré-escolar e escolar, particularmente aquelas com obesidade, tiveram aumentos maiores no IMC associados à pandemia do que os adolescentes", escreveu a autora correspondente Samantha Lange, epidemiologista da equipe de saúde e saúde da população do CDC.

Isso pode ser devido ao fechamento de muitas creches e escolas primárias durante a pandemia, o que reduziu o acesso a escolhas alimentares mais saudáveis e organizou programas de exercícios, de acordo com o relatório.

Em crianças com obesidade, a taxa de mudança foi 5,3 vezes maior durante a pandemia, o que poderia levar a um ganho de peso significativo, disse o relatório.

Durante os oito meses do período do estudo, crianças com "obesidade moderada ou grave ganharam em média 0,45 e 0,54 kg por mês, respectivamente", escreveu a equipe do CDC.

"O ganho de peso nessa taxa ao longo de 6 meses é estimado em 2,8 e 3,5 quilogramas, respectivamente, em comparação com 1,2 quilos em uma pessoa com peso saudável."

Os autores disseram que o estudo é a "maior e primeira análise geograficamente diversa" analisando o impacto da pandemia no IMC e a "primeira a mostrar resultados por categoria inicial de IMC".

O que as famílias podem fazer?

Existem maneiras apoiadas por evidências pelas quais os adultos podem ajudar a lidar com o ganho de peso pandêmico de seus filhos (bem como o seu próprio).

Vá andando. Ir ao ar livre ao ar livre ajuda corpos de qualquer idade. A luz solar ajuda no sono, assim como uma caminhada rápida, o que também é bom para o seu coração. Desafie seu filho -- quem pode andar mais rápido? (Psst -- você tem que deixá-los ganhar às vezes.)
Há muitos jogos e atividades familiares organizados que você pode experimentar -- mesmo que seja apenas desenhando na calçada por diversão. Dê uma olhada nesta lista da CNN de 100 coisas que você pode fazer com seus filhos (ou não) para ter algumas ideias.

Embale sua casa com alimentos saudáveis. 

As crianças fazem o que os pais fazem, então seja um modelo a seguir. 

Leve seu filho para fazer compras de supermercado e escolha itens saudáveis. Limite a quantidade de alimentos processados que você traz para dentro de casa. Quando você os servir como lanches ou guloseimas, observe o tamanho das porções.
Comedores exigentes e amantes de não vegetais podem ser empurrados para comer vegetais assistindo os membros da família apreciá-los e tendo um pouco no prato, noite após noite.

A dieta mediterrânea ganha prêmios a cada ano por seus benefícios para a saúde - menor risco de diabetes, doenças cardíacas, demência e muito mais. Também é bom para perda de peso e inclui muitas opções que agradam às crianças, como comida em palito e pizza vegetariana (incluindo esta receita de torta com um rosto fofo).

Desligue as telas, dentro do razoável. 

Tem sido difícil limitar o tempo de tela durante a pandemia. Mesmo especialistas que pedem limitar o tempo de tela entendem isso.

Os pais não estão permitindo que as crianças usem dispositivos eletrônicos por qualquer "pensamento ou negligência ruim ou malicioso. Eles estão fazendo isso porque é uma solução fácil para uma situação complexa - que é uma criança frustrada, faminta, cansada e um pai frustrado, faminto e cansado", disse o Dr. Wendy Sue Swanson, pediatra geral e chefe de inovação digital do Seattle Children's Hospital, em uma entrevista anterior à CNN.

"Eu entendo por que você faz isso. Eu também faço isso", disse Swanson. "Mas todos nós temos que trabalhar muito duro para perceber que é uma solução super fácil e que a maneira mais difícil pode ser melhor e, no final, pode ser mais benéfica."

Veja por que é tão importante: Além do ganho de peso e da falta de exercício, estudos mostraram que a visualização excessiva da TV está ligada à incapacidade das crianças de prestar atenção e pensar claramente, ao mesmo tempo em que aumenta os maus hábitos alimentares e problemas comportamentais. Associações também foram mostradas entre tempo excessivo de tela e atraso na linguagem, sono ruim, função executiva prejudicada e diminuição do envolvimento pai-filho.

A Academia Americana de Pediatria tem ferramentas para calcular o tempo de mídia do seu filho e, em seguida, estabelecer um plano de mídia familiar.

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